Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
546/22.0PBCVL.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
VIOLAÇÃO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I – Apesar de sucintamente, o acórdão recorrido ponderou a aplicação do regime penal especial para “jovens adultos” estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09, cumprindo o “poder- dever” que a lei lhe impunha, face à idade do arguido à data da prática dos factos e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com idades entre os 16 e os 21 anos, embora não seja de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.


II - E demonstrou a inviabilidade de, neste caso, extrair dos factos provados sérias razões para acreditar que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do recorrente, considerando o modo de execução ardilosa e oportunista do crime por que foi condenado, as graves consequências dele resultantes para a ofendida, o seu comportamento anterior, contemporâneo e posterior ao seu cometimento, sem assunção da sua prática e, consequentemente, da interiorização do correspondente desvalor ou qualquer manifestação de arrependimento e de vontade reparadora ou interesse pelo estado e sofrimento da vítima, ausência de retaguarda familiar e de suporte económico, associada a hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas.


III - Sem beliscar o que se referiu a propósito da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto da pena fixada no acórdão recorrido e da observância e respeito pelas operações a realizar e das finalidades e critérios legalmente definidos para a determinação da sua medida, afigura-se haver, in casu, razões justificativas da redução da pena de 7 (sete) anos de prisão nele fixada, dentro da respetiva moldura abstrata, situada entre os 3 (três) e os 10 (dez) anos de prisão, nele igualmente considerada, fixando-a em 6 (seis) anos, por se mostrar mais justa, proporcional e bastante para acautelar as finalidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, em linha, de resto, com o que se decidiu nos referenciados acórdãos do STJ, referencial jurisprudencial cuja consideração e respeito, como tem sido por este afirmado, constitui um elemento decisivo para o melhor exercício do jus puniendi e confere uma reforçada garantia da adequação, necessidade e justiça das penas aplicadas.


IV - Não tendo a indemnização aqui em apreço, atendendo à natureza dos danos em causa, imateriais e insuscetíveis de tradução pecuniária, a finalidade de reconstituir o ofendido na situação em que se encontrava antes do ato lesivo dos seus direitos – reconstituição natural – ou sequer a de, nessa impossibilidade ou excessiva onerosidade do devedor, os indemnizar segundo os princípios da equivalência e da diferença, nos termos dos artigos 562º e ss. do CC, deve a mesma ser fixada segundo um juízo de equidade, nos termos do artigo 496º, por referência e consideração das circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, deste modo se acautelando a arbitrariedade ou mesmo discricionariedade mais ou menos subjetiva do juízo prudencial do tribunal.


V - No caso em apreço é muito elevado o grau de culpabilidade do recorrente, que atuou com intenso dolo direto, sendo as demais circunstâncias do caso `reveladoras de uma atuação calculista, violenta e de indiferença perante o sofrimento da assistente ofendida, sem manifestação de qualquer sinal de arrependimento ou de vontade reparadora do mal que lhe infligiu e das muito nefastas, profundas e vitalícias consequências dele resultantes para a sua saúde e bem-estar físico e psíquico, autoestima, realização pessoal e profissional, capacidade e gosto pela vida e relacionamento social, indo ao extremo de lhe provocar ideação suicida e de a tornar dependente de permanente acompanhamento psicológico e psiquiátrico.


VI – Pelo que se considera ajustado, não especulativo e naturalmente aquém dos gravíssimos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida e assistente, o valor indemnizatório de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) fixado no acórdão recorrido, não havendo necessidade, nem justificação para qualquer intervenção corretiva deste STJ, tanto mais que, ao contrário do alegado pelo recorrente, essa importância se compagina e compreende dentro da sua habitual bitola para casos similares, ressalvadas as naturais especificidades de cada caso.


VII – Nem a circunstância de o arguido e recorrente não ter atualmente quaisquer rendimentos ou projeto de emprego futuro, nomeadamente em função e após o termo da situação de reclusão em que se encontra, pode obstar à sua condenação no pagamento de uma indemnização a favor da vítima ofendida, como o próprio reconhece, embora propondo um valor que, considerando aquelas outras circunstâncias, se afigura marcadamente “miserabilista” e à revelia da avaliação atualista da importância dos bens jurídicos violados e mesmo do valor do dinheiro necessário e capaz de compensar efetivamente os danos não patrimoniais por esta sofridos, tendo em atenção a sua constante erosão, em razão da inflação e da normal desvalorização monetária.


VIII - Com efeito, se por um lado, não se devem fixar valores indemnizatórios inflacionados e suscetíveis de poder ser encarados quase como um enriquecimento sem causa e conducentes à ruína e indigência económico-financeira do obrigado, também não é próprio fixá-la em níveis meramente simbólicos e que não se traduzam em verdadeiro sacrifício do lesante, atendendo à natureza também reconhecidamente sancionatória, e não meramente compensatória, deste dever de indemnizar as vítimas de crimes por parte dos respetivos agentes, devendo nessa busca de equilíbrio, é dizer da equidade legalmente reclamada, dar prevalência aos bens jurídicos violados e à medida dos danos sofridos pela vítima, desde que, num juízo prospetivo se possa antever que o arguido obrigado tem condições para, em liberdade, sem pôr em causa a sua própria sobrevivência, satisfazer a obrigação indemnizatória em que tiver sido condenado, como ocorre neste caso.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 546/22.0PBCVLC1.S1.


(Recurso Per Saltum)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão, de 21.12.2023, do Juízo Central Cível e Criminal ... (JCCC...) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, foi o arguido AA, nascido em ........2004, em ..., com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) IV. DISPOSITIVO


Nestes termos, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, este Tribunal Colectivo decide:


A – NA PARTE CRIMINAL:


a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação, p. e p. previsto e punido pelo artigo 164.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) e 3, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.


(…)


B – NA PARTE CÍVEL:


a) Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido ofendida/assistente BB contra o demandado/arguido AA, condenando este no pagamento à ofendida da quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a data da vertente decisão, até efectivo e integral pagamento.


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 25.01.2024, recurso para o Tribunal da Relação, apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


« CONCLUSÕES:


I – O Arguido AA foi condenado na douta decisão recorrida:


A – NA PARTE CRIMINAL:


a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação, p. e p. previsto e punido pelo artigo 164.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) e 3, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.


b) Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo, por força do disposto nos artigos 513.º e 514.º do CPP, e artigo 8.º, n.º9, do Regulamento das Custas Processuais e conexa tabela III, anexa, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC.


B – NA PARTE CÍVEL:


a) Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido ofendida/assistente BB contra o demandado/arguido AA, condenando este no pagamento à ofendida da quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a data da vertente decisão, até efectivo e integral pagamento.


b) Custas pelo demandado e pela demandante, na proporção do decaimento, sem prejuízo pelo benefício do apoio judiciário.”


II – Não se conforma o Arguido/Recorrente com a decisão em referência e materializada em Acórdão.


III – Salvo o devido respeito, que é muito, a apreciação feita no Acórdão ora recorrido não é a mais acertada quanto à medida da pena de prisão, nem quanto ao valor arbitrado a título de indemnização civil.


IV – A pena de prisão de 7 anos aplicada ao Recorrente foi de uma dimensão tal, que segundo considerações objectivas, extravasou o modelo, o espaço e o grau de ilicitude próprios dos tipos base.


V – Por sua vez o valor da condenação civil é extremamente elevada, extravasando desproporcionalmente os valores que a jurisprudência dominante aplica.


VI – Sempre com o devido respeito o tribunal “a quo” não procedeu ao correto e criterioso enquadramento jurídico penal de facto, ali dado como provado, quanto à matéria de direito por violação dos artºs 40º, 70º a 74º do Código Penal, a que acresce a não aplicação do regime especial para jovens, previsto no DL nº 401/82 de 23 de Setembro.


VII – Impõe-se assim uma revisão e diminuição da pena aplicada e da indemnização civil arbitrada.


VIII – Com efeito o Arguido cometeu os factos aos 18 anos de idade.


IX – Naquela famigerada noite/madrugada dois jovens que não falam a mesma língua, nem a mesma linguagem conhecem-se sob o efeito do álcool.


X – Dois miúdos imberbes, sem qualquer anterior relação sexual, desconhecedores em absoluto dessa prática, à descoberta sabe-se lá do quê e com curiosidades mais que muitas.


XI – A Ofendida sai pela manhã do quarto do Recorrente e nessa mesma manhã vai com os seus colegas numa visita de estudo, retomando a sua normalidade de vida académica o que se saúda e enaltece.


XII – É por isso que o legislador, visou com o regime especial para jovens “consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reações da sociedade” quanto aos jovens delinquentes daquela faixa etária.


XIII – Acresce que, não se pode escamotear que o Arguido é um Refugiado, originário do ..., com tudo o que isso encerra, daí que tenha ficado provado que: “tem um comportamento volátil, baixa literacia, com sintomatologia de depressão pós traumática, sendo referida uma história de vida de abandono, maus tratos, vivência de guerra e luta pela sobrevivência no seu país de origem”.


XIV – Acresce ainda que o Arguido não regista antecedentes criminais.


XV – Salvo melhor opinião, no que não se concede, o Tribunal não valorou devidamente as circunstâncias pessoais de vivência do Arguido.


XVI – Faltou assim melhor ponderar a personalidade jovem, impulsiva, imatura e essencialmente extremamente traumatizada e sofrida do Arguido.


XVII – Não lhe conceder o benefício da aplicação do regime especial para jovens é colocar erro em cima de erro, choca inclusivamente com os interesses fundamentais da comunidade, não se permitindo o reequilíbrio pessoal do Arguido, nem potencializando a sua reinserção social.


XVIII – Subjaz na decisão recorrida, um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, como se o julgador procurasse atingir a sua neutralização social duradoura.


XIX – Não há pena sem culpa, mas a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa


XX – A comunidade efectivamente necessita de sentir que este tipo de criminalidade é deveras punido, porém necessita também de sentir que a pena aplicada é justa, proporcional e adequada ao caso concreto.


