Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SÃO MARCOS | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO ILEGAL PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Data do Acordão: | 08/21/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / PRISÃO PREVENTIVA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO. | ||
Doutrina: | - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 260. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, 2.ª edição, 608. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 2. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 215.º, N.º 1, ALÍNEA D), E N.º 3, 219.º, N.º1, 220.º, N.º1, 222.º, N.º 2, AL. C), 223.º, N.ºS 1 E 4, ALÍNEA A), CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, 27.º, 31.º. | ||
Referências Internacionais: | CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGOS 5.º, § 4.º, 17.º, 19.º, E 32.º, § 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 16/12/2003, PROCESSO N.º 4393/03, DA 5.ª SECÇÃO; -DE 08/03/2012, PROCESSO N.º 61/10.4TAACN-B.S1,DA 5.ª SECÇÃO; -DE 20/02/2013, PROCESSO N.º 14/03.0YFLSB.S1, DA 3.ª SECÇÃO; -DE 14/05/2014, PROCESSO N.º 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1, DA 5.ª SECÇÃO. | ||
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Sumário : | I - Quando a lei, na al. c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP prevê como fundamento de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal, a ultrapassagem "dos prazos fixados na lei" só poderá querer referir-se aos prazos que, relativamente à prisão preventiva, se encontram consignados no art. 215.º, do CPP, como bem flui da menção que nas distintas als. do n.º 1 (fórmula, depois, prosseguida nos n.ºs 2, 3 e 5) é feita, por referência às várias fases processuais, aos diversos prazos máximos a observar em cada qual.
II - O prazo máximo de 30 dias, previsto no n.º 1 do art. 219.º do CPP constituindo, não um prazo de duração máxima da medida de coacção de prisão preventiva mas, apenas um prazo estabelecido para o conhecimento do recurso interposto da decisão que haja aplicado ao arguido tal medida de coacção, não pode equiparar-se aos prazos máximos de duração da mesma medida de coacção, e que são tão-só os previstos no citado art. 215.º, de que resulta que, não havendo qualquer possibilidade de o excesso daquele prazo (o previsto no art. 219.º, n.º 1) constituir fundamento de deferimento de habeas corpus nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 222.º, não pode o mesmo ter qualquer repercussão na duração da medida, não encontrando, no texto legal, outra interpretação que não esta, o tal mínimo de correspondência verbal de que fala o n.º 2 do art. 9.º do CC. III - A interpretação da norma do art. 222.º, n.º 2, al. c), do CPP, no sentido de não abranger a ultrapassagem do prazo previsto no n.º 1 do art. 219.º do CPP, não importa a violação dos arts. 8.º, 27.º, e 31.º da CRP e do arts. 5.º, n.º 4, 17.º, 19.º, e 32.º, n.º 1, da CEDH, porquanto, estando em causa realidades distintas - por um lado, o excesso dos prazos máximos previstos para duração da medida coactiva de prisão preventiva e, por outro lado, o excesso do prazo para julgar o recurso interposto da decisão que a aplique, a substitua ou a mantenha - não se descortinam razões para que lhes seja dispensado um tratamento jurídico idêntico. IV - A ultrapassagem do prazo previsto no n.º 1 do art. 219.º do CPP, podendo, eventualmente, ter outras consequências que não a pretendida pelo requerente (v.g. dar azo ao desencadeamento do incidente de aceleração processual), não dispõe, porém, de capacidade para determinar a ilegalidade da prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | * I. 1. AA, preso na Zona Prisional da Polícia judiciária, à ordem do processo n.º 478/14.5JFLSB, veio, por intermédio de advogado, requerer, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a presente providência de habeas corpus, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, número 1, e número 2, alínea c), do Código de Processo Penal. Alega, em suma, o requerente: “I Questão única: da ultrapassagem do prazo fixado pelo artigo 219.º, n.º 1, do CPP
