Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO PRAZO PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO REFORMA DA SENTENÇA LAPSO MANIFESTO ERRO DE JULGAMENTO TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL CUSTAS DE PARTE CONTAGEM DE PRAZOS NOTIFICAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
| Sumário : | I – O prazo para apresentação da reclamação inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão eletrónica do acórdão reclamado, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil. As presunções da notificação só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efetuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis, mas não pela contraparte. II – Tendo a reforma da sentença como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento ou a servir de veículo para o reclamante exprimir a sua discordância com a decisão ou defender a sua posição técnico-jurídica em relação às questões de direito resolvidas pelo Acórdão objeto do pedido de reforma. III - Tem sido entendimento deste Supremo que, desde que o instrumento de impugnação utilizado esteja previsto na lei e seja habitual na prática judiciária, não há lugar à aplicação da taxa sancionatória excecional, reservada para o recurso a instrumentos anómalos e patológicos, fora do desenrolar normal do processo. IV – O «dies a quo» da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte é o correspondente ao do trânsito em julgado da decisão final. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., Ré/Recorrida nestes autos de ação popular, intentados por AA e BB, tendo sido notificada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02-02-2022, proferido no âmbito do recurso per saltum interposto por estes últimos da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 616.º, aplicável ex vi artigo 666.º e artigo 685.º do Código de Processo Civil (CPC), requerer a reforma do Acórdão, formulando as seguintes conclusões: «1. É manifesto que, nos presentes autos, a situação de facto que constitui a causa de pedir não diz respeito à ativação de qualquer serviço adicional, 2. mas antes e tão só, à activação de pacotes de dados móveis, nos casos em que o cliente esgota o plafond incluído na mensalidade base do tarifário contratado. 3. Constituindo a activação dos referidos pacotes de dados, uma característica central e própria do tarifário especificamente contratado 4. e decorrendo essa mesma característica, de forma clara, expressa e perceptível para qualquer consumidor médio, da informação pré-contratual fornecida pela Vodafone e que se provou ter sido do conhecimento e compreensão do Autor, 5. nenhum fundamento existe para sustentar a invalidade e/ou a nulidade das disposições contratuais do serviço de comunicações electrónicas contratado, 6. sob pena de manifesta violação dos mais basilares princípios da liberdade contratual e da liberdade económica, 7. princípios esses com dignidade constitucional. 8. Acresce que a declaração de nulidade da cláusula 2.ª, al. d), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel, em que o acórdão reformando fundamenta a decisão proferida, não contém qualquer previsão relativa à questão que constitui objecto do presente processo, nem tem por virtualidade impedir a manutenção da validade da relação contratual. 9. O princípio constitucional da liberdade económica, concretizada, na liberdade de configuração da oferta de serviços de comunicações electrónicas, é posta directamente em causa pela interpretação conferida, no acórdão reformando, ao alcance dos artigos 15.º e 16.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, interpretados e aplicados, no caso concreto, no sentido de considerar que o grau de informação e a prova do cumprimento do dever de informação do consumidor, é irrelevante na apreciação da legalidade do clausulado contratual e, bem assim, das informações pré-contratuais do concreto tarifário que foi objecto da acção, o que permitiria a qualquer cidadão desrespeitar as obrigações contratual, válida e esclarecidamente assumidas. 10. Da mesma forma, aceitar e defender que, independentemente do grau de informação prestada ao consumidor e ainda que se prove a total compreensão por parte deste das condições pré-contratuais que estão na base do negócio jurídico, livre e voluntariamente, celebrado, seria colocar em crise todo o instituto do direito das obrigações, com especial acuidade para o princípio geral da pacta sunt servanda, isto é, o princípio jurídico segundo o qual as partes devem respeitar os acordos celebrados, cumprindo as obrigações dos mesmos decorrentes, atribuindo-lhes a natureza de imperatividade na regulação das relações jurídicas daí resultantes, 11. sendo que, não pode deixar de sublinhar-se a dignidade constitucional da autonomia privada, que, compreensivelmente, irradia a concreta manifestação desta como liberdade contratual, igualmente colocada em crise pela interpretação perfilhada no acórdão reformando. 12. O acórdão reformando, consagra uma decisão Injusta e iníqua. Escorando-se num manifesto lapso, pretende, sem qualquer fundamento, beneficiar alguns consumidores em detrimento de outros, pois alguns clientes, independentemente do consumo de dados que tenham realizado, acabam por receber o serviço gratuitamente nada tendo a pagar (através do reembolso decorrente da condenação sub judice), enriquecendo à custa da Vodafone, sem qualquer limite ao volume de dados consumido e em completa desigualdade com outros consumidores que, por terem contratado um pacote de dados superior, pagam mais, mesmo consumindo menos dados. 13. A solução propugnada pelo acórdão reformando é, assim, claramente violadora da igualdade entre os diversos clientes/consumidores, sem que exista qualquer razão válida para tal e em total desrespeito dos mais elementares princípios gerais de Direito, alguns com consagração constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, da proporcionalidade e, como já antes se mencionou, da liberdade contratual. 14. Assim, é manifesto que o acórdão reformando incorre num erro grosseiro e patente quando decide conceder provimento ao recurso dos Autores. 15. A reforma da decisão sub judice é a única forma de evitar uma violação do direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva e de repor a justiça material. Nestes termos, e nos melhores do Direito aplicáveis, deve o acórdão proferido ser reformado e, consequentemente, ser julgado improcedente o recurso interposto pelos Autores, pois que só se assim se permitirá que se faça a imposta e devida JUSTIÇA!» 2. CITIZENS' VOICE - CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION et al., autores intervenientes e autores populares, recorrentes e ora reclamados, notificados da reclamação para reforma do acórdão apresentada pela VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., vêm, nos termos do artigo 3.º do CPC, invocar a extemporaneidade da reclamação apresentada pela Vodafone. Em alternativa, para o caso de se considerar que a reclamação não é extemporânea, peticionam os reclamados que seja a reclamação considerada manifestamente improcedente, para o efeito do artigo 670.º, n.º 5, do CPC, e que a Vodafone seja condenada no pagamento de uma taxa sancionatória excecional, em conformidade com o artigo 531.º do CPC. 3. Em 21-02-2022, Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., veio, na sequência da apresentação em juízo do pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos, deduzir incidente de impedimento contra a ora Relatora, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 115.º do CPC, o qual foi indeferido por acórdão datado de 13 de setembro de 2022. 4. Em 23-02-2022, os autores populares apresentam requerimento em que pedem o pagamento de custas de parte, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), requerendo a junção aos autos da sua Nota discriminativa e Justificativa de Custas de Parte (Nota de Custas Parte). 5. Em 03-03-2022, veio a Ré Vodafone apresentar novo requerimento, pugnando para que não lhe seja aplicável qualquer taxa sancionatória excecional, e defendendo que a sua reclamação não é extemporânea, pois a reclamante tem direito a beneficiar da solução legal que prevê que a notificação se considera feita ao terceiro dia e que mesmo que se considerasse feita no dia 4 de fevereiro sempre teria o direito de a apresentar nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC, após notificação pela secretaria. Na mesma data, a Vodafone apresenta reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, defendendo que o requerimento apresentado pelos Autores é manifestamente extemporâneo. 6. Os autores populares respondem à reclamação e peticionam que esta seja totalmente improcedente, e que se conclua pela condenação da ré, aqui reclamante, em sede de custas de parte nos precisos termos constantes da nota discriminativa apresentada pelos autores, cujo pagamento deverá ser efetuado logo que confirmado o trânsito em julgado da sentença proferida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, seja essa na data de 17.02.2022 ou noutra posterior. Requerem ainda que a Relatora ordene a notificação da aqui reclamante para vir a efetuar o pagamento da taxa devida acrescida de multa, nos termos do artigo 570, n.º 3, ex vi do artigo 145, n.