XXI – Tratou-se de um acto isolado e não se vislumbrou no ora Recorrente uma personalidade manifestamente propensa ao cometimento de crimes sexuais.


XXII – Na determinação da medida da pena deve ter-se em conta o sentido de equilíbrio e justiça (sempre relativa) que deve permanecer nos casos similares apreciados e julgados.


XXIII – A douta decisão recorrida enferma de demasiada severidade dado o grau de culpa do Arguido.


XXIV – O País que o acolheu não pode/não deve agora puni-lo e abandoná-lo.


XXV – Claramente ainda vai o Recorrente a tempo de apresentar um percurso de vida afastado de qualquer vida de crime.


XXVI - Daí que o Relatório Social na sua conclusão refira que “seria importante uma intervenção estruturada nas áreas das competências sociais, essencialmente na componente laboral, social e de saúde”


XXVII – É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o Arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa, face às circunstâncias acima expostas, que não deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão.


XXVIII – Aplicada uma pena inferior, ainda que efetiva, mas mais próxima dos limites mínimos da moldura penal legalmente admissíveis, respeitar-se-ão as normas dos artºs 70º e 71º do Código Penal.


XXIX – Embora a pena privativa da liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio coletivo, tem sempre de se sobrepor a necessidade de ressocializar o infractor.


XXX – O valor arbitrado a título de indemnização civil no montante de € 50.000.00 (cinquenta mil) euros é de um manifesto, profundo e inqualificável exagero.


XXXI – Bastará comparar com valores arbitrados na Jurisprudência, nestas circunstâncias (cfr. www.dgsi.pt ou em Sumários de Acórdãos de 2018 a Dezembro de 2023).


XXXII – O montante aqui arbitrado está equiparado ao dano morte, no que naturalmente não se pode conceder e se requer a sua substancial redução.


XXXIII – Com a redução da pena aos 5 (cinco) anos de prisão e pagamento de quantia não superior a € 12.500.00 (doze mil e quinhentos) euros a título de indemnização civil, realizar-se-á de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


XXXIV – O douto Acórdão, sempre com o devido respeito, violou por deficiente interpretação ou aplicação incorreta os artigos 40º, 70º, 71º, 72º, 73º e 77º do Código Penal, bem como não aplicou e devia tê-lo feito, o Regime Especial para Jovens previsto no DL nº 401/82de 23 de Setembro.


Perante todo o supra exposto,


O ora Recorrente pugna pela revogação do Douto Acórdão e a sua substituição por Decisão que decida em conformidade com as Conclusões descritas e faça a costumada


JUSTIÇA».


3. Após o arguido e recorrente ter correspondido ao convite para apresentar as conclusões da motivação do seu recurso, este foi admitido por despachos do Juiz titular, de 22.02. e 2.04.2024, para subir ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, embora tenha efetivamente sido remetido ao Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), conforme o recorrente havia requerido.


4. O Ministério Público junto do tribunal da condenação, respondeu, em 26.03.2024, ao recurso do arguido, formulando a seguinte conclusão :


«Concluindo, dir-se-á, pois, que a medida da pena aplicada não merece qualquer censura, pelo que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento.


V. Exªs, porém, e como sempre, decidirão como for de Justiça».


5. Também a assistente, BB, respondeu ao recurso do arguido, de que se transcrevem os seguintes excertos:


«1. Cumpre iniciar por sublinhar que o arguido ora recorrente não põe em causa a matéria de facto dada como provada, pelo que é à luz dos concretos factos considerados provados que haverá que se aferir se o douto Acórdão recorrido padece de erro de direito, como alegado pelo recorrente, quer na parte da decisão criminal, quer na parte da decisão cível.


(…)


2. Cumpre igualmente sublinhar que, à luz dos factos provados, raia a insensibilidade e a indiferença por tudo aquilo que a assistente passou e sofreu, e que o arguido nem sequer põe em causa, a sua pretensão no sentido de dar a ideia que o arguido e a ofendida se conheceram num contexto normal, que “acabaram juntos” no quarto do arguido - como se tivesse sido outro acontecimento vulgar - e que estavam “à descoberta sabe-se lá do quê e com curiosidades mais do que muitas”.


Como compaginar esta versão quase prosaica dos acontecimentos, com, entre outros, os pontos 5 a 21, e 28 a 30, dos factos provados?!... É que, destes factos resulta, e telegraficamente, que (i) o arguido ofereceu bebidas alcoólicas à assistente, (ii) aproveitou-se do facto de a mesma estar “embriagada e sem controlo sobres os seus movimentos e comportamentos“ para a levar para sua casa (cfr. fp nºs 7 e 9), mesmo contra a vontade dos amigos da assistente (cfr. fp nº 8), e (iii), contra a vontade expressa e reiteradamente manifestada pela assistente e recorrendo à violência, “beijou-a com chupões na zona do pescoço”, “tocou-a na vagina com as mãos”, “intentou introduzir o pénis na sua vagina”, e “penetrou-a, várias vezes, com o pénis no ânus” (cfr. pf 16 e 20).


E como se isso não bastasse, perpassa ainda pela alegação do recorrente a tentativa de extrair algum efeito do alegado facto (não constante dos factos provados, diga-se) de a assistente, na manhã seguinte aos acontecimentos, ter ido com os seus colegas numa visita de estudo “retomando a sua normalidade de vida académica”. Salvo o devido respeito, trata-se de uma afirmação inaceitável considerando todos os danos que a assistente teve (e continua a ter) decorrentes dos atos praticados pelo arguido e devidamente identificados nos pontos 23, 25 e 48 a 86 dos factos provados, e relativamente aos quais o arguido aqui recorrente não se insurgiu, pois apenas contesta o quantum indemnizatório e não os seus pressupostos. É, repete-se, inaceitável, e até gratuito, pois, mesmo que o Tribunal ad quem pudesse considerar como provado esse facto, dele não resultaria qualquer consequência sobre a decisão sob recurso.


3. Com base na alegação suprarreferida (e refutada), acrescida do facto de o arguido ser refugiado do ... e ter uma personalidade “jovem, impulsiva, imatura e essencialmente extremamente traumatizada e sofrida”, considera o recorrente que o Acórdão a quo violou os arts. 40º, 70º a 74º do Código Penal e não aplicou o regime especial para jovens constante do DL nº 401/82, de 23.09.


No que concerne ao regime penal aplicável aos jovens delinquentes constante do DL nº 401/82, cumpre começar por referir que o recorrente não alegou os pressupostos de que depende a sua aplicação pois, para além deste regime não ser de aplicação obrigatória nem automática, não se basta com o facto de o arguido ter idade entre 18 e 21 anos. Necessário seria a demonstração que a atenuação especial objeto deste regime traria vantagens para a reinserção social do arguido (jovem) sem pôr em causa as exigências de prevenção geral, o que nem sequer foi alegado, muito menos demonstrado, pelo recorrente.


O recorrente produz uma alegação meramente conclusiva e desprovida de factos concretos, não invocando qualquer elemento concreto que permita ao Tribunal concluir (ou, sequer, ponderar) que, fora da prisão, o arguido teria uma estrutura de apoio (família, amigos, emprego, etc.), e que se integraria num meio envolvente adequado a afastá-lo de ambientes, lugares e pessoas que poderiam levá-lo a reincidir na prática de atos da mesma natureza.


Por outro lado, o juízo a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social, não se reduzindo à idade do arguido, como já foi dito, tem que ter em conta todo o condicionalismo do cometimento do crime. O que bem se percebe, pois, a adequada reintegração do arguido na sociedade, depende necessariamente de considerações de natureza preventiva, particularmente especial, cuja avaliação deve ter em conta, entre o mais, a gravidade dos factos perpetrados e as suas consequências, o tipo e a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito, e o comportamento anterior e posterior e a personalidade do arguido à luz dos factos.


Ora, as condições do arguido reveladas nos factos provados que se subsumem no cometimento de um crime de violação agravada, não permitem concluir, como impõe o art. 4.º do DL nº 401/82 que existam “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.


Pelo contrário, e como bem se consigna na decisão sob recurso, este regime não é aplicável ao caso sub judice “atento o elevado grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo direto, que dimana dos factos, o deficit de integração social e familiar do arguido, à negação dos mesmos (vide relatório social; às elevadas necessidades de prevenção geral e especial, à inexistência de circunstâncias atenuantes, tais como, ausência de confissão dos factos, e de arrependimento.”


Quanto às necessidades de prevenção geral que também têm que ser ponderadas, cumpre salientar ainda que as medidas propostas no regime penal especial para jovens, como resulta do próprio preâmbulo do DL n.º 401/82, de 23-09 (ponto 7), não deverão ser aplicadas quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade, o que será, à partida, embora carecendo de apreciação, o caso de a pena aplicável ser de prisão superior a dois anos. E é, seguramente, o caso sub judice.


Pelo que não merece qualquer reparo a decisão sob recurso ao considerar inaplicável o regime penal especial para jovens.


E, no que concerne à determinação da medida concreta da pena, também não há qualquer motivo válido para censurar o Acórdão a quo. (…).


(…)


Face à gritante falta de fundamentação daquilo que o recorrente alega, a ora respondente pouco mais poderá dizer (por falta de objeto a contraditar) do que o seguinte:


 Quanto ao art. 40º: inexiste qualquer fundamento concretamente invocado pelo recorrente que permitisse, sequer, ponderar e verificar o cumprimento do disposto nesta norma;


 Quanto ao art. 70º: não se aplica ao caso dos autos atento o tipo legal de crime pelo qual o recorrente foi condenado, qualificação que o recorrente nem sequer contesta;


 Quanto ao art. 71º: como já se disse, o recorrente não concretiza o alegado incumprimento do disposto nesta norma, limitando-se a formular juízos conclusivos;


 Quanto aos arts. 72º e 73º: manifestamente inaplicáveis por falta de previsão legal;


 Quanto ao art. 74º: só por manifesto lapso é que se pode ter em conta a menção do arguido a este normativo, e;


 Quanto ao art. 77º: igualmente inaplicável na medida em que, in casu, não existem crimes em concurso.