A. Síntese da tramitação processual Por douto Despacho de 24 de Abril de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi determinada a prisão preventiva do Arguido AA. A 25 de Maio de 2015, o Arguido, aqui Requerente, recorreu daquela douta Decisão para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Por douto Despacho de 29 de Maio de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi admitido o Recurso supra referido, e ordenada a notificação do Ministério Público para, querendo, responder ao Recurso apresentado. Por douto Despacho de 2 de Julho de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi ordenada a subida dos autos de Recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. A 9 de Julho de 2015 foram os autos de Recurso recebidos no Tribunal da Relação de Lisboa. A 13 de Julho de 2015 foram os autos de Recurso distribuídos à Exmo. Senhor Juiz Desembargador Agostinho Torres, da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme se atesta em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasTribunaisSuperiores.aspx: b. Do prazo máximo para a decisão do Recurso Nos termos do artigo 219.º, n.º 1, do CPP, «Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem recebidos» [destaque e sublinhado nossos]. Conforme tem sustentado Paulo Pinto de Albuquerque, «O recurso deve ser julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos “forem recebidos”, isto é, em que os autos derem entrada no TR» (...). «Caso não sejam julgados dentro do prazo, o atraso dá causa a uma aceleração processual e, eventualmente, a responsabilidade disciplinar. O prazo tem uma natureza meramente ordenadora, a que a lei não associa nenhuma outra consequência. O legislador português não optou pela solução expressa do artigo 309.º do CPP italiano, que prevê a extinção automática da medida de coação em caso de desrespeito pelo prazo, como, aliás, também não quis consagrar o prazo apertado de vinte dias para a decisão do recurso» (...). «Esta conclusão não pode, no entanto, valer para o recurso da decisão de aplicação de medidas cautelares privativas da liberdade. Com efeito, o TEDH já concluiu, no acórdão Rehbock v. Eslovénia, de 28.11.2000, que a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, jurisprudência esta alargada pelo acórdão Picaro v. Itália, de 9.6.2005, à obrigação de permanência no domicílio, e reiterada pelo acórdão Mamedova v. Rússia, de 1.6.2006, referente a demoras de 26, 29 e 36 dias. Neste caso russo, o recurso tinha sido interposto no dia 1.12.2004 e só foi decidido a 27.12.2004, pelo que o TEDH considerou que tinha sido ultrapassado o limite temporal da “brevidade” (bref délai) para conhecimento do recurso, invocando como fundamento a jurisprudência Rehbock. Por isso, o tribunal de recurso não deve devolver o processo para o tribunal inferior quando verifique a existência de um vício processual, mas possa decidir desde logo o recurso (acórdão Mooren v. Alemanha (GC), de 9.7.2010). Mais: o recurso de decisão que aplica medida cautelar privativa da liberdade também deve ser decidido com “brevidade”, mesmo depois de o arguido ter sido libertado em virtude da revisão da medida pelo tribunal recorrido na pendência do recurso (o referido acórdão Picaro v. Itália, de 9.6.2005). A consequência desta jurisprudência é inelutável: o artigo 219.º, n.º 1, é inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, da CRP e do artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, este conjugado com o artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, na medida em que prevê que o recurso da decisão que aplica medida cautelar privativa da liberdade possa ser julgado dentro de prazo superior a 23 dias. Consequentemente, também se impõe uma interpretação do artigo 222.º, n.º 2, al.ª c), do CPP, conjugado com o artigo 225.º, n.º 1, al.ª a), conforme ao artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, nos termos da qual a demora no conhecimento do recurso interposto de decisão que aplicou a prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação para além do prazo de 23 dias constitui prisão ilegal (rectius, inconstitucional), para efeitos do dito artigo 222.º, n.º 2, al.ª c), e justifica a interposição imediata de habeas corpus, com a concomitante responsabilidade civil do Estado, nos termos do artigo 225.º, n.º 1, al.ª a). O Bundesverfassungsgericht germânico já decidiu que nem a sobrecarga de trabalho nos tribunais, nem a substituição do relator nem ainda as férias dos membros da secção do tribunal de recurso justificam o prolongamento da prisão preventiva»[1]. Posto isto: Conforme ressalta à saciedade do supra exposto, decorreram mais de 30 dias desde que o Recurso apresentado pelo Arguido contra a Decisão que determinou a sua prisão preventiva foi recebido no Tribunal da Relação de Lisboa, Não tendo, até ao momento, sido proferida Decisão sobre o Recurso apresentado. Assim, a situação actual de prisão do Arguido é manifestamente ilegal, reconduzindo-se o fundamento da sua prisão ilegal à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP. O Requerente não ignora a jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça vertida, nomeadamente, nos Acórdãos proferidos em 08.02.2007, 16.03.2011 e 20.02.2013, respectivamente, nos Processos n.ºs 07P462, 155/10.6JBLSB-C.S1 e 14/03.0YFLSB.S1[2], Onde, grosso modo, se considerou que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que “a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH” tem de ser adaptada ao nosso ordenamento jurídico, pois no CPP português o recurso do despacho que aplicou ou manteve a prisão preventiva não suspende o andamento do processo nem a contagem do prazo da prisão preventiva, pelo que a investigação prossegue e a medida coactiva pode ou não ser alterada ou revogada no processo principal, independentemente do resultado do recurso. Porém, com todo o devido respeito, e salvo melhor opinião, essa jurisprudência não se coaduna ela própria com ordenamento jurídico nacional e, sobretudo, com as normas constitucionais vigentes em matéria de aplicação na ordem jurídica portuguesa do Direito Internacional Público, Pois que não é a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que deve ser interpretada à luz do CPP, mas sim o inverso. Com efeito, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, «1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos». Em anotação às supra referidas normas, sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira que «Na medida em que o direito internacional recebido prevaleça sobre o direito ordinário interno, este não poderá contrariar aquele, ficando o Estado impedido de validamente editar normas que sejam discrepantes com as de direito internacional, enquanto se mantiver a vinculação do Estado a estas normas internacionais (o que, no caso de normas de direito internacional geral, não depende sequer da vontade do Estado)»[3]. Ora: Nos termos do artigo 5.º, § 4.º, da Convenção Europeia dos Direito do Homem (CEDH), «Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal» [destaque e sublinhado nosso]. Por seu turno, nos termos do artigo 17.º, da CEDH, «Nenhuma das disposições da presente Convenção se pode interpretar no sentido de implicar para um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de se dedicar a actividade ou praticar actos em ordem à destruição dos direitos ou liberdades reconhecidos na presente Convenção ou a maiores limitações de tais direitos e liberdades do que as previstas na Convenção». Nos termos do artigo 19.º, da CEDH, «A fim de assegurar o respeito dos compromissos que resultam, para as Altas Partes Contratantes, da presente Convenção e dos seus protocolos, é criado um Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a seguir designado "o Tribunal", o qual funcionará a título permanente» [destaque e sublinhado nossos]. Nos termos do artigo 32.º, § 1.º, da CEDH, «A competência do Tribunal abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção e dos respectivos protocolos que lhe sejam submetidas nas condições previstas pelos artigos 33°, 34°,46° e 47°» [destaque e sublinhado nossos]. A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 9 de Novembro de 1978. Em matéria de aplicação do artigo 5.º da CEDH, a única reserva que o Estado português formulou, prendeu-se unicamente com a conformidade dessa norma com os artigos 27.º e 28.º Regulamento de Disciplina Militar, que prevêem a prisão disciplinar dos membros das forças armadas. Nessa medida, e nos termos do artigo 8.º, da CRP, as normas da CEDH aplicam-se directamente no ordenamento jurídico português, cabendo a respectiva interpretação ao TEDH. Assim, e reiterando o entendimento supra citado de Paulo Pinto de Albuquerque – o único que, salvo melhor opinião, é compatível com as normas constitucionais vigentes –, O artigo 219.º, n.º 1, do CPP é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, da CRP e do artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, este conjugado com o artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, quando interpretado no sentido de que o recurso da decisão que aplica medida cautelar privativa da liberdade possa ser julgado dentro de prazo superior a 23 dias. Consequentemente, também se impõe uma interpretação do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do CPP, conjugado com o artigo 225.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, conforme ao artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, nos termos da qual a demora no conhecimento do recurso interposto de decisão que aplicou a prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação para além do prazo de 23 dias constitui prisão ilegal, para efeitos do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do CPP e justifica a interposição imediata de habeas corpus Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 8.º e 31.º da Constituição da República Portuguesa, 5.º, § 4.º, 17.º, 19.º e 32.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 222.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, deverá ser julgada a presente providência de Habeas Corpus totalmente procedente e, consequentemente, ordenada a imediata libertação de AA, por se manter em situação de prisão ilegal em virtude de se encontrar preso para além de prazo máximo fixado por lei”. 2. A petição, acompanhada da informação a que alude o artigo 223.º, nº 1 do Código de Processo Penal e de cópia certificada de várias peças processuais, para as quais remete a mesma informação, foi enviada a este Tribunal. Na mencionada informação o Senhor Juiz refere, em síntese, o seguinte: “Atenta a providência de Habeas Corpus, interposta pelo cidadão AA, nos termos do disposto no art.º 222.º do CPP, cumpre-me informar, ao abrigo do disposto no art.º 223.º - 1 do CPP, o seguinte: O M.º P.º, promoveu o seguinte: “Por requerimento de fls.7103 e seg., veio o arguido AA apresentar providência de Habeas Corpus alegando, em síntese, que se encontra em prisão preventiva para além do prazo fixado na lei, o que é fundamento para habeas corpus nos termos da alínea c) do artigo 222.º do Código de Processo Penal, porquanto ainda não recaiu decisão sobre o recurso por si interposto do despacho que aplicou a referida medida coactiva e mostra-se ultrapassado o prazo máximo de 30 dias, contado desde o dia em que o recurso foi recebido no Tribunal da Relação, em violação do disposto no artigo 219.º, n.º1, do Código de Processo Penal. Ora, AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial no dia 24 de Abril de 2015, no âmbito do qual foi aplicada a referida medida de coacção de prisão preventiva, encontrando-se o mesmo indiciado da prática dos seguintes crimes: falsificação ou contrafacção de documento (p.p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal), associação criminosa (p.p. artigo 299.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal), branqueamento (p.p. pelos artigos 66.º, 368.º-A, n.º 1, 2, 4 e 6, do Código Penal) com referência à prática de um facto ilícito susceptível de configurar um crime de tráfico de estupefacientes (p.p. pelo artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), corrupção activa e passiva (p.p. pelos artigos 66.º, 373º, n°.1, e 374.º, n.º 1, do Código Penal), fraude fiscal (p.p. artigos 103.º, 104.º, n.º 2, alíneas a), e b), do RGIT) e actividade ilícita de recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis (p.p. artigo 200°, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e, ainda, um crime de branqueamento com referência a prática de um crime de abuso de confiança qualificado (p.p. artigo 368.º-A, n.º 1, 2, e 4, do Código Penal por referência ao artigo 205.º, n.º 1, e 4, do mesmo Diploma). Por despacho datado de 26 de Junho de 2015 foi declarada a especial complexidade dos autos (cfr. fls.6366 e seg.). No dia 26 de Maio de 2015 o arguido apresentou recurso da referida decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o qual subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa no dia 2 de Julho de 2015 (cfr. despacho de fls. 6522 e seg.). A medida de coacção aplicada ao arguido foi revista e mantida no dia 21 de Julho de 2015 - cfr. fls.6885 e seg.. Até ao momento não é conhecida dos autos a decisão que recaiu o recurso interposto por AA. O prazo máximo da medida de coacção a que o arguido se encontra sujeito é de um ano, tendo em conta que estamos perante factos susceptíveis de configurar crimes puníveis com pena de prisão superior a oito anos e foi declarada a especial complexidade dos autos — cfr. artigo 215.º, nº1, alínea a), e n.º 3, do Código de Processo Penal. Fazendo fé nas declarações do arguido, o recurso por si interposto foi distribuído e autuado no Tribunal Relação de Lisboa em 13 de Julho de 2015, pelo que já decorreram mais de 30 dias sem que tivesse sido conhecida a decisão. Conforme o alegado por AA, dispõe o artigo 219.º, n.º1, do Código de Processo Penal que: “Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem recebidos”. No entanto, e de acordo com o entendimento maioritário da Jurisprudência, tal prazo em nada colide ou altera os prazos máximos da prisão preventiva previstos no já mencionado artigo 215.