Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA GUIMARÃES | ||
Descritores: | SUSPEIÇÃO RECUSA DE JUÍZ | ||
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Nº do Documento: | SJ200305080014975 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1033/01 | ||
Data: | 01/28/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. | ||
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Sumário : | I - O princípio que informa o instituto da suspeição é o de que a intervenção do magistrado, no processo, apenas suporta o risco de ser havido por suspeito, ocorrendo motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade que dele se espera. II - Tais seriedade e gravidade de motivo causador do sentimento ou sensação de desconfiança a respeito daquela imparcialidade hão-de ser encarados objectivamente, logo sendo de afastar convencimentos meramente subjectivos dos sujeitos processais, isto porque o simples receio ou temor de que o juiz haja já estruturado um convencimento prévio àcerca do “thema decidendum” não potencializa quer a razão de ser da recusa, quer fundamento bastante e válido para a reclamar. III - O Tribunal Europeu do Direitos do Homem tem considerado que a imparcialidade deve apreciar-se sob um duplo prisma ou sejam os da aproximação subjectiva, destinada à determinação da convicção pessoal de tal juiz em tal ocasião, e da apreciação objectiva, quanto a saber-se se o magistrado em causa oferece as suficientes garantias para repelir e excluir, a este propósito, quaisquer dúvidas aceitáveis. IV - Igualmente o T. E. D. H. vem expressando o entendimento de que a imparcialidade se presume até convincente prova em contrário, pelo que, a imparcialidade na sua feição objectiva releva de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção do conceito tão somente pode ser testado na análise concreta do modo do exercício das funções reflectido nos actos processuais do julgador. V - Daí, que as dúvidas ou as reservas sobre a imparcialidade, no plano objectivo, apenas se possam suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe, no processo, funções ou pratique actos próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade. VI - O rigor da suspeita, a verosimilhança da imputação e as consistência e plausibilidade das reservas em sede de seriedade e gravidade bastantes para as avalizarem, são, indispensáveis condimentos apoiantes de um pedido de recusa: sem esse rigor, sem essa verosimilhança e sem essas consistência e plausibilidade fortalecidas por motivação séria e grave, sempre estará tal pedido votado ao fracasso, como decerto o impõem, a um tempo e do mesmo passo, o respeito que merece a Justiça, a atenção pela preocupação da estabilidade e da disciplina processuais e a própria consideração que, em princípio, é devida aos Tribunais. VII - Tendo o tribunal colectivo julgado e condenado o arguido/recorrente e tendo esse julgamento sido declarado inválido, na sequência de provimento de recurso por aquele interposto de despacho da respectiva presidente do colectivo, tal factualidade não consente que se formatem motivos sérios e graves, adequados a gerarem desconfiança sobre a imparcialidade daquela Juiz-Presidente e dos seus Adjuntos para procederem ao novo julgamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1- Breve resenha do condicionalismo dos autos: No processo comum colectivo nº 10-2/98, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, formulou, oportunamente, o ali arguido AA, ao abrigo do artigo 43.º, nº 1, do Código de Processo Penal, pedido de recusa da Ex.ma Juiz de Círculo, Dr.ª BB, bem como dos Ex.mos Juízes componentes do respectivo Colectivo, colectivo este que veio a prolatar o acórdão de 12 de Junho de 2000, por via do qual veio, aquele mencionado arguido, a ser condenado, pela prática, como co-autor material de um crime de corrupção, previsto e punido no artigo 372.º, nº 1, do Código Penal revisto, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão. No âmbito do referido processo, a Ex.ma Juiz cuja recusa se peticionou havia determinado o desentranhamento da contestação e do requerimento para a produção de prova que o arguido oferecera, tendo-o convidado a constituir novo mandatário. Do despacho em tal sentido proferido recorreu o arguido, recurso que obteve provimento no Tribunal da Relação de Évora. Em consequência, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Beja declarou inválidos os actos posteriores ao não recebimento da contestação e, decorrentemente, o julgamento realizado. A Ex.ma Juiz, Dr.