Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1717/07.4TMLSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO DE PROCESSO CIVIL - JURISDIÇÃO VOLUNTARIA
Doutrina: -Beatriz Borges, Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pág. 167.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1978º, N.º 1, ALS. D) E E) E Nº 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGOS 722.º, 729.º, N.º 2 E 1411.º, N.º 2.
LEI N.º 147/99, DE 01-09 (LPCJP): - ARTIGOS 35º, N.º 1, AL. G), 100.º.
Sumário : Sendo os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo qualificados como processos de jurisdição voluntária – art. 100.º da Lei n.º 147/99, de 01-09 (LPCJP) –, a escolha da medida mais adequada à situação do menor constitui matéria de facto, cujo controle se mostra vedado ao STJ – arts. 722.º e 1411.º, n.º 2, do CPC –, não lhe competindo apreciar a requerida aplicação de uma medida menos gravosa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – No Tribunal de Família e Menores de Lisboa, o MP instaurou o presente processo judicial de promoção e protecção a favor do menor AA, nascido a 24/11/2007.

Efectuadas as diligências instrutórias tidas por necessárias e realizado o debate judicial, foram considerados provados, com relevância para a apreciação do recurso que ora vem interposto, os seguintes factos:

1- A criança AA nasceu no dia 24 de Novembro de 2007;
2 - É filha de BB e CC, residentes na Quinta do L..., lote A.., ...º D.to, 1900-...Lisboa;
3 - Na CPCJ Lisboa Centro correu termos, a favor desta criança, o processo de promoção e protecção n.º 729/07;
4 - Por deliberação de 15 de Janeiro de 2008, a CPCJ Lisboa Centro decidiu o arquivamento, a comunicação e remessa ao Ministério Público, por retirada do consen­timento por parte do pai para a continuação da intervenção daquela entidade no âmbito das suas competências;
5 – Com efeito, a situação/sinalização desta criança, então nascitura, foi efectuada à CPCJ, em 14 de Novembro de 2007, pela EAFCJR-3 da DIASL-Sul da SCML, porquanto:
a) - Esta criança já tem 3 irmãos, DD, nascido a 1 de Novembro de 1992, EE, nascido a 22 de Novembro de 1997, e FF, nascida a 10 de Dezembro de 2001, sendo o primeiro filho de GG e o segundo e terceiros filhos de CC, e todos de BB;
b) - Nenhum dos irmãos do AA reside com os pais;
c) - O EE e a FF encontram-se institucionalizados no âmbito do processo judicial de promoção e protecção do TFML, sendo que o DD, inicialmente acolhido em instituição, foi posteriormente confiado à madrinha;
d) - Os pais encontram-se desempregados, declarando não ter qualquer tipo de rendimentos e beneficiando do Banco Alimentar;
e) - Os pais residem numa habitação social camarária de tipologia 3, estando a habitação geralmente muito descuidada em termos de arrumação e higiene e tendo o hábito de acumular objectos e roupa e não existindo organização nem arrumação dos excedentes, que, com frequência, são deixados em locais que dificultam a circulação dentro de casa e constituem perigo para os menores;
f) - Não existe também cuidado com a higienização dos espaços, fazendo a BB uma limpeza, quando sabe da visita dos técnicos, mas não há capacidade de manutenção da limpeza dos espaços, nem valorização da mesma, referindo a BB que arrumou e limpou a casa com frequência, significando isto apenas que fez a cama e lavou a loiça;
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i) - Os menores EE e FF encontram-se institucionalizados por decisão do tribunal, tendo, a partir de Fevereiro de 2007, ido passar todos os fins-de-semana a casa;
j) - Posteriormente, por decisão judicial, foram autorizados a passar dois meses de férias de Verão em casa;
k) - Permaneceram, de férias, no agregado, de 22 de Junho a 13 de Agosto – a FF – e 15 de Agosto – o EE -, altura em que os lares onde se encontram os foram buscar para serem integrados em colónias de férias, pois a degradação da situação habitacional, carência alimentar e falta de higiene levaram à antecipação do projecto inicial de permanecerem até ao final do período de férias e, após estas datas, não voltaram a casa tendo os pais contactado os lares para os visitar e tendo as visitas tido início depois dos lares contactarem os pais nesse sentido;
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p) - A BB é desempregada de longa duração e não se mostra motivada para a procura de emprego;
q) - O CC está desempregado tendo estado algum tempo a arrumar carros na área dum restaurante junto ao rio, onde tomava as refeições mas ficava com o rendimento desse trabalho e gastava-o em bebida;
r) - Foi encaminhado para o Centro de Emprego e esteve inscrito num RVCC no CENFIC, para obter certificação de 9º ano, de forma a poder prosseguir para uma for­mação na área da electricidade, mas nenhum destes encaminhamentos teve seguimento, porque o CC desvaloriza o acompanhamento realizado pelo Centro de Emprego e a qualificação que poderia obter através do RVCC, encontrando-se desempregado e a realizar formação na área das TIC na Associação CAIS;
s) - O processo de RSI foi arquivado por falta de documentos mas o casal voltou a requerer essa prestação e o Centro de Emprego indeferiu o pedido de subsídio de desemprego de CC a 20 de Junho de 2007, por este não ter, pelo menos, 12 meses de descontos, referentes aos rendimentos de trabalho;
t) - O agregado é beneficiário do Banco Alimentar do centro paroquial de São João e recebe apoio da AMI todas as sextas feiras em géneros alimentares;
u) - De momento, esta família declara não ter qualquer tipo de rendimentos;
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aa) - O CC é seguido no centro de saúde da área de residência, relatando a BB episódios de alcoolismo, os quais acontecem, segundo aquela, mais raramente, alguns deles já observados pela ajudante familiar;
ab) - Ambos os progenitores verbalizam a importância do bem-estar dos menores embora seja visível a desadequação entre o dizer e o fazer, existindo afecto entre a BB e os filhos, mas esta vinculação não se tem mostrado suficiente para que o agregado consiga criar um ambiente propício ao desenvolvimento integral dos menores, encontrando-se pervertidas algumas das funções parentais (estabilidade emocional, espaço primário de socialização) ou mesmo ausentes (alimentação, segurança, higiene, etc.);
ac) - Durante as férias de Verão, altura em que o EE e a FF estiveram em casa, foi preciso minimizar esta situação com a colocação dos menores em actividades que os ocupassem durante o dia na Junta de Freguesia de São João e ao mesmo tempo pudessem ter acesso a duas refeições completas – almoço e lanche – com possibilidade de levar também para o jantar as refeições que sobrassem;
ad) - O agregado alimenta-se geralmente de sopa proveniente da instituição “Porta Amiga” da AMI e o CC refere que a BB não cozinha sendo ele a fazê-lo em algumas ocasiões;
ae) - A BB apresenta limitações ao nível do pensamento simbólico e subjectivo, sugerindo funcionamento ao nível de conceitos mais abstractos, situando-se o seu funcionamento essencialmente ao nível funcional e não reflexivo;
af) - Relata episódios de alcoolismo de CC, nos quais ele se tornava agressivo, chegando a ameaçar a integridade física da BB em frente dos menores, mas estas situações diminuíram e o CC não voltou a regressar alcoolizado mas, em Agosto de 2007, a ajudante familiar encontrou-o alcoolizado;
ag) - Os técnicos do Lar “A Nossa Casa”, onde a FF se encontra, fizeram uma visita domiciliária em 13 de Agosto de 2007 e propuseram, de imediato, que os menores regressassem aos lares, dado o estado de negligência em que se encontrava a casa e o desinvestimento na higiene e vestuário dos menores;
ah) - A colaboração dos pais com os serviços tem sido mínima, oscilando entre atitudes de aparente aceitação das propostas de trabalho efectuadas e atitudes de intolerância à intervenção;
6 - AA nasceu na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa;
7 - No dia 27 de Novembro de 2007, a mãe assinou declaração de responsabilidade (“alta à exigência”) para sair com o filho da maternidade (nascera a 24), tendo a mesma sido concedida;
8 - No dia 4 de Dezembro de 2007, o pai prestou o consentimento para a intervenção da CPCJ no âmbito das suas competências e a mãe, no dia 12 de Dezembro de 2007, no decurso de visita domiciliária efectuada;
9 - Nesta data, a casa apresentava-se minimamente organizada e limpa e, segundo o futuro padrinho do AA, os pais tiveram o seu apoio e o da sua esposa na organização e na limpeza do espaço habitacional;
10 - Os pais foram elucidados dos procedimentos da CPCJ e da necessidade de ser celebrado um acordo de promoção e protecção com aplicação de medida de apoio junto dos pais e em benefício da criança, contempladas, de entre outras clausulas, o acompanhamento psiquiátrico por parte do pai e o acatamento por parte da mãe das orientações da ajudante familiar da equipa da SCML;
11 - A mãe aceitou de imediato enquanto o pai pediu tempo para pensar;
12 - Ainda no mesmo dia, mais tarde, o pai, e em contexto de entrevista, referiu já ter tido acompanhamento psiquiátrico pelo Dr. II, no Hospital Júlio de Matos, tendo avançado não se opor a tal acção embora aguardasse emprego, cujo horário não sabia se seria compatível com as consultas;
13 - O pai exibiu documento comprovativo do contrato de trabalho, o que se veio a efectivar apenas por alguns dias;
14 - No período que medeia entre o consentimento e a retirada do mesmo, o pai deslocou-se, por diversas vezes, à CPCJ, sem aviso prévio e com uma postura ambiva­lente, ora colocando questões e entraves à intervenção, para, no momento seguinte, acei­tar as propostas;
15 - No dia 3 de Janeiro de 2008, a CPCJ foi contactada pela CPCJ de Mangualde, que informava que o AA, seus pais e seu irmão DD, se encontravam a residir naquela localidade, em casa de uma irmã da mãe, tendo sido transmitido pelo pai à técnica daquela CPCJ ser sua intenção ficar ali a residir, pois considerava ser alvo da perseguição por parte da CPCJ de Lisboa para lhe retirar o filho;
16 - Nesse dia, foram encaminhados para o Centro de Saúde de Mangualde, onde se verificou que o bebé se encontrava em bom estado geral, apesar da confusão demonstrada pela mãe em relação às doses de leite a dar ao bebé;
17 - No dia 4 de Janeiro de 2008, o agregado regressou à sua morada de Lisboa e foi contactado o Centro de Saúde de São João, tendo-se obtido confirmação que os pais têm comparecido a todas as consultas semanais com o filho, quer de enfermagem, quer de pediatria, e que, em termos de saúde, o AA se encontrava bem, embora a mãe continuasse a ser trabalhada no sentido de fazer o complemento de leite de forma adequada;
18 - No dia 15 de Janeiro de 2008, após várias insistências, o pai do AA desloca-se à CPCJ e retira o seu consentimento para a continuação da intervenção;
19 - Na sequência da instauração dos presentes autos, com data de 18 de Janeiro de 2008, foi elaborada informação social pela EATTL;
20 - Por decisão judicial, datada de 24 de Janeiro de 2008, proferida neste processo de promoção e protecção, foi aplicada, a título provisório, a favor do AA, a medida de acolhimento institucional de curta duração;
21 - Esta é uma família extremamente desorganizada, que não aceita as ajudas que pretendem dar, apesar de viverem numa situação de grande carência económica, sem motivação para uma futura mudança;
a) - Esta família tem o mínimo de condições habitacionais, vive em situação de grande negligência, numa casa sem higiene, nomeadamente, em Agosto de 2007, aquando duma visita domiciliária, via-se loiça suja de vários dias amontoada, a casa cheia de entulho, tal como desperdícios encontrados na rua, roupa por toda a parte;
b) - Na casa de banho, não é possível entrar dado o amontoado de roupa que aí se encontra, muita dela suja, nomeadamente lençóis com urina;
c) - Não existem objectos de nenhuma natureza ligados a higiene pessoal, como pastas de dentes, sabonetes ou champô, nem escovas de dentes ou cabelo;
d) - O progenitor é consumidor excessivo de bebidas alcoólicas, assume uma postura agressiva e não colabora nem aceita a ajuda de técnicos;
e) - Estas situações deram origem à colocação institucional de outros filhos do casal;
f) - Relativamente à FF e ao EE o projecto de vida neste momento é o de confiança judicial com vista à adopção;
22 - O AA ingressou, no dia 29 de Fevereiro de 2008, no CAOT de Santa Joana onde permanece até hoje;
23 - O menor, aquando da admissão, apresentava-se mal cuidado ao nível da higiene e com vestuário desadequado à estação do ano, e, quanto ao seu estado de saúde, manifestava problemas respiratórios, tendo sido consultado pela pediatra e medicado com máscaras de oxigénio (aerossóis), estando estes problemas de saúde aparentemente ultrapassados, sendo o AA uma criança normal e saudável;
a) - Foi estabelecido com os pais um plano de visitas que consiste na possibilidade de visitarem o filho às 2ª e 6ª feiras das 11 às 12 horas;
b) - A mãe tem cumprido o plano de visitas estabelecido, o mesmo não se verificando relativamente ao pai, que tem apresentado uma assiduidade irregular;
c) - Nas visitas efectuadas, verifica-se que o pai dedica pouca atenção ao filho sendo que pega inicialmente neste ao colo, com o intuito de averiguar se o mesmo apresenta alguns sinais de negligência ou maus tratos, mas rapidamente o entrega à mãe, sobressaindo, na sua atitude, mais a preocupação em confrontar os serviços, que se inteirar do efectivo estado de saúde do seu filho;
d) - O pai tem demonstrado durante as visitas uma atitude desadequada, bem como desinteressada, em interagir com o filho, sendo esta postura visível no facto de, durante a hora de visita, o progenitor canalizar a sua atenção para os técnicos, assumindo sempre uma postura agressiva e acusadora, realizando contactos telefónicos, que diz serem para o seu advogado, e trazendo sempre consigo muitos documentos, que diz constituírem provas das falsas afirmações constantes do processo;
e) - Desde a admissão do menor, o pai tem mantido a postura desadequada e agressiva, sendo que o mesmo já proferiu ameaças directas à equipa técnica - - educativa, bem como tentou agredir o segurança do CAOT;
f) - Recentemente, o pai do AA referiu à equipa, que se encontra a trabalhar como vigilante no estaleiro do aeroporto de Lisboa, mas não apresentou qualquer documento comprovativo da sua situação profissional;
g) - A mãe do menor tem sido assídua às visitas, sendo que, no decorrer das mesmas, pega no filho e conversa com ele, mas a interacção mãe - filho é passiva, e, por vezes, o menino adormece;
h) - A mãe apresenta limitações e instabilidade psico-emocional visível na interacção com os técnicos e o filho, nomeadamente, oscilando entre uma atitude passiva e risos estridentes e descontextualizados;
i) - Os pais manifestam uma grande desconfiança relativamente à intervenção, assim como verbalizam a sua oposição quanto à possibilidade do filho vir a ser adoptado;
j) - Na reunião inter-serviços, realizada no passado dia 28 de Março de 2008, com a participação das equipas técnicas do CAOT, EAFCJR, da DIASL Sul e com a Dr.ª JJ da Casa Marvila, foi parecer unânime que, atendendo aos problemas antecedentes ao nível da dinâmica do agregado familiar e da relação conjugal, que leva­ram ao acolhimento dos filhos mais velhos do casal, os progenitores dificilmente alterarão a sua situação vivencial de modo a reunir as condições necessárias, e, em tempo útil, para assegurar os cuidados, guarda e o bom desenvolvimento integral do menor Leandro;
k) - O agregado familiar dos progenitores, composto actualmente pelos próprios, tem vindo a ser acompanhado pela EAFCJR da DIASL de Lisboa Sul da SCML, desde há cerca de 3 anos, mas não foi possível realizar, de forma efectiva, este acompanhamento, por dificuldade de relacionamento com o casal, sobretudo o progenitor, o qual assumiu sempre uma postura de não colaboração e rejeição da intervenção dos serviços;
l) - O pai do AA é caracterizado como uma pessoa agressiva, mal educada e sempre revelou pouca consistência nas informações que presta aos diversos serviços, nomeadamente, no que concerne à sua situação pessoal, profissional e familiar, sendo-lhe imputados comportamentos desadequados indiciadores de consumo de álcool e de substâncias psicoactivas, que potenciam as dificuldades de relacionamento e funcionamento do seu agregado familiar, nomeadamente, na relação com a progenitora e com os filhos (quando estes se encontravam no agregado), bem como com os serviços intervenientes;
m) - Desde o início da intervenção do EAFCJR da DIASL Sul, o progenitor revelou grande resistência em acatar as orientações dadas, dificultando e impossibilitando algumas acções dos serviços, nomeadamente, a realização de visitas ao domicílio, bem como inviabilizou, a dada altura, o apoio de uma ajudante familiar;
n) - O pai do menor apenas tem recorrido ao apoio desta equipa com o intuito de obter proveitos económicos, sem se querer comprometer com qualquer plano de intervenção elaborado pela equipa, não se reconhecendo como uma figura implicada e responsável pela situação em que se encontram os filhos e o seu agregado, remetendo esta responsabilidade para os serviços dos quais se considera vítima;
o) - A mãe do AA, por sua vez, revela-se incapaz de responder de forma adequada às solicitações, quer do seu agregado, quer dos serviços, devido não só às suas limitações cognitivo-emocionais, mas também à influência que o pai do menor exerce sobre si, verificando-se que, na ausência deste, BB assumiu uma postura aparentemente mais colaborante e menos passiva não chegando contudo a encetar esforços suficientemente consistentes de modo a concretizar alguma mudança significativa ao nível das rotinas domésticas (confecção de alimentos, organização e higienização do espaço habitacional) e de autonomização pessoal e profissional;
p) - Devido ao arrastamento e agravamento da situação vivencial dos progenitores e ao facto destes nunca terem sido permeáveis às orientações dadas pelos serviços, nunca conseguiram adquirir as competências parentais e reunir as condições de vida para assumir a guarda dos seus filhos, designadamente, de DD, EE e FF, encontrando-se o primeiro aos cuidados duma família adoptiva e os restantes institucionalizados desde Janeiro de 2005;
q) - É de salientar que os progenitores nunca se constituíram como um modelo adequado para os filhos, uma vez que a dinâmica familiar era pautada por uma grande desorganização, desequilíbrio emocional, violência conjugal e desinvestimento afectivo por parte dos progenitores, principalmente por parte do pai, o que suscitava nos menores a vivência de situações desestruturadas, sentimentos de insegurança e vazio afectivo;
r) - Acresce a ausência de suporte familiar ou social capaz de minorar as carências e problemáticas do agregado;
s) - Durante a gravidez de AA, o pai referiu ter o apoio de HH, residente na Musgueira, o qual seria padrinho do filho, mas, apesar da equipa ter marcado atendimento com este, HH não compareceu, nem justificou a falta/ausência;
t) - Após o nascimento do AA, o pai procurou o apoio da tia materna do menor – LL – a qual reside em Mangualde, mas esta também não dispõe de condições para se constituir um suporte para os progenitores, uma vez que se trata duma família que não dispõe de condições socioeconómicas e habitacionais para os acolher, sendo este agregado acompanhado pelos serviços do CDSSS de Mangualde, devido à existência de menores a cargo, situações de negligência e precariedade económica, pelo que são beneficiários de RSI;
24 - Com a data de 3 de Abril de 2008, foi junta aos autos informação elaborada pelo CAOT de Santa Joana;
Desta destaca-se que:

a) - Aquando do acolhimento do AA, o seu pai, por indicação dos agentes policiais, aguardou no exterior do Centro de Acolhimento, devido ao seu comportamento de impulsividade e agressividade que apresentava;
b) - A mãe recusou entregar os documentos de identificação e de saúde da criança, tendo permitido apenas que fossem fotocopiados os documentos de saúde;
c) - Quando da entrada, o bebé estava “assado” e em más condições de higiene;
d) - Apresentava no braço esquerdo marca sugestiva de ter tido penso/ligadura a cobrir a zona onde terá recebido a vacina de BCG;
e) - Nos primeiros tempos, era um bebé assustadiço e um pouco agitado, sendo actualmente um bebé mais tranquilo;
f) - Teve algumas dificuldades em se adaptar às rotinas diárias, dando sinais de estar pouco habituado a horários adequados, sobretudo ao nível da alimentação, mas tem feito uma adaptação progressiva;
g) - A mãe tem visitado o filho com regularidade, apenas não comparecendo uma vez – 13 de Março de 2008;
h) - O pai apenas visitou o filho nos dias 5, 6, 10, 13 de Março e 1 de Abril;
i) - Nas visitas realizadas nos dias 6 e 10, o pai, após ter entrado no CAOT, saiu passados poucos minutos, sem dar qualquer justificação, regressando mais tarde, no 1º dia com sinais de ter ingerido bebidas alcoólicas e no 2º com o jornal “Correio da Manhã”, ao qual os pais tinham dado uma entrevista;
j) - No dia 13, o pai visitou o filho sozinho e apenas esteve 40 minutos com este, por decisão sua;
25 - Aquando do acolhimento, ficou estipulado que os pais poderiam visitar o AA, de 2ª a 6ª, num horário compatível com a actividade laboral do pai e as rotinas do bebé;
a) - Assim, o pai escolheu o horário das 11 às 12 horas, como aquele que lhe permitiria visitar diariamente o seu filho;
b) - A mãe, não tendo qualquer ocupação, acompanharia o pai;
c) - Desde que AA está acolhido no CAOT, os pais realizaram as seguintes visitas: em Março de 2008 a mãe realizou 17 visitas e o pai 4, em Abril a mãe realizou 19 visitas e o pai 5, em Maio a mãe realizou 16 visitas e o pai 2, em Junho a mãe realizou 13 visitas e o pai 5 e em Julho (até 14) realizaram ambos 7 visitas;
26 - O AA tem registado um desenvolvimento normal em todas as áreas;
a) - Quanto aos progenitores, mantêm estabelecido com o Centro de Acolhimento o plano de visitas inicialmente acordado, designadamente a possibilidade de visitarem o filho às 2ª e 6ª feiras das 11 às 12 horas;
b) - A mãe tem sido cumpridora do plano de visitas, não se tendo registado altera­ções ao anteriormente relatado, mantendo a progenitora uma postura passiva na interacção com o filho, não se constituindo para este uma figura afectiva de referência;
c) - O pai continua a apresentar uma postura desadequada e agressiva no contacto com os serviços, priorizando a sua zanga com estes e não o estabelecimento duma rela­ção de afecto próxima com o filho;
27- No âmbito do PPP 1717/07.4TMLSB-A pendente, e que corre termos relativa­mente aos menores DD, EE e FF , que do AA são irmãos, veio a realizar-se exame psiquiátrico ao progenitor;
- Ali se conclui que o examinando não apresenta doença psiquiátrica, tem discernimento para avaliar os seus actos e respectivas consequências e apresenta provavelmente perturbação psicopática da personalidade;
- Na sequência de pedido de esclarecimento adicional àquela perícia, o Hospital Júlio de Matos informa, com data de 1 de Outubro de 2008, que o examinando apresenta provavelmente uma perturbação psicopática da personalidade, que se pode aferir através dum padrão de vida e de conduta de desrespeito pelos outros, labilidade e inadequação das respostas emocionais, agressividade e dificuldades no controle da impulsividade, iniciando-se esta perturbação precocemente e apresentando um padrão repetitivo e persistente;
- Esta perturbação acompanha-se frequentemente de perturbações relacionadas com o consumo e abuso de substâncias (álcool e outros tóxicos);
- O examinando refere consumos de álcool difíceis de quantificar pois só uma avaliação da função hepática poderia dar uma ideia, embora não seja possível o estabelecimento de causalidade directa entre as alterações hepáticas e a gravidade dos consumos;

Pelo exposto, somos de opinião que todo o quadro descrito influencia significativamente a capacidade parental do examinando;
28 - Entre o AA e os seus pais mostram-se seriamente comprometidos os laços afectivos próprios da filiação;
29 - O pai do AA actualmente está separado da mãe, separação que ocorreu após uma discussão entre ambos, com intervenção da companheira do seu enteado DD e na sequência da qual o CC agrediu esta última;
30 - O CC apresentou e considerou esta agressão como um acto normal perfeitamente justificado dado que “entre marido e mulher ninguém mete a colher”;
31 - O pai do AA está a ser acompanhado no Centro de Alcoologia do Hospital Júlio de Matos;
32 - O CC actualmente tem uma nova companheira;
33 - O pai confessou que, quando está cansado, não comparece nas visitas ao filho.

Perante a situação factual descrita, a 1ª instância proferiu sentença, na qual decidiu:
- Aplicar a favor do menor AA a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, prevista no art. 35º, n.º 1, al. g) da LPCJP, mantendo-se aquele sob a guarda da instituição Lar Casa dos Girassóis, onde se encontra, inibindo do poder paternal e determinando a cessação das visitas àquele por parte da sua família natural.

Tendo o pai do menor apelado, a aludida decisão foi integralmente confirmada pela Relação de Lisboa.

Inconformado, o mesmo veio pedir revista do acórdão proferido, recurso este cuja espécie foi alterada neste Supremo Tribunal por despacho do relator, e no qual aquele recorrente, nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

1ª - A demarcação das situações que põem em risco grave a segurança e a saúde do menor e de quebra dos vínculos de afectividade, não pode, porém, basear-se em critérios subjectivos e vagos ou apenas na dificuldade que alguém apresenta em cuidar e tratar com carinho uma criança decorrente da sua fraca escolaridade, do meio social em que se insere ou da sua insuficiência económica, tem de basear-se em factos claros e objectivos, tendo sempre em atenção que importa privilegiar a família, como decorre do principio da prevalência da família, constante da al. g) do art.º 4º da L.P.C.J.P.;
2.ª - O perigo a que alude a al. d) do art.º 1978º do Cód. Civil, conducente à confiança judicial do menor com vista a futura adopção, implica a constatação de situações concretas de perigo grave e não as meramente vagas, sendo que estas, sendo perigosas, apenas poderão dar lugar a outras medidas de promoção e protecção de carácter reversível;
3.ª - Os casos concretos apurados prendem-se com a falta de higiene, de cuidados com a saúde e com a alimentação, porém, não foram provados factos tão graves ao ponto de pôr em causa a segurança e saúde do menor e dos seus irmãos;
4.ª - No caso concreto, não estão evidenciados factos que demonstrem que os pais, por acção ou omissão, tenham posto em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor em termos que, pela sua gravidade, comprometam seriamente os vínculos afectivos próprios da filiação;
5.ª - Não estão também provados factos concretos e objectivos que demonstrem manifesto desinteresse dos pais para com o menor;
6.ª - Mesmo depois de institucionalizado, os pais, com maior ou menor frequência, não deixaram de visitar o seu filho;
7.ª - Uma leitura atenta e conscienciosa dos factos provados, permite-nos concluir que a mesma é composta na sua grande parte por factos genéricos, conclusivos e por conceitos indeterminados e juízos de valor;
8.ª - O facto de o pai ser pobre, com pouca instrução e com uma educação limitada, não pode significar que no futuro não possa vir a viver com ele e com a mãe, pelo que, no caso concreto, deve ainda ser dado o beneficio da dúvida aos pais e, em especial, o pai, recorrente, substituindo-se a medida adoptada por uma menos gravosa;
9.ª - Neste momento, os pais do menor já se encontram novamente juntos;
10.ª - A sentença recorrida violou o disposto no art. 1978º do Cód. Civil e os princípios da intervenção mínima e da prevalência da família.



E termina pedindo a revogação do acórdão proferido, substituindo-se a medida adoptada por uma menos gravosa.

Contra alegando, o MP pronunciou-se pela confirmação da decisão proferida.

Colhidos os vistos devidos, cumpre apreciar.


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II – Como resulta do conteúdo das decisões proferidas pelas instâncias, a medida aplicada a favor do menor, cuja previsão legal assenta no art. 35º, n.º 1, al. g) da LPCJP, fundou-se no estatuído no art. 1978º, n.º 1, als. d) e e) do CC.

Com efeito, e de acordo com este último normativo, a aplicação da medida que foi decretada da confiança do menor a instituição com vista a futura adopção tem lugar quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, em consequência dos pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, hajam colocado em perigo grave a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor, e ainda, quando os seus progenitores, no caso do menor ter sido acolhido por uma instituição, hajam revelado manifesto desinteresse pelo mesmo, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos afectivos, durante pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

Assim, e tendo em linha de consideração, que, como paradigma prioritário atendível na apreciação da efectiva verificação de tais situações devem ser erigidos os direitos e interesses do menor – art. 1978º, n.º 2 do CC -, constituem-se, por seu turno, como elementos sintomáticos da falta de interesse dos pais pelos filhos, todas aquelas situações em que os progenitores revelam um completo afastamento quanto ao quotidiano das crianças, não lhes proporcionando os cuidados necessários para o seu desenvolvimento físico e mental e indiciando factores da sua irresponsabilização, quanto a esse desenvolvimento – vide Protecção de Crianças e Jovens em Perigo da Drª Beatriz Borges, pág. 167.

Ora, na situação em apreço, e compulsando-se os factos referenciados em 5) – - d), e), f), p), u) e aa) -, 21 – a), b), c) e d) – e 23 – l) -, daqueles resulta que o ambiente familiar dos progenitores do menor é, por qualquer prisma que se avaliem tais factos, como um elemento directamente constitutivo da elevada gravidade da situação em que aquele se encontrava, antecedentemente ao decretado acolhimento institucional do mesmo, já que, quer a inexistência de qualquer arranjo e asseio na habitação, quer a falta de predisposição dos seus progenitores para lhe propiciarem as mínimas condições de alimentação, situações estas a que a carência de meios económicos não serve de justificação, já que, para além de se não mostrar provado, antes pelo contrário, que existisse, ou exista, qualquer vontade do recorrente na angariação de meios de subsistência, também, e por outro lado, a obtenção das mínimas condições de higiene para uma criança de tão tenra idade, à data 11 meses e 19 dias, não seria um fardo de tão incomensurável exigibilidade, comparativamente com as dores inerentes a dar à luz um ser humano, a menos que, e como se poderá eventualmente depreender de tal comportamento, aqueles progenitores nunca tenham tido a mínima percepção do conteúdo dos deveres que a geração de um filho determina para o casal.

Por outro lado, encontrando-se o recorrente a viver com uma companheira, diversa da mãe do menor AA, já que de outras situações constitutivas de uma qualquer alteração de tal factualidade não pode este STJ conhecer - art. 729º, n.º 2 do CPC -, é óbvio e manifesto, perante tal situação, e com a adjuvante dos factos referidos em 29 e 31, que as suas condições económicas, já de si paupérrimas, e desconhecendo-se as habitacionais, acrescida da sua situação de alcoolismo, nunca poderiam conduzir a um desenvolvimento do menor em condições minimamente aceitáveis.



Por seu turno, igualmente haverá a considerar, perante os factos enunciados em 23 – c), d), e) e g) -, 24 – h), i) e j) –, 25 – c) -, e 26 – b) e c) -, que a conduta do recorrente, nas visitas efectuadas ao menor na instituição onde o mesmo se encontrava acolhido, não é de molde a considerar que houvesse da sua parte a intenção de criar ou manter com aquele laços afectivos, dirigidos a tornar possível a vida em conjunto, mas outrossim, e apenas, a de procurar obter uma situação de vitimização, susceptível de aproveitamento para outros fins, totalmente alheios aos interesses do menor.

E, quanto à requerida aplicação de uma medida menos gravosa, estando em causa um processo de jurisdição voluntária – art. 100º da LPCJP -, a escolha da medida mais adequada à situação do menor constitui matéria de facto, cujo controle se mostra vedado a este Supremo Tribunal – arts. 722º e 1411º, n.º 2 do CPC.

Improcedem, assim, todas as conclusões do recorrente.


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III – Perante o exposto, vai, portanto, negado provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


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LISBOA, 28 de Setembro de 2010
Sousa Leite
Salreta Pereira
João Camilo