º, do Código de Processo Penal. Com efeito, e conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16 de Março de 2011 (processo n.°155/10.6JBLSB-C.S1, disponível em www.dgsi.pt): “(...) são os prazos do art.º 215.º que se devem ter em conta para o efeito do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 222.º, quando no habeas corpus se alega excesso de prazo de prisão preventiva. Não quaisquer outros prazos que corram durante o decurso da prisão preventiva, como os de reexame dessa medida (art.º 213.º) ou os da decisão dos recursos”. “Há que reconhecer, também, que o prazo previsto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP não tem natureza peremptória, mas meramente reguladora do andamento do processo, no sentido de que a decisão do recurso é urgente e não deve ser protelada. (...) Na verdade, as consequências por não haver uma decisão do recurso sobre a prisão preventiva no prazo de 30 dias são as de que o sujeito processual interessado pode solicitar a aceleração do processo (art.º 108.º do CPP) ou de que pode ser instaurado um procedimento disciplinar ao magistrado prevaricador.”. No mesmo sentido citamos também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 8 de Fevereiro de 2007 (processo n.°07P462, disponível em www.dgsi.pt), no qual se pode ler que: “O facto do recurso do despacho que aplicou a prisão preventiva ter sido recebido no Tribunal da Relação de Lisboa em 20 de Novembro de 2006 e de mais de 30 dias volvidos sobre essa data ainda não estar decidido, implica uma irregularidade processual invocável no respectivo processo, mas não afecta a legalidade da prisão preventiva cujos prazos e pressupostos se mantêm independentemente da decisão desse recurso, cujo efeito, aliás, não é suspensivo (art.º 408.º do CPP).” Pelo exposto, concluímos que não se mostra verificado qualquer um dos fundamentos da petição de habeas corpus e que não existe qualquer ilegalidade ostensiva da prisão preventiva aplicada ao arguido que justifique tal providência excepcional, pelo que deverá o pedido de habeas corpus ser declarado improcedente.” (sic). Corrobora-se a posição do detentor da acção penal supra transcrita, à qual nos arrimamos, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual. Por conseguinte, entende-se não assistir razão ao requerente, inexistindo qualquer vício ou violação legal ou constitucional que implique a ilegalidade da prisão preventiva decretada ao arguido em causa e seja susceptível de conduzir à sua revogação. É quanto me cumpre informar, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 223.º, do CPP, entendendo que, face a tais factos, a prisão não é ilegal e deve manter-se, não se mostrando ultrapassado o prazo legalmente fixado para tal medida de coacção”. Com vista a complementar a informação assim prestada, o Senhor Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa mandou instruir os autos com certidão do auto de interrogatório, da promoção do Ministério Público, do despacho que determinou a prisão preventiva, do despacho que a reapreciou, do despacho que declarou a excepcional complexidade dos autos, das motivações de Recurso referidas na petição, do despacho de admissão do mesmo recurso, da resposta do Ministério Público, do despacho que ordenou a subida do recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa e demais peças mencionadas naquela informação prestada nos termos do artigo 223.º, número 1, do Código de Processo Penal. 3. Da cópia das peças processuais com que foi instruída a presente petição e bem assim da informação que, já no Supremo Tribunal de Justiça, se obteve do Tribunal da Relação de Lisboa a respeito do estado do recurso para este interposto pelo requerente do despacho que lhe aplicou a medida coactiva de prisão preventiva, e com interesse para a decisão da peticionada providência de habeas corpus, decorre, em suma, o seguinte: - No dia 24.04.2015, na sequência do 1.º interrogatório judicial de arguido detido a que foi submetido, nos termos do artigo 141.º do Código de Processo Penal, foi imposta ao cidadão AA a medida coactiva de prisão preventiva, por se indiciar a prática pelo mesmo dos crimes de falsificação ou contrafacção de documento (previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal), associação criminosa (previsto e punido pelo artigo 299.º, números 1, 2 e 3, do Código Penal), branqueamento (previsto e punido pelos artigos 66.º, 368.º-A, números 1, 2, 4 e 6, do Código Penal), com referência à prática de um facto ilícito susceptível de configurar um crime de tráfico de estupefacientes (previsto punido pelo artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), corrupção activa e passiva (previsto e punido pelos artigos 66.º, 373º, número 1, e 374.º, número 1, do Código Penal), fraude fiscal (previsto e punido pelos artigos 103.º, 104.º, n.º 2, alíneas a), e b), do RGIT) e actividade ilícita de recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis (previsto e punido pelo artigo 200.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e, ainda, um crime previsto e punido pelo artigo 368.º-A, números 1, 2, e 4, do Código Penal, por referência ao artigo 205.º, números 1, e 4, do mesmo diploma); - Inconformado com o assim decidido, o arguido e aqui requerente AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde o mesmo foi distribuído e autuado em 13.07.2015, não tendo até ao presente sido proferido acórdão; - Por despacho de 26.06.2015, foi declarada a excepcional complexidade dos autos; - Sob promoção do Ministério Público, foram reexaminados, em 21.07.2015, os pressupostos da medida coactiva de prisão preventiva, que foi mantida ao arguido AA. 3. Convocada a Secção Criminal, notificados o Ministério Público e o Defensor do requerente, realizou-se a audiência pública (artigos 223.º, números 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal), cumprindo ora decidir. * II. II.1 1. A Constituição da República Portuguesa estabelece, no artigo 31.º, número 1, que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. Assim, o habeas corpus, que visa reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, constitui, como diz o Professor Germano Marques da Silva[4], “não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”. Constitui, enfim, como o Supremo Tribunal de Justiça afirmou no seu aresto de 16 de Dezembro de 2003, prolatado no Habeas Corpus nº 4393/03, 5ª Secção, «…de um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…». Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, respectivamente nos artigos 220.º, número 1, e 222.º, número 2, do Código de Processo Penal, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal. De onde que, tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, esta há-de provir, de acordo com o disposto no número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, de: - Ter sido efectuada por entidade incompetente [alínea a)]; - Ser motivada por facto que a lei não permite [alínea b)]; ou - Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicia [alínea c)]. 2. Como se viu, no caso sub judice, o requerente sustenta a sua petição no fundamento da alínea c) do número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, alegadamente consubstanciado no facto de se encontrar excedido o prazo máximo de 30 dias, previsto no número 1 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, para julgar o recurso que interpôs da decisão que que lhe aplicou a medida coactiva de prisão preventiva. Porém, sem razão, como passamos a demonstrar. * II. 2 2.1 1. Como mais para trás se anotou, os fundamentos de deferimento da providência de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal, são apenas e tão-só os elencados no número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal. Assim, quando a lei, na alínea c) do mencionado normativo, prevê como fundamento de habeas corpus a ultrapassagem “…dos prazos fixados na lei…” só poderá querer referir-se aos prazos que, relativamente à prisão preventiva, se encontram consignados no artigo 215.º do mesmo Código de Processo Penal, como bem flui da menção que nas distintas alíneas do número 1 (fórmula, depois, prosseguida nos números 2, 3 e 5) é feita, por referência às várias fases processuais, aos diversos prazos máximos a observar em cada qual. Significa isto que o mencionado prazo máximo de 30 dias, previsto no número 1 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, constituindo, não um prazo de duração máxima da medida de coacção impugnada mas, apenas um prazo estabelecido para a prática dum concreto acto processual, mais exactamente para o conhecimento do recurso interposto, com relevância para o caso que nos ocupa, da decisão que haja aplicado ao arguido a medida coactiva de prisão preventiva, não pode aquele prazo equiparar-se aos prazos máximos de duração da mesma medida de coacção, e que são tão-só os previstos no citado artigo 215.º, de que resulta que, não havendo qualquer possibilidade de o excesso daquele prazo (o previsto no artigo 219.º, número 1) constituir fundamento de deferimento de habeas corpus nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 222.º, não pode o mesmo ter qualquer repercussão na duração da medida. Interpretar extensivamente - como faz o requerente, apoiando-se em alguma doutrina que convoca para demonstrar a bondade da sua pretensão – a norma da aludida alínea c) do número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, por forma a abranger a ultrapassagem do prazo previsto para o julgamento do recurso interposto da decisão que aplique ou mantenha medidas de cocção, maxime a de prisão preventiva, não encontra, no texto legal, o tal mínimo de correspondência verbal de que fala o número 2 do artigo 9.º do Código Civil, como se observa no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.05.2014, proferido no Processo n.º 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1, da 5.ª Secção. Entendimento, de resto, conforme com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[5], que vai no sentido de considerar que o excesso do prazo previsto no artigo 219.º, número 1, do Código de Processo Penal não constitui fundamento de habeas corpus. 2.2 Por outro lado, e não obstante as referências feitas pelo requerente a algumas normas constitucionais, concretamente as normas dos artigos 8.º, 27.º, e 31.º da Lei Fundamental, e bem assim a vários preceitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), com mais exactidão os preceitos dos artigos 5.º, § 4.º, 17.º, 19.º, e 32.º, § 1, e que, seguindo a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque[6], o mesmo considera alvo de ofensa se a norma do artigo 222.º, número 2, alínea c) for interpretada no sentido de não abranger a ultrapassagem do prazo previsto no número 1 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, sempre se dirá que, não esclarecendo precisamente porque é que um entendimento semelhante ao que aqui se perfilha importará a violação das invocadas disposições legais, quando é certo que, estando em causa realidades distintas (por um lado, o excesso dos prazos máximos previstos para duração da medida coactiva de prisão preventiva e, por outro lado, o excesso do prazo para julgar o recurso interposto da decisão que a aplique, a substitua ou a mantenha), não se descortinam razões para que lhes seja dispensado um tratamento jurídico idêntico. Como mal se compreendem as críticas que, sem as indispensáveis concretizações adicionais, o requerente faz a respeito de uma alegada falta de sintonia entre o preceituado na norma do § 4.º do artigo 5.º da CEDH – que prescreve que “Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação se a detenção for ilegal” – e da necessidade de compatibilizar a legislação nacional com a da CEDH. É que, como de forma pertinente se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 08.03.2012, prolatado no Processo n.º 61/10.4TAACN-B.S1, da 5.ª Secção “Saber se a legislação portuguesa está em consonância com este preceito [7], depende evidentemente da apreciação do regime nacional português em termos abrangentes, e que portanto tenha em conta não só o regime de recursos como a providência de habeas corpus. Trata-se de regimes que se complementam, e de que decorre que, recorrer a um tribunal, para por termo a situações de prisão ou detenção ilegal, é uma garantia que existe entre nós, associada a um prazo bem inferior a 23 dias”. É, pois, ponderando todos estes aspectos, que se entende que a ultrapassagem do prazo previsto no número 1 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, podendo, eventualmente, ter outras consequências que não a pretendida pelo requerente (v.g. dar azo ao desencadeamento do incidente de aceleração processual), não dispõe, porém, de capacidade para determinar a ilegalidade da prisão. 2.3 Em face de todo o referido, e sem perder de vista que, havendo a prisão do arguido AA sido determinada pela entidade competente e motivada por facto que a lei permite, o prazo de duração máxima actualmente em curso [que é de um ano, por via do disposto no artigo 215.º, número 1, alínea d), e número 3, do Código de Processo Penal] está longe de ser atingido, impõe-se concluir pela legalidade da mesma prisão e, na decorrência disto, pela inexistência de qualquer fundamento, maxime do previsto na alínea c) do número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, para a requerida providência de habeas corpus, que terá assim de improceder. * III. Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado pelo arguido AA, por falta de fundamento legal para o efeito [artigo 223.º, número 4, alínea a), do Código de Processo Penal]. Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça. Lisboa, 21 de Agosto de 2015
Os Juízes Conselheiros Isabel São Marcos (Relatora) Nuno Gomes da Silva ___________________________ |