ª BB – que havia determinado o desentranhamento das aludidas peças processuais, designou data para novo julgamento. Donde, o pedido de recusa daquela magistrada e dos seus Ex.mos Colegas componentes do tribunal colectivo que procedera ao julgamento. Porém, o Tribunal da Relação de Évora não concedeu a recusa impetrada e antes a considerou destituída de fundamento. Interposto, pelo arguido, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, aqui se decidiu anular o recorrido acórdão daquela Relação, na base da entendida” completa omissão da fundamentação de facto”, ( cfr: acórdão de fls 222 e seguintes, designadamente, fls 227) Repetida a decisão, veio a mesma Veneranda Instância, a julgar, de novo, como manifestamente infundado, o pedido de recusa em causa. ( cfr: Acórdão de fls 283 e seguintes, designadamente fls. 286). 2 – O recurso interposto: É desta ( repetida) decisão que, agora, novamente traz recurso, para este Supremo Tribunal de Justiça, o sobredito arguido AA. E, após extensa motivação ( cfr: Fls 290 a 296), apresentou as não menos extensas conclusões seguintes ( cfr: Fls 297 a 301): 1ª Por acórdão de 12.6.2000, proferido no processo nº 10.2/98, do Tribunal Colectivo de Beja, presidido pela Meritíssima Juíza, Dra. BB, o ora recorrente foi condenado a dois anos e três meses de prisão; 2ª No âmbito do mesmo processo a Meritíssima Juiz, cuja recusa se impetra, bem como dos Meritíssimos Juízes que compunham a mesma formação, havia determinado o desentranhamento da contestação e o requerimento para a produção de prova oferecidos tempestivamente pelo ora recorrente, tendo-o convidado a constituir novo mandatário; 3.ª Desse despacho foi interposto recurso o qual obteve provimento por douto acórdão de 17 de Julho de 2000 do Tribunal da Relação de Évora; 4ª Em cumprimento desse douto aresto o Meritíssimo Juiz de Beja, por despacho de 21 de Novembro de 2000, declarou inválidos os actos posteriores ao não recebimento da acusação e, em consequência, o julgamento. 5ª Por virtude do douto aresto da Relação de Évora, que precipitou a nulidade do acórdão condenatório de 12.6.2000, do Tribunal Colectivo de Beja, o recurso então interposto pelo ora recorrente deste acórdão ficou, também, prejudicado. 6ª Porém, a Meritíssima Juiz, Dra. BB, que havia proferido o despacho anulado pelo acórdão de 11.7.2000, da Relação de Évora, e que presidiu ao Colectivo que havia julgado e condenado o ora recorrente – acórdão de 12.6.2000 – agora, na qualidade de Presidente do Tribunal Colectivo, designou para novo julgamento os dias 19, 21 e 30 de Março de 2001. 7ª O ora recorrente suscitou, então, perante o douto Tribunal da Relação de Évora, a recusa da Meritíssima Juiz, Dra. BB, e dos Meritíssimos Juízes que participaram no julgamento declarado inválido. 8ª O pedido tem como suporte legal os art.ºs 40.º, 43.º nºs 1 e 2 do CPP, bem como no art. 32,º nº 1 da Constituição, normas que se consideram violadas. 9ª Com efeito, a Meritíssima Juíza, Dra. BB, e seus Ilustres Pares que compunham o Tribunal Colectivo, e que condenaram o ora recorrente, já possuem, necessária e inevitavelmente, uma ideia formada (convicção) sobre a culpabilidade do recorrente devido à participação, muito activa, que tiveram no decorrer das várias audiências de julgamento ocorridas no âmbito do Proc º nº 10-2/98, do Tribunal de Beja; 10ª Daí que aqueles Meritíssimos Juízes do Tribunal de 1ª instância não possam, nem devam, intervir no novo julgamento que tem por objecto o mesmo processo. 11ª Contudo, o douto Tribunal a quo, o da Relação de Évora, no aresto de 28 de Janeiro de 2003 sufraga entendimento diametralmente oposto, concluindo, aliás, que o pedido de recusa é manifestamente infundado e condenado o ora recorrente em 8 Usc. 12ª Salvo o devido respeito o douto Tribunal a quo viola flagrantemente a Constituição, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Lei. 13ª Com efeito, um dos fundamentos invocados pelo douto Tribunal a quo, quando faz apelo ao art. 43.º do CPP, e diz não se verificar é o relacionado com o “ especial contacto com o objecto da decisão” (cfr. A citação feita pelo Tribunal a quo ao Prof. José Alberto dos Reis) ; 14ª Ora, não pode sofrer contradita que a Meritíssima Juiz cuja recusa se impetra, e os seus Pares que formaram o Tribunal Colectivo, tiveram “ especial contacto” com o processo – crime porque sobre ele se debruçaram longamente durante o decorrer das várias audiências de julgamento e que culminou com a condenação do ora recorrente na pena de dois anos e três meses de prisão. 15ª Anulado o julgamento, não pode integrar o Tribunal Colectivo o Juiz ou os Juízes que fizeram parte do Tribunal que proferiu a decisão anulada, sob pena de violação dos art.ºs 40.º, 43.º nº 1 e 2 do CPP; do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicável por força do estatuído no art. 8.º da Constituição, norma que consagra o direito a um processo equitativo e, por isso, com garantias de imparcialidade; 16.º A interpretação dada pelo Tribunal a quo aos art.s 40.º e 43.º, nºs 1 e 2 do CPP, é manifestamente inconstitucional por violar o art.º 32.º, nº 1 da Lei Fundamental, precipitando, outrossim, a violação dos art.ºs 1.º, 2.º, 8.º, 16.º e 204.º da Constituição. 17ª Com efeito, os magistrados que julgaram o ora recorrente e o condenaram em 12.6.2000, ficaram com uma convicção de tal modo arreigada quanto à sua culpabilidade que, objectivamente – e sem prejuízo da independência interior que os magistrados sejam capazes de preservar – fica inexoravelmente comprometida a independência e imparcialidade desses magistrados no novo julgamento do mesmo processo. 18ª Destarte, o Tribunal da Relação de Évora, pelo acórdão de 28.1.2003, violou os normativos indicados na conclusão 16ª, proferindo uma decisão inconstitucional, já que deveria ter declarado impedida de participar no novo julgamento a Meritíssima Juiz, Dra. BB, e os Meritíssimos Juízes Adjuntos que compunham o Colectivo que proferiu o acórdão de 12.6.2000 e que foi declarado inválido, na sequência do douto Acórdão de 11 de Julho de 2000, do Tribunal a quo. 19ª O douto acórdão recorrido violou, outrossim, o art. 45.º nº 5 do CPP, porquanto o pedido de recusa é manifestamente fundado e, por consequência, deve ser deferido. Por assim ser, impetra-se a Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, se dignem dar provimento ao presente recurso, anulando o douto acórdão recorrido e declarando impedidos de participar no novo julgamento do Proc.º Comum Colectivo nº 10 – 2/98, do Tribunal Judicial de Beja, A Meritíssima Juiz, Dra. BB, e os Meritíssimos Juízes Adjuntos que participaram no julgamento do ora recorrente, no processo, e que proferiram o acórdão condenatório de 12.6.2000, que foi declarado inválido. 3 – A resposta do Ministério Público: Devia o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, o qual, em remate das doutas considerações expendidas ( cfr: Fls 306 a 309), produziu as conclusões que seguem ( cfr: Fls 309-310): 1- Determinar-se em sede de julgamento o desentranhamento da contestação e requerimento para a produção de prova oferecidos pelo arguido, vindo tal decisão a ser revogada pelo Tribunal da Relação, e ser o mesmo juiz que vem a designar datas para o julgamento mandado repetir ( e eventualmente presidir-lhe), não constitui, só por si, motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, por forma a que, nos termos do art. 43.º nºs 1 e 3 do C.P.P:, seja concedida a recusa; 2- Não foi pois com aquele despacho diminuída qualquer garantia de defesa do arguido, ou violado, o disposto no art. 32.º nº 1 da CRP, ou qualquer outra disposição Constitucional ou Processual Penal, ou ainda o art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como proclama o recorrente; 3- Pelo que o Acórdão deste Tribunal da Relação será de manter, não concedendo a requerida recusa da Mm.ª Juiz, Dr.ª BB, ou de qualquer dos juízes que, eventualmente, possam de novo, de acordo com as regras de organização judiciária, ter constituído ou vir a constituir o novo tribunal colectivo; 4- Tramitação neste Supremo Tribunal de Justiça: Recebidos que foram os autos, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nada encontrando a obstar ao conhecimento do recurso, promoveu que se dignasse dia para julgamento. ( cfr: Fls 312) Contudo, pelas razões alinhadas no despacho de exame preliminar de fls 313-314 – para o qual se remete -, a conferência se trouxe, recolhidos os legais vistos, as dilucidação e decisão recursórias. 5 – Os factos em apreço: Partiu, o Tribunal da Relação de Évora “a quo”, para a decisão que emitiu – no sentido de considerar manifestamente infundado o requerimento de recusa que lhe foi dirigido – dos seguintes factos que deu por ( documentalmente) provados ( cfr: Fls 284): 1 – Por Acórdão de 1276/2000, proferido nos autos referenciados, pelo Tribunal colectivo de Beja, presidido pela Mert.ª Juiz Dr.ª BB, o ora requerente foi condenado, pela prática, como co-autor material de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 372.º nº 1, do CP de 1995, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; relativamente a esta pena, foi-lhe declarado perdoado 1 ano de prisão, ao abrigo do art.º 8.º nº 1 al. d, da Lei nº 15/94, de 11/5, perdão este concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não ter praticado infracção dolosa no período compreendido entre 12/05/94 e 12/05/97, caso em que à pena à mesma aplicada acrescerá que acaba de se perdoar. 2 – No âmbito do mesmo processo, a Mert.ª Juiz cuja recusa se impera, havia determinado o desentranhamento da contestação, por considerar, na sequência da junção ao processo de certidão de Parecer, nesse sentido, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, que o Ex.mo Dr. CC estava impedido de exercer advocacia nas causas da competência do Tribunal de Círculo. 3 – Desse despacho foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual foi provido ( Ac. de 11/7/00). 4 – Face a este Acórdão, o Mert.º Juiz da comarca de Beja, por despacho de 21/10/00, declarou inválidos os actos posteriores ao não recebimento da acusação e, consequentemente, o julgamento. 5 – A Mertª Juiz para quem foi remetido o processo para realizar o julgamento, na sequência do referido Ac. da Rel. Évora de 11/7/00, é a mesma que determinou o desentranhamento da contestação, objecto do recurso que foi provido. 6 – Tanto a Mertª Juiz Presidente de que se impetra a recusa, como a Mertº Juiz ( 1.ª Adjunta – uma vez que a 2.ª Adjunta já não vem exercendo funções na comarca de Beja), pronunciaram-se, de forma objectiva e fundamentada, pela improcedência da referida recusa. 6 – Análise apreciativa É então, altura de cuidarmos da questão que nos vem proposta. Numa perspectiva geral deve, antes de tudo, encarecer-se que o princípio que informa o instituto da suspeição, (1) é o de que a intervenção do magistrado, no processo, apenas suporta o risco de ser havida por suspeita, ocorrendo motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade que dele se espera; e tais seriedade e gravidade de motivo (ou de motivos) causador (causadores) do sentimento ou sensação de desconfiança a respeito daquela imparcialidade hão-de ser (tem que ser e devem ser) encarados objectivamente, logo sendo de afastar convencimentos meramente subjectivos dos sujeitos processuais como suporte de um petitório de recusa, isto porque o simples receio ou temor de que o juiz haja já estruturado um convencimento prévio à cerca do “thema decidendum” não potencializa ( e, muito menos, pode viabilizar), quer a razão de ser da recusa, quer fundamento bastante e válido para a reclamar. Neste capítulo, torna-se importante relembrar aquilo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado sobre o imposto (e inafastável) princípio da imparcialidade; no seu entendimento, deve esta apreciar-se de um duplo ponto de vista ou sob um duplo prisma ou sejam os da aproximação subjectiva, destinada á determinação da convicção pessoal de tal juiz em tal ocasião e da apreciação objectiva, quanto a saber-se se o magistrado em causa oferece as suficientes garantias para repelir e excluir, a este propósito, quaisquer dúvidas aceitáveis). Daqui deriva a asserção de que a imparcialidade, enquanto exigência específica ( e indissociável) de uma verdadeira decisão judicial ou de um escorreito e justo julgado, se haja de definir, por via de regra, a partir da ausência de todo prejuízo ou preconceito concretizados ou plausíveis no que tange à matéria a decidir e no que toca às pessoas que a decisão afecte. Igualmente, o T.E.D.H. vem expressando o entendimento de que a imparcialidade se presume até convincente prova em contrário, pelo que, assim sendo ( e não se levantam dúvidas sobre que assim não deve ser), a imparcialidade na sua feição objectiva revela ( ou se radica) de ( e em) considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação do conceito tão somente pode ser testado numa base rigorosamente casuística que outra não será que a da análise concreta do modo do exercício das funções reflectido nos actos processuais do julgador; e daí, que as dúvidas ou as reservas sobre a imparcialidade, no plano objectivo, apenas se possam suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe, no processo, funções ou pratique actos próprios de competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade, não integrando nenhuma destas hipóteses, nem configurando qualquer destes condicionalismos, o caso em que o juiz exerce, no processo, uma função pura e lidimamente judiciária, na validade do que se lhe permite e na plenitude dos poderes que lhe assistem, integrada, processual e institucionalmente, na mesma fase para a qual o processo penal lhe confere jurisdição e lhe atribui competência (2). O rigor da suspeita, a verosimilhança da imputação e a consistência e plausibilidade das reservas em sede das seriedade e gravidade bastantes para as avalizarem, são indispensáveis (e incontornáveis) condimentos apoiantes de um pedido de recusa: sem esse rigor, sem essa verosimilhança e sem essas consistência e plausibilidade fortalecidas por motivação séria e grave, sempre estará tal pedido votado ao fracasso, como de resto o impõem a um tempo e do mesmo passo, o respeito que merece a justiça, a atenção pela preservação da estabilidade e da disciplina processuais e a própria consideração que, em princípio, é devida aos Tribunais. E certo sendo que nem todos os actos ou decisões judiciais podem agradar às diversas partes ou aos diversos sujeitos de um pleito, mal seria que esse desagrado, quando desprovido de razoabilidade pertinente, se pudesse converter em fundamento para recusar um magistrado ( ou, de uma assentada, todo um colectivo) e, até, mesmo, para, sequer, hipotizar essa recusa. Retidos estes considerandos, na sua inevitável projecção sobre o caso “ sub júdice”: Não se alcança que o condicionalismo factualizado seja idóneo a servir os propósitos do recorrente, em directo à anulação do aresto recorrido e, em decorrência à concessão da peticionada recusa ( na reclamada abrangência a todos os magistrados do colectivo). Não justificando reparo – perante os dados de facto produzidos – a forma como decidiu ( de direito) o Tribunal da Relação “ a quo”, é nessa sede ( de direito) – a única em que lhe cabe decidir ( cfr: artigo 434.º, do Código de Processo Penal) – que este Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de avalizar, pela positiva, o entendimento expressado por aquela veneranda Instância de que a factualidade certificada não consente que se formatem, com base nela e a partir dela, motivos sérios e graves, adequados a gerarem desconfiança sobre a imparcialidade, quer da Meritíssima Juiz- Presidente do Tribunal Colectivo da Comarca de Beja, quer dos seus Ex.mos Adjuntos. E dito isto – sem necessidade de mais desenvolvimentos que, apenas, seriam repetição do já aduzido no aresto impugnado e na resposta sequentemente oferecida pelo Ministério Público, sufragando aquele – somente sobrará assinalar, em jeito de apontamento final , que não apresenta qualquer interesse relevante tudo quanto, no recurso, se debitou a propósito ( ou em torno) do artigo 40.º, do Código de Processo Penal; é, em absoluto, patente que a filosofia informadora deste preceito e a sua finalidade específica ( visadas, ambas, para a atenção), confinadamente objectiva, de determinadas situações que (objectivamente)” desaconselham”a intervenção dos juízes, em certos casos de processos em que tenham participado, em reporte a actos a que tenham presidido ou a decisões que tenham prolatado, não por via de equacionada suspeição mas, unicamente, por força de impedimentos legais taxativamente consignados) nada tem que ver com a temática própria da recusa, nem com as razões que legitimem concedê-la. 7 – Síntese conclusiva: Não divisada, nem demonstrada, a existência de motivos sérios e graves, adequados ou idóneos a gerarem desconfiança sobre a imparciabilidade dos Ex.mos magistrados visados no concernente ao processo em causa (cfr. Artigo 43.º, nºs 1 e 2, parte final, do Código de Processo Penal) e inverificado, igualmente, qualquer outro condicionalismo passível de inculcar, séria e gravemente, aquela desconfiança ( cfr. Artigo 43.º, nº 2, primeira parte, do Código de Processo Penal), falta base legal para a impetrada recusa; resta, pois, confirmar, na improcedência do recursoriamente peticionado pelo Tribunal da Relação de Évora, nada se detectando a desaboná-lo. 8 – Decisão: Desta sorte e pelo exposto: Nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se, consequentemente, o douto acórdão recorrido. Satisfará o recorrente 5 ( cinco) Ucs de taxa de justiça. Lisboa, 08 de Maio de 2003 Oliveira Guimarães (Relator) Carmona da Mota Pereira Madeira ---------------------------------------------------------------- (1) Suspeição que é o que essencialmente, pode legitimar a recusa. (2) cfr, com manifesto interesse sobre este tema, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 131.98, proc nº 877/97. |