Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18318/17.1T8LSB-C.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
PENHOR
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :

Havendo contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento quanto à graduação de garantias, concretamente do penhor de conta bancária e do privilégio creditório mobiliário geral, há que admitir a revista excecional.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 18318/17.1T8LSB-C.L1.S2


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


No processo de execução em que é Exequente AA e Executada “S..., Lda”, foi penhorado o saldo existente na conta de Depósito a Prazo MN Residentes n.º ..., titulado pela Executada.


Para garantia das obrigações emergentes do mencionado contrato de crédito em conta corrente, a ora Executada S..., Lda, e o Banco BPI S.A. celebraram um Contrato de Penhor a que foi atribuído o n.º ....


Nos presentes de autos de reclamação de crédito que correm por apenso àquela execução, a BANCO BPI, S.A. reclamou a quantia de € 39.265,84 relativa a valores disponibilizados pela Reclamante na referida conta corrente, acrescidos de juros.


Tanto a Executada como o Credor Reclamante vieram interpor recursos de revista excecionais do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.10.2023, que conheceu do mérito da causa e que foi proferido no âmbito da verificação e graduação de créditos.


Não houve contra-alegações.


Em ambos os recursos de revista excecionais foi invocada exclusivamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 671.º do CPC (contradição de Acórdãos).


A Executada, S..., Lda, identificou uma questão de direito, a saber, a graduação do penhor sobre uma conta bancária relativamente ao privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, tendo indicado como Acórdão fundamento atinente à questão o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 681/11.0TYVNG-A.P1.S1.


No Acórdão proferido no Tribunal da Relação nesse processo afirmou-se que “a garantia de penhor de que beneficia o BPI, S.A. prevalece sobre o privilégio mobiliário geral de que beneficiam os créditos dos trabalhadores, havendo, por efeito, que dar pagamento do crédito do BPI, S.A., dentro dos limites daquela garantia, antes do pagamento daqueles créditos (privilegiados) do trabalho”. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou especificamente sobre esta questão, mas não deixou de afirmar que “no confronto entre um direito de crédito garantido por privilégio mobiliário geral e um direito de crédito garantido por penhor, é em princípio este que prevalece na ordem de graduação, conforme decorre do princípio geral previsto no n.º 1 do artigo 666.º do Código Civil”, acrescentando embora que “[todavia] a lei pode dispor noutro sentido”. Em todo o caso, e tendo-se mantido a graduação operada pelo Tribunal da Relação, há que reconhecer a existência da alegada contradição


O Credor Reclamante BPI identificou duas questões no seu recurso, a saber, a natureza do penhor sobre uma conta bancária que seria, em seu entender, um genuíno direito real, dotado de sequela – questão relativamente à qual identificou como Acórdão fundamento o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 454/14.8TVPRT.P1.S1 – e a questão da graduação do penhor de conta bancária relativamente ao privilégio mobiliário geral dos créditos laborais – questão relativamente à qual identificou como Acórdão fundamento o Acórdão proferido a 16-01-2018, pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 24067/16.0T8SNT-A.


Ainda que o Recorrente tenha identificado duas questões, afigura-se que se trata antes, e mais precisamente, de dois aspetos da mesma questão, a relativa àquela graduação que depende da resposta prévia quanto à natureza jurídica do penhor sobre um valor ou uma coisa incorpórea.


Sublinhe-se, contudo, que o Acórdão proferido no processo n.º 454/14.8TVPRT.P1.S1 analisa o penhor de conta bancária e carateriza-a como “uma figura derivada do penhor bancário, que se caracteriza pela circunstância de determinados depósitos bancários ficarem afetos ao pagamento de certas dívidas, através da cativação do saldo em conta, pelo facto de os depositantes se obrigarem a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas e, finalmente, por autorizarem o banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas”, mas sem se pronunciar, em rigor, quanto à natureza real do referido penhor.


Já quanto ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 24067/16.0T8SNT-A existe efetivamente uma contradição. Decorre do relatório do referido Acórdão que também estava em causa nesse caso o penhor de uma conta bancária e, sem discutir se tal penhor era, ou não, um direito de natureza real, o Acórdão considerou ser-lhe aplicável a disciplina geral do penhor e graduou-o “acima” do privilégio imobiliário geral dos trabalhadores. Pelo contrário o Acórdão recorrido considerou que o penhor de uma conta bancária incidindo sobre coisa incorpórea não era um direito real oponível erga omnes e graduou-o “abaixo” do privilégio mobiliário geral.


Decisão: Admitem-se as revistas excecionais interpostas.


Custas a decidir a final.


Lisboa, 22 de maio de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto