Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S012
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
NULIDADE DO CONTRATO
FALSAS DECLARAÇÕES
ABUSO DE DIREITO
RENOVAÇÃO
CONTRATO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
Nº do Documento: SJ200605100000124
Data do Acordão: 05/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. Não se tendo provado que a entidade empregadora sabia que o trabalhador já tinha sido contratado por tempo indeterminado, configura abuso do direito o comportamento do trabalhador que, depois de ter declarado, em instrumento contratual, «nunca ter sido contratado por tempo indeterminado», propõe acção contra a mesma empregadora invocando a nulidade da estipulação do termo, alegando que já tinha sido contratado nessa qualidade por outra empresa, pretendendo com esse fundamento que o contrato seja considerado sem termo.
2. A «adenda» aposta a um contrato de trabalho a termo, nos termos da qual as partes acordaram prorrogar por mais quatro meses o contrato que inicialmente tinham celebrado por seis meses, não constitui um novo contrato de trabalho a termo, antes consubstancia a renovação do anterior contrato de trabalho, não obstando a tal qualificação o facto da entidade empregadora, à data da celebração da designada «adenda», já ter comunicado ao trabalhador que o contrato não seria renovado, pois, a acordada prorrogação contém implícito o propósito de dar sem efeito a comunicação de não renovação do contrato.
3. A prorrogação do contrato de trabalho a termo por prazo diferente do inicialmente estipulado tem de respeitar os requisitos materiais e formais a que obedece a celebração dos contratos de trabalho a termo, ou seja, o acordo de prorrogação tem de ser reduzido a escrito e o motivo justificativo da prorrogação tem de ser devidamente indicado e concretizado e só esse motivo será relevante para ajuizar da validade do termo aposto na prorrogação.
4. Não tendo a entidade empregadora provado a veracidade do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo consignado na cláusula 1.ª do instrumento de renovação do contrato e uma vez que o motivo indicado na cláusula 2.ª do mesmo instrumento não faz parte do elenco de casos referidos no n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, falece motivo justificativo válido para a estipulação do termo nessa renovação do contrato, o que tem como consequência a nulidade da aposição da respectiva cláusula acessória do termo, mantendo-se o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada, o que implica a aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente.
5. Nesta conformidade, a entidade empregadora não podia fazer cessar unilateralmente sem justa causa o contrato, uma vez que este era um contrato sem termo, por ser nulo o termo ajustado no instrumento de renovação do contrato, pelo que a carta dirigida pela empregadora ao trabalhador, em que aquela lhe comunicava, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LCCT, que o contrato de trabalho a termo certo, «cujo prazo termina em 7 de Dezembro de 2002, não será renovado», equivale a um despedimento ilícito.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. Em 28 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo: (a) seja declarada a nulidade do contrato de trabalho a termo celebrado em 8 de Fevereiro de 2002, condenando-se a ré a reconhecer que a autora foi naquela data contratada por tempo indeterminado; (b) caso assim se não entenda, seja a autora considerada como contratada por tempo indeterminado, porque não assegurava necessidades transitórias de serviço da ré, mas sim permanentes; (c) se assim se não entender, seja declarado que, a partir de 8 de Agosto de 2002, a autora foi contratada pela ré por tempo indeterminado, declarando-se a nulidade da adenda aposta no verso do contrato, dado que tal contrato já havia sido denunciado pela ré por carta de denúncia que operou os seus efeitos; (d) declarando-se, assim, a ilicitude do despedimento da autora operado pela ré com a entrega de ofício em 6 de Dezembro de 2002; (e) seja a ré condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade; (f) seja a ré condenada a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento e até à decisão final, tudo acrescido com juros de mora à taxa legal.

Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré, para exercer as funções de carteiro, mediante contrato de trabalho a termo certo de seis meses, celebrado em 7 de Fevereiro de 2002, referindo-se como motivo justificativo a contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, tendo a autora declarado que nunca tinha sido contratada por tempo indeterminado, mas tal declaração não correspondia à verdade, o que era do conhecimento da ré.

Subscreveu o contrato naqueles termos porque os mesmos não lhe foram explicados e também porque tinha a expectativa de que, ao assinar aquele contrato, passaria de seguida para os quadros permanentes da empresa, uma vez que já tinha efectuado testes psicotécnicos por determinação da ré.

Antes do termo do contrato, a ré enviou-lhe uma carta registada a informá-la de que o mesmo não seria renovado; porém, em 8 de Agosto de 2002, foi chamada para se apresentar ao serviço porque o seu contrato iria ser renovado, tendo sido aditado nesse mesmo dia ao verso do contrato já denunciado pela ré uma «adenda» para prorrogar o mesmo por mais 4 meses, na qual se consignou que a autora iria suprir necessidades de serviço, em virtude da substituição de carteiros em férias e também porque a autora, por motivos alheios à sua vontade, ainda não tinha encontrado emprego compatível com a sua formação profissional.

O certo é que não substituiu qualquer carteiro em férias, assim, o termo invocado na prorrogação do contrato não foi cumprido, por tal motivo deve declarar--se que a autora foi contratada sem termo e por tempo indeterminado, sendo nula a «adenda» aposta no verso do contrato.

Em 6 de Dezembro de 2002, foi-lhe entregue, em mão, uma carta datada de 15 de Novembro de 2002, informando-a de que o seu contrato terminaria em 7 de Dezembro de 2002, o que consubstancia um despedimento ilícito, por inexistência de justa causa e sem precedência de processo disciplinar, já que tinha adquirido a qualidade de trabalhadora permanente da ré, desde 8 de Agosto de 2002.

A ré contestou, sustentando, a validade do termo aposto no contrato de trabalho e na respectiva «adenda», bem como a licitude da cessação do contrato.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a ré: (a) a reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 7 de Fevereiro de 2002; (b) a reconhecer que a comunicação de 15 de Novembro de 2002, recebida em mão pela autora, consubstancia um despedimento ilícito, com efeitos desde 7 de Dezembro de 2002; (c) a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, com a antiguidade reportada a 7 de Fevereiro de 2002 e a categoria profissional de carteiro (CRT), e a pagar à autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, nos termos constantes da respectiva parte dispositiva.

2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão da primeira instância e absolvendo a ré do pedido, sendo contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

1.ª O documento que constitui o contrato inicial, datado de 7.2.2002, foi elaborado pela recorrida e entregue à recorrente para assinatura; trata-se de um contrato a termo certo (6 meses) celebrado nos termos da alínea h) do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, com início em 8.2.2002;
2.ª A expressão, «[...] nunca ter sido contratado por tempo indeterminado», foi criada pelo Decreto-Lei n.º 257, de 21.8.86, para definir o que se devia entender por trabalhador à procura de primeiro emprego, mas, à data da assinatura do contrato, o conceito de trabalhador à procura do primeiro emprego era o constante na Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, que não coincide com aquela expressão atribuída à recorrente, nem os CTT deram por isso, quanto mais a recorrente;
3.ª Há a considerar que, à data da celebração do contrato inicial, vigorava a Lei n.º 18/2001, que impunha à recorrida (e não à recorrente) o ónus da prova «dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo...» (artigo 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 64-A/89);
4.ª Assim, se a recorrente preenchia ou não as condições para celebrar um contrato a termo certo à luz da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 cabia à recorrida curar de o saber antes de a contratar, se o não fez, sibi imputet, havendo, por parte dos CTT, culpa in eligendum e culpa in contrahendum e não da recorrente, que agiu de boa fé, não podendo atribuir-se a esta o venire contra factum proprium;
5.ª O contrato inicial podia legalmente ser renovado por duas vezes, mas não o foi uma vez que a recorrida comunicou atempadamente a vontade de não o renovar; assim, tal contrato caducou, extinguiu-se, ao fim de seis meses, em 8.8.2002, e se já não tinha existência jurídica, jamais podia ser «prorrogado», como se refere na «adenda» de 8.8.2002, acrescentada no verso do documento que constituiu o contrato inicial; se prorrogar é sinónimo de renovar, então tal contrato não podia ser prorrogado, porque extinto, e muito menos por um período superior a 6 meses como é o caso da «adenda» (4 meses), por a isso se opor o artigo 46.º, n.º 2, do D.L. n.º 64-A/89, que assim se mostra violado, pela decisão recorrida, nem para fins diferentes - é alínea h) versus alínea a) do artigo 41.º, n.º 1, do D.L. n.º 64-A/89, como se diz na referida «adenda», que assim também foi violado pela decisão recorrida -, pelo que, tal «adenda» constitui um novo contrato a termo certo, com o fim específico da recorrente substituir 8 carteiros (concretamente indigitados) durante as férias destes;
6.ª Porém, nunca a recorrente, nesse período de 4 meses, substituiu qualquer carteiro em gozo de férias, pois, continuou a executar as mesmas funções que sempre exerceu, com a mesma remuneração; assim, a referida «adenda», não podendo ser tida como renovação/prorrogação do contrato inicial, consubstancia um novo contrato a termo certo que, na prática, nunca foi posto em execução; havendo clara divergência entre os motivos invocados na «adenda» e as funções desempenhadas pela recorrente nesse período de 4 meses, tal desconformidade implica que se considere a recorrente trabalhadora efectiva da recorrida a partir, pelo menos, de 8 de Agosto de 2002.

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a conduta da autora consubstancia um evidente abuso de direito, pelo que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002, não pode considerar-se como contrato sem termo, e que, por outro lado, a «adenda» em questão configura um novo contrato de trabalho, verificando-se assim uma celebração sucessiva de contratos de trabalho a termo para o exercício das mesmas funções e para a satisfação das mesmas necessidades da ré, o que acarreta a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo, nos termos do n.º 1 do artigo 41.º-A da LCCT, pelo que, a revista deve ser parcialmente concedida, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas reconduzem-se a ajuizar:

- Se é ou não válida a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002;
- Se a autora agiu com abuso de direito;
- Se a «adenda» firmada, em 8 de Agosto de 2002, configura a renovação do anterior contrato de trabalho a termo ou antes um novo contrato de trabalho, e qual o valor jurídico da estipulação do respectivo termo;
- Se a comunicação da não renovação do contrato de trabalho dirigida pela ré à autora consubstancia ou não um despedimento ilícito.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, a ré e a autora celebraram por escrito o contrato de trabalho a termo certo de seis meses, em 7 de Fevereiro de 2002 e com início no dia seguinte, conforme documento subscrito por ambas as partes, junto em cópia a fls. 5 e aqui dado por integralmente reproduzido, com os seguintes dizeres:
«CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
Empresa-A, com sede na Rua S. José, n.º ..., 1166-001 Lisboa, portadora do cartão de identificação de pessoa colectiva n.º 500077568, [...], neste acto representada por BB, com poderes necessários e bastantes para o efeito, e AA, com o BI n.º 10756993, [...], que neste acto intervêm, respectivamente, como 1.º e 2.º outorgantes, ajustam entre si o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea h) do [n.º 1] do artigo 41.º do Anexo [sic] ao D.L. n.º 64-A/89, de 27/2, que se regerá pelo regime do direito comum do trabalho, pelo AE/CTT e pelas seguintes cláusulas:
1.ª O 2.º contratante compromete-se a prestar ao 1.º a sua actividade profissional, desempenhando as funções de CRT no CDP 3080, Figueira da Foz.
2.ª O 1.º contratante pagará ao 2.º a retribuição de € 530,22 mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente.
3.ª O 2.º contratante fica sujeito a um período normal de trabalho com a duração semanal de 39 horas, diária de 7,48 horas e a um horário diário conforme escala de serviço existente no CDP.
4.ª O contrato é celebrado, ao abrigo da alínea h) do [n.º 1] do artigo 41.º do Anexo ao D.L. n.º 64-A/89, de 27/2, pelo prazo de seis meses, com início em 2002-02-08, para contratação de trabalhador à procura do 1.º emprego.
5.ª O 2.º contratante declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado, e que procura emprego efectivo adequado à sua formação, estando disponível para a contratação a termo, noutras actividades, por um período que se estima em seis meses.
6.ª O regime de férias é o constante da cláusula 160.ª do AE/CTT.
7.ª O prazo de pré-aviso para rescisão do contrato por parte do trabalhador é o do n.º 5 do artigo 52.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.
8.ª A comunicação às Organizações Representativas dos Trabalhadores dos CTT é feita nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.
9.ª O presente contrato caducará nos termos do artigo 46.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.
10.ª Em caso de litígio, ambos os contraentes acordam em determinar como competente o foro do local de trabalho.»
B) Antes do acordo descrito em A), a autora mantinha um contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde Março de 2001, com a «Empresa-B;
C) Antes do termo do contrato descrito em A), foi enviada pela ré à autora uma carta registada com a informação de que o seu contrato não seria renovado, que iria terminar em 7.8.2002;
D) Em 8 de Agosto de 2002, foi acordado por escrito no verso do suporte [de] papel do contrato referido em A), entre a ré e a autora, a seguinte estipulação designada por «adenda»:
«ADENDA
Empresa-A, com sede na Rua S. José, n.º ..., 1166-001 Lisboa, portadora do cartão de identificação de pessoa colectiva n.º 500077568, [...], neste acto representada por CC, com poderes necessários e bastantes para o efeito, e AA, com o BI n.º 10756993 [...], que neste contrato intervêm, respectivamente, como 1.º e 2.º outorgantes, ajustam entre si a presente Adenda ao presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea a) do [n.º 1] do artigo 41.º do Anexo [sic] ao D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, com as alterações dadas pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho:
1.ª O contrato é prorrogado pelo prazo de 4 meses, com início em 8.8.2002, a fim de suprir necessidades de serviço, por motivo de substituição dos CRT's em férias, DD (8/8 a 16/8), EE (19/8 a 30/8), FF (2/9 a 15/9), GG (16/9 a 30/9), HH (1/10 a 15/10), II (16/10 a 31/10), JJ (4/11 a 15/11) e KK (18/11 a 7/12).
2.ª As partes acordam prorrogar o contrato celebrado a 8.2.2002 por um período de 4 meses em virtude de o 2.º outorgante não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais.
Aveiro, 08 de Agosto de 2002»
E) Após a celebração do acordo descrito em D), a autora ficou a trabalhar no mesmo local e com a mesma categoria profissional, as mesmas horas de trabalho e a mesma remuneração;
F) O «giro» de distribuição postal a seu cargo não se alterou depois de 8 de Agosto [de 2002], continuou a ser sempre o mesmo, prestando mesmo trabalho suplementar para além do horário normal de trabalho - fez sempre o «giro 19» e nas horas extraordinárias fazia metade do «giro 5»;
G) Pelo menos até 6.12.2002 foi entregue em mão à autora uma carta da ré, datada de 15.11.2002, informando-a de que o seu contrato terminaria em 7.12.2002 e que o mesmo não seria renovado.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. A recorrente defende que o contrato de trabalho a termo certo, por seis meses, celebrado, em 7 de Fevereiro de 2002, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, com início no dia seguinte, foi elaborado pela recorrida e entregue à recorrente para assinatura, não tendo a mínima relevância jurídica a expressão constante na sua cláusula 5.ª de que «o 2.º contratante declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado», já que, à data da assinatura do contrato, o conceito de trabalhador à procura do primeiro emprego era o constante na Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, que não coincide com aquela expressão atribuída à recorrente, e, por outro lado, cabia à recorrida curar de saber se a recorrente preenchia ou não as condições para celebrar um contrato a termo certo (artigo 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 64-A/89), se o não fez, sibi imputet, havendo, por parte dos CTT, culpa in eligendum e culpa in contrahendum e não da recorrente, que agiu de boa fé, não podendo atribuir-se a esta o venire contra factum proprium.

2.1. Estando em causa as condições de validade e os efeitos da celebração e cessação de um contrato de trabalho a termo, ocorridas em datas anteriores à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se o disposto no anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), na redacção conferida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003.

De acordo com o artigo 41.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes: (a) substituição temporária de um trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento; (b) acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa; (c) actividades sazonais; (d) execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado, definido e não duradouro; (e) lançamento de uma nova actividade de duração incerta ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; (f) execução, direcção e fiscalização de trabalhos na indústria de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e acompanhamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade, tanto em regime de empreitada como de administração directa; (g) desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora; (h) contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.

Nos termos do mesmo artigo 41.º, «[a] celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo, adquirindo o trabalhador o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa» (n.º 2), sendo a estipulação do termo igualmente nula, «com as consequências previstas no número anterior, sempre que tiver por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo» (n.º 3), cabendo «ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto» (n.º 4).

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, na redacção conferida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, dispõe que «[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado».

2.2. No caso, é inequívoco que o contrato de trabalho a termo certo, por seis meses, foi celebrado ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, «para contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego», que é aquele que nunca foi contratado por tempo indeterminado, como tem sido entendido uniformemente por este Supremo Tribunal, assim, a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo em causa foi feita por forma bastante.

Todavia, provou-se não ser verdadeiro esse fundamento, porque afinal a autora, contrariamente ao que declarou no instrumento contratual em que outorgou, mantivera um contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde Março de 2001, com a Empresa-B.

Por outro lado, a autora alegou, mas não logrou provar, que «no início de Fevereiro de 2002, tenha sido contactada telefonicamente pelo chefe do CDP 3080 Figueira da Foz para, no dia seguinte, se apresentar ao serviço, pois iria iniciar um contrato de trabalho e que, perante tal notícia, a autora tenha dito que necessitava de alguns dias para resolver a sua situação laboral com a sua firma» e que «a ré era conhecedora de toda a situação laboral da autora anterior à assinatura do sobredito contrato de trabalho e que a autora só tenha assinado o contrato naqueles termos, porque os mesmos não lhe foram explicados e também porque tinha a expectativa de que passaria de seguida para os quadros permanentes».

Perante esse quadro fáctico, o acórdão recorrido entendeu que o termo aposto naquele contrato de trabalho não era nulo, uma vez que a autora aí declarou «nunca ter sido contratado por tempo indeterminado», e porque não se provou, tal como a autora havia alegado, que a ré, à data da assinatura do sobredito contrato de trabalho, tinha conhecimento de que aquela declaração não correspondia à verdade, pelo que, a conduta da autora configurava uma situação de abuso de direito.

2.3. A questão do abuso do direito prende-se com o facto da autora ter alegado que o motivo indicado no contrato celebrado em 7 de Fevereiro de 2002, para justificar a estipulação do prazo, não era verdadeiro, apesar de ter declarado, na cláusula 5.ª do contrato, que nunca tinha sido contratada por tempo indeterminado.

Como decorre do artigo 334.º do Código Civil, o abuso do direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.

Doutro passo, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, bastando que, objectivamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito tenham sido excedidos, de forma nítida e intolerável.

Este Supremo Tribunal, em recente acórdão, datado de 30 de Março de 2006, proferido no processo n.º 3921/05, da 4.ª Secção, examinou idêntica questão, tendo, a propósito, expendido o seguinte:

« No caso em apreço, discute-se se a conduta do autor, ao invocar a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho que, em 7.2.2002, celebrou com a ré, com o fundamento de que o motivo justificativo indicado (trabalhador à procura de primeiro emprego) era falso, excede os limites da boa fé, uma vez que no próprio contrato ele tinha declarado "nunca ter sido contratado por tempo indeterminado", o que equivale a dizer, como decidido foi, com trânsito em julgado, pelas instâncias, que era um trabalhador à procura de primeiro emprego.
Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico a boa fé é utilizada umas vezes com um sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) e outras vezes com um sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva), embora, como diz Almeida Costa (-), se trate de dois ângulos diferentes de encarar ou exprimir a mesma realidade.
No segundo sentido (sentido subjectivo), a boa fé reconduz-se a um conceito técnico-jurídico que é usado numa multiplicidade de normas para descrever um pressuposto de facto da sua aplicação e que corresponde a um estado ou situação que se traduz na consciência ou convicção justificada de se estar a adoptar um comportamento conforme ao direito. É o que acontece, por exemplo, na simulação (artigo 243.º do Código Civil), na impugnação pauliana (artigo 612.º do Código Civil), nos prazos da usucapião (artigos 1249.º a 1296.º, 1298.º e 1299.º do Código Civil).
No primeiro sentido (sentido objectivo), a boa fé é considerada como norma de conduta que assume o alcance de princípio geral do direito. É o que acontece, por exemplo, nos artigos 3.º, n.º 1, 227.º, 334.º, 437.º, n.º 1, e 762.º do Código Civil. É ela própria uma regra jurídica que se consubstancia na exigência de os membros de uma comunidade jurídica adoptarem uma linha de correcção e probidade tanto na constituição das relações entre eles como no desempenho das relações já constituídas, quer no que toca aos comportamento positivos (agir com lealdade e com honestidade) quer no que diz respeito aos comportamentos negativos (não agir com deslealdade), de modo a não defraudar a confiança que as outras pessoas depositaram na sua conduta. No fundo, é adoptar a conduta do bónus paterfamilias.
Contudo, o ditame da boa fé carece de uma mediação concretizadora do juiz, uma vez que se encontra consagrado através de uma cláusula geral. E nesse papel de mediação, o juiz "deverá partir das exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada um das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos" (-).
Revertendo, agora, ao caso em apreço e tendo presente a factualidade que foi dada como provada e também a que não foi dada como provada, não podemos deixar de concluir que a conduta do autor violou os ditames da boa fé.
Recordando, está provado que:
- Na cláusula 5.ª do contrato, o autor declarou "nunca ter sido contratado por tempo indeterminado" [...];
- Antes de trabalhar para a ré, o autor já tinha sido trabalhador efectivo em duas outras empresas [...];
- O texto do contrato foi apresentado ao autor já formalizado e pronto a assinar [...].
Por outro lado, o autor alegou, mas não logrou provar:
- Que não tinha tomado consciência da declaração contida na cláusula 5.ª do contrato;
- Que a ré sabia que ele já tinha sido trabalhador efectivo noutras empresas;
- Que tal facto era do domínio público.
O autor enfatiza o facto de o contrato lhe ter sido apresentado pela ré já pronto a assinar, mas tal facto, só por si, como bem diz a Relação, não tem qualquer relevância jurídica. Com efeito, o autor não nega que tenha assinado o contrato e, como dizem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (-) "[u]ma vez provada a autoria da assinatura, tem-se de igual modo por reconhecido o contexto do documento. Aplicar-se-á ao corpo do documento, depois de provada a autenticidade da assinatura de quem o subscrever, a velha presunção qui subscripsit videtur scripsisse. Quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a paternidade deste". Como diz Manuel de Andrade(-), a lei partiu do princípio de que quem apõe a sua assinatura num documento faz seu o respectivo contexto.
Há apenas que ressalvar a hipótese de o documento ter sido assinado em branco (o que no caso em apreço não aconteceu), pois, nesse caso, o seu valor probatório formal, isto é, no que toca à autoria do contexto do documento, pode ser ilidido se a parte contra quem é apresentado provar que o documento lhe foi subtraído ou que nele foram inseridas declarações divergentes do ajustado com o signatário (artigo 378.º do Código Civil).
Deste modo, estando provado que o autor subscreveu, juntamente com a ré, o contrato entre ambos celebrado em 7.2.2002 [...], reconhecida está também a paternidade do seu contexto, por força do disposto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Civil. Juridicamente (e é isso que releva), aquela paternidade pertence a ambas as partes, ainda que a elaboração material do documento tenha sido feita unicamente pela ré.
E, reconhecida assim a autoria do documento que titula o contrato, ou seja, reconhecida a sua força probatória formal, provado está que o autor emitiu a declaração contida na sua cláusula 5.ª ("nunca ter sido contratado por tempo indeterminado"), uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil, o documento em questão faz prova plena quanto às declarações (leia-se quanto à emissão das declarações) atribuídas ao seu autor.
Não faz, por isso, qualquer sentido a alegação feita pelo autor de que aquela declaração só formalmente lhe pode ser atribuída. [...].
Questão diferente era a de saber se aquela declaração foi emitida por erro ou por outro vício de vontade susceptível de a invalidar, mas, face ao disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, competia ao autor alegar e provar os factos que permitissem concluir nesse sentido, o que não fez. Não era a ré, ao contrário do que o autor alega, que tinha de provar que ele "tomou conhecimento rigoroso" do conteúdo do contrato e que o mesmo foi celebrado na sequência de falsas declarações e informações por ele prestadas.
O autor provou, é certo, que a referida declaração não correspondia à verdade, mas desse facto apenas podemos concluir que ele, ao negociar com a ré, não agiu em conformidade com as regras da boa fé, violando assim o disposto no artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil. Para afastar esta conclusão era necessário provar que, aquando da assinatura do contrato, a ré tinha conhecimento da falsidade da declaração emitida pelo autor, prova que a este competia fazer, o que, como já foi dito, não conseguiu fazer.
E sendo assim, apenas temos como provado, no que diz respeito à questão do abuso do direito, que o autor declarou "nunca ter sido contratado por tempo indeterminado" e que essa declaração não correspondia à verdade. A falsidade dessa declaração que, como já dissemos, equivale à expressão de "trabalhador à procura de primeiro emprego" contida no artigo 41.º, n.º 1, alínea h), da LCCT, acarretaria a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado em 7.2.2002, por aquele ter sido o motivo invocado para a estipulação do termo.
Todavia, a invocação dessa nulidade, no contexto já referido, traduz-se numa clamorosa violação do dever de lealdade a que o autor estava obrigado na formação e na execução do contrato (artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do Código Civil), o que torna ilegítimo o exercício do correspondente direito (a conversão do contrato a termo em contrato sem termo), uma vez que tal exercício excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, não merecendo, por isso, a tutela do Direito. Trata--se, efectivamente, de uma conduta que o mais elementar senso de justiça repudia e constitui mesmo um caso exemplar de abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
De facto e como é sabido, o venire contra factum proprium caracteriza-se pelo "exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente". Como refere Baptista Machado(-), o ponto de partida do venire é "uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira", podendo "tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico".
Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis(-).
Ora, no caso em apreço, também parece não haver razões para dúvidas acerca da verificação daqueles três pressupostos. Se não, vejamos.
O contrato de trabalho a termo foi celebrado com o fundamento de que o autor era um trabalhador à procura do primeiro emprego, ou seja, por nunca ter trabalhado por tempo indeterminado e, como parece óbvio, o contrato foi celebrado com esse fundamento pelo facto de o autor ter declarado que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado. Perante a declaração emitida pelo autor, qualquer pessoa normal teria acreditado, confiado, na veracidade da mesma e agido em conformidade com ela. Foi o que a ré naturalmente fez: confiou na veracidade daquela declaração e, investindo nessa confiança, celebrou com o autor o contrato de trabalho a termo, celebração essa que agora é irreversível.
Preenchidos estão, pois, os pressupostos do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. Resta averiguar quais as consequências que dele decorrem.
Como refere Menezes Cordeiro(-), as consequências do abuso do direito podem ser variadas: a supressão do direito (é a hipótese comum, designadamente na suppressio); a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito; um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário; um dever de indemnizar, quando se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
No caso em apreço, o direito que o autor pretende exercer é o da conversão do contrato a termo em contrato sem termo, com fundamento na inveracidade do motivo justificativo do termo. Neste contexto, a consequência que se mostra adequada é a de supressão desse direito, tudo se passando, pois, como se o motivo invocado fosse verdadeiro, o que vale por dizer que o termo aposto no contrato de trabalho que as partes celebraram entre si, em 7.2.2002, não é nulo.»

Sufraga-se o apontado entendimento e, em conformidade, conclui-se que o comportamento da autora configura um evidente abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por isso, o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002, não obstante a falsidade do motivo justificativo invocado, não se converte em contrato de trabalho sem termo.

3. A recorrente sustenta que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002, com início aprazado para o dia 8 de Fevereiro seguinte, extinguiu-se, ao fim de seis meses, em 8 de Agosto de 2002, e se já não tinha existência jurídica, jamais podia ser «prorrogado», como se refere na «adenda» de 8 de Agosto de 2002, pelo que, tal «adenda» constitui um novo contrato a termo certo, com o fim específico da recorrente substituir oito carteiros, indicados em concreto, durante as férias destes.

Acrescenta, ainda, que nunca substituiu qualquer carteiro em gozo de férias, continuando a executar as funções que sempre exerceu, com a mesma remuneração, assim, a referida «adenda» constitui um novo contrato a termo certo que, na prática, nunca foi posto em execução, havendo clara divergência entre os motivos invocados na «adenda» e as funções desempenhadas pela recorrente nesse período de 4 meses, sendo que tal desconformidade implica que se considere a recorrente trabalhadora efectiva da recorrida a partir, pelo menos, de 8 de Agosto de 2002.

Esta mesma questão foi objecto de apreciação no mencionado acórdão deste Supremo Tribunal, cujas considerações são inteiramente transponíveis para o caso agora em apreço, e que, por isso, se passam a transcrever:

«Está provado que, através da carta de fls. 9, a ré comunicou ao autor que o contrato com ele celebrado em 7.2.2002 terminaria em 7.8.2002. Porém, logo no dia seguinte e no verso do próprio contrato, as partes subscreveram uma "Adenda" prorrogando-o por mais quatro meses a partir de 8.8.2002.
São várias as questões que se colocam relativamente àquela "Adenda" e a primeira delas é a de saber se aquele documento constitui um novo contrato de trabalho a termo ou se é uma mera prorrogação do contrato celebrado em 7.2.2002.
Como já foi referido, na 1.ª instância entendeu-se que tal documento configurava um novo contrato de trabalho a termo, com o fundamento de que quando foi subscrito já o contrato celebrado em 7.2.2002 tinha cessado, mas na Relação entendeu-se que a "Adenda" era uma mera prorrogação daquele contrato, por ser esse o sentido que um declaratário normal teria deduzido da "Adenda" em causa.
Salvo o devido respeito, a decisão da Relação não merece reparo. Vejamos porquê.
Nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LCCT, o contrato de trabalho a termo certo (como era o caso do contrato celebrado entre as partes em 7.2.2002) caduca no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora comunique ao trabalhador até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o não renovar. E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a falta de comunicação referida no número anterior implica a renovação do contrato por período igual ao prazo inicial.
Conforme está provado, em 7.2.2002, as partes celebraram entre si um contrato de trabalho a termo pelo prazo de seis meses, com início em 8.2.2002. Por força do disposto no artigo 279.º, alínea c), do Código Civil, o termo do contrato ocorria em 8.8.2002. Por carta datada de 5.7.2002, a ré comunicou ao autor que o contrato terminaria no dia 7 de Agosto de 2002. Apesar da data indicada na carta não corresponder à data do termo do contrato, parece evidente que o objectivo da carta foi o de comunicar ao autor que o contrato não seria renovado e que o dia 7 só por mero lapso foi indicado como sendo a data da cessação, lapso que terá acontecido por uma questão de simpatia com o dia em que o contrato foi celebrado (7.2.2002). Tal como a Relação, também se nos afigura que essa seria a conclusão que um declaratário normal retiraria do conjunto factual em causa. E sendo, assim, cai por terra o argumento em que a decisão na 1.ª instância se baseou para considerar a "Adenda" como um novo contrato de trabalho a termo (já não existir o contrato quando a "Adenda" da sua prorrogação foi celebrada).
De qualquer modo, ainda que se entendesse que a "Adenda" foi outorgada depois de o contrato de trabalho celebrado em 7.2.2002 ter cessado, tal facto não obstava a que a "Adenda" fosse considerada uma mera prorrogação daquele contrato.
Com efeito, se é verdade, como bem diz o autor, ora recorrente, que a declaração contida na carta que lhe foi enviada pela ré tem natureza receptícia, tornando-se, por isso, eficaz logo que chegou ao seu poder ou logo que dele foi conhecida (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) e se também é verdade, como alega, que essa declaração é irrevogável depois de ter sido por ele recebida (artigo 230.º do Código Civil), não é menos verdade que a declaração pode ser dada sem efeito se o autor da declaração (a ré) e o seu destinatário (o autor) nisso vierem a acordar, por não vislumbramos qualquer razão legal para que o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil não possa funcionar, aqui, em toda a sua plenitude.
Ora, como claramente resulta do texto da referida "Adenda", o que as partes realmente quiseram foi prorrogar o contrato de trabalho que entre si tinham celebrado em 7.2.2002 e não celebrar um novo contrato e, como é óbvio, essa vontade negocial tem implícita uma outra, qual seja a de dar sem efeito a comunicação de não renovação do contrato que pela ré tinha sido enviada ao autor. Como muito bem se diz no douto acórdão recorrido, na perspectiva de um declaratário normal (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil) não pode ser outro o sentido a extrair do teor da referida "Adenda", uma vez que aí as partes expressamente disseram que pretendiam prorrogar por mais quatro meses o contrato celebrado em 7.2.2002.
A favor da interpretação perfilhada pela Relação, a que aderimos, milita não só o teor da "Adenda", mas também o facto de ela ter sido lavrada no verso do próprio contrato e ainda o facto de não ter havido qualquer hiato temporal entre o fim do contrato (quer se entendesse que o contrato terminara em 7.8.2002, quer se entendesse que só tinha terminado em 8.8.2002) e o início da prorrogação convencionada na "Adenda" (8.8.2002).»

Subscreve-se o entendimento vertido nas considerações transcritas, e, em conformidade, conclui-se que a «adenda» em causa consubstancia uma renovação do contrato de trabalho a termo celebrado em 7 de Fevereiro de 2002.

4. Importa agora indagar se é ou não válida a estipulação do termo inserida na «adenda» ajustada em relação ao contrato celebrado em 7 de Fevereiro de 2002.

Tal como se decidiu no citado acórdão deste Supremo Tribunal:
« Esta questão prende-se com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, nos termos do qual "[a] prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração e contará para todos os efeitos como renovação do contrato inicial".
A disposição legal por último referida tem plena aplicação ao caso em apreço, uma vez que o prazo estipulado no contrato celebrado em 7.2.2002 foi de seis meses e o prazo estipulado na "Adenda" para a prorrogação foi de quatro meses.
Deste modo e por força do disposto naquele normativo legal, o acordo estabelecido entre as partes no sentido de renovar aquele contrato por mais quatro meses tinha de obedecer aos requisitos materiais e formais a que a celebração dos contratos de trabalho a termo está sujeita. Nomeadamente, aquele acordo tinha de ter como fundamento alguma das situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo (que são as previstas no n.º 1 do artigo 41.º da LCCT), tinha de constar de documento escrito devidamente assinado pelas partes e esse documento devia conter uma série de indicações, sendo uma delas a indicação do motivo justificativo do termo (artigo 42.º, n.º 1, da LCCT), sendo certo que a não indicação daquele motivo ou a sua inexistência têm como consequência a nulidade do termo e a consequente conversão do contrato em contrato sem termo (artigos 41.º, n.º 2, e 42.º, n.º 3, da LCCT).
O recorrente alega que o motivo indicado na "Adenda" foi a substituição de trabalhadores em férias e que a ré não logrou fazer a prova, como lhe competia, por força do disposto no n.º 4 do artigo 41.º da LCCT, da existência daquele motivo que, na petição, ele alegar[a] ser falso.
Estamos inteiramente de acordo com o recorrente quando alega que cabia à ré fazer a prova da existência do motivo invocado para justificar a prorrogação do contrato.
O disposto no n.º 4 do artigo 31.º da LCCT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, não deixa margem para dúvidas, pois nele se estabelece que "[c]abe ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto".
Com efeito, para que a estipulação do termo seja válida não basta que no documento escrito que titula o respectivo contrato se indique como motivo justificativo do mesmo algum dos enumerados nas alíneas do n.º 1 do artigo 41.º. É necessário que o motivo indicado exista de verdade e, assumindo a contratação a termo um carácter excepcional no nosso direito, compreende-se que o legislador tenha feito recair sobre a entidade empregadora o ónus de provar a verdadeira existência do motivo que foi invocado para a estipulação do termo.
Ora, como consta do parágrafo inicial da "Adenda", a prorrogação do contrato foi feita ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT que admite a celebração de contratos de trabalho a termo nos casos de "[s]ubstituição temporária de trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento".
Mas as partes não se ficaram por aquela referência ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º, o que seria manifestamente insuficiente, diga-se, para dar como cumprida a obrigação de indicar concretamente o motivo justificativo do termo, prevista no artigo 42.º, n.º 1, alínea e), da LCCT e no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38/96, de 31/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3/7.
Na 1.ª cláusula da "Adenda" ficou consignado que "[o] contrato é prorrogado pelo prazo de 4 meses, com início em 08-08-2002, a fim de suprir necessidades de serviço por motivo de substituição dos CRT’s em férias, RR (8/8 a 16/8), SS (19/8 a 30/8), JJ (2/9 a 15/9), TT (16/9 a 30/9), UU (1/10 a 15/10, VV (16/10 a 31/10), WW (4/11 a 15/11, XX (18/11 a 7/12).
E na 2.ª cláusula ficou a constar que "[a]s partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 2002-02-07, por um período de 4 meses em virtude de o segundo outorgante não ter ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais".
O motivo indicado na cláusula 2.ª não faz parte do elenco de casos referidos no n.º 1 do artigo 41.º da LCCT e, por isso, ainda que tivesse sido dado como provado (o que não aconteceu) não era fundamento válido para a estipulação do termo.
Mas o mesmo não acontece com o motivo indicado na cláusula 1.ª, pois, como resulta do teor da alínea a) do n.º 1 do referido artigo 41.º, a substituição de trabalhadores em férias é precisamente um dos casos em que a lei admite a contratação de trabalhadores a termo.
Sucedeu, porém, que a ré não logrou provar, como lhe competia, nos termos do já referido n.º 4 do artigo 41.º da LCCT, que o autor fora efectivamente contratado para substituir os trabalhadores identificados na cláusula 1.ª, sendo certo que a veracidade daquele fundamento tinha sido posta em causa na petição inicial, onde o autor expressamente alegou que o motivo invocado na cláusula 1.ª era falso.
Ora, não tendo a ré provado a veracidade do motivo invocado, a renovação tem de ser considerada sem termo, com a consequente conversão do contrato em contrato sem termo.
Na decisão recorrida entendeu-se o contrário, com o fundamento de que o motivo invocado para a estipulação do prazo inicial (trabalhador à procura de primeiro emprego) se mantinha válido para a prorrogação, exactamente por se tratar de uma prorrogação. Acontece, porém, que a "Adenda" não faz qualquer [referência] àquele fundamento, não podendo, por isso, o mesmo ser levado em conta, pois, como já foi dito, a prorrogação do contrato a termo por período diferente do inicialmente estipulado está sujeita aos requisitos formais da sua celebração (artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, com as alterações da Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho), requisitos esses que, relativamente àquele fundamento, não foram observados na "Adenda".»

No caso vertente, como consta do proémio da «adenda», a prorrogação do contrato foi celebrada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT e do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, tendo-se explicitado na cláusula 1.ª que «[o] contrato é prorrogado pelo prazo de 4 meses, com início em 8.8.2002, a fim de suprir necessidades de serviço, por motivo de substituição dos CRT's em férias, DD (8/8 a 16/8), EE (19/8 a 30/8), FF (2/9 a 15/9), GG (16/9 a 30/9), HH (1/10 a 15/10), II (16/10 a 31/10), JJ (4/11 a 15/11) e KK (18/11 a 7/12).»

Contudo, a autora questionou a veracidade daquele fundamento na petição inicial, sendo que a ré não logrou provar, como lhe competia, nos termos do já referido n.º 4 do artigo 41.º da LCCT, que a autora fora efectivamente contratada para substituir os trabalhadores identificados na cláusula 1.ª da «adenda».

Na verdade, considerou-se como facto não provado, «que a ré, quando acordou a «adenda» referida [...], o tenha feito para suprir necessidades de serviços por motivo de substituição dos carteiros em férias: DD, de 08/08/2002 a 16.08.2002; EE, de 19.08.2002 a 30.08.2002; FF, de 02.09.2002 a 15.09.2002; GG, de 16/09/2002 a 30/09/2002; HH, de 01/10/2002 a 15/10/2002; II, de 16/10/2002 a 31/10/2002; JJ, de 04/11/2002 a 15/11/2002; KK, de 18/11/2002 a 07/12/2002.»

Por outro lado, na cláusula 2.ª da «adenda» consignou-se que «[a]s partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 2002-02-08, por um período de 4 meses em virtude de o segundo outorgante não ter ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais».

Ora, tal como se sublinhou no citado acórdão deste Supremo Tribunal, o motivo indicado nessa cláusula 2.ª não faz parte do elenco de casos referidos no n.º 1 do artigo 41.º da LCCT e, por isso, ainda que tivesse sido dado como provado (o que não aconteceu) não era fundamento válido para a estipulação do termo.

Não tendo a ré provado a veracidade do motivo invocado na cláusula 1.ª da «adenda» e uma vez que o motivo indicado na cláusula 2.ª da mesma «adenda» não faz parte do elenco de casos referidos no n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, falece motivo justificativo válido para a estipulação do termo na renovação do contrato de trabalho firmada em 8 de Agosto de 2002, o que tem como consequência a nulidade da aposição da respectiva cláusula acessória do termo, mantendo-se, portanto, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada, o que implica que se considere a recorrente trabalhadora efectiva da recorrida a partir de 8 de Agosto de 2002.

Acresce que, conforme se realça no sobredito acórdão deste Supremo Tribunal, o motivo invocado para a estipulação do prazo inicial (trabalhador à procura de primeiro emprego) não pode ser levado em conta, pois, a prorrogação do contrato a termo por período diferente do inicialmente estipulado está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração (n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, com as alterações conferidas pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho), requisitos que, relativamente àquele fundamento, não foram observados na «adenda».

Nesta conformidade, a ré não podia fazer cessar unilateralmente sem justa causa o contrato, uma vez que este era um contrato sem termo, por ser nulo o termo aposto na «adenda»; assim, a carta dirigida pela ré à autora, datada de 15 de Novembro de 2002, em que lhe comunicava, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LCCT, que o contrato de trabalho a termo certo, «cujo prazo termina em 7 de Dezembro de 2002, não será renovado», equivale a um despedimento ilícito, com as consequências aludidas na sentença proferida em primeira instância.

III
Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1.ª instância, ficando a ré condenada nos termos aí acolhidos, devendo-se reportar os efeitos da conversão em contrato sem termo a 8 de Agosto de 2002.

Custas pela ré.

Lisboa, 10 de Maio de 2006
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Fernandes Cadilha