º 3, do CPC. Requerem também a condenação da aqui reclamante em custas pelo incidente e no demais legal. A esta resposta responde, por sua vez, a Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., alegando que a resposta ora apresentada pelos Autores é processualmente inadmissível, pois a lei não contempla um direito de contraditório face à reclamação prevista na norma do artigo 26.º-A n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, e requer que seja ordenado o desentranhamento do requerimento apresentado pelos Autores. 7. São três as questões agora a decidir: I – Reclamação da Vodafone contra o acórdão proferido a 2 de fevereiro de 2022; II – Aplicação da taxa sancionatória à reclamante Vodafone; III – Custas de parte peticionadas pelos reclamados e reclamação da Vodafone. Cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação I - Reclamação apresentada pela Vodafone 1. Questão prévia da extemporaneidade da reclamação Vieram os reclamados pugnar para que a presente reclamação não fosse conhecida invocando a sua extemporaneidade, sustentando que a presunção de notificação consagrada no artigo 248.º, in fine, do CPC, é uma presunção juris tantum, que, no caso concreto, tem de se considerar ilidida, pois que a reclamante Vodafone tem assumido perante vários dos seus clientes que foi notificada do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça na data de 04-02-2022 (cf. Documento 1 que se junta e aqui se dá por reproduzido), assim se demonstrando que a reclamante foi efetivamente notificada em 04-02-2022, como a própria o reconheceu aos seus clientes reclamantes, tendo, em consequência, o acórdão do Supremo transitado em 14-02-2002, sendo extemporânea a reclamação apresentada em 17-02-2022.
Vejamos. Ora, apesar dos documentos apresentados pelos reclamados demonstrarem que alguns funcionários da Vodafone, que responderam a reclamações dos clientes, tiveram conhecimento efetivo do acórdão proferido em 2 de fevereiro, no dia 4 do mesmo mês, dia do envio da notificação às partes, não há razão para a Vodafone pessoa coletiva não beneficiar da regra geral de que a notificação se considera feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, nos termos do artigo 248.º, n.º 1, in fine, do CPC. Tem sido este o entendimento da jurisprudência, considerando que se trata de uma garantia processual que prevalece sobre o conhecimento efetivo da decisão. Neste sentido, vide, o acórdão deste Supremo Tribunal, de Justiça, de 19-01-2021 (proc. n.º 86/05.1TBRSD.P1.S1), onde se sumariou o seguinte: «I - Para efeitos de determinação das datas da notificação electrónica, o legislador consagrou duas presunções: (i) a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e (ii) a expedição presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil. II - O prazo para apresentação de alegações de recurso inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão electrónica do despacho que o receba, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil. III - Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior, como decorre do disposto no n.º 6 do art. 254.º do CPC, segundo o qual as presunções da notificação postal ou electrónica só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis. IV - Ou seja, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal». Em consequência, consultado o citius, certifica-se que a notificação eletrónica foi expedida no dia 4 de fevereiro e determina-se que o início da contagem do prazo dá-se no dia 8 de fevereiro, estando a Vodafone dentro do prazo quando apresenta a reclamação no dia 17 do mesmo mês. Pelo que, indefere-se o pedido de extemporaneidade da reclamação apresentado pelos reclamados. Passa-se a conhecer, pois, da reclamação. 2. Na reclamação, a reclamante Vodafone veio pugnar pela reforma do acórdão reclamado, sustentando, em síntese, que: 1) a causa de pedir no presente processo não diz respeito à ativação de qualquer serviço adicional, mas apenas à ativação de pacotes de dados móveis; 2) a falta de fundamento para a invalidade e/ou a nulidade das disposições contratuais do serviço de comunicações eletrónicas contratado; 3) a inconstitucionalidade da decisão reclamada. 3. O direito aplicável é o seguinte: O artigo 613º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666º, preceitua o seguinte: 1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2. É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes. A violação das normas processuais que disciplinam (artigos 607º a 609º do CPC) a elaboração da sentença ou do acórdão (artigos 663.º, n.º 2 e 679.º, ambos do CPC), enquanto ato processual, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do CPC (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do CPC). Prescreve o artigo 616.º, n.º 2, do CPC (aplicável ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC) que: Não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 4. Como tem sido entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, o erro manifesto de julgamento das questões de direito pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando antes e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adotar (v.g., aplicando ao caso uma norma indiscutivelmente revogada, por não se ter então apercebido dessa revogação) - vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-06-2010, Incidente n.º 718/2001.S1). Lapso manifesto será o erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável ou na omissão ostensiva de observação dos elementos dos autos; enquanto manifesto, o referido lapso tem que ser evidente, patente e incontrovertível (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 4-05-2010, proc. n.º 364/04.4TBPCV.C1.S1 e de 26-06-2014, proc. n.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1). Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-01-2022 (processo n.º1292/20.4TBFAR-A.E1.S1) e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2-12-2021 (processo n.º9/21.0YFLSB), a reforma da decisão destina-se a corrigir um erro de julgamento resultante de um erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável à situação ou na omissão ostensiva de observação dos elementos dos autos, não podendo ser usado para as partes manifestarem discordância do julgado ou tentarem demonstrar “error in judicando”. O erro de julgamento, sem lapso manifesto, não pode ser suprido em sede de reforma da decisão. No mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-02-2021 (proc. N.º 359/10.1TVLSB.L1.S1), «É consensual que, tendo a reforma da sentença como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento ou a servir de veículo para o reclamante exprimir a sua discordância com a decisão ou defender a sua posição técnico-jurídica em relação às questões de direito resolvidas pelo Acórdão objeto do pedido de reforma». 5. Analisado o teor da reclamação, cujas conclusões foram acima transcritas, verifica-se que a reclamante não invoca nulidades do Acórdão impugnado (artigo 615.º do CPC), nem qualquer erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, que tenha ocorrido por manifesto lapso do juiz, nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 616.º do CPC, nem tão-pouco invoca documentos ou meios de prova plena que só por si implicassem necessariamente decisão diversa da proferida, conforme exigido na al. b) do n.º 2 do mesmo preceito. O pedido de reforma do acórdão foi aqui utilizado para exprimir discordância em relação ao Acórdão reclamado, extravasando as hipóteses em que a lei prevê, excecionalmente, a intervenção do tribunal após ter sido proferida a decisão que dirimiu o conflito entre os recorrentes e a recorrida e se ter esgotado, portanto, o seu poder jurisdicional. 6. Quanto às pretensas questões de constitucionalidade suscitadas, o Supremo Tribunal de Justiça vem tendo o entendimento que “no incidente decorrente da aplicação dos arts. 615.º e 616.º do CPC, ex vi dos arts. 666.º e 685.º do CPC, não cabe a discussão de inconstitucionalidades, assente na discordância em relação às interpretações do Tribunal e visando, em consequência, obter uma decisão favorável ao recorrente”. (Acórdão de 28/09/2021, processo n.º249/18.0YHLSB.L1.S1). Já no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09-07-2015 (processo n.º3820/07.1TVLSB.L2.S1), se havia decidido que “não quadra no expediente processual previsto nos arts.616.º e 685.º, ambos do NCPC, a alegação da inconstitucionalidade material da interpretação dada no acórdão reclamado a determinada norma jurídica, visando obter uma nova decisão favorável ao requerente”. Esta tem sido a orientação do Tribunal Constitucional relativamente aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo menos desde o Acórdão de 3 de junho de 1998 (publicado no DR, II série, de 20 de julho de 1998) havia afirma que “A eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”. Acresce que as supostas questões de constitucionalidade agora suscitadas não respeitam os requisitos que o Tribunal Constitucional exige para admitir um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, pois não foram suscitadas previamente e de modo processualmente adequado durante o processo, não constituindo a reclamação para a Conferência o momento para colocar questões de constitucionalidade que não foram discutidas durante o processo. Pelo que, também por este motivo, não está agora o Supremo Tribunal de Justiça vinculado a conhecê-las (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). 7. Em conclusão, não se verifica qualquer fundamento para a reforma da decisão, porquanto não se verifica qualquer lapso, e muito menos, lapso manifesto, tendo este Supremo Tribunal aplicado as normas jurídicas que entendeu pertinentes, e tendo-as analisado e interpretado de acordo com adequados cânones hermenêuticos. Da análise do requerimento da Reclamante resulta, pois, que esta não fundamentou a sua pretensão na violação de qualquer das circunstâncias que permitam que se declare a nulidade do Acórdão ou a reforma do mesmo, mas somente na discordância do julgado e para colocar em discussão supostas questões de constitucionalidade de interpretações normativas que não havia efetuado no momento oportuno. 8. Pelo exposto, indefere-se a reclamação. II – Da taxa sancionatório excecional 9. Requereram os reclamados que fosse aplicada à reclamante uma taxa sancionatória especial. Tem sido entendimento deste Supremo que, desde que o instrumento de impugnação utilizado esteja previsto na lei e seja habitual na prática judiciária, não há lugar à aplicação desta taxa, reservada para o recurso a instrumentos anómalos e patológicos, fora do desenrolar normal do processo, conforme se decidiu nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18-01-2022 (proc. N.º 2600/17.0T8LSB-B.L1.S1) e de 07-06-2022 (proc. N.º 922/15.4T8PTM.E1.S1), mas não já na mera reclamação para a Conferência ainda que indeferida (Acórdão de 09-02-2021, proc. N.º 359/10.1TVLSB.L1.S1). Pelo que não se aplica qualquer taxa sancionatória excecional. III – Das custas de parte 10. Estipula o artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, sob a epígrafe “Nota justificativa”, «Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas». Não obstante o direito a custas nascer logo que a decisão final do processo é proferida, tem-se entendido que «O «dies a quo» da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte é o correspondente ao do trânsito em julgado da decisão final» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 10-09-2015, proc. n.º 1100/11.7TBABT-A.E1). Assim sendo, uma vez que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de fevereiro de 2022, ainda não tinha transitado em julgado quando os autores apresentaram a nota de custas de parte, tem razão a Vodafone e este pedido tem de ser considerado extemporâneo. Procedem, pois, nesta questão, os argumentos da Vodafone, e desentranha-se o requerimento de custas de parte, bem como a resposta da Citizen’s Voice e autores populares à reclamação quanto a custas da Vodafone por não estar não prevista na lei essa possibilidade. 11. Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC: I – O prazo para apresentação da reclamação inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão eletrónica do acórdão reclamado, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil. As presunções da notificação só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efetuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis, mas não pela contraparte. II – Tendo a reforma da sentença como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento ou a servir de veículo para o reclamante exprimir a sua discordância com a decisão ou defender a sua posição técnico-jurídica em relação às questões de direito resolvidas pelo Acórdão objeto do pedido de reforma. III - Tem sido entendimento deste Supremo que, desde que o instrumento de impugnação utilizado esteja previsto na lei e seja habitual na prática judiciária, não há lugar à aplicação da taxa sancionatória excecional, reservada para o recurso a instrumentos anómalos e patológicos, fora do desenrolar normal do processo. IV – O «dies a quo» da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte é o correspondente ao do trânsito em julgado da decisão final. III – Decisão Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, o seguinte: a) A reclamação apresentada pela Vodafone é tempestiva; b) A reclamação apresentada pela Vodafone é indeferida, mantendo-se o acórdão proferido no dia 2 de fevereiro de 2022, nos seus exatos termos; c) A reclamação da Vodafone quanto a custas é deferida e ordena-se o desentranhamento dos requerimentos da Citizen’s Voice. Custas da questão prévia da tempestividade da reclamação pela Citizens' voice-consumer advocacy association e autores populares; Custas da reclamação contra o Acórdão de 2 de fevereiro de 2022 pela Vodafone; Custas do incidente de custas pela Citizens' voice - consumer advocacy association e autores populares. Lisboa, 25 de outubro de 2022 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) Maria João Vaz Tomé (2.º Adjunto) |