Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE APELAÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO RECURSO DE REVISTA OFENSA DO CASO JULGADO CASO JULGADO FORMAL CASOS JULGADOS CONTRADITÓRIOS INCONCIABILIDADE DE DECISÕES AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO DESPACHO DO RELATOR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA EXPROPRIAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
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Sumário : | Atendendo a que o despacho do relator do TR de não admissão do recurso de apelação não foi impugnado, oportunamente e por quem detinha legitimidade, tendo transitado em julgado, a mesma decisão impunha-se nos autos, não sendo permitido proferir nova decisão em contradição com a primeira (cfr. arts. 613.º e 620.º do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. Por despacho de 15-02-2022, foi adjudicado à expropriante Infraestruturas de Portugal, S.A., pelo valor de € 44 448,00, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno, com a área de 6857 m2, identificada como Parcela n.º 4, que fica a confrontar do Norte com AA e outros, do Sul com Rua de ..., do Nascente com o próprio e do Poente com o próprio, a destacar do prédio misto situado em ... ao Bairro do..., na União das Freguesias de..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 6299/Freguesia ... (Sé) e inscrito na matriz predial rústica da freguesia da Sé (extinta) sob o artigo 29, secção H, e na matriz urbana da União das Freguesias de ... sob o artigo 398 (anterior artigo 155 da freguesia de ...), a qual estava na titularidade de BB. 2. Por despacho de 01-04-2022, foi decidido indeferir a nulidade da notificação invocada pelo expropriado BB, e, consequentemente, indeferir a requerida concessão de novo prazo de 20 dias para a interposição de recurso, com o seguinte fundamento: «não tendo o expropriado BB, no prazo de 10 dias - contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 -, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso». 3. Em 03-05-2022, o expropriado apresentou recurso de apelação, nos termos dos arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), e 647.º, n.º 1, todos do CPC, do despacho datado de 01-04-2022. Em 03-06-2022, a entidade expropriante, Infraestruturas de Portugal, S.A., apresentou resposta à apelação. 4. Após admissão do recurso na 1.ª instância, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Évora, onde, em 11-10-2022, pela relatora foi proferido despacho, nos termos do art. 655.º, n.º 1, do CPC, por se entender ser o recurso prematuro. Cumprido o contraditório, em 04-11-2022, a relatora no Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art. 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC, proferiu decisão singular, nos termos da qual julgou findo o recurso de apelação do expropriado, não sendo de conhecer do seu objecto, em face da inadmissibilidade legal de recurso autónomo do despacho colocado em crise. 5. Esta decisão singular foi notificada às partes com data de 04-11-2022 (expropriante e terceiro) e de 10-11-2022 (expropriado). 6. Em 07-12-2022, a relatora no Tribunal da Relação proferiu o seguinte despacho: «Reponderando a questão da oportunidade da apelação, entendemos que não se pode deixar de ser sensível ao facto da decisão recorrida ser equivalente, na prática a uma decisão final, pois implica o não processamento do processo de expropriação litigiosa e salvaguardando a equiparação à situação prevista nos arts. 191º e 192 do CPC, admite-se o recurso. Recurso próprio, tempestivo e recebido com o regime de subida devido, quanto ao tempo, modo e efeito. Nada obsta ao seu conhecimento. Aos vistos em simultâneo. Inscreva- se em Tabela: 15.12.22.». 7. Por acórdão datado de 15-12-2022, foi decidido «julgar procedente o recurso de apelação em consequência, revogar a decisão recorrida, considerando-se que a nulidade foi tempestivamente arguida, devendo ser repetida a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do CE, permitindo ao Expropriado, aqui Recorrente, querendo, apresentar recurso da decisão arbitral». 8. Em 11-01-2023, a entidade expropriante veio arguir nulidade processual, nos termos do art. 195., n.º 1, do CPC, do despacho de 07-12-2023, requerendo que seja «declarada procedente a nulidade agora arguida e, em consequência, anular-se o processado posterior à notificação do despacho de 7/12/2022, incluindo o acórdão proferido, dando-se oportunidade à apelante para apresentar a referida reclamação para a conferência». 9. Em 26-01-2023, a entidade expropriante veio apresentar recurso de revista com fundamento em ofensa de caso julgado, nos termos dos arts. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável por força do disposto nos arts. 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações, e 671.º, n.º 2, alínea a), do CPC e, subsidiariamente, com fundamento em contradição de julgados, nos termos dos arts. 629.º, n.º 2, alínea d) e 671.º, n.º 2, alínea a), do CPC. Formulou as seguintes conclusões: «DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO: a) O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nos artigos 66.º, n.º 5, 1.ª parte, do CE, 671.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC e art.º 629.º, n.º 2, als. a) e d) do CPC: ofensa de caso julgado e (a título subsidiário) contradição de julgados. b) Ao conhecer do objecto do recurso, o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado formal constituído sobre a decisão de 4/11/2022, proferida no processo, pela qual a Relação concluiu pela «inadmissibilidade do recurso», o que obstava ao conhecimento do seu objecto, «julgando-o findo» e ordenando a remessa dos autos à 1.ª instância. c) Ao decidir – ineditamente - que à nulidade por omissão de formalidade da notificação prevista no art.º 51.º, n.º 5 do CE é aplicável o art.º 191.º do CPC e que, por conseguinte, o prazo para a arguição da nulidade seria o de 20 dias indicado para o recurso da decisão arbitral, o acórdão recorrido decidiu em oposição, entre outros, com o decidido no acórdão do STJ de 19/6/2019 (acórdão fundamento), pelo qual se decidiu que à nulidade por omissão de formalidade daquela notificação é aplicável o (actual) art.º 195.º, n.º 1 do CPC, com a consequência de a nulidade ter de ser arguida no prazo de 10 dias, como decidiu no presente processo a 1.ª instância. DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO - OFENSA DE CASO JULGADO: 1.ª – O despacho positivo, genérico e tabelar do relator proferido sobre os aspectos relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso (através do uso da fórmula “recurso próprio, tempestivo e com efeito e regime de subida correctos, nada obstando ao seu conhecimento” ou outra no mesmo sentido) não produz caso julgado formal, não vinculando a conferência a conhecer do objecto do recurso e podendo o próprio relator reponderar essa sua decisão. 2.ª – Mas quando o relator, por entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, manda notificar as partes para se pronunciarem sobre a questão, nos termos do art.º 655.º do CPC, após o que profere decisão negativa na qual, apreciando concreta e fundamentadamente a questão prévia em causa, julga verificado algum obstáculo à admissibilidade do recurso, julgando extinto o recurso e ordenando a remessa dos autos à 1.ª instância, esta decisão produz efeitos de caso julgado formal caso a parte com ela prejudicada não apresente reclamação para a conferência no prazo de 10 dias de que dispõe para o efeito. 3.ª – Sendo a situação análoga à da apreciação dos pressupostos processuais no despacho saneador, relativamente à qual dispõe o art.º 595.º, n.º 3 do CPC que «o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas». 4.ª – O objectivo da lei de que as questões prévias susceptíveis de obstar ao conhecimento do objecto do recurso fiquem definitivamente decididas logo na fase preliminar (isto, evidentemente, quando o relator delas se aperceba no exame preliminar ou disso seja alertado pelos adjuntos) existia já antes da reforma processual civil de 1995/96, com a diferença de que, antes dessa reforma, o relator submetia a decisão dessas questões à conferência; após a reforma de 1995/96, o que mudou foi a ampliação dos poderes do relator, que passou a poder decidir aquelas questões sem precisar de as submeter à conferência, ficando a tutela da parte afectada pela decisão assegurada pela possibilidade de reclamação para a conferência (art.º 652.º, n.º 3), no prazo de 10 dias, na ausência da qual a decisão do relator se torna definitiva. 5.ª – Assim, no caso concreto, tendo, por decisão de 4/11/2022, o relator decidido no sentido da «inadmissibilidade do recurso», o que obstava ao conhecimento do seu objecto, «julgando-o findo» e ordenando a remessa dos autos à 1.ª instância, tendo o apelante sido notificado dessa decisão em 14/11/2022 e tendo-se com ela conformado, dela não reclamando para a conferência, no prazo de 10 dias de que dispôs para o efeito (cujo termo ocorreu em 24/11/2022), sobre a decisão constituiu-se caso julgado formal em 25/11/2022. 6.ª – Tendo, através do acórdão recorrido, datado de 15/12/2022 - após uma “reponderação” do relator, que, escassos dias antes (7/12/2022), contrariando a decisão anterior, admitira o recurso - a Relação decidido conhecer do objecto do recurso já julgado findo, ocorreu, pois, ofensa de caso julgado, sendo ineficaz a decisão assim proferida e prevalecendo, por consequência, a decisão de 4/11/2022 (artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, nºs. 1 e 2 do CPC). 7.ª – Termos em que o acórdão recorrido violou as normas citadas e deverá ser revogado, repondo-se a decisão da Relação de 4/11/2022, cujo caso julgado o acórdão recorrido violou, com a consequência de o processo dever ser remetido à 1.ª instância, para prosseguir os seus termos. 8.ª – O acórdão recorrido foi proferido logo a seguir à notificação do despacho de admissão do recurso de 7/12/2022 (a expropriante foi notificada em 12/2/2022 e o acórdão data de 15/12/2022), motivo pelo qual a apresentação de uma reclamação deste despacho para a conferência (cujo prazo terminava em 4/1/2023) ficou, evidentemente, prejudicada. Por o acórdão ter sido proferido sem se dar oportunidade à expropriante de apresentar reclamação para a conferência, esta, notificada do acórdão, arguiu nulidade processual, mas sobre essa arguição não foi proferida decisão em tempo útil pela Relação, razão pela qual é interposto o presente recurso (no último dia de prazo). Mas caso a nulidade venha a ser declarada improcedente (o que só se pode admitir como hipótese de raciocínio), nem por isso se pode manter na esfera jurídica o acórdão recorrido, ineficaz por ter violado o caso julgado da decisão da Relação de 4/11/2022, a qual deverá prevalecer e ser reposta; nada obstando, assim, ao conhecimento do objecto do presente recurso de revista. SUBSIDIARIAMENTE – DA QUESTÃO DA NULIDADE: 9.ª – Constitui nulidade subsumível à previsão do art.º 195.º, n.º 1 do CPC a omissão de formalidades da notificação prevista no art.º 51.º, n.º 5 do CE – como seja a não notificação da decisão arbitral ou a não indicação da faculdade de interposição de recurso –, a qual, por conseguinte, deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar daquela notificação (arts. 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1 do CPC), tal como se decidiu no acórdão fundamento e na decisão da 1.ª instância proferida nos presentes autos. 10.ª – Errou, pois, a Relação ao aplicar ao caso o disposto no art.º 191.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, norma que não é directamente aplicável ao caso e que só por analogia poderia aplicar-se. 11.ª - Analogia que não tem cabimento, porque a situação está regulada no art.º 195.º do CPC e não existe lacuna alguma a integrar. 12.ª - Sendo que, conforme entendimento há muito consolidado na doutrina e na jurisprudência, a notificação prevista no art.º 51.º, n.º 5 do CE não é, nem formalmente, nem do ponto de vista material, uma citação, não se lhe aplicando o regime da citação prescrito no CPC, tendo, por isso, errado a Relação ao aplicar analogicamente ao caso o disposto no art.º 191.º do CPC. 13.ª - O legislador disse o que quis dizer ao determinar, no art.º 51.º, n.º 5 do CE (que veio de códigos anteriores), a “notificação” e não a citação, tendo em conta que esta notificação é feita num momento intermédio do processo litigioso, que se inicia com a promoção da arbitragem. 14.ª - Por outro lado, tal “analogia” com o regime da citação perde, em definitivo, todo o sentido, por existir, no processo expropriativo, a norma do art.º 54.º, n.º 1 do Código das Expropriações, que sujeita ao prazo preclusivo de 10 dias a arguição de qualquer irregularidade cometida no processo de expropriação, incluindo irregularidades nos próprios laudos dos árbitros ou na decisão arbitral: a ter de se recorrer à integração de uma “lacuna”, a única analogia que faria sentido seria com esta norma do Código das Expropriações. 15.ª - Tendo a notificação a que se refere o art.º 51.º, n.º 5 sido remetida ao expropriado por carta registada com aviso de recepção, que este recebeu em 17/2/2022, a notificação considera-se efectuada nesta data e o prazo de 10 dias para arguir a irregularidade terminou, assim, em 28/2/2022; tendo sido arguida apenas em 4/3/2022, a arguição foi feita fora de prazo, como bem decidiu a 1.ª instância, e a irregularidade ficou, assim, sanada. 16.ª – Nestes termos, e a título subsidiário face ao primeiro fundamento deste recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida, que violou as disposições acima citadas, e substituída por outra que julgue extemporânea a nulidade arguida pelo expropriado, como decidiu a 1.ª instância.». 10. O expropriado apresentou resposta ao recurso de revista, na qual pugnou pela inadmissibilidade da revista, ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência. Mais requereu, caso o recurso venha a ser julgado procedente, que, nos termos do art. 636.º do CPC, seja aceite a «ampliação do âmbito do recurso e, em sequência, dar procedência aos argumentos da referida ampliação, mantendo-se a decisão de “revogar a decisão recorrida, considerando-se que a nulidade foi tempestivamente arguida, devendo ser repetida a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do CE, permitindo ao Expropriado, aqui Recorrente, querendo, apresentar recurso da decisão arbitral». Apresentou as seguintes conclusões relativas ao pedido de ampliação do objecto do recurso: «(…) NN) Pois, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. OO) Deste modo, se se aplicar tout court o regime da notificação, ainda assim a arguição de nulidade foi tempestiva. PP) Com efeito, o CPC não prevê notificações com aviso de receção – para todas elas, funciona a regra de que se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja. QQ) Se este Tribunal decidir que estamos perante uma notificação, então tem de aplicar o regime da presunção, nos termos do qual, segundo o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, “[s]e a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas […] por carta registada, dirigida para a sua residência […] presumindo-se […] feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”. RR) Assim, tendo o registo da carta ocorrido a 16 de fevereiro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 249.º do CPC presumir-se-ia feita no dia 19 de fevereiro de 2022, mas sendo este dia um sábado, presume-se que a notificação ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, primeiro dia útil seguinte. SS) Como a jurisprudência tem julgado de forma constante “[a] presunção instituída apenas pode ser ilidida pelo destinatário, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção, donde, para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo”. TT) Ora, segundo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de janeiro de 2016 “Quando a notificação ao mandatário seja efectuada por carta registada com aviso de recepção, não assume qualquer relevo jurídico a data de assinatura do aviso”. UU) Pois se o CPC não prevê notificações com aviso de receção, nem em norma alguma refere que o que conta na notificação é a data da assinatura do aviso de receção, então não podem desaplicar-se as normas referentes às presunções, como fez o Tribunal a quo, sem qualquer base legal para o efeito. VV) A escolha pelo Tribunal de primeira instância do aviso de receção não pode ter a virtualidade de afastar a aplicação do disposto no CPC quanto às datas em que as notificações se consideram feitas. WW) Isso significaria remeter o Recorrido para o “pior de dois mundos”: não só não beneficiaria do regime da citação (em que dispõe de mais tempo para arguir nulidades), como não beneficia das presunções de notificação que, nos termos da lei, e conforme reconhecido na jurisprudência, só ele, notificado, pode afastar. XX) Assim, se se entender que estamos perante uma notificação, esta ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, pelo que o décimo dia para a prática do ato – no caso, a arguição de nulidade – foi o dia 3 de março de 2022. YY) Termos em que a prática do ato pelo Recorrente no dia 4 de março de 2022 foi tempestiva nos termos do disposto na al. a) do n.º 5 e no n.º 6, ambos do artigo 139.º do CPC. ZZ) Por outro lado, não pode aplicar-se o prazo de arguição de 10 dias para nulidades num processo expropriativo na fase em que o presente se encontrava, dado que os elementos literal e teleológico subjacentes ao disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, no que se refere às nulidades de notificações, pressupõem um processo judicial pendente, em que estão obrigatoriamente constituídos mandatários para representar os interesses das partes. AAA) Sendo essa a razão pela qual as nulidades resultantes da citação são tratadas autonomamente – no caso, permitindo ao citado argui-las no prazo de contestação. BBB) A interpretação segundo a qual a arguição de nulidade está sujeita ao prazo geral de 10 dias em situações em que não se encontre mandatário constituído no processo ofende princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. CCC) Enquanto não existe um mandatário constituído no processo, não há processo equitativo. DDD) Há uma notória desigualdade de armas, pois o processo expropriativo entra pela mão de um Advogado, mas é citado (ou notificado, se se quiser) a um cidadão que não domina aquele processo concreto nem as normas que o regulam - como reconheceu o Acórdão de 25 de maio de 2004 do Tribunal da Relação de Coimbra, no Proc. 1790/04 EEE) O princípio da igualdade das partes no processo é consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, embora seja por vezes necessário que o juiz dê um tratamento desigual às partes, de forma a garantir a igualdade em termos substantivos, de forma a contrariar a posição mais frágil em que uma das partes se possa encontrar – é manifestamente o caso presente até à intervenção de mandatário. FFF) O Recorrido, que não é licenciado em Direito, recebeu uma notificação de 221 páginas em cuja primeira página lhe davam um prazo de 20 dias para recorrer, e na última se indicava o valor de indemnização devido. GGG) Nenhum cidadão colocado nesta situação estaria em condições de saber que dispunha apenas de um prazo de 10 dias para arguir nulidades – mais a mais quando, considerando os factos aqui em causa, a perceção da falta do documento estava bastante dificultada. HHH) O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na CRP que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível. III) Este princípio encontra-se ainda presente no disposto no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, onde se refere que “[o]s erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” – se a Secretaria erra a favor da parte, dando-lhe mais prazo, a parte beneficia do prazo extra; quando o erro prejudica ostensivamente a parte, tem, à luz da mesma norma e dos princípios constitucionais aplicáveis, de encontrar-se uma solução equiparável, que passará sempre por permitir ao notificado arguir a nulidade em prazo superior, no mínimo o que dispunha para praticar o primeiro ato no processo (in casu, 20 dias para apresentar recurso). JJJ) Pelo que as normas do artigo 51.º, n.º 5, do CE, e as normas dos artigos 191.º, 195.º, 199.º, 219.º e 249.º do CPC, quando interpretadas no sentido em que, por um lado, o prazo de arguição de nulidades processuais é apenas de 10 dias e, por outro, se conta da assinatura do aviso de receção, violam o n.º 4 do artigo 20.º da CRP, apreciação que se requer em ampliação do objeto do recurso, a título subsidiário.». 11. A entidade expropriante respondeu ao pedido de ampliação do objecto do recurso. 12. Por despacho de 21-03-2023, a relatora no Tribunal da Relação rejeitou, por intempestiva, conhecer da nulidade processual invocada pelo recorrente e admitiu o recurso de revista, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC. 13. Após impugnação deste despacho, foram os autos remetidos à conferência, e por acórdão datado de 15-06-2023, foi indeferida a reclamação e mantida a decisão singular de não conhecimento da invocada nulidade processual. II - Admissibilidade do recurso A recorrente interpõe recurso ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d), 671.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC, com fundamento em ofensa do caso julgado formal e em contradição de julgados. O recorrido pugna pela inadmissibilidade do recurso de revista. Vejamos. De acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito dos processos de expropriação, por força do disposto no art. 66.º, n.º 5 do Código das Expropriações, não se admite recurso de revista, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, de acordo com o previsto nos arts. 671.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, do CPC. Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22-01-2019 (proc. n.º 1529/11.0TBPMS-B.C1.S2), de 07-06-2018 (proc. n.º 1389/15.2T8VCT.G1.S1), de 21-04-2016 (proc. n.º 13/14.5TBMGD-B.G1.S1), de 18-09-2014 (proc. n.º 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1) e de 22-10-2009 (proc. n.º 900/05.1TBLSD.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Temos, assim, que, tendo sido invocada quer a ofensa do caso julgado, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, quer, a título subsidiário, a contradição de julgados, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, há que ponderar tais fundamentos de admissibilidade. No que se refere à ofensa do caso julgado, uma vez que a recorrente invoca que o acórdão recorrido incorre em ofensa do caso julgado formal produzido no âmbito dos presentes autos através da decisão singular proferida em 04-11-2022, no sentido da não admissibilidade do recurso de apelação, com o qual o apelante se conformou, não tendo apresentado reclamação para a conferência no prazo de dez dias, existe uma suficiente aparência de ofensa do caso julgado para que o recurso seja admissível, ainda que com o respectivo objecto circunscrito à apreciação desta questão. Relativamente ao fundamento subsidiário de admissibilidade da contradição de julgados, em face da admissibilidade da revista através do primeiro fundamento, mostra-se o seu conhecimento prejudicado. III – Fundamentação de facto Com relevância para o que ora se decide, têm-se em consideração os factos constantes do relatório do presente acórdão. IV – Fundamentação de direito 1. Está em causa a questão de saber se o acórdão proferido nos presentes autos, em 15-12-2022, violou o caso julgado formal que se formou com a decisão singular proferida pela relatora no Tribunal da Relação de Évora, em 04-11-2022, no âmbito dos presentes autos. A relatora, no Tribunal da Relação, após cumprimento do contraditório, nos termos do art. 655.º, n.º 1, do CPC, proferiu despacho de não admissibilidade do recurso de apelação. É posição dominante na jurisprudência deste Supremo Tribunal que o despacho do relator de admissibilidade do recurso não forma caso julgado, tendo carácter provisório e sendo susceptível de alteração pelo colectivo de juízes, seja por iniciativa do próprio relator, dos adjuntos ou das partes. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos de 19-02-2013 (proc. n.º 1075/04.9TBFAF.G1.S1) e de 22-04-2015 (proc. n.º 1388/09.3TBPVZ.P1.S1), não publicados em www.dgsi.pt. Não é, porém, esta a situação que nos ocupa nos presentes autos. Aqui, estamos perante um despacho de não admissão do recurso de apelação, ao qual não houve qualquer reacção processual das partes. A forma de as partes reagirem a este despacho de não admissibilidade do recurso é através da reclamação para a conferência, nos termos do art. 652.º, n.º 3, do CPC, a apresentar no prazo de dez dias (cfr. art. 149.º, n.º 1, do CPC). A parte interessada na reapreciação deste despacho pela conferência, o expropriado, não reagiu nos autos, não tendo requerido a reapreciação desta decisão pelo colectivo. Ora, em primeiro lugar, diremos que o despacho de não admissão do recurso de apelação pela relatora no Tribunal da Relação de Évora não é um despacho de mero expediente, mas antes um despacho que influi no decurso dos autos, porquanto decidiu acerca de uma questão em termos que influem no conflito de interesses entre as partes e que é susceptível de afectar o direito ao recurso. Em segundo lugar, consideramos que, nos termos do art. 613.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o poder jurisdicional da relatora se mostra esgotado a partir do momento em que proferiu aquele despacho, o qual só poderia vir a ser alterado em conferência pelo colectivo de juízes, em sede de resposta à reacção das partes mediante reclamação para a conferência. Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, págs. 789 e 790), em comentário ao art. 613.º do CPC, afirmam que “[d]a extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.”. Conclui-se, assim, que o despacho de não admissão do recurso pelo relator tem natureza diferente do despacho de admissão. Para além de aquele ser um despacho que afecta os interesses do recorrente, a lei prevê que, para a sua alteração seja necessário que as partes tomem a iniciativa processual de requerer tal alteração. Não é permitido ao juiz da causa alterar ou revogar um despacho que contendeu com os direitos e interesses processuais das partes, como é o despacho de não admissão de recurso. Após esgotado o poder jurisdicional, ao juiz apenas é permitido alterar/modificar oficiosamente a decisão/despacho proferido nos autos através da rectificação de erros materiais (cfr. art. 614.º, n.º 1, do CPC) e da sanação da nulidade por falta de assinatura (cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPC). Analisada a tramitação dos autos, verifica-se que, no despacho proferido a 07-12-2022, não se está perante situação enquadrável naquelas normas, uma vez que aquilo que se decidiu naquele despacho constitui uma alteração da decisão proferida em 04-11-2022. Tal alteração veio a ter como consequência a prolação do acórdão recorrido, que apreciou e decidiu o recurso de apelação que, originariamente, não tinha sido admitido. Assim, e na medida em que o expropriado não reclamou para a conferência do despacho de não admissão do recurso de apelação, datado de 04-11-2022, formou-se com este despacho caso julgado formal, tornando-se o decidido obrigatório dentro dos presentes autos e impedindo a reapreciação daquela questão (cfr. arts. 620.º, n.º 1, e 628.º, do CPC). Contudo, verifica-se que, posteriormente, a relatora no Tribunal da Relação, em despacho datado de 07-12-2022, reponderou a questão e decidiu admitir o recurso de apelação do expropriado, remetendo os autos à conferência, para prolação de acórdão. Ora, uma vez que o despacho de não admissão de 04-11-2022 não foi impugnado, oportunamente e por quem detinha legitimidade, tendo a decisão de não admissão transitado em julgado, a mesma decisão impunha-se nos autos, não sendo permitido proferir nova decisão em contradição com a primeira (cfr. arts. 613.º e 620.º do CPC). Aqui chegados, e existindo duas decisões contraditórias nos autos, deve cumprir-se aquela que transitou em primeiro lugar (cfr. art. 625.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido e o despacho datado de 07-12-2022 ofendem o caso julgado formal produzido com o despacho de não admissão de recurso de apelação, datado de 04-11-2022, não podendo aquele acórdão e aquele despacho serem mantidos. Decide-se, pois, revogar o acórdão recorrido e o despacho datado de 07-12-2022. 2. Pretende o expropriado, que, caso o recurso da recorrente viesse a ser julgado procedente, seja ampliado o objecto do recurso, de acordo com o alegado nas conclusões NN) a JJJ) das contra-alegações. Dispõe o n.º 1 do art. 636.º do CPC: «No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.». Esta previsão legal implica que se reaprecie o mérito do acórdão recorrido. Ora, no caso dos autos, afigura-se não ser admissível o conhecimento da questão invocada pelo recorrido – a apreciação dos fundamentos da nulidade da citação/notificação do expropriado nos termos do art. 51.º do Código das Expropriações – na medida em que, perante a decisão do presente acórdão, de revogação do acórdão recorrido e do despacho que admitiu o recurso de apelação, prevalece nos autos o despacho de não admissão do recurso de apelação, não havendo lugar ao conhecimento da questão de fundo do recurso de apelação. Isto é, o que o recorrido pretende é que este tribunal reaprecie a questão principal objecto do recurso de apelação, recurso este que, em razão da procedência da pretensão do recorrente de revista, não foi admitido. Por outras palavras, em sede de recurso de revista, não pode o tribunal conhecer do mérito do recurso de apelação que, de acordo com o supra decidido, não foi admitido pelo relator do Tribunal da Relação, sem que houvesse reclamação dos interessados no momento processual próprio. O recorrido e expropriado deveria ter reagido ao despacho de não admissão do recurso de apelação proferido em 04-11-2022. Não lhe é permitido agora, através da ampliação do objecto do recurso de revista, convocar este Tribunal a reapreciar os fundamentos do recurso de apelação por si interposto, quando, nos termos do ponto anterior deste acórdão, se decidiu pela revogação do acórdão recorrido, bem como do despacho de admissão de tal recurso de apelação de 07-12-2022, com prevalência nos autos do despacho de não admissão do recurso de apelação de 04-11-2022. V - Decisão Pelo exposto, decide-se: a. Julgar procedente o recurso de revista da expropriante, por ofensa de caso julgado formal formado com o despacho de 04-11-2022, com a consequente revogação do acórdão recorrido e do despacho datado de 07-12-2022; b. Não admitir a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido. Custas pelo recorrido.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2024 Maria da Graça Trigo (relatora) Afonso Henrique Fernando Baptista |