Acresce referir que, compulsado o ponto II.3. do douto Acórdão recorrido (que, por economia, se dá aqui por reproduzido), a conclusão que se impõe é que a escolha e determinação da medida da pena concretamente aplicada ao arguido não merece qualquer censura pois tem total fundamento nos pressupostos de facto considerados provados (relativamente aos quais, reiterase, o arguido não manifestou discordância), e, bem assim, nos pressupostos legais a cumprir, tendo sido devida e exaustivamente demonstrada a subsunção dos primeiros aos segundos.


Não se verifica, como tal, qualquer violação das normas legais invocadas pelo recorrente (arts. 40º, 70º a 74º, e 77º do CP), nem de quaisquer outras.


Por fim, e quanto à censura que o recorrente faz à decisão proferida quanto ao pedido de indemnização cível, não se pode deixar de referir, e passe a expressão, que “é mais do mesmo”.


(…).


Em qualquer caso, cumpre referir que a quantia indemnizatória fixada encontra total fundamento e correspondência nos diversos e profundos danos sofridos pela assistente, e que ainda perduram e perdurarão, danos devidamente identificados nos pontos 23, 25 e 48 a 86 da matéria de facto provada (que, por economia, se dão aqui por integralmente reproduzidos), os quais, uma vez mais se menciona, não foram impugnados pelo recorrente.


Tais danos demonstram de forma inquestionável a adequação e a justeza da decisão que recaiu sobre o pedido de indemnização cível apresentado.


Em suma, e face a tudo quanto se referiu, conclui-se que a decisão a quo não padece de qualquer erro de direito, não interpretou nem aplicou incorretamente os factos ao direito, e não violou qualquer norma legal.


Termos em que deve ser proferida decisão que negue provimento ao recurso interposto a fls pelo arguido, tudo como é de inteira


JUSTICA»


6. O Ministério Público junto do TRC promoveu, em 9.04.2024, a remessa do processo ao STJ, por ser o materialmente competente para dele conhecer, nos termos do artigo 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Código de Processo Penal (CPP), conforme se havia determinado no despacho de admissão.


7. O que mereceu acolhimento no despacho judicial proferido em 10.04.2024, determinando a remessa dos autos ao STJ


8. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 18.04.2024, emitiu fundamentado parecer, que se transcreve parcialmente:


«(…) 6 – Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso interposto, devendo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.


7 – Como flui das conclusões expostas, são objecto do recurso 1) a não aplicação do regime penal especial consagrado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, e 2) a medida da pena aplicada.


7.1 – Considera o recorrente que não lhe conceder o benefício da aplicação do regime especial para jovens é colocar erro em cima de erro, choca inclusivamente com os interesses fundamentais da comunidade, não se permitindo o reequilíbrio pessoal do Arguido, nem potencializando a sua reinserção social (cfr. conclusão XVII).


Como se sumariou em recente acórdão deste Supremo Tribunal (de 26.10.2023), proferido no processo n.º 911/21.0JALRA.C1.S1, da 5ª Secção, “a aplicação do regime penal relativo a jovens delinquentes entre os 16 e os 21 anos a que se refere o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não constitui uma faculdade do juiz mas, antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e a sua aplicação é tanto obrigatória como oficiosa”. Este regime específico ou regime-regra para jovens, não deixa, no entanto, de ser de aplicação não automática, exigindo, concomitantemente, a ponderação dos factos em conjunto com a personalidade do jovem condenado, dado que é pressuposto fundamental que existam sérias razões que convençam que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social.”


Ainda segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal , “a atenuação especial da pena decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados relativos ao ilícito, mas também às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social.


A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter, à data dos factos, idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, nem tão pouco na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado.


Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação.”.


E à semelhança, notável, do caso sobre que se debruçou o referido acórdão de 26.10.2023, patenteando-se, como se salienta no acórdão recorrido, o elevado grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo direto, que dimana dos factos, o deficit de integração social e familiar do arguido, a não assunção dos factos, e o que tal traduz em termos de não interiorização do desvalor do comportamento prosseguido e da ausência de arrependimento, e, por fim, as elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, dir-se-á que as expectativas de uma atenuação por via do regime penal especial para jovens não são sólidas nem consistentes, não sendo, por isso, de aplicar.


Nenhuma censura suscita, pois, a decisão do Tribunal a quo de não aplicação do regime penal especial em causa.


7.2 – Questiona, depois, o recorrente a medida da pena a que foi condenado, pretendendo ser a mesma excessiva, desproporcional e desajustada, pugnando pela sua redução a 5 anos de prisão, ainda que, aceita, de cumprimento efectivo.


Importa, pois, atentar nos fundamentos que, na decisão recorrida, presidiram à escolha e medida das penas:


(…)


Como se vê, o Tribunal a quo ponderou e valorou, de forma detalhada, exaustiva e rigorosa, todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se evidenciam, não suscitando o menor reparo, bem pelo contrário, o exercício crítico que norteou a sua apreciação.


Assim, na ponderação de todos aqueles elementos, e na consideração da moldura penal abstractamente aplicável, prisão de 3 a 10 anos, não se poderá ter por excessiva ou desajustada a pena aplicada, fixada um pouco acima da média da penalidade, antes se configura adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1, e 2, e 71.º, do Código Penal, não se descortinando fundamento para que seja reduzida, já que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente, com correspondência na matéria de facto provada, das quais não se alheou o Tribunal a quo, justifica uma alteração da pena aplicada.


8 – Assim, e pelo que antecede, secundando as tomadas de posição do Ministério Público na 1ª instância e da assistente, na respectiva resposta, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso.


(…)».


9. Observado o contraditório, o recorrente e a assistente não responderam ao parecer do Ministério Público.


10. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:


a) À aplicação do regime penal especial para jovens, estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 [conclusões VI a XVII e XXXIV];


b) À medida da pena aplicada [conclusões III, IV, VI a XXIX, XXXIII e XXXIV];


c) Ao valor da indemnização fixada [conclusões III, V, VII, XXX a XXXIII]


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido:


«(…) II.1 FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Da prova produzida, resultaram os seguintes:


a) FACTOS PROVADOS


1) A vítima BB nasceu a .../.../2003, é estudante na Universidade ..., frequentando o curso de ... e não tinha por hábito consumir bebidas alcoólicas.


2) No dia 10 de Novembro de 2022, antes das 22:30 horas, no decurso de um jantar de confraternização em casa de CC, na cidade da ..., BB ingeriu bebidas alcoólicas (sangria) em quantidade não apurada.


3) Nesse mesmo dia 10 de Novembro de 2022, depois das 22:30 horas, após o jantar, BB deslocou-se, na companhia dos colegas, DD, EE e de CC, a um estabelecimento de bar / diversão noturna, habitualmente frequentado por estudantes universitários, denominado “N.... ...”, sito na Rua ..., a fim de conviverem e se divertirem, onde ingeriu bebidas alcoólicas (“...”) – oferecidas pelo arguido.


4) No referido estabelecimento “N.... ...”, encontrava-se o arguido AA, nascido em .../.../2004, cidadão de nacionalidade ..., residente em Portugal, desde .../.../2020, ao abrigo do Programa JENNA (protecção de estrangeiros menores não acompanhados), beneficiando do estatuto de refugiado.


5) A dada altura, o arguido AA aproximou-se de BB, que denotava estar embriagada, e encetou conversa com a mesma, oferecendo-lhe bebidas alcoólicas para seu consumo, tendo fornecido e pago um número não concretamente apurado de ..., que a vítima ingeriu.


6) No decurso da conversa, e de modo não apurado, o arguido convenceu BB a fornecer-lhe o seu contacto na rede social ..., sendo que, até àquela data, não se conheciam.


7) Em momento não apurado, verificando que a vítima se encontrava embriagada e sem controlo sobre os seus movimentos e comportamentos, o arguido AA saiu do bar, levando consigo BB pelo braço, dirigindo-se para a sua habitação sita na Rua ....


8) Ao aperceber-se que o arguido tinha saído do bar, levando BB consigo, e que a mesma se encontrava notoriamente embriagada, CC foi de imediato no encalço do arguido, com intuito de evitar que este levasse a amiga consigo; porém, o arguido, sem nunca largar o braço de BB, insistia em levá-la consigo, recusando-se a entregá-la à amiga; sendo certo que, em semelhante interpelação da amiga FF, o arguido havia apenas acedido a facultar o seu número de telemóvel a FF.


9) Nessa noite, e apesar das tentativas efectuadas, GG e CC não lograram contactar telefonicamente com BB, nem mesmo com o arguido, em virtude de este rejeitar as chamadas.


10) Ao chegar a casa, e aproveitando-se do estado de embriaguez da mesma, o arguido AA levou BB para o seu quarto, despiu-a e deitou-a na cama, deitando-se ao seu lado, com o seu corpo desnudado.


11) Entretanto, em hora não apurada, mas situada entre as 04:00 e 05:00 horas da manhã, BB acordou e constatou que se encontrava num quarto, deitada em cima da cama, totalmente despida, com o arguido ao seu lado, também despido.


12) A dada altura, BB deslocou-se à casa-de-banho, auxiliada pelo arguido, por não conseguir manter-se em pé.


13) Após urinar, o arguido agarrou num pedaço de papel e começou a limpar a zona genital de BB e, sem que nada o fizesse prever, introduziu os dedos na vagina de BB.


14) Apanhada de surpresa, BB desferiu-lhe uma palmada no braço e pediu-lhe para parar, dizendo que “era nojento”; contudo, o arguido não parou e, breves instantes depois, deitou novamente a vítima na cama.


15) Nessa ocasião o arguido verbalizou que queria namorar consigo e ter relações sexuais, ao que BB respondeu que “não o conhecia”, que “as coisas não eram assim e que era virgem”, alegando que não se sentia preparada para iniciar a sua vida sexual.


16) Desagradado, e apesar de BB ter afirmado, várias vezes que não queria ter relações sexuais, o arguido AA, indiferente à sua vontade, começou a apalpar BB, beijou-a com chupões na zona do pescoço, tocou-a na vagina com as mãos, fazendo movimentos masturbatórios e, acto contínuo, colocou-se sobre o corpo de BB e intentou introduziu o pénis na sua vagina, fazendo movimentos oscilatórios.


17) Nessa ocasião, BB colocou as mãos no seu órgão genital, tapando-o, por forma a evitar que o arguido a penetrasse contra a sua vontade, afirmando sempre, num tom audível, perante o arguido que não queria ter relações sexuais com ele.


18) Não obstante, o arguido continuou a exercer força física, segurando a vítima, com força, pelos braços, enquanto tentava introduzir o seu pénis na vagina de BB.


19) Perante a sua recusa e as tentativas de o afastar de si, o arguido exaltou-se e começou a gritar com BB para que se calasse e retirasse as mãos da zona genital, mostrando o seu desagrado por não conseguir penetrá-la e esta não aceder a ter relações sexuais consigo, denotando estar a ficar cada vez mais agressivo.


20) Acto continuo, e exercendo força física, o arguido virou o corpo de BB, colocou-a em decúbito ventral e, com a mesma nessa posição, debruçou-se em cima dela e penetrou-a, várias vezes, com o pénis no ânus, indiferente à vontade e sofrimento de BB que, aos gritos, lhe rogava que parasse e que a estava a magoar.


21) O arguido só cessou a sua conduta quando se sentiu satisfeito.


22) Esgotada e sem força física, BB acabou por adormecer, só regressando a casa no dia seguinte de manhã.


23) Em consequência da conduta do arguido, BB sentiu dores, sofreu sangramento anal e “uma fissura às 10h” na região anal e perianal, um ferimento no freio da boca, um pequeno corte no mamilo direito, e ficou com hematomas (marcas de “chupões”) na zona do pescoço, lesões estas resultantes do traumatismo causado pelas relações sexuais, não consentidas, supra referidas.


24) No dia 11 de Novembro de 2022, pelas 18:21 horas, o arguido AA, através da rede social ..., utilizando o perfil “...”, enviou uma mensagem à vitima com o seguinte teor “Olá. Como você está”.


25) Desde aquele dia, BB sente-se receosa, ansiosa, nervosa e insegura, tem medo de sair sozinha de casa, com receio de poder vir a passar novamente pelo sofrimento que vivenciou.


26) Ao actuar da forma descrita, o arguido quis assim manter contacto físico e praticar acto sexual de cópula e coito anal com BB nos termos acima referidos, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e apetites sexuais, não obstante estar ciente que a obrigava, sob violência física, a sujeitar-se a introdução anal e a manter cópula completa consigo, e que o fazia sem o seu consentimento e contra a sua vontade.


27) O arguido não se coibiu de assim actuar, recorrendo não só à força física, mas também incentivando, previamente, a ofendida a ingerir bebidas alcoólicas em excesso, de molde a colocá-la num estado de inconsciência, que lhe permitisse manter com a mesma as descritas relações sexuais e satisfazer os seus intentos e instintos sexuais sem que aquela pudesse oferecer resistência eficaz, o que conseguiu.


28) Com efeito, devido à ingestão de diversas bebidas alcoólicas a ofendida ficou embriagada e sem plena consciência dos seus actos, encontrando-se incapaz de se opor eficazmente a qualquer acto que lhe fosse pessoalmente dirigido por outrem por não conseguir avaliar o sentido e o alcance do mesmo, facto que o arguido sabia e do qual se aproveitou.


29) O arguido sabia ainda que a ofendida se encontrava em estado de embriaguez, sabendo, por via disso, que esta não se encontrava em condições físicas e psicológicas para decidir ou se opor eficazmente à prática de relações sexuais, sendo incapaz de formular a sua vontade para a prática de tais actos, que com aquela praticou, facto do qual se aproveitou, logrando os seus intentos.


30) Ao actuar como actuou, o arguido bem sabia que atentava contra a vontade e a autodeterminação sexual da ofendida, agindo à revelia da sua vontade e dispondo do seu corpo e da sua sexualidade, sem que para tal a vítima pudesse prestar o seu consentimento de forma válida e consciente, facto que o arguido sabia e do qual se aproveitou.


31) Mais sabia o arguido que, forçando a ofendida, a manter consigo as descritas relações sexuais, as mesmas eram aptas a provocar-lhe lesões nas regiões anal e perianal, o que efectivamente aconteceu, conformando-se com o seu resultado.


32) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


Mais se provou


CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS do arguido:


33) Antes da atual reclusão, o arguido integrou em 15 de dezembro de 2021, num contexto de Programa Governamental de Migrantes, uma Casa de Acolhimento Especializada para Crianças e Jovens Menores Estrangeiros Não Acompanhados, denominada Casa ....


34) o arguido, que fugiu do ... numa situação de contrabando de pessoas, veio da ... para Portugal. Manteve-se na instituição até 03 de março de 2022 altura em que decidiu que, após os 18 anos de idade, tinha condições de ser autónomo. O despacho judicial de desligamento ocorreu em 19 de abril de 2022.


35) Como características pessoais e comportamentais foram evidenciadas essencialmente o seu comportamento volátil, baixa literacia, impulsividade e agressividade tanto com colegas como com funcionários, com sintomatologia de depressão pós-traumático, sendo referida uma história de vida de abandono, maus tratos, vivencia de guerra e luta pela sobrevivência no seu país de origem.


36) Foi acompanhado em pedopsiquiatria no Hospital ... com prescrição de medicação essencial para o seu comportamento instável.


37) Manteve consumos excessivos de bebidas alcoólicas o qual iniciou aos 7 anos de idade. Ao longo do acolhimento na Instituição foi estabelecendo relação de aceitação com a psicóloga e outras Técnicas que auxiliaram o jovem numa melhoria ao nível pessoal e social.


38) Exerceu atividade laboral remunerada num restaurante local e manteve trabalhos pontuais em bares/discoteca.


39) Manteve contactos esporádicos com a avó que permanece na sua Terra Natal e foi recebendo noticias que, dada a sua gravidade, criavam instabilidade e tristeza que afetava o seu comportamento.


40) Após saída da Casa de Acolhimento, trabalhou na empresa têxtil “P.... .. ........” de 05-07-2022 a 01-11-2022 com contrato de trabalho regularizado. Arrendou um quarto juntamente com outros colegas e manteve alguma estabilidade. Saiu voluntariamente referindo não se sentir gratificado com o trabalho, passando a trabalhar apenas em bares e discotecas.


41) Ao nível económico o arguido não tem qualquer rendimento nem projeto de emprego.


REPERCUSSÕES DA SITUAÇÃO JURÍDICO-PENAL DO ARGUIDO


42) O arguido analisa a presente medida e repercussões do presente processo como prejudicial à sua integração na sociedade e situação de refugiado, o que poderá por em causa a sua permanência no país e o apoio do Estado Português na sua reinserção social.


43) No EP onde se encontra atualmente tem comportamento adaptado às regras da Instituição, estando integrado no ensino.


44) Face ao presente processo apresenta uma postura de negação.


CONCLUSÃO


45)O arguido revela um percurso de vida marcado por instabilidade familiar e pessoal que originou a fuga clandestina do seu país de origem. Após ter passado por vários países veio para Portugal considerando possibilidades de apoio e de melhoria de vida. O comportamento apresentado na Instituição que o acolheu, Casa de Acolhimento Especializada para Crianças e Jovens Menores Estrangeiros Não Acompanhados, denominada Casa ..., foi muito ambivalente adotando por vezes comportamentos agressivos com colegas e funcionários. Foi acompanhado em pedopsiquiatria com prescrição de medicação para o efeito. Saiu voluntariamente da Casa de Acolhimento e passou a viver sozinho e a custear as suas despesas recorrendo para isso a trabalho regular.


Mais se provou que:


46) O arguido não tem antecedentes criminais.


47) No âmbito da instituição referenciada em 33), o arguido registava, por vezes, episódios de descontrole, em que assumia comportamento mais agressivos (até fúria) – quer contra si (autoagressões); quer contra terceiros (funcionários da instituição; e outros refugiados); ou descarregava a sua fúria em objectos. Nunca foi notado, porém, que tivesse tido qualquer atitude mais desrespeitosa para com funcionárias da casa de acolhimento em apreço.


XXX


DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL


48) À data dos factos, a requerente era uma jovem com 19 anos de idade, a viver o sonho de ter ingressado na Universidade ..., e a passar pelas inerentes experiências, até então positivas, associadas a essa nova etapa da sua vida, nomeadamente a de estudar um curso que sempre quis, conhecer novas pessoas e residir sozinha.


49) Tudo o que foi interrompido pelos acontecimentos em apreço nos autos, e dos quais resultara que a requerente, liminarmente, não é mais a pessoa que era antes do dia 10.11.2022, e sente que nunca mais voltará a sê-lo.


50) Não tem o mesmo modo de vida que tinha antes do dia 10.11.2022, sentindo que nunca mais virá a ter.


51) Sentiu sofrimento ao ver-se forçada, contra a sua vontade, a ter relações sexuais com o demandado.


52) Os actos levados a cabo pelo requerido (relações sexuais não consentidas) causaram dor e sofrimento físico no momento em que ocorreram, pois, em face da recusa da requerente em ter qualquer relação sexual com o requerido, foram praticados por este com recurso à força física e agressividade.


53) Desses atos resultaram para a requerente BB sangramento anal e “uma fissura às 10h” na região anal e perianal, um ferimento no freio da boca, um corte no mamilo direito, e ficou com hematomas (marcas de “chupões”) na zona do pescoço.


54) Tais lesões foram causa directa de dores que a requerente sentiu, sendo certo que as dores a nível anal perduraram por diversas semanas.


55) Devido ao sucedido, a requerente “perdeu” um piercing que, até à noite em que os factos ocorreram tinha num dos seus dentes incisivos laterais.-


56) Ao sofrimento de ordem física, soma-se o avassalador sofrimento de ordem psicológica e emocional que a requerente sofreu e continua a sofrer.


57) Desde logo tal sofrimento ocorre sempre que recorda aquilo porque passou.


58) Recordações que muitas vezes são involuntárias, e que têm lugar quer durante o sono, gerando pesadelos que prejudicam o seu sono e descanso, quer quando está acordada e há um qualquer fator externo que despoleta tão terríveis memórias.


59) E que em outras ocasiões são voluntárias, nomeadamente em todas as vezes que a requerente teve que relatar o sucedido, quer no âmbito dos presentes autos, quer junto da sua psicóloga, já para não falar do tremendo sofrimento pelo qual passou quando contou o sucedido à sua mãe.


60) Em todas essas situações em que revive o horror porque passou, o sofrimento repete-se, e surge acompanhado por desconforto e vergonha em pormenorizar o abuso sexual de que foi vítima.


61) A requerente perdeu a alegria, a leveza, a capacidade de sonhar e a ingenuidade próprias de uma jovem de 19 anos, consequência dos atos de violência de que foi alvo e levados a cabo pelo arguido aqui requerido.


62) O terror físico e psicológico pelo qual passou impedem-na efetivamente de ser quem era.


63) A requerente não se consegue representar como possível uma situação de intimidade física, tanto mais que nunca tinha tido qualquer contacto ou relação de natureza sexual.


64) Mesmo no que se refere a relações puramente sociais ou de amizade, a requerente oferece uma enorme resistência em conhecer novas pessoas, pois passou a ter medo daquilo que não conhece, sejam novas pessoas, sejam novas situações de socialização.


65) A requerente vive constantemente com medo, em total estado de alerta e de hipervigilância.


66) A requerente não sai à noite sozinha (só o faz acompanhada, sendo raras as vezes em que o faz), e, mesmo à luz do dia, não consegue estar sozinha em locais com pouca gente.


67) O que acontece na ..., local onde estuda e onde os factos ocorreram, mas também em qualquer outro local para onde se desloque, no que se inclui o seu local de residência.


68) Sendo certo que a requerente só conseguiu continuar a estudar na ... porque o requerido está em prisão preventiva.


69) Depois do sucedido, foram diversos os episódios em que a requerente entrou em pânico, o que para a mesma é mais uma demonstração de que nada mais será com era.


70) Algum tempo após a ocorrência dos factos em causa nos autos, a requerente decidiu ir a uma discoteca com uma amiga e, tendo-se desencontrado desta, e perante a consequente perceção de estar sozinha, entrou em pânico e acabou por desmaiar.


71) Em outra ocasião, a requerente atendeu uma chamada telefónica de um número desconhecido e, tendo tido a sensação de que quem lhe estava a ligar tinha sotaque (tal como o requerido tem), entrou em pânico e só conseguiu sair de casa no dia seguinte, com escolta policial, que a acompanhou a à estação de camionagem para ir passar o fim de semana a casa.


72) A requerente sente-se, quase permanentemente receosa, ansiosa, nervosa e insegura, tendo medo que possa voltar a passar pelo mesmo tipo de acontecimento.


73) A requerente frequente consulta de acompanhamento psicológico uma vez por semana, e não concebe viver sem este acompanhamento.


74) Aliás, a requerente verbaliza que só conseguiu dar algum seguimento à sua vida após o horror que viveu, por ter a possibilidade de, 24 horas por dia e 7 dias por semana, contactar a sua psicóloga, Dra. HH, a técnica da C........, Dra. II, e o agente da PSP.


75) A requerente sentiu e continua a sentir, para além de raiva e frustração, culpa, humilhação e vergonha por aquilo que aconteceu, nomeadamente junto dos seus pais.


76) Com todos os reflexos sobre vários domínios da sua vida: escola, família, amigos, intimidade, entre outros.


77) Acresce referir que, não obstante o acompanhamento semanal que tem tido em consulta de psicologia clínica, o estado da demandante BB não melhorou, bem pelo contrário, estando presentemente referenciada para consulta de psiquiatria por apresentar risco potencial de suicídio.


78) A ora requerente é seguida em consulta de psicologia clínica no gabinete de apoio à vítima da C........ desde 23.11.2022, com periodicidade sensivelmente semanal.


79) Conforme consta do relatório de avaliação e acompanhamento psicológicos de Junho de 2023 – junto como documento n.º 1 no pic, que no que concerne ao início do acompanhamento (feito em momento temporalmente próximo dos acontecimentos em apreço nos autos), o relatório consigna que "a BB apresentava sintomas indicadores de um sofrimento psíquico intenso associados ao evento traumático vivido".


80) Mais acrescenta no que se refere ainda à fase inicial, que a demandante recorria a mecanismos de defesa, tais como "evitamento de situações sociais com o grupo de pares em contexto de lazer (especialmente noturno), a incapacidade de andar sozinha na rua e a recusa em passar em locais onde existe maior probabilidade de serem desencadeados gatilhos para o surgimento de memórias associadas à situação traumática vivida e consequentes sintomas de ansiedade. Além disso, a jovem recorria permanentemente a evitamentos emocionais e bloqueios de memórias associadas à situação de abuso vivida."


81) Ao longo do acompanhamento, e não obstante alguma evolução positiva em certos parâmetros, o relatório menciona que "existem frequentes retrocessos terapêuticos", o que é exemplificado com a ocorrência de "um ataque de pânico e consequentes sentimentos de culpabilização e sofrimento psíquico significativo".


82) Mais acrescenta o relatório que: "Para além do referido, surgiram e agudizaram-se significativamente um conjunto de sintomas patológicos de risco, nomeadamente alterações negativas nas cognições e no humor associadas ao acontecimento traumático. Deste modo, ao longo do último mês, a jovem encontra-se com um estado emocional negativo persistente (marcado por sentimentos de vergonha e culpa), cognições distorcidas persistentes acerca das causas e consequências do acontecimento de abuso que leva a BB a culpar-se a si própria e apresenta frequentemente a sensação de estar desligada ou de estranheza em relação aos outros. O último ponto descrito, é notório nos mais diversos contextos nos quais a jovem se insere, nomeadamente no contexto familiar e de convivência com o grupo de pares. Apresenta ainda ideação suicida recente marcada, tendo, por este motivo, sido envolvida a progenitora no processo terapêutico com o objetivo de agilizar a marcação de uma consulta de Psiquiatria de caráter urgente, que se realizará no próximo mês de julho."


83) De referir ainda que as provas de avaliação realizadas à aqui demandante, demonstram uma melhoria no que se refere à ansiedade, mas um notório agravamento quanto à presença de sintomas depressivos (passou de sintomas depressivos ligeiros apurados no início do processo de avaliação para "sintomas depressivos severos"), para além de se encontrar "potencialmente em risco de suicídio".


84) Mais consta que: "(...) a situação de alegado abuso sexual teve um impacto extremamente negativo ao nível do funcionamento geral da jovem. Ao longo dos últimos meses a BB experenciou um conjunto de sintomas causadores de um sofrimento psíquico incapacitante que interferem substancialmente no seu bem-estar físico e mental."


85) A demandante BB sofreu — e continua a sofrer – pela conduta livre e consciente, do arguido ora demandado.


86) Sente que será impossível esquecer o sucedido e viver plenamente, como se não tivesse passado por tal acontecimento.


XXX


b) FACTOS NÃO PROVADOS:


QUE, no contexto referido em 2), a ofendida tivesse bebido quantidade de álcool não inferior a 1,5 Litro de sangria de vinho tinto.


(…)».


2. Tratando-se de recurso interposto de acórdão condenatório em pena de prisão superior a cinco anos, proferido por tribunal coletivo e restrito à matéria de direito, é inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento, nos termos dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPP, conforme acertadamente decidiram o Tribunal recorrido e o TRC ao mandarem remeter-lhe o processo.


Avancemos, pois, para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso.


2. 1. Aplicação do regime penal especial para jovens, estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 [conclusões VI a XVII e XXXIV];


Resulta da identificação constante do acórdão condenatório do JCCC... que o arguido, AA, nasceu em ... de ... de 2004, e ficou ali assente ter praticado os factos por que nele foi condenado no dia 10 de novembro de 2022, ou seja, oito meses depois de ter completado os 18 anos de idade.


Na linha do que se estabelece nos pertinentes Instrumentos de Direito Internacional, designadamente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 24º)2 e na Convenção sobre os Direitos da Criança3 (artigo 40º), a CRP, nos artigos 69º e 70º, consagra especiais direitos de proteção da infância e da juventude, nomeadamente quanto à formação e desenvolvimento da sua personalidade, que, mais ou menos diretamente, se refletem também ao nível da (ir)responsabilidade penal, cabendo à lei ordinária estabelecer a idade da imputabilidade penal e o regime penal especial para “jovens adultos” .


Em execução dessa tarefa, o artigo 19º do CP estabelece que «Os menores de 16 anos são inimputáveis», e o seu artigo 9º que «Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial», legislação que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.9, e entrou em vigor com o atual CP.


Acerca deste regime penal especial para os chamados “jovens adultos” e a sua responsabilidade penal, escreve Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal – Parte Geral - Questões Fundamentais – Teoria Geral do Crime, 2ª Edição, Coimbra Editora 2008, a pp. 472 a 479:


«§ 838 Vimos que a imputabilidade começa aos 16 anos (art. 19º). Todavia, tendo-se em consideração que, aos 16 anos, ainda não se atingiu a plena maturidade psicológica, intelectual e ético-social, e não podendo esquecer-se que realmente (apesar de se imputar à pena um sentido de ressocialização), a pena de prisão tem um efeito dessocializador e, portanto, criminógeno – efeito este que se agrava, quando estão em causa jovens ainda em idade de formação -, o legislador estabeleceu um regime penal especial para os chamados “jovens adultos”.


(…)


Este Dec.-Lei n.º 400/81 estabelece dois escalões etários de jovens adultos: os jovens entre 16 e 18 anos e os jovens entre 18 e 21 anos.


§ 839 Vejamos em que consiste a especialidade do regime punitivo – penal dos “jovens adultos”.


Se ao crime cometido pelo jovem for aplicável pena de prisão igual ou superior a dois anos, «deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73º e 74º [agora, depois da revisão de 1995 do CP, arts. 72º e 73º] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (Dec. – Lei n.º 401/82, art. 4º). Da leitura deste art. 4º resultam duas conclusões: a primeira é a de que (tendo em confronto o art. 5º) esta atenuação especial da pena de prisão vale para todos os “jovens adultos”, i. é, para aqueles que no momento da prática do crime, têm entre 16 e 21 anos; a segunda conclusão é a de que a atenuação especial não é obrigatória ou automática, mas facultativa, embora a interpretação teleológica deste art. 4º e toda a filosofia político-criminal subjacente ao regime punitivo especial dos jovens indique que o tribunal deve optar, como regra, pela atenuação especial, e que a recusa da atenuação especial deverá ser devidamente fundamentada. Isto apesar de o texto até parecer sugerir o contrário quando faz depender a atenuação de haver «sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.


(…)».


Considerações doutrinárias coincidentes com a jurisprudência uniforme e constante do STJ, e que também aqui se têm por corretas e, por isso, se acolhem.


Com efeito, no mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, podem ver-se, para além do de 26.10.2023, proferido no processo n.º 911/21.0JALRA.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, referenciado no parecer do Ministério Público, podem ver-se os de 7.11.2007, proferido no processo n.º 07P33214, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, de 31.03.2016, proferido no processo n.º 499/14.8PWLSB.L1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, de 25.10.2023, proferidos nos processos n.ºs 271/21.9JALRA.C1.S1 e 691/22.1JAPRT.S1, relatados pelos Conselheiros Sénio Alves e Ana Barata Brito, respetivamente, de 6.12.2023, proferido no processo n.º 710/22.1PEAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Ernesto Vaz Pereira, e de 31.01.2024, proferido no processo 2540/22.1JAPRT:P1.S1, em que foi relator o do presente, todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ .


Doutrina e jurisprudência que, aliás, o próprio recorrente parece aceitar, mas censurando o seu afastamento liminar pelo acórdão recorrido, que considera não ter ponderado devidamente as circunstâncias que, em seu entender, traduzem a verificação dos pressupostos necessários à aplicação deste regime penal especial ou “específico” no seu caso, designadamente a sua tenra idade, próxima do limiar da imputabilidade, a ausência de antecedentes criminais e de experiência sexual, a sua condição de refugiado e o percurso de vida adverso que o obrigou a fugir do ... e justificou a atribuição daquele estatuto em Portugal, onde chegou por volta dos 16 anos e viveu institucionalizado até à maioridade, tendo-se autonomizado apenas em 19 de abril de 2022, quando foi proferido o despacho judicial que o desligou da instituição onde estava acolhido no âmbito de programa de apoio a menores refugiados desacompanhados, com reflexos nas suas competências e capacidade relacionais, carecidas de intervenção terapêutica adequada.


Será que lhe assiste razão.


Vejamos o que a esse propósito se consignou no acórdão recorrido:


«(…) II.3. Escolha e determinação da medida concreta da pena


a) Da Escolha da pena


(…)


X


b) Dosimetria da pena


Passemos à determinação da medida concreta da pena.


Antes de mais, liminarmente, é excluir a possibilidade de atenuação especial da pena, sendo inaplicável, nomeadamente, «o regime especial para jovens», atento o elevado grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo directo, que dimana dos factos, o deficit de integração social e familiar do arguido; à negação dos mesmos (vide relatório social); às elevadas necessidades de prevenção geral e especial, à inexistência de circunstâncias atenuantes, tais como, ausência de confissão dos factos, e de arrependimento.


Dito isto, segundo o artigo 71.º do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.


(…)».


Poderia, antes de mais, questionar-se se o trecho transcrito, único em que é abordada a questão da aplicação in casu do regime penal especial ou específico para “jovens adultos” estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.9, traduz ou não uma sua efetiva e suficiente ponderação e fundamentação da não atenuação especial da pena de prisão aplicada ao recorrente prevista no seu artigo 4º, considerando a doutrina e jurisprudência acima referenciadas.


Ora, apesar de sucintamente, tem de reconhecer-se que o acórdão recorrido ponderou a aplicação de tal regime, assim cumprindo o “poder- dever” que a lei lhe impunha, face à idade do arguido à data da prática dos factos e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com idades entre os 16 e os 21 anos, embora não seja de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.


E, apesar da sua concisão, o acórdão recorrido demonstrou a inviabilidade de, neste caso, extrair dos factos provados sérias razões para acreditar que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do recorrente.


Efetivamente, o modo de execução ardilosa e oportunista do crime por que foi condenado, as graves consequências dele resultantes para a ofendida, o seu comportamento anterior - no relacionamento como os pares e os próprios profissionais da instituição de acolhimento e a insatisfação com as alternativas de vida que se lhe depararam desde que chegou a Portugal, em dezembro de 2020, enquanto ali acolhido e depois de adquirida a pretendida autonomia, optando por trabalhos na área da diversão noturna e bares, que, mesmo que regulares, são notoriamente flutuantes, precários e mesmo informais, em detrimento de trabalho certo e formalmente enquadrado -, contemporâneo e posterior ao seu cometimento, sem assunção da sua prática e, consequentemente, da interiorização do correspondente desvalor ou qualquer manifestação de arrependimento e de vontade reparadora ou interesse pelo estado e sofrimento da vítima, que não fosse a enigmática mensagem escrita que lhe enviou pela rede social “...”, no dia 11.11.2022, ao que acresce a ausência de retaguarda familiar e de suporte económico, associada a hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, não permitem, na verdade, afirmar a existência de sérias razões para acreditar que da atenuação especial da pena sofrida resultariam vantagens para a sua reinserção social, antes as afastam.


E a tal conclusão não basta opor a ausência de antecedentes criminais, cujo significado e relevância para este efeito, numa pessoa da idade do arguido, é diminuta, senão mesmo irrelevante, face ao pouco tempo de imputabilidade vivido, menos ainda com autonomia, nem a não provada inexperiência sexual ou as suas condições pessoais, nomeadamente o estatuto de refugiado e todo o dramático percurso de vida que o justificou, do qual, apesar dos enormes traumas sofridos, seria de esperar ter recolhido e interiorizado sentimentos de respeito pela integridade dos outros seres com quem interage e não descarregar sobre eles a sua impulsividade e agressividade, como evidenciam os factos objeto deste processo.


Improcede, assim, esta questão.


2. 2. Medida da pena aplicada [conclusões III, IV, VI a XXIX, XXXIII e XXXIV];


O recorrente discorda da pena de prisão que lhe foi aplicada – 7 (sete) anos -, considerando-a excessiva, por desproporcional e desnecessária, à luz dos factos provados e do respetivo grau de ilicitude, da sua culpa e das necessidades de prevenção, tendo em conta a sua jovem idade, abrangida pelo regime penal especial para “jovens adultos”, a ausência de antecedentes criminais e a sua condição de refugiado e toda a vivência anterior, marcada pela violência e privação afetivo-familiar que justificou o seu acolhimento em Portugal e a concessão desse estatuto, em conformidade com uma adequada interpretação aplicativa de tal regime e dos artigos 40º e 70º a 74º do CP, propugnando em sua substituição uma pena de prisão de 5 (cinco) anos:


*


Como resulta inquestionável da motivação e conclusões do recurso, o recorrente não discute a matéria de facto assente, o enquadramento jurídico-penal deles efetuado, nem a espécie e a efetividade da pena por que foi condenado no acórdão recorrido, pugnando apenas pela redução da respetiva medida nos termos antes expostos,


Para sustentar tal entendimento e pretensão, convoca as referidas circunstâncias, que considera suficientes para atenuar a ilicitude da sua conduta, a sua culpa e as referidas necessidades de prevenção e justificar a redução da medida da pena.


Vejamos se lhe assiste razão.


Antes de prosseguir, importa relembrar que, face à improcedência da questão da aplicação do regime penal especial para “jovens adultos”, a moldura penal abstrata ou legal prevista para o crime de violação agravada, conforme resulta do artigo 164º, n.ºs 1, 2, als a) e b), e 3, do CP, é a considerada no acórdão recorrido, ou seja, de 3 (três) a 10 (dez) anos de prisão.


*


É hoje consensual a ideia de que a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades de prevenção das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP4.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


(…)».


*


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada5.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:


«II.3. Escolha e determinação da medida concreta da pena


a) Da Escolha da pena


O crime de violação agravado p. e p. previsto e punido pelo artigo 164.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) e 3, do Código Penal, é punido com pena de prisão de três a dez anos.


Como se vê, inexiste alternativa à pena de prisão.


X


b) Dosimetria da pena


Passemos à determinação da medida concreta da pena.


(…)


Dito isto, segundo o artigo 71.º do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.


De sorte que, a prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial (Cf. o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993, pág.229).


Dentro deste quadro, entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos, actuarão considerações de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.


Este quantum deverá promover a inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, alcançando, deste modo, uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.


A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “ a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in Consequências….p.230). O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas do delinquente (artigo 40.º, n.º2 do C.P.).


Nesta tarefa, o juiz é auxiliado pelo artigo 71.º, n.º 2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter geral, como seja o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.


Posto isto, aplicando ao caso em mérito o que vimos de dizer, a favor do arguido milita:


- O facto de não apresentar antecedentes criminais;


- A sua jovem idade;


- Alguém lastro de integração profissional, conquanto não propriamente consolidado;


- O seu passado conturbado e traumático ou a sua cultura não pode aqui servir de factor atenuativo geral, nem de compreensibilidade do que quer que seja, nada justificando ou tornando menos censurável a sua conduta.


Aliás, uma das notas mais relevantes da referida Convenção de Istambul reside no facto de se ter sublinhado ser perfeitamente inaceitável qualquer tipo de justificação cultural, religiosa, social ou assente em práticas tradicionais, no sentido de viabilizar a prática de quaisquer actos de violência contra a mulher (vide o artigo 42.º, da Convenção de Istambul).


Já contra o arguido pesam as seguintes circunstâncias: - a intensidade da culpa, atenta a modalidade de dolo – directo - que revestiu a sua conduta;


- A elevada necessidade de sinalizar a necessidade de respeito pela liberdade de autodeterminação sexual das pessoas, em particular das mulheres, cujas violações, sendo recorrentes, produzem notórios efeitos nefandos; bem como a imensa necessidade de sinalizar a intolerabilidade da violência sobre as mulheres, em particular as agressões sexuais, sendo sempre de sublinhar a necessidade imperiosa de proteção do direito à determinação sexual; assim contribuindo para uma progressiva consciencialização da total intolerabilidade deste tipo de condutas, e prevenindo a ocorrência de outras;


- Trata-se, com efeito, de um tipo de crime que suscita particular repulsa e alarme social; sendo mister combater estes verdadeiros atentados à dignidade pessoal;


- São grandes, com efeito, as necessidades de prevenção geral positiva dado o muito forte alarme social gerado, demais a mais em contexto de uma cidade académica;


- Pesa ainda contra o arguido o modo de execução do crime, dado que não podemos olvidar que o arguido cometeu o crime através de duas formas de execução vinculadas particularmente graves (sendo que, é certo, uma das formas já implica o agravamento do crime, e, nesta medida, já ponderada ao nível legislativo na moldura abstracta);


- Pesa ainda contra o arguido as assinaláveis consequências de ordem física e sobretudo psíquica que a vítima sofreu e há-de continuar a sofrer; como marca indelével da atrocidade cometida;


- Com efeito, a afectação do bem estar físico e emocional da vítima foi deveras significativo;


- As necessidades de prevenção especial são igualmente relevantes, não só traduzidas na necessidade manifestada no acto de o arguido compreender a intolerabilidade dos seus actos, mas igualmente pelo pendor algo impulsivo e agressivo da sua personalidade, com tradução inclusivamente na forma de execução do crime;


- Apresenta ainda um défice de integração social e familiar;


- Realça-se, ainda, que apresenta uma postura de negação face aos seus actos, o que só aumenta as necessidades de prevenção especial;


Tudo ponderado, fixa-se em 7 (sete) anos a pena de prisão.


(…)».


A fundamentação do acórdão recorrido quanto à medida da pena de prisão fixada e aqui em apreço mostra-se criteriosa e respeitadora das operações a realizar e das finalidades e critérios legalmente definidos para a determinação do seu quantum.


Referenciou e valorou em favor do recorrente a sua juventude, mas, como antes referido, por si só insuficiente para permitir a aplicação in casu do regime penal especial para “jovens adultos”, bem como a atenuação especial da pena que dessa aplicação decorreria.


Teve em conta também o facto de ter hábitos de trabalho, embora a sua integração laboral se mostre ainda precária, em face da opção também antes assinalada pelo trabalho em bares e estabelecimentos de diversão noturna, em detrimento do trabalho em unidade industrial de que dispôs e trocou por aquele tipo de atividade.


Bem assim como a ausência de antecedentes criminais, registo que, todavia, em face da sua juventude à data dos factos não evidencia especial relevo, pois que se encontrava no limiar da imputabilidade penal e o não cometimento de crimes corresponder ao comportamento esperado da generalidade dos cidadãos cumpridores das regras legal e socialmente vigentes.


Por outro lado, ao contrário do alegado pelo recorrente, considerou e respeitou o princípio da culpa, cujo limite, neste caso, se situou em elevado patamar, dado o dolo direto e intenso com que o mesmo atuou, de modo calculista, persistente e violento, sem qualquer inibição, mesmo perante a resistência tentada e a insistente recusa clara e expressamente manifestada pela ofendida, pese embora a sua reduzida capacidade física e intelectual decorrente do estado de embriaguez em que se encontrava, que o arguido fomentou, conhecia e de que se aproveitou, em vista da satisfação do seu desejo sexual à custa da liberdade de autodeterminação daquela, estando perfeitamente ciente de que a sua conduta era penalmente censurável e injustificável, em qualquer contexto cultural e social.


Quanto à ilicitude, igualmente de elevado grau, como refletem a inclusão do crime na categoria da “criminalidade especialmente violenta”, conforme decorre do artigo 1º, als. j) e l), do CPP e a moldura penal abstrata em função do relevo do bem jurídico aqui em causa, a liberdade pessoal e de autodeterminação sexual, que o arguido desprezou, outrossim as suas duradouras consequências negativas na saúde física e psíquica da vítima, a que igualmente se mostrou indiferente e sem manifestação de sinais de arrependimento e intenções reparatórias, demonstrativas de efetiva interiorização do desvalor da sua conduta, que, na verdade, ainda não logrou face à atitude de negação adotada e que mantém.


Acresce que as necessidades de prevenção, em particular da prevenção geral, são elevadíssimas, nomeadamente em função daquele bem jurídico protegido, valor constitucionalmente consagrado e protegido, cujo atentado é sempre gerador de grande alarme social e comunitário e cujo forte impacto no meio escolar universitário em que o arguido e a ofendida estavam inseridos se mostra patenteado nos factos provados, nomeadamente sob os pontos 1 a 9 e 65 e ss.


Sendo igualmente evidentes as necessidades de prevenção especial reclamadas pelo caso em apreço, conforme antes sublinhadas e assinaladas no acórdão recorrido, designadamente a sua personalidade impulsiva e irascível, mesmo em contextos amistosos, como o da instituição onde esteve temporariamente acolhido até atingir a maioridade, ainda que, admite-se estes traços de personalidade se possam compreender em função da sua anterior e precoce convivência com ambientes de violência social, em situações de guerra e de abandono à sua sorte e à mercê de traficantes de pessoas, que o desenraizaram e conduziram até ao nosso país, onde lhe foi atribuído o estatuto de refugiado no âmbito de programas de acolhimento de menores desacompanhados.


Ainda assim, considerando que à data da prática dos factos tinha completado há pouco 18 anos de idade, que, não obstante aquele seu percurso de vida e também por causa dele, o situam numa faixa etária ainda naturalmente imatura e em fase de formação e sedimentação da personalidade, propícia, por isso, a influências positivas e potencialmente regeneradoras e conducentes à interiorização dos valores essenciais da convivência comunitária e reorientação da vida segundo os padrões do direito vigente, como, aliás, evidencia o seu comportamento em meio prisional, nomeadamente a sua inserção no ensino que ali lhe tem sido proporcionado, afigura-se que as exigências de prevenção especial, no sentido da sua integração e adequação normativa e social, são menos acentuadas do que as de prevenção geral, as quais, por sua vez, sendo intensas, não podem perder de vista a sua principal finalidade, ou seja, a de proteção de bens jurídicos e de manutenção e reforço na vigência das normas jurídicas violados e da confiança comunitária no funcionamento do sistema de justiça, que, neste caso, podem e devem alcançar-se em harmonia com aqueloutras, sob pena de a punição se transmutar em exercício de pura reação retributiva e expiatória, finalidades há muito arredadas do nosso ordenamento jurídico-penal, conforme decorre da melhor interpretação e aplicação conjugada dos artigos 40º e 71º do CP.


Dai que, muito embora, como dito, o acórdão recorrido tenha realizado as operações e respeitado os princípios e finalidades previstas naquelas normas para determinação da medida da pena, se afigure que a pena de 7 (sete) anos de prisão nele fixada não ponderou suficientemente aquele possível e necessário equilíbrio entre as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e, nessa medida, seja injusta, por desnecessária e desproporcional, o que também o referencial jurisprudencial invocado pelo recorrente evidencia, cuja consideração e respeito, como tem sido afirmado pelo STJ, constitui um elemento decisivo para o melhor exercício do jus puniendi e confere uma reforçada garantia da adequação, necessidade e justiça das penas aplicadas, que, no caso, pode situar-se em medida inferior à fixada no acórdão recorrido, em função das necessidades de prevenção que nele se verificam, que, não obstante elevadas, ficarão ainda assim adequadamente salvaguardadas.


E, na verdade, mesmo sem atender ao acórdão do TRC invocado pelo recorrente, no qual, entre outras diferenças com o caso em apreço, foi considerada e aplicada a atenuação especial do regime penal especial para “jovens adultos”, a jurisprudência do STJ, em situações similares à destes autos ou mesmo objetivamente mais graves, pelo número de crimes da mesma natureza ou agravados, circunstancias concretas de atuação e qualidade dos respetivos agentes e vítimas, tem oscilado entre penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses a 7 (sete) anos de prisão.


É o que pode ver-se, por todos, nos acórdãos de 14 e 20.04.2016, proferidos nos processos 325/14.8JABRG.G1.S1 e 657/13.2JAPRT.P1.S1, respetivamente, relatados pela Conselheira Helena Moniz, de 24.03.2021, proferido no processo n.º 69/20.1GBGDL.S1, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, de 6.04.2022, proferido no processo 192/19.5JAPDL.S1, relatado pela Conselheira Helena Fazenda, e de 31.08.2023, proferido no processo n.º 4261/19.JAPRT.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Ernesto Vaz Pereira, todos disponíveis em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/..


*


Assim sendo, sem beliscar o que acima se referiu a propósito da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto da pena fixada no acórdão recorrido e da observância e respeito pelas operações a realizar e das finalidades e critérios legalmente definidos para a determinação da sua medida, afigura-se haver, in casu, razões justificativas da redução da pena de 7 (sete) anos de prisão nele fixada, dentro da respetiva moldura abstrata, situada entre os 3 (três) e os 10 (dez) anos de prisão, nele igualmente considerada, fixando-a em 6 (seis) anos, por se mostrar mais justa, proporcional e bastante para acautelar as finalidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, em linha, de resto, com o que se decidiu nos referenciados acórdãos do STJ.


Termos em que procede parcialmente esta questão


2. 3. Valor da indemnização fixada [conclusões III, V, VII, XXX a XXXIII]


O recorrente insurge-se também contra o valor indemnizatório de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) estipulado no acórdão recorrido a favor da ofendida e assistente, na parcial procedência do pedido cível por esta formulado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 129º do CP e 71º e ss. do CPP, no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência direta e necessária do crime de violação por aquele cometido e pelo qual foi condenado.


Não discute a verificação de todos os pressupostos necessários à sua obrigação indemnizatória e ao correspondente direito da assistente, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa, tal como regulada nos artigos 483º e ss. do Código Civil (CC), tão pouco a natureza e propósito dessa indemnização referidos no acórdão recorrido em conformidade com o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial desenvolvida e criticamente exposto no acórdão do STJ, de 27.09.2023, proferido no processo n.º 2822/21.0JABRG.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se acompanha e para cuja leitura se remete.


Apenas questiona o concreto valor indemnizatório fixado, que considera excessivo em face do referencial jurisprudencial que convoca apenas na motivação, por referência aos acórdãos deste STJ, de 24.03.2021 e de 31.5.2023, proferidos nos processos n.ºs 69/20.1GBGDL,S1 e 4261/19.3JAPRT.G1.S1, relatados pelos Conselheiros Gabriel Catarino e Ernesto Vaz Pereira, respetivamente, também disponíveis no referido sítio https://www.dgsi/jstj.nsf/,


Sem razão, no entanto, uma vez que em nenhum desses arestos o STJ se pronunciou expressamente sobre os montantes indemnizatórios de € 10.000,00 e 20.000,00 (dez e vinte mil euros), respetivamente, fixados nas instâncias, uma vez que, no primeiro, foi alterada a qualificação jurídica dos factos, anulada a decisão recorrida e ordenada a remessa do processo ao tribunal recorrido para a sua reformulação em conformidade, e, no segundo, o valor indemnizatório não foi objeto de recurso.


Falta de razão também porque o acórdão aqui escrutinado julgou o pedido de indemnização civil formulado pela assistente e ofendida apenas parcialmente procedente e fixou o montante indemnizatório no referido valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) segundo critérios de equidade, nos termos impostos pelos artigos 496º, n.º 3, e 494º do CC, conforme resulta do seguinte trecho:


«(…)Vejamos os danos indemnizáveis.


No caso, estão em causa danos de natureza não patrimonial sofridos pela vitimas.


Nos termos do artigo 496.º, 1, do Código Civil, que rege sobre a matéria dos danos não patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.


Em geral, são danos não patrimoniais aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial - formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.


A indemnização não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido – De Cupis, Il Dano, Teoria Generale della Responsabilità Civile, Milano, 1966, pags. 44 e segs., e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, pag. 560.


Ora, no caso, tendo presente a assinalável culpa do demandado, que não se coibiu de agredir sexualmente a ofendida nos termos dados como provados, bem como toda a matéria dos danos dada como provada, a aqui não vamos repetir, mas que se tem presente, mas dela apenas se sublinhando que a conduta do arguido provou uma enorme afectação do bem estar psíquico e emocional (além do seu bem estar físico) da demandante, com repercussão em todas as dimensões da sua vida, familiar, social, sentimental e até académica, considerando ainda a sua tenra idade, a conexa perda de alegria de vida; o constante sentimento de medo com que vive, o recorrente pânico, os sintomas depressivos severos, para além de se encontrar potencialmente em risco de suicídio (tão graves foram as consequências do acto); todas as subsequentes consequência psíquicas, entende-se adequado, recorrendo à equidade, fixa-se a indemnização a este título em €50.000,00 (cinquenta mil euros).


(…)».


Pois bem, não tendo, como vimos, a indemnização aqui em apreço, atendendo à natureza dos danos em causa, imateriais e insuscetíveis de tradução pecuniária, a finalidade de reconstituir o ofendido na situação em que se encontrava antes do ato lesivo dos seus direitos – reconstituição natural – ou sequer a de, nessa impossibilidade ou excessiva onerosidade do devedor, os indemnizar segundo os princípios da equivalência e da diferença, nos termos dos artigos 562º e ss. do CC, deve a mesma ser fixada segundo um juízo de equidade, nos termos do artigo 496º, por referência e consideração das circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, deste modo se acautelando a arbitrariedade ou mesmo discricionariedade mais ou menos subjetiva do juízo prudencial do tribunal.


Ora, no caso em apreço é muito elevado o grau de culpabilidade do recorrente, que atuou com intenso dolo direto, sendo as demais circunstâncias do caso `reveladoras de uma atuação calculista, violenta e de indiferença perante o sofrimento da assistente ofendida, sem manifestação de qualquer sinal de arrependimento ou de vontade reparadora do mal que lhe infligiu, conforme evidenciam os factos provados nos pontos 1 a 32 e 44, e das muito nefastas, profundas e vitalícias consequências dele resultantes para a sua saúde e bem-estar físico e psíquico, autoestima, realização pessoal e profissional, capacidade e gosto pela vida e relacionamento social, indo ao extremo de lhe provocar ideação suicida e de a tornar dependente de permanente acompanhamento psicológico e psiquiátrico, hipotecando o seu futuro, numa fase da vida propícia à sua projeção futura, ainda que utópica, mas necessária ao gosto e prazer de viver e à realização integral de qualquer pessoa, que resultam dos factos provados sob os pontos 48 a 86.


É um facto que, sob o ponto de vista económico, o arguido e recorrente, pese embora tivesse já algum “lastro laboral” e capacidade de obtenção de rendimentos que lhe permitiam autonomia de vida, por oposição à ofendida, que iniciava a sua vida académica universitária na dependência económica da família, não tem atualmente quaisquer rendimentos ou projeto de emprego futuro, nomeadamente em função e após o termo da situação de reclusão em que se encontra.


Todavia, essa circunstância não pode obstar à sua condenação no pagamento de uma indemnização a favor da vítima ofendida, como o próprio reconhece, embora propondo um valor que, considerando aquelas outras circunstâncias, se afigura marcadamente “miserabilista” e à revelia da avaliação atualista da importância dos bens jurídicos violados e mesmo do valor do dinheiro necessário e capaz de compensar efetivamente os danos não patrimoniais por esta sofridos, tendo em atenção a sua constante erosão, em razão da inflação e da normal desvalorização monetária.


Com efeito, se por um lado, não se devem fixar valores indemnizatórios inflacionados e suscetíveis de poder ser encarados quase como um enriquecimento sem causa e conducentes à ruína e indigência económico-financeira do obrigado, também não é próprio fixá-la em níveis meramente simbólicos e que não se traduzam em verdadeiro sacrifício do lesante, atendendo à natureza também reconhecidamente sancionatória, e não meramente compensatória, deste dever de indemnizar as vítimas de crimes por parte dos respetivos agentes, devendo nessa busca de equilíbrio, é dizer da equidade legalmente reclamada, dar prevalência aos bens jurídicos violados e à medida dos danos sofridos pela vítima, desde que, num juízo prospetivo se possa antever que o arguido obrigado tem condições para, em liberdade, sem pôr em causa a sua própria sobrevivência, satisfazer a obrigação indemnizatória em que tiver sido condenado.


No caso dos autos, vimos já que o arguido, até pela sua condição de refugiado e pela sua juventude, tendo algum “lastro laboral”, não conseguiu ainda realizar poupanças suficientes para dar ou sequer iniciar o pagamento da indemnização em que vem condenado e agora contesta quanto ao valor.


Todavia, precisamente em razão da sua juventude e do tempo de reclusão que irá enfrentar, queira ele aproveitar as oportunidades que o sistema prisional lhe propiciar, como parece querer ao inserir-se no ensino nele ministrado, afigura-se possível projetar um futuro mais apetrechado, académica e profissionalmente, para lograr uma vida profissional que, no mínimo lhe garanta rendimentos mensais estáveis e de valor superior ao salário mínimo nacional que a breve prazo se fixará na órbita dos € 1.000,00 (mil euros), com os quais poderá fazer face às suas normais necessidades, nomeadamente de alimentação, vestuário e alojamento, dispensando parte dele para satisfazer a indemnização em que foi condenado, ainda que prolongada por alguns anos, mas seguramente a tempo de continuar a sua vida, que em normais circunstâncias se pode também antever longa e livre desse compromisso.


Assim sendo, dado que o valor se considera ajustado, não especulativo e naturalmente aquém dos gravíssimos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida e assistente, não se vê necessidade, nem justificação para qualquer intervenção corretiva deste STJ no valor indemnizatório fixado no acórdão recorrido6.


Tanto mais que, ao contrário do alegado pelo recorrente, a importância de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) se compagina e compreende dentro da sua habitual bitola para casos similares, ressalvadas as naturais especificidades de cada caso, como, de resto, se sublinha no antes referenciado acórdão de 27.08.2023, proferido no processo n.º 2822/21.0JABRG.S1, no qual, aliás, se manteve a indemnização de € 60.000,00 (sessenta mil euros) fixada no acórdão recorrido, podendo ainda acrescentar-se à resenha jurisprudencial dele constante, o acórdão de 20.04.2016, proferido no processo n.º 657/13.2JAPRT.P1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, no qual se estabeleceu uma indemnização de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), também acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf.


Improcede, assim, esta questão.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA condenando-o na pena de 6 (seis) anos de prisão, mantendo-se o acórdão recorrido em tudo o mais.


c) Sem custas.


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator e assinado eletronicamente por todos os juízes conselheiros)


João Rato (Relator)


Leonor Furtado (1º adjunto)


Jorge Gonçalves (2º adjunto)





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1. Cfr. artigo 412º do CPP e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.↩︎

2. Proclamada solenemente em Nice, em dezembro de 2000, a Carta é, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em dezembro de 2009, juridicamente vinculativa (cfr. artigo 6.º do Tratado da União Europeia).↩︎

3. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. Entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa em 21 de outubro de 1990, após a ratificação em 21 de setembro de 1990.↩︎

4. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

5. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

6. Como se diz em linguagem popular “não há dinheiro que os pague”, nem é essa finalidade desta indemnização, como se consignou no texto.

Ainda assim, a justiça e a razoabilidade do valor compensatório fixado podem também extrair-se da comparação com os valores de adiantamento fixados no regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, aprovado pela Lei n.º 104/2009, de 14.09, cujo âmbito de aplicação abrange os crimes da natureza do que aqui está em causa.↩︎