Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/17.4GBLSB.L1-B. S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: DECISÃO SINGULAR
Data da Decisão Sumária: 11/02/2024
Votação: - - -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTIGO 405.º DO CPP
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Sendo interposto recurso é neste que deve arguir a nulidade da sentença ou acórdão recorrido.

II. O decurso do prazo de interposição de recurso não se interrompe nem se suspende com a arguição da sua nulidade.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 18/17.4GBLSB.L1-B. S1

Reclamação - artigo 405.º do CPP (152/2024)

I - Relatório:

Os arguidos AA e a sociedade “Socorsul - Comércio e Revalorização de Embalagens, Lda.”, foram condenados em 1.ª instância pela seguinte forma:

AA: ----

- pela prática de um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo artigo 280.º, alínea b), por referência ao artigo 279.º, n.º 2, alíneas b) e c), n.º 6, alínea e), do Código Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, subordinada à condição do arguido, durante o período da suspensão, efetuar o pagamento aos autos da quantia de 15 000, 00€ (quinze mil euros), devendo tal quantia ser liquidada à razão anual de, pelo menos, 3 750,00€ (três mil setecentos e cinquenta euros), devendo ser tida em consideração no valor do pedido de indemnização civil em que os arguidos venham a ser condenados.

“Socorsul - Comércio e Revalorização de Embalagens, Lda.”

- Condenar a sociedade arguida na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de 100 € (cem euros), no total de 36 000,00 € (trinta e seis mil euros) substituída pela prestação de caução de boa conduta no valor de 60 000,00 € (sessenta mil euros), pelo período de 2 anos, a prestar no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da decisão.

Quanto aos pedidos de indemnização civil formulados foi decidido: ----

- Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por BB contra os demandados e, em consequência, condenar estes últimos no pagamento àquele da quantia de 180 102,00€ (cento e oitenta mil cento e dois euros), acrescida de juros legais, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado;

- Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por "Irmãos Caliça Sociedade Agrícola, Lda." e em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia de 228 102,00€ (duzentos e vinte e oito mil cento e dois euros) à aludida sociedade, absolvendo-os do remanescente peticionado.

- Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por CC

contra os demandados e, em consequência, condenar estes últimos no pagamento àquele da quantia de 30 102,00 € (trinta mil cento e dois euros), acrescida de juros legais, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado.

- Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por DD contra os demandados e, em consequência, condenar estes últimos no pagamento àquele da quantia de 15 102,00€ (quinze mil cento e dois euros), acrescida de juros legais, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado.

- Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por EE

contra os demandados e, em consequência, condenar estes últimos no pagamento àquele da quantia de 35 135,71 € (trinta e cinco mil cento e trinta e cinco euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros legais, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado.

Não se conformando, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 5 de junho de 2024, julgou não provido o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Notificados do acórdão vieram os arguidos apresentar reclamação arguindo a sua nulidade e subsidiariamente a sua inconstitucionalidade.

Por acórdão de 15 de julho de 2024 foi julgada não provida a reclamação e, consequentemente, mantido o acórdão confirmatório.

Inconformados, interpuseram os arguidos AA e a sociedade “Socorsul - Comércio e Revalorização de Embalagens, Lda.” recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório de 5 de junho de 2024.

Recurso que não foi admitido por despacho de 20 de setembro de 2024, com fundamento nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.

Os recorrentes apresentaram reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, onde além de manifestarem a sua discordância com o acórdão de que pretendem recorrer, por entenderem que não conheceu da impugnação da matéria de facto efetuada no recurso, uma vez que não foi dada resposta adequada, com exame efetivo e análise crítica da prova documentada, argumentando, em síntese, que não ignoram a regra geral de inadmissibilidade de recurso do acórdão condenatório da Relação, conforme disposto nos artigos 399.º, 400.º n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º n.º 1 alínea b) do CPP.

Mais referem, que quanto à apreciação do recurso pelo Tribunal da Relação no respeitante à impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, não estamos perante duas decisões conformes, antes de uma primeira decisão, tomada a título próprio pelo Tribunal da Relação, suscetível de ser impugnada através do recurso para o STJ, entendem que, existindo neste caso uma lacuna do regime processual penal, que carece de integração, é lícito socorrerem-se dos preceitos processuais civis, por força do artigo 4.º do CPP, nomeadamente dos artigos 662.º, nº 1, e 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC, permitindo-se ao STJ verificar se o uso dos poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.ºs 1 e 2 do CPC foi exercido pelo tribunal de recurso dentro da imposição de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes.

Acrescentam, para o caso de assim se não entender, que o recurso na parte que versa sobre a matéria civil, sobre a qual o despacho que não admitiu o recurso não se pronunciou, sempre o recurso seria admissível, face à autonomia que passou a ser conferida ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal em caso de inadmissibilidade do recurso quanto à matéria penal (artigo 400.º, n.º 3 do CPP) justificando-se a aplicação subsidiária das pertinentes normas do processo civil quanto ao recurso restrito à matéria cível, nomeadamente a aplicação dos pressupostos da sua admissibilidade em geral (artigo 629.º, n.º 1 do CPC), dos

pressupostos de admissibilidade da revista e da dupla conformidade (artigo 671.º, n.ºs 1 e 3 do CPC) e, por fim, dos pressupostos da revista excecional (artigo 672.º do CPC).


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Cumpre decidir:

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II - Fundamentação:

1. Liminarmente, impõe-se esclarecer que não se tomará conhecimento da parte da motivação da reclamação, quando se refere ao conteúdo da decisão de que se pretende recorrer, por respeitar ao objeto do recurso.

A única questão prevista na reclamação do artigo 405.º do CPP, para o presidente do tribunal superior, reporta-se à admissibilidade do recurso ou a sua retenção.

No respeitante à matéria de facto, o acórdão da Relação apenas conheceu de matéria no âmbito dos seus poderes de cognição na apreciação do recurso interposto da decisão da 1.ª instância.

Para além das questões apreciadas no recurso pelo Tribunal da Relação, não terem, por si, relevância para efeitos de recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, mas com o próprio conteúdo do acórdão de que se pretende recorrer, encontrando-se assim fora do âmbito dos poderes de cognição na decisão da reclamação tal com vêm definidos no artigo 405.º do CPP.

2. Verifica-se do requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e o teor da reclamação que o arguido pretende impugnar, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão condenatória da 1.ª instância, de 5 de junho de 2024.

Porque o incumprimento do requisito da tempestividade precede e faz precludir o conhecimento dos fundamentos adjetivos – o recurso foi interposto muito para além do prazo legal de 30 dias contados da notificação do acórdão recorrido.

Efetivamente, o acórdão recorrido, datado de 5 de junho de 2024, foi notificado ao mandatário do arguido no dia seguinte (6 de junho).

Pelo que o prazo para interpor recurso decorreu até 11 de julho (podendo o ato, com pagamento de multa, se praticada até 14 de julho).

Mas o requerimento do arguido a interpor o recurso só foi apresentado em 2 de setembro de 2024.

A arguição de nulidades de um acórdão de que se quer interpor recurso não interrompe nem suspende o decurso do prazo legal para recorrer do mesmo.

Como o reclamante não deve ignorar, dispõe o artigo 379.º n.º 2, aplicável aos acórdãos da Relação ex vi do artigo 425.º n.º 4, ambos do CPP, as nulidades dos acórdãos devem ser arguidas em recurso, sempre que admissível. Não estando o tribunal recorrido impedido de, reconhecendo-as, as poder suprir. Só devem ser arguidas perante o tribunal que proferir a decisão visado se o arguente da nulidade não interpuser recurso, seja ou não admissível.

Tendo o reclamante desrespeitado aquela norma legal, o seu recurso do acórdão confirmatório da condenação, se outra razão não houvesse, não poderia ser admitido, por extemporaneidade, porque o recurso do acórdão recorrido foi apresentado muito para além do prazo de 30 dias.

Razão pela qual não pode o recurso ser admitido.

3. Deve acrescentar-se, obter dictum, que ainda que por mera hipótese o argumento formal procedesse, mesmo assim o recurso não seria admissível.

É que, o critério de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que os arguidos foram condenados na decisão recorrida.

A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

Deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 que estabelece serem irrecorríveis os “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

No caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que aplicou à sociedade arguida pena de multa e ao arguido a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um período de 4 anos.

Havendo dupla conformidade, como resulta diretamente das normas adjetivas citadas, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada aos recorrentes, pena superior a 8 anos de prisão.

Não sendo esse o caso dos autos, resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.

4. Ainda que não houvesse dupla conformidade o acórdão da Relação, também não admitiria recurso.

Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”.

No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. O arguido foi condenado em 1ª instância. E, ademais, não foram aplicadas penas privativas da liberdade.

Estamos, isso sim, perante um acórdão que aplicou pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, com a consequente, inadmissibilidade do recurso interposto.

5. E, no respeitante à matéria civil, também o recurso não seria admissível.

Aplicando ao processo o regime de recorribilidade fixado na redação do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, o acórdão questionado, será recorrível nos termos do artigo 400.º, n.º 2, do CPP, se se verificarem os pressupostos de recorribilidade – alçada e sucumbência, e autonomia para efeitos de recurso da parte da “sentença” relativa à indemnização civil.

O disposto no artigo 400.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, define, deste modo, a recorribilidade da parte da sentença relativa à indemnização civil pelo regime das alçadas, alinhando o processo penal com o regime próprio do processo civil, diferentemente do regime antecedente que agregava os fundamentos à matéria penal, fazendo depender a recorribilidade cível da recorribilidade em matéria penal.

Em relação à parte da decisão sobre a indemnização civil valem, pois, em matéria de recursos as regras do processo civil (artigo 400.º, n.º 2, do CPP).

Verificada, a concorrência dos critérios do valor e da sucumbência, é, em princípio, o recurso admissível no que respeita ao pedido de indemnização civil – artigos 400.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, uma vez que há que atender também ao disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do artigo 4.º do CPP, que impede o recurso no caso de dupla conforme.

Deste modo, tendo o acórdão da Relação confirmado pelos mesmos fundamentos e não com fundamentação essencialmente diferente a decisão da 1.ª instância não é, consequentemente, o recurso admissível para o Supremo Tribunal de Justiça.

III - Decisão:

6. Pelo exposto, embora com fundamento diverso do contido no despacho reclamado, indefere-se a reclamação deduzida pelos arguidos AA e a sociedade “Socorsul - Comércio e Revalorização de Embalagens, Lda.”.

Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada um em UCs.

Notifique-se.


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Publique-se com o seguinte sumário:

I. Sendo interposto recurso é neste que deve arguir a nulidade da sentença ou acórdão recorrido.

II. O decurso do prazo de interposição de recurso não se interrompe nem se suspende com a arguição da sua nulidade.


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Lisboa, 5 de novembro de 2024

O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves