Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULO SÁ | ||
Descritores: | INTERDIÇÃO INABILITAÇÃO PROPOSITURA DA ACÇÃO PROPOSITURA DA AÇÃO PUBLICIDADE INCAPACIDADE NEGÓCIO JURÍDICO ANULABILIDADE INTERPRETAÇÃO DA LEI | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/04/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. Dispunha o artigo 149º do CC, na redacção anterior à actual, que são “igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção nos termos da lei de processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito”. II. Essa norma e a do artigo 156.º do mesmo diploma legal visam a protecção quer do interditando quer do inabilitando e a regra é de que os maiores gozam de plena capacidade de exercício de direitos (artigo 130.º do CC). III. Daí que, quando o artigo 149.º afirma que são anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz está a esclarecer que não basta o preenchimento formal dos atrás apontados requisitos, mas é necessário que os negócios efectuados estejam abrangidos pela delimitação da incapacidade declarada. Isto é, que a respectiva celebração tenha ocorrido num período em que o seu autor ou um dos contraentes se encontrava incapacitado de querer e perceber o alcance desse acto. IV. Devem as normas dos artigos 149.º e 156.º citados ser interpretadas no sentido de que, quer a interdição quer a inabilitação visam obter uma decisão que fixe um quadro de incapacidade delimitado temporalmente e quanto ao âmbito dos actos abrangidos e que fora desse quadro a regra continua a ser a da plena capacidade e, logo, da insubsistência da referida anulabilidade. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA e marido, BB instauraram contra CC e marido, DD, EE e marido, FF, GG e HH, acção declarativa, de condenação, com processo comum. Pediram: a) Se declare nula e de nenhum efeito, por constituir pacto sucessório, a escritura pública designada “Cessão gratuita de quinhão hereditário”, outorgada em 28 de Março de 2015, em que II foi doadora e as RR. CC e EE donatárias; Se assim se não entender, b) Se declare a anulação da mesma escritura, em razão da incapacidade da declarante, por anomalia psíquica; c) De decrete a anulação dos testamentos e actos de última vontade, outorgados pela II em 4 de Outubro de 2013 e em 15 de Novembro de 2013, ambos no Cartório da Dra. JJ, em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que proferia; Quando assim se não entenda, d) Que se decrete a anulação da escritura pública designada “Cessão gratuita de quinhão hereditário”, outorgada em 28 de Março de 2015, em que a II foi doadora e as aqui RR. CC e EE donatárias, bem como dos testamentos e actos de última vontade outorgados pela II em 4 de Outubro de 2012 no Cartório Notarial ..., em 21 de Junho de 2013 e em 15 de Novembro de 2013, estes no Cartório Notarial da Dra. JJ, em virtude de terem sido obtidas as declarações da declarante por coação e/ou dolo, directamente exercidas pelas beneficiárias de ambos os documentos, para o efeito do seu enriquecimento patrimonial; Caso assim se não entenda, e) Declarar-se a incapacidade sucessória das RR. CC e EE para receber da II qualquer deixa testamentária, em virtude de indignidade, por haverem determinado a declaração de vontade de II, a qual não obteriam de outra forma, e contra a vontade da declarante. Para tanto, alegaram: Em ... de 2016 faleceu, no estado de viúva, II, mãe da A, correndo nessa data inventário judicial para partilha dos bens do seu marido e pai da A, KK, bem como acção para interdição de II, que veio a ser julgada procedente, e decretada a interdição, após a sua morte. A falecida havia outorgado, em ….2015, escritura pública pela qual cedeu gratuitamente o seu quinhão hereditário por óbito do marido às 1.ª e 2.ª RR, o que foi mantido em segredo até ao óbito da doadora, constituindo tal um pacto sucessório. Entre Outubro de 2012 e Novembro de 2013 a falecida outorgou 3 testamentos, instituindo herdeiros nos 2 primeiros os seus netos, aqui 3.º e 4.º RR., e excluindo-os no 3.º testamento, em que instituiu como herdeiras da sua quota disponível apenas as 1.ª e 2.ª RR. Estes documentos foram outorgados pela falecida quando esta se encontrava doente, incapaz de entender e querer, não tendo noção do valor do dinheiro, desbaratando o seu património, sem vontade própria, pelo que havia delegado na sua empregada, aqui 1.ª R, a administração dos seus dinheiros. As 1.ª e 2.ª RR. isolaram a falecida, não a deixando contactar com a família, instruindo-a, e ameaçando-a que a deixariam sozinha e doente, de forma a afastá-la da intenção de beneficiar os netos, o que fizeram aquando da outorga da doação e dos dois últimos testamentos, que a falecida não entendeu e não quis. Citados os Réus, foi apresentada contestação separada pelos 1.ºs e 2.ºs, alegando, em síntese: Que a II sempre esteve lúcida, e na posse de todas as suas faculdades mentais, até à sua morte, tendo disposto da sua herança e da sua meação de forma livre e consciente, sem qualquer interferência das RR. CC e EE, não ocorrendo qualquer das invocadas causas de invalidade dos actos por si praticados, em causa nos autos. Concluem pela improcedência da acção. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si formulados pelos Autores.» Inconformados recorreram os autores, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A – NA SENTENÇA AGORA RECORRIDA LEVOU-SE, BEM, EM CONTA A DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS DE ACÇÃO DE INTERDIÇÃO QUE CORREU TERMOS NA INSTANCIA LOCAL DE … SOB O N.º … QUE DECRETOU A INCAPACIDADE DA FALECIDA D. IIE O RESPECTIVO INÍCIO; B – LEVANDO-SE TAMBÉM EM CONTA A MATÉRIA DE FACTO PROVADA NAQUELA ACÇÃO, QUE SE ATÉ SE TRANSCREVEU PARA A SENTENÇA ORA RECORRIDA. PARCIALMENTE; C – MAS, NÃO SE CONSIDEROU DEVIDAMENTE PARTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DAQUELA SENTENÇA, QUE É DE RELEVÂNCIA IMPRESCINDÍVEL PARA A QUESTÃO AQUI TRATADA. D – DESIGNADAMENTE QUE: 6. Desde pelo menos o mês de agosto de 2016, a requerida evidencia défices no rendimento em dimensões cognitivas tais como na memória imediata e de trabalho, operacionalização de conceitos abstratos e desempenho na função executiva [relatório médico de neuropsicologia de fls. 546/549]; 7. Os apontados défices cognitivos evidenciados ao nível do juízo financeiro, afetam a capacidade da requerida gerir, de forma autónoma, os seus bens [avaliação neuropsicológica de fls. 546/549]; E – DEVE, POIS, ESSA MATÉRIA SER CONSIDERADA E INCLUÍDA NA SENTENÇA RECORRIDA PARA SER PONDERADA NA DECISÃO A PROFERIR, F – COMO RESULTA DA MATÉRIA PROVADA A FALECIDA SR.ª D. II CEDEU, POR ESCRITURA NOTARIAL DE MARÇO DE 2015 ÀS RÉS CC E EE METADE DA SUA MEAÇÃO NOS BENS DO SEU EXTINTO CASAL E METADE DO SEU QUINHÃO HEREDITÁRIO NA HERANÇA DO SEU MARIDO, DOAÇÃO QUE AQUELAS DONATÁRIAS ACEITARAM. G – O NEGÓCIO MORTIS CAUSA TEM DE SER UNILATERAL DE MODO A EVITAR PRESSÕES SOBRE O AUTOR DA SUCESSÃO, MANTER-LHE A DISPONIBILIDADE DOS BENS ENQUANTO ESTIVER VIVO E EVITAR DECISÕES PRECIPITADAS QUE NÃO TERIAM AQUI O AMPARO DA REVOGABILIDADE, ESSENCIAL À DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA; H – A ALI DECLARANTE AO CEDER, POR VIA CONTRATUAL, GRATUITAMENTE, A FAVOR DE TERCEIRO, O DIREITO À SUA MEAÇÃO ESTÁ A RENUNCIAR DEFINITIVAMENTE À DISPONIBILIDADE DOS SEUS BENS ENQUANTO VIVA. I – TAL NEGÓCIO NÃO PODERÁ DEIXAR DE SER INTERPRETADO COMO VERDADEIRO PACTO SUCESSÓRIO, QUE NÃO MERECE PROTECÇÃO LEGAL, POIS SE RECONDUZ A QUE A DOADORA MAIS NÃO FEZ DO QUE A REGULAÇÃO DA SUA PRÓPRIA SUCESSÃO, A FAVOR DE TERCEIRO E DE MODO DEFINITIVO E IRREVOGÁVEL. J – ASSIM SENDO DEVE SER RECONHECIDO QUE O NEGÓCIO CELEBRADO, A DOAÇÃO, CONSTITUI UM AUTÊNTICO PACTO SUCESSÓRIO, E CONSEQUENTEMENTE NULO L – ACRESCE QUE ESTÁ PROVADO NOS AUTOS QUE, O REFERIDO CONTRATO PELO QUAL A DECLARANTE REGULOU A SUA PRÓPRIA SUCESSÃO FOI OUTORGADO EM 2015 E APENAS EM FEVEREIRO DE 2017, JÁ DEPOIS DO SEU ÓBITO, OCORRIDO EM DEZEMBRO DE 2016, FOI USADO PELAS BENEFICIÁRIAS – E BENEFICIADAS – PARA RECLAMAR PARA SI O DIREITO INVALIDAMENTE TRANSMITIDO. M – FACTUALIDADE QUE REFORÇA A NATUREZA DE UM AUTÊNTICO PACTO SUCESSÓRIO, CONSEQUENTEMENTE NULO; N – PORQUE ASSIM NÃO DECIDIU A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU AS NORMAS DOS ARTIGOS 946.º, 1756.º N.º 2 E 2170.º DO CÓDIGO CIVIL E, O – SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE NULO O NEGÓCIO DE DOAÇÃO AQUI AJUIZADO. P – POR AQUELA ESCRITURA DE … DE 2015 A FALECIDA D. II DOOU ÀS RÉS BENVIDA E EE METADE DA SUA MEAÇÃO NOS BENS DO SEU DISSOLVIDO CASAL E AINDA METADE DO SEU QUINHÃO NA HERANÇA DO SEU MARIDO. Q – NESSA DATA ESTAVA PENDENTE ACÇÃO DE INTERDIÇÃO/INABILITAÇÃO PARA A QUAL JÁ TINHA SIDO CITADO E NA QUAL JÁ TINHAM SIDO PUBLICADOS OS RESPECTIVOS ANÚNCIOS. R – DISPÕS, ASSIM, EM VIDA, DE METADE DO SEU PATRIMÓNIO E DIREITOS. S – ERA UMA PESSOA QUE VIVIA COM DIFICULDADES, RECEBENDO DUAS PEQUENAS REFORMAS E O RENDIMENTO DA EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA DOS SEUS BENS EM MONTANTE QUE NÃO SE APUROU. T – E TINHA AS DESPESAS MENSAIS NO VALOR DE 1800 A 2000 EUROS. U – ABRIR MÃO, COMO ABRIU, DE METADE DOS SEUS BENS E DIREITOS TRADUZIU-SE NUMA DIMINUIÇÃO DO SEU PATRIMÓNIO E RENDIMENTOS QUE LHE CAUSARAM INEVITÁVEL E EVIDENTE PREJUÍZO; V – CONCLUSÃO A QUE NÃO PODE DEIXAR DE SE CHEGAR POR SER EVIDENTE PERANTE OS DADOS DA EXPERIÊNCIA COMUM. Q – E PORTANTO AQUELE NEGÓCIO É ANULÁVEL, O QUE DEVE SER DECIDIDO NESTA SEDE. X – PORQUE ASSIM NÃO ENTENDEU A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU AS NORMAS DOS ARTIGOS 149.º N.º 1 156.º DA VERSÃO ORIGINAL DO CÓDIGO CIVIL EM VIGOR À DATA DOS FACTOS E, SE ASSIM SE ENTENDER, DO ACTUAL ARTIGO 154.º DAQUELE DIPLOMA. Z – PELO QUE DEVE SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE NULA A DOAÇÃO FEITA. Contralegaram as rés EE e CC, pugnando pela manutenção da decisão, A Relação veio a julgar o recurso procedente, revogar a sentença e declarar a anulação da escritura pública designada “Cessão gratuita de quinhão hereditário”, outorgada em 28 de Março de 2015, em que IIfoi doadora e as RR. CC e EE donatárias. Desta vez foram os 1.ºs e 2.ºs Réus que se não conformaram, apresentando cada casal recurso de revista, recursos que foram admitidos. Os 1.ºs RR. apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso da circunstância dos Réus, ora Recorrentes, não se conformarem com o douto Acórdão proferido a fls…dos presentes autos, que decidiu pela revogação (parcial) da sentença proferida nestes autos, e como tal, declarou a anulação da escritura pública designada "Cessão gratuita de quinhão hereditário" outorgada em 28 de março de 2015, em que II foi doadora e as RR. CC e EE donatárias. COM EFEITO, B. Inconformados, entendem desde logo os aqui Recorrentes que o Acórdão proferido está ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 als. d) e e) do CPC. C. Pois que, os Autores efetuaram 5 pedidos em sede de petição inicial, uns subsidiários, outros cumulativos. Sendo que, em momento algum os Autores peticionam a anulação da "Cessão de Quinhão Hereditário" outorgada em 28 de março de 2015 nos termos do disposto no artigo 149.º do CC, na sua anterior redação. D. Sem prescindir que, em sede de recurso os Autores apenas poem em crise a sentença, quanto a terem sido os RR. absolvidos do pedido de nulidade da Cessão em causa, por entenderem, tratar-se de um pacto sucessório e a anulação da mesma aludida escritura, em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que proferia. E. Sendo que, neste último pedido, nunca os Autores se referem à pendencia de qualquer ação ou ser este pedido nos termos do disposto no artigo 149.º do CC, na sua anterior redação, aliás, nem o fizeram, por saberem existir falta de preenchimento dos requisitos do 149.º do C.C., tendo-o feito, aparentemente, nos termos do artigo 257.º do C.C. F. Fazendo uma clara alusão que o seu pedido de anulação é em virtude de entenderem que quando a IIassinou o documento padecia de anomalia psíquica que invalidava que tivesse consciência do que estava a assinar. Nunca fazendo qualquer referência ao facto de ter sido celebrado na pendência de processo de interdição, como aliás, é o título do artigo 149.º supra mencionado. G. Aliás, tanto é clara esta sua intenção/causa de pedir, que tanto na PI como no próprio recurso de apelação, os Autores querem fazer crer que, apesar de a II ter sido inabilitada desde Agosto de 2016, já antes ela padecia de anomalia psíquica. H. Ora, apesar de todo o exposto, os Autores pedem, e apenas neste momento, nas suas conclusões de recurso, a anulação da referida Cessão por ter sido celebrado na pendência da ação de interdição nos termos do disposto no artigo 149.º do CC, na sua anterior redação. Sem nunca terem feito este pedido em sede de primeira instância. I. Para surpresa dos Recorridos, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra apreciar tal pedido, fazendo mesmo proceder o recurso com esse fundamento, entendendo que, tal situação, nomeadamente de prejuízo do negócio foi abordada na sentença logo não é questão nova. J. Ora, é verdade que a sentença fez alusão a tal situação, embora desde já se diga, sem qualquer razão de ser. Mas pelos vistos, com o devido respeito, a dignissima Relação de Coimbra apenas atentou na circunstância de se mencionar a questão do prejuízo e não a anterior questão, em que o tribunal de primeira instância é claro ao referir que os requisitos do artigo 149.º do CC não se encontram preenchidos, na medida em que o início dos efeitos da declaracão de inabilitação foi fixado em Agosto de 2016, data muito posterior à outorga dos atos jurídicos impugnados. K. Mas voltando ao que aqui importa, independentemente das menções constantes da sentença, a verdade é que os Autores, não deduziram tal pedido no seu articulado, não tendo sido apresentado qualquer articulado superveniente, não se compreendendo, por isso, que o tribunal de primeira instância tenha analisado tal situação, no entanto, a menção na sentença não pode corrigir o articulado dos autores, atribuindo-lhe um pedido que não foi efetivado. L. Muito menos, na modesta opinião dos Recorrentes, poderá o tribunal de recurso suprir a ausência de tal pedido pelos Autores, pelo facto do tribunal de primeira instância ter decidido abordar tal assunto na sentença. M. Tendo-se pervertido todo um processo judicial, violando um sem fim de normas processuais e constitucionais, alcançando os Autores em sede de recurso, um efeito jurídico que não tinham peticionado em sede de primeira instância. E fazendo-o "à traição", não tendo sido permitido, nunca, aos RR. alegarem factos em sua defesa, contradizendo o que os Autores decidiram peticionar apenas em sede de recurso. N. Dizendo-se mesmo no Acórdão ora em análise que competia às interessadas donatárias ilidir a presunção de prejuízo para a II da doação que receberam; "ónus que não lograram efetivar". O. Ora, se tal pedido não foi deduzido pelos Autores, de que forma poderiam as RR. ilidir tal presunção?! Certamente não iria ser em sede de contra-alegações que iriam apresentar prova que contrariasse um novo pedido apresentado pelos Autores. Aliás, nem tal lhes era permitido. P. Não nos esqueçamos que a anulação efetuada nos termos do disposto no artigo 149.º do C. C. não é de conhecimento oficioso, tem de ser alegada. Q. Lida a petição inicial dos Autores, verifica-se claramente que dela não consta como causa de pedir a anulação da cessão, com os fundamentos/requisitos do artigo 149.º do C. C. Consequentemente, não tendo sido tal pedido efetuado pelos Autores no momento e lugar próprios – a petição inicial, estamos perante uma questão nova, não submetida à apreciação na 1ª instância. R. E, em sede de recurso, não é possível invocarem-se questões novas não suscitadas anteriormente nos autos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Os Autores não suscitaram tal questão perante o Tribunal de primeira instância, fazendo-o apenas perante a 2ª instância, pelo que estamos diante de uma questão nova, que o Tribunal da Relação nem sequer pode apreciar, já que o seu conhecimento, enquanto instância de recurso, se circunscreve à apreciação de questões que já tenham sido colocadas na 1ª instância. S. A ação foi instaurada pelos Autores, entre outros, com o objetivo de ser declarada a nulidade da Cessão de Quinhão Hereditário outorgada em 28 de março de 2015, por constituir pacto sucessório e, caso assim não se entendesse, a anulação dessa mesma escritura, em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que proferia. T. Resultando indiscutivelmente da petição inicial, – esquecendo o primeiro pedido que foi rejeitado quer na primeira instância quer na segunda, – que o pedido formulado foi o de ser anulada a Cessão outorgada em 28 de março de 2015. U. Também resultando indiscutivelmente da petição inicial que a causa de pedir dessa anulação foi "em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que ptotede' (petição inicial). V. Em consonância com esta definição do objeto do processo que os Autores fizeram, terá de entender-se que o fundamento da ação era a incapacidade acidental da II– embora os Autores se não tenham então referido ao regime C) especialmente previsto para o efeito pelo artigo 257.º do Código Civil. W. Não tendo assim nenhum fundamento, com o devido respeito, a afirmação do tribunal a quo, quando refere que tal não se trata de uma questão nova, já que a primeira instância abordou a questão do negócio ser ou não prejudicial nos termos do disposto no artigo 149.° do C.C. X. Note-se que a causa de pedir é um dos elementos essenciais da ação, relevando para a sua identificação (cfr.nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil) e para a extensão do caso julgado (cfr. artigo 619º), que cabe ao autor o ónus de a alegar (nº 1 do artigo 5º e que, em consonância com a sua função, só pode ser essencialmente alterada por acordo das partes (arts. 264.º e 265º), nem sequer podendo ser modificada por via do convite ao aperfeiçoamento da alegação previsto no artigo 590º (cfr. nº 6). Y. Devendo ainda ter-se em conta que nas ações (...) de anulação", a causa de pedir é "a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido" (nº 4 do artigo 581.º citado). Z. É sobre a causa de pedir que se constrói a ação, com particular relevo para a estruturação da defesa – confinada à contestação, nos termos constantes do artigo 573.º do Código de Processo Civil - e, consequentemente, que se desenvolve o Contraditório. AA. E é neste contexto que assume particular relevo a observação que se fez quanto ao regime da nulidade e da anulabilidade: no plano fáctico, importa decisivamente saber de que vícios tem o réu de se defender. Se é na verdade indiferente que o autor ligue um ou outro à causa de pedir que invoca – porque a adequação da consequência decorre da correta interpretação da lei –, já não é de todo indiferente, por exemplo, que a causa de pedir invocada apenas possa conduzir à nulidade, dispensando o réu, nomeadamente, de alegar o decurso de qualquer prazo para a invocar. BB. Donde, e voltando ao caso dos autos, é evidente que o pedido dos Autores, apenas em sede de recurso, no sentido de pedirem a anulação da Cessão de Quinhão Hereditário outorgada em 28 de março de 2015 com fundamento no disposto no artigo 149.º do CC, na sua anterior redação, é de considerar, inevitavelmente, uma questão nova, sobre a qual o tribunal a que, com o devido respeito, não se poderia ter pronunciado. CC. Nem se diga que o facto da sentença fazer alusão a tal situação é suficiente para que a segunda instância aprecie um pedido dos Autores que nunca foi formulado em primeira instância, já que, não se concede, mas ainda que se defendesse que os Autores teriam direito a que uma segunda instancia apreciasse uma questão da sentença que lhes foi desfavorável, tal nunca será defensável face à grave ofensa dos direitos de defesa dos Réus. DD. Na medida em que, tratando-se de nova causa de pedir, apenas suscitada perante o tribunal da Relação, nunca foi dada oportunidade aos Réus para exercerem o devido contraditório. EE. Estando assim, no modesto entendimento dos Recorrentes, o acórdão da Relação ferido de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 aI. d) do CPC, o que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos. FF. Acresce que, de igual forma, tal decisão viola o princípio constitucional ínsito no artigo 20.º da CRP, na medida em que, como exposto, nunca foi dada oportunidade de defesa aos Réus, sobre o pedido novo que os Autores formularam perante a Relação e que não haviam formulado perante a primeira instância. GG. Devendo, face ao exposto, ser revogado o Acórdão proferido pela Relação de Coimbra, mantendo-se a decisão proferida pela primeira instância. SEM PRESCINDIR, HH. Ainda que assim não se entenda, sempre incorreu o tribunal a quo em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 149.º do CCivil, na sua anterior redação, violando, assim, lei substantiva, II. Pois que, face ao novo pedido apresentado pelos Autores, com base no artigo 149.º do C.C. entendeu a Relação o seguinte: "É inequívoco que o ato da cessão gratuita/doação foi praticado quando estava já a tramitar a ação de interdição: esta foi instaurada em 2011 e aquele praticado em 2015; e tendo, a final, sido decretada a inabilitação da II. Preenchidos estes requisitos do aludido preceito, resta apurar se, in casu, está presente o requisito final, qual seja o prejuízo". JJ. Desde logo, com o devido respeito, ao contrário do referido pela Relação, não importa a data da instauração da ação mas sim a data do anúncio da propositura da ação nos termos da lei de processo, embora no caso dos autos esta coincida com aquela, ou seja, 2011. KK. Depois, valorou e bem a Relação a data da outorga de escritura de cessão, ano de 2015, no entanto, olvidou aquele tribunal, a data mais importante e que afasta desde logo a aplicação do preceito em causa (o artigo 149.º do C.C.). LL. É que, efetivamente, afinal a inabilitação veio a ser decretada, no entanto, tal sentença fixou a data de começo da incapacidade em Agosto de 2016. MM. Ou seja, apenas os negócios celebrados após agosto de 2016, têm a viabilidade de serem anulados com base no preceito legal em causa. Já que, antes dessa data se considerou que a Requerida II se encontrava em perfeitas condições e no uso cabal das suas capacidades mentais, sendo perfeitamente capaz de reger a sua pessoa e os seus bens, NN. Tanto assim é que, nos termos da lei processual, "falecendo o requerido no decurso do processo, – conforme neste caso sucedeu, – (…) pode o requerente pedir que a ação prossiga para o efeito de se verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada", conforme dispõe o artigo 904.º, n.º 1 do CPC, (negrito e sublinhado nossos). OO. De outra forma, de que serviria fixar-se a data da incapacidade se a mesma afinal fosse inócua?l A fixação da data de início da incapacidade tem, precisamente, como intenção, fixar a data a partir da qual os negócios são anuláveis por terem sido realizados por incapaz, e no caso dos autos tal data fixou-se em agosto de 2016, muito posterior à data da outorga da Cessão de Quinhão Hereditário, que data de março de 2015. PP. Sendo que, a data do anúncio da propositura da ação, nos termos do artigo 149.º do C.C., apenas tem relevância, para a proteção de terceiros de boa fé, ou seja, serve para dar conhecimento a terceiros que a ação de interdição contra determinada pessoa está a decorrer e, portanto, terão de ter mais cautelas na celebração de negócios com essas pessoas, já que correm o risco de mais tarde os verem anulados. Não lhes sendo afinal permitido alegar o desconhecimento já que a ação foi publicitada. QQ. Todos os demais negócios, ou seja, os celebrados antes de Agosto de 2016, apenas serão anuláveis nos termos gerais da falta ou vícios da vontade – Cfr. artigos 240.º e s.s. do C.C., nomeadamente, nos termos em que os Autores, efetivamente o fizeram, ao pedirem que se decretasse "a anulação da mesma aludida escritura, em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que proferia", ou seja, apesar de os Autores não o dizerem, nos termos do disposto no artigo 257.º do C.C. RR. Sendo que, tal pedido foi julgado improcedente, por não provado, em sede de primeira instância, e tendo os Autores recorrido dessa improcedência, todavia não puseram em causa os factos dados como provados ou não provados, nem tendo mencionado aqueles que, eventualmente, entendiam ter sido mal julgados, tendo-se então como definitivamente assentes todos os factos da sentença. SS. Em face do que, tendo a digníssima Relação de Coimbra interpretado e aplicado erradamente o disposto no artigo 149.º do C.C., na sua anterior redação, ao ignorar que foi fixada a incapacidade com data de agosto de 2016, violou a lei substantiva, devendo por esse facto o acórdão ser revogado, mantendo-se o que mui doutamente havia sido decidido pelo Tribunal de primeira instância, no sentido de improceder o pedido dos Autores, absolvendo-se os Réus do pedido. Também os 2.ºs RR recorreram, de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. No douto acórdão recorrído, foi expresso o entendimento que o negócio jurídico celebrado pela Senhora II e pelas Recorrentes CC e EE estava ferido de anulabllldade, porquanto: (i) foi outorgado na pendência da anunciada acção de interdição; (ii) ter sido, a final da mesma, determinada a inabilitação da visada, e (iii) verificar-se a prejudicialidade do negócio para a doadora. 2. Em suma, entendeu a Veneranda Relação de Coimbra numa interpretação extensiva e demasiado ampla que não partilhamos, que os requisitos do artigo 149º do CC se circunscrevem àqueles acima indicados bastando-se os mesmos para concluir pela anulabilidade do negócio. 3. A identificada II não foi declarada INTERDITA, antes INABILITADA tendo-se fixado na douta sentença, como data de início da incapacidade o mês de agosto de 2016. 4. Tais factos suscitam, desde logo, questões de aplicabilidade directa e imediata da inabilitação ao regime da interdição e, concretamente, ao estatuído no artigo 149°, do CC 5. São conhecidas as diferenças entre a INTERDIÇÃO e a INABILITAÇÃO, sendo que aquela é a declaração por sentença judicial que estatui que um determinado indivíduo fica impedido de poder exercer directamente e por si os seus direitos, por se encontrar incapaz de governar a sua pessoa e os seus bens, aplicando-se a todos aqueles que sofram de doença mental grave ou que sejam surdos-mudos ou cegos e que, por via disso, não consigam cuidar de si próprios, nem administrar os seus bens; enquanto que a inabilitação é muito menos "gravosa" do que a interdição, podendo o inabilitado praticar actos patrimoniais que não sejam expressamente referenciados e contemplados como proibidos na decisão judicial que a determina. 6. E o certo é que do dispositivo da douta sentença que determinou a inabilitação da indicada II não reservou, não referenciou nem especificou os concretos actos que lhe estava vedado praticar. 7. Se se aplicar, tout court, o artigo 149.º, do Código Civil, por remissão do art. 156.º, do Código Civil, como o fez a Veneranda Relação de Coimbra, há que o interpretar restritivamente, atendendo a que está a ser aplicado a inabilitação. 8. Deve, pois, entender-se que se aplica aos casos de inabilitação decretada, mas em relação a factos posteriores ao anúncio da acção e simultaneamente posteriores à data de fixação do início da incapacidade, ficando os actos do período intermédio entre o anúncio da acção e a data de fixação do início da incapacidade sujeitos às regras da incapacidade acidental, tal como os do art. 150.º, do CC. 9. Outro entendimento gera um verdadeiro abuso de direito consistente em se determinar a anulação meramente formal de um negócio, pois é facto que o "incapaz" não era materialmente incapaz na data do negócio. 10. Outro entendimento viola e extravasa a ratio de protecção da norma do art. 149º, do CC, a situações não necessitadas de protecção legislativa. 11. Na esteira do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22.02.2018, Proc. nº 8319/09.9TBMAI.P1.S1, "I – Tendo sido fixada numa acção de interdição a data de começo da incapacidade, tal veredicto surge, noutra acção, como absoluto injuntivo, por força da autoridade de caso julgado, independentemente da coexistência ou não da tríplice identidade a que se refere o art. 581.º do CPC, sendo indiferente o circunstancialismo do recorrente achar, ou não, consistentemente fundamentada a fixação de tal momento." (itálico nosso). 12. A acção de interdição em causa pendeu na primeira instância por um período superior a 5 anos, facto que terá inexoravelmente de ser tido em conta. Com efeito, na acção de interdição foi consagrada uma tramitação legal simplificada, por forma a viabilizar a celeridade que o assunto requer. 13. Não faz qualquer sentido que uma acção de interdição esteja pendente na primeira instância por um período superior a 5 anos, por colocar o interditando numa situação de "quarentena", sem que possa praticar qualquer acto, sob pena de o mesmo vir a ser anulado. 14. Não foi, concerteza, este o espírito que presidiu ao legislador, quando redigiu e consagrou o regime previsto no artigo 149º do CC. 15. Os efeitos da declaração de inabilitação, in casu, não se devem retroagir à data da interposição da acção de interdição ou da publicidade da mesma; antes deverão tais efeitos retroagir à data do início da incapacidade da inabilitação. 16. Assim, tendo presente que o negócio jurídico em causa foi celebrado em data anterior à da fixação da incapacidade, deverá, por força da necessária interpretação restritiva do artigo 149º do CC, ter como plenamente válido e de plena eficácia jurídica. 17. No que concerne ao requisito PREJUÍZO previsto no artigo 149º do CC, os Recorrentes entendem ser demasiado linear o silogismo de que tratando-se de negócio gratuito é sempre prejudicial para o incapaz, sobretudo no caso dos autos em que a pessoa era capaz à data. 18. Olvida tal entendimento que a pessoa, por ser capaz, tem e pode ter, pois o direito (neste caso) é dele, interesse em realizar negócios gratuitos, podendo, de forma altruísta fazer o que bem quiser ao que é seu, intenção altruísta que, longe de ser um prejuízo, é para si um benefício pessoal e até mesmo moral, por estar em causa a beneficiação de pessoas que de si cuidavam. 19. Dir-se-á, ainda, que o ónus da prova da causação de prejuízos impendia sobre os AA, inexistindo qualquer presunção natural ou legal de onde resulte que os actos gratuitos são prejudiciais, violando a Venerando Relação de Coimbra as regras da distribuição do ónus da prova. Compulsados todos os articulados oferecidos pelos AA, vislumbra-se serem os mesmos absoluta e totalmente omissos quanto à prejudicialidade do negócio jurídico em crise. 20. Aliás, a Veneranda Relação de Coimbra parece cair na tentação de imputar aos aqui Recorrentes a obrigação de provarem que o negócio jurídico não causou prejuízo à doadora, quando estes nem sequer foram "chamados" a pronunciarem-se sobre esse facto, visto que o mesmo nunca foi sequer alvitrado pelos AA. e, como tal, "postos à discussão" nos presentes autos. 21. A Veneranda Relação de Coimbra conjecturou factos que não se acham sequer alegados e muito menos provados para suportar a sua tese da prejudicialidade do negócio em crise. De facto, em nenhum momento dos autos as partes discutiram o valor da herança e do acervo hereditário deixado pelo falecido Dr. KK, pelo que estava vedado à Veneranda Relação de Coimbra presumir o património como avultado, valendo centenas de milhares de euros ou porventura até mais. 22. A Veneranda Relação de Coimbra fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 149º, do Código Civil. 23. Os AA. formularam vários pedidos na sua p.i., que contemplavam a declaração de nulidade e/ou anulabilidade de todos os testamentos outorgados pela D. II e da "cessão gratuita” sob apreciação no presente recurso. 24. A primeira instância julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os RR. de todos os pedidos formulados. 25. Inconformados com tal decisão, os AA. recorreram daquela decisão de primeira instância, circunscrevendo tal recurso à "cessão gratuita" outorgada e à sua nulidade e anulabilidade, deixando, assim, transitar em julgado, os demais pedidos relativos aos testamentos e actos de última vontade da D. II. 26. Tanto equivale a dizer que os RR. obtiveram "ganho de causa" relativamente aos pedidos formulados sob os pontos 1., 3., 4. e 5.. 27. A Veneranda Relação de Coimbra violou o artigo 527º do CPC. Em ambos os casos os recorrentes terminam as suas alegações, defendendo o respectivo provimento do recurso, com revogação do acórdão recorrido e, em sua substituição, mantida a decisão da 1.ª instância. Houve contralegações, defendendo a bondade do decidido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – Nas instâncias foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. A A. AA é filha de II, que faleceu, no estado de viúva, em ...de 2016 – 1º e 2º PI. 2. À data do óbito da D.ª II corria termos sob o n.º ..., na Secção Cível ... deste Tribunal de comarca, o processo de inventário para partilha da herança de seu marido, e pai da aqui A., Dr. KK, no qual aquela Senhora exerceu, em vida, as funções de cabeça de casal – 3º PI. 3. E, à data do óbito da D.ª II, estava também pendente na mesma secção cível, ação contra ela proposta pela aqui A., em 17 de novembro de 2011, de Interdição/Inabilitação, sob o n.º ..., tendo o anúncio a que se refere o artigo 945º do CPC sido publicado em 22 de Dezembro de 2011, e a falecida citada em 6 de Fevereiro de 2012 – 4º a 6º PI. 4. Após o óbito a A. requereu que a ação prosseguisse os seus termos, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado já na pendência desta ação, pela qual se decidiu decretar a inabilitação da falecida D. II por motivo da sua anomalia psíquica – 7º e 8º PI. 5. A sentença proferida naqueles autos fixou como data do início da incapacidade o mês de agosto de 2016, tendo a decisão transitado em julgado em 14.6.2017 – fls. 600-605. 6. Em 26 de Março de 2015 no Cartório Notarial da Dr.ª JJ foi outorgada escritura pública que se designou de “cessão gratuita de quinhão hereditário”, na qual a falecida II declarou «cede(r) gratuitamente às segunda e terceira outorgantes – as aqui rés CC e EE – , em comum e partes iguais, metade indivisa (sendo um quarto indiviso para cada uma) do direito à meação e quinhão hereditário que lhe pertence por óbito de seu marido, KK…» – 10º e 11º PI. 7. No mesmo documento declararam as aqui Rés CC e EE que «aceitam esta doação nos termos exarados» – 12.º PI. 8. No processo de inventário pendente, a doadora continuou a figurar, e a apresentar-se naquela ação como titular dos direitos – 14º PI. , 9. A falecida D. II outorgou, depois de instaurada e publicitada a ação de interdição, três testamentos: – em 4 de Outubro de 2012 no Cartório Notarial ... – em 21 de Junho de 2013, e – em 15 de Novembro de 2013, ambos no Cartório da Dr.ª JJ – 23.º PI. 10. Pelo testamento de 4 de Outubro de 2012, instituiu os seus netos GG e HH, aqui Réus, herdeiros em comum e partes iguais da sua quota disponível e legou à aqui também Ré CC a quantia de 125.000 euros – 24.º PI. 11. Pelo testamento de 21 de Junho de 2013, instituiu herdeiros da quota disponível, em comum e partes iguais, na proporção de um terço indiviso para cada um, a Ré CC e os seus referidos netos GG e HH – 25.º PI. 12. Finalmente, pelo testamento de 15 de Novembro de 2013, institui herdeiras da sua quota disponível, em comum e partes iguais, apenas as aqui Rés EE e CC – 26.º PI. 13. No dia 12 de Julho de 2011, a falecida II outorgou duas escrituras públicas de confissão de dívida, pelas quais se reconhecia devedora de respetivamente 15.000,00 à R. EE, e € 16.000,00 à R. CC – 43.º a 45º PI. 14. A Ré CC era à época empregada ... da D. II - 46.º PI. 15. Em Novembro de 2010 a II confessou-se devedora a LL de uma divida na quantia de 26.530 €, a que acresceria temporariamente uma prestação mensal de 255 euros, em virtude de declarado acidente de trabalho, devendo a dívida ser «satisfeita à custa da sua quota legitimária na herança de seu falecido marido» – 47º a 49º PI. 16. A D. II vendeu a totalidade das peças de ouro que integravam o património do casal que formava com seu falecido marido – 52.º PI. 17. Em Março de 2012 a D. II fez … anos – 57º PI. 18. A D. II, em inícios de 2013, vivia em ..., na casa onde sempre viveu com o seu marido e onde, encontrando-se agora sozinha, era acompanhada de perto pela Ré CC que ali passava o dia e até ali pernoitava, e pela Ré EE, que ali a visitava quase diariamente, tendo deixado de receber as visitas da filha e do genro, aqui AA., e de falar com eles ao telefone – 75.º e 76º PI. 19. A D. II sofreu de um carcinoma do peito, a que foi operada em Abril de 2013, e de uma fratura da bacia, em Outubro de 2014), patologias que obrigaram a internamento hospitalar, a intervenções cirúrgicas e períodos de recuperação – 78º PI. 20. A R. CC acompanhou sempre a D.ª II, incluindo aos exames médicos e perícias para avaliar o seu estado mental, fornecendo as informações de vida, bem estar ou necessidades da Senhora que lhe foram solicitadas – 84º e 85º PI. 21. No decurso do mês de Dezembro de 2016 o estado de saúde físico da D. II agravou-se substancialmente, e pelo menos a Ré CC chamou o médico assistente da D. II a casa, que entendeu que esta deveria ser imediatamente internada em estabelecimento hospitalar – 111º e 112º PI. 22. Até à sua morte, a D. II manteve-se lúcida, bem sabendo o que queria e o que dizia, mantendo a sua memória intacta até pelo menos agosto de 2016, e um discurso inteiramente eloquente, conseguindo exprimir a informação que pretendia veicular de forma clara, processando toda a informação que lhe surgia de forma normal e natural, mantendo preservadas as capacidades de resposta e a tomada de decisão, quer as mais simples e quotidianas, quer, até agosto de 2016, as mais complexas e necessitadas de ponderação e análise crítica – 25º, 52º e 75º cont. R. CC; 29º a 34º cont. R. EE. 23. Sempre denotou orientação no tempo e no espaço, demonstrando no final de vida as limitações próprias da idade, principalmente físicas, tendo sempre gerido a sua vida e os seus bens como quis – 26º e 27º cont. R. CC, 36º e 37º cont. R. EE. 24. A D. II reproduzia facilmente acontecimentos marcantes da sua vida pessoal e familiar passados há dezenas de anos, conseguindo datar e localizar tais vivências, preocupava-se em cumprir os compromissos assumidos, gostava de passear e se movimentar, sabendo que o imobilismo prejudicava a sua saúde, tratava de si própria, cuidando da sua higiene e lavando-se sem o auxílio de terceiros, vestia-se sem ajuda de terceiros, escolhendo o vestuário que diariamente usava, denotando preocupação com a sua imagem apenas saindo de casa quando julgava estar apresentável, reconhecia e distinguia o bem do mal, o certo do errado, o conveniente do desadequado, e tinha a perfeita noção de quem lhe fazia bem ou mal, sabendo bem que a A. pretendia reduzi-.la e mesmo prejudica-la quando intentou a ação de interdição – 38º a 49º, 108º e 110º cont. R. EE. 25. Face à idade avançada e aos problemas de saúde que sofria, a D. II precisou cada vez mais de apoio para cuidar das coisas que implicassem esforços físicos, tratando a R. CC de tudo quanto a falecida lhe solicitasse, nomeadamente a lide da casa, realizar compras, ir à farmácia, e outras, tendo esta R. trabalhado para a falecida cerca de 25 anos, mantendo em virtude do longo convívio uma relação também de amizade – 48º a 51º cont. R. CC. 26. A R. CC adquiriu bens e levantou dinheiro da conta da falecida a pedido desta, e à medida que esta lhe solicitava – 29º cont. R. CC. 27. As Rés e a falecida II não quiseram condicionar, nem condicionaram, a validade da doação de quinhão hereditário ao decesso da doadora – 10º a 13º cont. R. EE. 28. Pelo menos até 2012 o filho da A., e aqui Réu, GG, tinha autorização para efetuar levantamentos da conta bancária da falecida na CGD, gerindo ainda uma parte das propriedades da sua avó; sendo a A. co-titular da conta da sua mãe – 30º a 32º cont. R. CC. 29. A falecida tinha despesas mensais fixas de pelo menos € 1.800 ou 2.000, com empregada ... que pernoitava ainda em sua casa, com os serviços de outras pessoas, com energia elétrica, água e gás para as suas habitações em ... e no Porto, despesas de condomínio, seguros, alimentação, televisão e telefones, despesas médicas, tratamento do jardim, animais e outras despesas correntes – 58º a 70º cont. R. EE. 30. E tinha como únicos rendimentos certos e estáveis duas pensões de reforma no valor global de cerca de € 320 mensais, apenas conseguindo sobreviver com dignidade com os rendimentos da produção agrícola dos prédios rústicos que administrava – 76º e 77º cont. R. EE. 31. Os AA., pelo menos desde meados de 2012, ausentaram-se da vida da falecida, não mais se preocupando com ela e não a ajudando, fazendo com que a D. II fosse submetida a testes, exames e relatórios para a declararem incapaz, facto que a angustiava e envergonhava, com o objetivo de a colocarem em situação económica dependente dos AA. – 130º a 134º cont. R. EE. 32. Nos esporádicos contactos que mantinham, a A. e sua mãe discutiam, não se imiscuindo as RR. na relação que a falecida mantinha com a filha e o genro, e sendo alheias aos conflitos entre eles, e nunca tendo exercido sobre a falecida qualquer autoridade ou domínio, suscetível de a manipular à prática de atos que a sua vontade não ditasse – 135º a 138º cont. R. EE. 33. A R. CC sempre apoiou de forma incondicional a D. II, perante os problemas de saúde que a afetaram, tudo fazendo para melhorar o seu-bem estar e qualidade de vida, tendo chegado a dormir junto à cama da Sra. para o caso de esta necessitar de alguma coisa durante a noite – 55º a 57º cont. R. CC. III – Como resulta dos artigos 637.º, n.º 2 e 639.º do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso. III.1. – São as seguintes as questões apreciar: a) Nulidades do artigo 615.º, n.º 1, als. d) e e) do CPC; b) Violação dos comandos dos artigos 149.º e 257.º do CC; c) Abuso de Direito. III.2. – As nulidades referidas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC estão relacionadas com os comandos fixados no n.º 2 do artigo 608.º e 609.º do mesmo código A nulidade do excesso de pronúncia ou omissão de pronúncia está relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 608.º do mesmo código (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras). Refere-se a omissão de pronúncia ao não conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso e o excesso ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso. Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido". Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 608.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver). A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia. Seguindo os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade. É um facto que os AA propuseram a presente acção, peticionando a declaração da nulidade da cessão e dos testamentos outorgados pela falecida II e a sua anulação, invocando o facto da sua subscrição ser posterior à instauração da acção de interdição e do sua notificação à interditanda e de tal facto implicar “objectivamente uma redução significativa do seu património”, “constituindo prejuízo significativo da doadora” (artigos 132.º e 133.º da petição inicial). E os AA. invocaram expressamente as normas do artigo 149.º e 156.º do CC, apesar de o tribunal não estar sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como decorre do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, pelo a todas as luzes se justificaria, como fizeram as instâncias averiguar da sua aplicação no caso concreto e da verificação dos respectivos pressupostos. Consideramos não se verificar, por isso, a nulidade do excesso de pronúncia invocada. E acolhe-se idêntico entendimento quanto à outra nulidade, uma vez que, como se disse, se pretendia obter declaração da nulidade ou que se ordenasse a anulação dos actos gratuitos praticados, pelo que não se excedeu o objecto do pedido, quer na sua medida, quer condenando em algo de diferente do peticionado, sendo que a invocação do prejuízo é explicita, como decorre do que acima se referiu. Logo também esta nulidade se não verifica. III.3. – Pacto sucessório Conquanto esta questão não venha discutida nos recursos temos por correcto o ponto de vista sustentado nas instâncias. Com efeito dispõe o artigo 2028.º do CC: Estipula este artigo: 1. Há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renuncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro ainda não aberta. 2. Os contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos na lei, sendo nulos todos os demais, sem prejuízo no disposto no n.º 2 do art.º 946.º. Afirma-se que a cessão outorgada pela mãe da Autora não se reportou à própria herança da cedente, pelo que não se pode aqui falar em «disposição da própria sucessão». Mas no acórdão da Relação equiparou-se a quota legitimária e a meação da II, sendo certo que só a quota legitimária diz respeito “sucessão do marido”. Porém, a meação não faz parte da sucessão do marido mas é uma parte que cabe, por direito próprio. ao cônjuge sobrevivo. Feito este distinguo a doação ou a cessão da sua meação não corresponde à disposição da herança da II, uma vez que a herança se refere ao activo e passivo no momento da sua morte, sendo o direito à meação da herança do marido ou os bens que por via da respectiva partilha lhe vierem a caber, para preenchimento da sua meação, são disponíveis em sua vida. Não há, pois, razão para, em qualquer dos casos, se entender que se está perante pacto sucessório ou outra razão para além daquela que apreciaremos de seguida. III.4. – Dispunha o artigo 149º do CC, na redacção à data em vigor: 1. São igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção nos termos da lei de processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito. 2. O prazo dentro do qual a acção de anulação deve ser proposta só começa a contar-se a partir do registo da sentença. Este preceito era aplicável à inabilitação, ex vi do disposto no artigo 156.º do mesmo código, na redacção aplicável. Ora o acto de “cessão gratuita” foi praticado quando já havia sido instaurada a acção de interdição e o facto notificado à II, sendo certo que a inabilitação veio a ser decretada. Os requisitos exigidos para se aplicarem as referidas disposições eram: a) ser o negócio celebrado após anunciada a propositura da acção de interdição ou de inabilitação; b) vir a ser decretada a interdição ou a inabilitação e c) causar o acto prejuízo ao interdito ou inabilitado. Como se afirmou antes, os AA. invocaram a factualidade relevante para se aplicar ao caso concreto o disposto nos citados normativos. Os dois primeiros requisitos resultam da matéria fixada pelas instâncias. Quanto ao requisito do prejuízo não houve pronúncia pela 1.ª instância em termos factuais e esta situação não se alterou com a alteração da matéria de facto pela Relação. Porém, entendeu a Relação extrair da matéria de facto fixada a ilação de que houve prejuízo. Ora, constitui jurisprudência corrente, como se refere no acórdão de 22.04.2004, proferido no processo 04B1040, e inserto in www.dgsi.pt a de que «"é lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça" – conf. v.g, entre muitos outros, o Ac. de 19-10-94, in BMJ n.º 440º, pág. 361. A chamada prova por presunções (judiciais) permitida pelo art. 349º e segs. do C.Civil terá, é certo, e em princípio, que confinar-se e reportar-se aos factos incluídos no questionário e não estender-se a factos dessa peça exorbitantes, e terá de ter admitido sempre, e em princípio, contraprova ou prova do contrário, posto que as presunções, como meios de prova, não podem eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respectiva repartição entre as partes – conf. neste sentido o Ac. do STJ de 16-1-03, in Proc. 4274/02 – 2ª Sec. Não cabendo ao STJ usar (ele próprio) de presunções judiciais, o que o Supremo poderá censurar é a decisão da Relação que, no que respeita a conclusões ou ilações de factos, infrinja o apontado limite, designadamente quando o uso de tais presunções houver conduzido à violação de normas legais, isto é decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções – conf. citado acórdão e ainda o Ac. de 15-2-00, in "Sumários", 38º, pág. 19, e de 18-12-03, in Proc. 3794/03 – 2ª Sec.» Igual entendimento foi sustentado, mais recentemente, no acórdão do STJ de 24.10.2019, proc. 56/14.9T8VNF.G1.S1, onde se fez uma recensão da jurisprudência mais actualizada nesta matéria e designadamente o que se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.03.2019 (Proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1): «I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil.II. O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar o recurso a presunções judiciais pelo Tribunal da Relação se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados» (sublinhado nosso). Nesta actuação censória, o STJ estará já a intervir em matéria de direito. Mas, na situação em apreço a actuação da Relação não infringe qualquer comando legal, movendo-se no estrito acatamento dos seus poderes, em termos de decisão relativa à matéria de facto. Refere o acórdão recorrido que a doutrina vem entendendo que, relativamente a actos onerosos a questão de saber se há prejuízo para o interditando/inabilitando salda-se por apreciar se uma pessoa de normal diligência praticaria aquele acto naquelas circunstâncias, sendo que a apreciação sobre a (in)existência do prejuízo reporta-se ao momento da prática do acto, não se tomando em conta eventualidades ulteriores que tornariam vantajoso não o ter realizado. Já quanto aos negócios gratuitos, como as doações, continua o acórdão a fazer apelo à doutrina, para sustentar “que estas devem sempre ser consideradas prejudiciais, mesmo que as circunstâncias da sua realização tornassem razoável a prática do acto por pessoa normal; é que a doação, seja qual for a sua justificação moral, importa sempre um empobrecimento imediato do doador, podendo, eventualmente por força de outras vicissitudes, causar-lhe grave dano – Cfr. – Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 135/136; C. Mendes, Teoria Geral, 1967, 1º, 171/173 e Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 1º, 325; P. Lima e A. Varela, CC Anot. 1º, 97; M. Brito, CC Anot. 1º, 161.” Com base nesse entendimento doutrinal e fazendo apelo aos seus poderes de apreciação da matéria de facto disse-se no acórdão recorrido: “Ab initio importa dizer que o facto de o ato de doação não se ter traduzido numa momentânea transferência de concretos bens para as donatárias, mas apenas se consubstanciando na cessão do direito por banda da II da sua posição de interessada na herança do seu defunto marido, não é o bastante para se concluir que tal não lhe acarretou prejuízo. Naturalmente que a cessão de tal direito transferiu para a esfera jurídica das donatárias o acervo patrimonial e financeiro que o preenchia/consubstanciava. O que é o qb, para se concluir, em tese e sem prejuízo da necessidade de posterior análise dos concretos contornos do caso, que tal lhe provocou ou poderia provocar prejuízo. Ora vistos estes contornos, e mesmo que o ato fosse oneroso, os factos provados, versus o entendido pela julgadora, apontam para a existência de prejuízo. Na verdade, indicia-se suficientemente que a doadora e seu marido eram pessoas abastadas e de posses, com um avultado e valioso património, pelo que o direito cedido incluía certamente acervo patrimonial e jurídico-económico de elevado valor, certamente de largas dezenas ou, até, quiçá, de algumas centenas de milhares de euros, ou, porventura, até mais. Ora não se provaram factos que, de algum modo, compensassem ou justificassem tal transferência de direito a futuro património de tal magnitude. O acompanhamento, cuidados e apoio moral e afectivo das donatárias à doadora não justificavam tal relevante doação, até porque elas eram remuneradas pelos serviços prestados. Note-se ainda que se provou ter a II praticado atos que apontam para a necessidade de ela obter liquidez, ou, com eles, ou o produto deles, pagar serviços ou satisfazer responsabilidades. É o caso da venda pela II da totalidade das peças de ouro que integravam o património do casal que formava com seu falecido marido – ponto 16. Nesta conformidade, mal se compreende que perante tal necessidade, ainda fosse alienar gratuitamente, e sem para tal se apurar cabal ou até suficiente justificação, parte muito significativa do seu património. Assim se concluindo, na perspectiva do homo prudens e numa exegese sagaz mas razoável e sensata, que o ato, mesmo que fosse oneroso, seria prejudicial para a doadora. Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, certo é que o ato assume o jaez de gratuito.” E conclui desta forma que transcrevemos, sublinhando o que se nos afigura mais relevante: “… como se viu, o prejuízo existe, ou, ao menos, tem de ser presumido; e, neste caso, competindo às interessadas donatárias, aqui rés CC e EE, ilidir tal presunção; ónus que não lograram efectivar.” Nesta perspectiva teríamos de concluir que se mostravam preenchidos os pressupostos da anulação da cessão gratuita, sendo que o respectivo pedido foi formulado tempestivamente, nos termos dos artigos 149.º, n.º 2 e 287.º do CC. Entendemos, porém, que não é essa a interpretação correcta dos citados normativos (artigos 149.º e 156.º) Quer no regime do Código Civil vigente à data da celebração da cessão, quer na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, o legislador pretendeu proteger o incapaz ou inabilitado, estabelecendo um sistema para acautelar os seus interesses nos casos em que ocorra uma incapacidade ou uma inabilitação (utilizaremos estes termos, por serem os aplicáveis à data da celebração da cessão), sendo certo que fora do âmbito da respectiva incapacidade a regra é da capacidade plena dos maiores. Com efeito, lê-se no Comentário ao Código Civil da Universidade Católica Portuguesa, a p. 328.º: “A segunda questão prende-se com o âmbito de aplicação do artigo 149.º. Apesar do modo amplo como está redigida a hipótese da norma não parece que a mesma se deva aplicar a todos os actos do interdicendo. Na verdade, se o incapaz tem, excepcionalmente, capacidade pra praticar certos atos mesmo depois de decretada a interdição (nos termos do artigo 127.º, ex vi 139.º, por exemplo), e se a ratio do artigo 149.º é a proteção do interdicendo, porque este, entretanto, foi declarado interdito não se concebe que a medida desta proteção seja outra que não a do próprio instituto da interdição. Assim sendo, se a lei reconhece ao interdito capacidade para certos atos e, portanto, não os sujeita a anulação mesmo que tenham causado prejuízo ao incapaz, terá, por maioria de razão, de tratar da mesma forma os atos praticados no decurso da acção, quando o interdito ainda possuía plena capacidade de exercício de direitos. Deste modo, o artigo 149.º deve ser objecto de uma interpretação restritiva (ou redução teleológica, se considerarmos aqui não a intenção do legislador mas a finalidade da lei) por forma a não se aplicar aos atos que o incapaz pode praticar livremente mesmo depois de decretada definitivamente a interdição.” Creio que a mera interpretação das normas dos artigos 149 e 156.º nos conduzem a uma solução que não a adoptada pela Relação, pese embora sua aparente bondade. De facto, dispõe o artigo 9.º do CC 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Já vimos que as normas citadas visam a protecção quer do interditando quer do inabilitando e que a regra é de que os maiores gozam de plena capacidade de exercício de direitos (artigo 130.º do CC). Por isso, quer a interdição quer a inabilitação visam obter uma decisão que fixe um quadro de incapacidade delimitado temporalmente e quanto ao âmbito dos actos abrangidos. Fora desse quadro, a regra continua a ser a da capacidade. Daí que, quando o artigo 149.º diz que são anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz está a esclarecer que não basta o preenchimento formal dos atrás apontados requisitos mas é necessário que os negócios efectuados estejam abrangidos pela delimitação da incapacidade declarada. Isto é, que a respectiva celebração tenha ocorrido num período em que o seu autor ou um dos contraentes se encontrava incapacitado de querer e perceber o alcance desse acto. O que é igualmente válido para a inabilitação que, constituindo uma incapacidade de grau menor, deixa ao inabilitado áreas onde a sua capacidade de exercício é plena. Portugal é subscritor da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado por Portugal em 30.03.2007 e ratificado em 23.09.2009, em cujo artigo 3.º se enumeram os respectivos princípios, podendo, logo na alínea a), ver-se referido o do “respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas” (sublinhado nosso); Em 26 de Novembro de 2009 o Conselho Europeu aprovou a referida Convenção. Entre 1998 e 2009 o Conselho da Europa formulou quatro recomendações relativas à dependência e sua protecção e aos adultos incapazes. A partir de todos estes contributos e com apelo ao direito comparado foi elaborado o projecto de lei n.º 61/XIII que esteve na base da alteração do Código Civil introduzida pela Lei n.º 49/2018. MENESES CORDEIRO um dos autores da reforma, em artigo publicado na Revista de Direito Civil [Ano III (2018), 3, pp. 473 a 554) dá nota da alteração de um modelo de representação e essencialmente patrimonial para um modelo de acompanhamento, mais consentâneo com o respeito pela autonomia do visado, com a nova formulação da protecção do incapaz. Nesta perspectiva, tomando na devida conta a preocupação do legislador que sempre foi no sentido da protecção do incapaz, a letra da lei e as influências decorrentes particularmente na subscrição por Portugal da Convenção da ONU a que temos a vir a fazer referência, temos por correcta a interpretação da lei que apenas considera relevante para efeitos de anulação dos negócios efectuados que os mesmos se insiram no âmbito temporal e do objecto relativamente aos quais tenha sido decretada a inabilitação ou a interdição. O que implica dever entender-se que a cessão efectuada pela mãe da A, inserindo-se na sua plena capacidade de direitos à data da sua celebração, não é passível de anulação. III.5 – Abuso de direito Trata-se de uma questão nunca suscitada nem tratada ao longo do processo, pelo que não poderá ser apreciada em sede de recurso de revista, o que seria claramente violador do âmbito do recurso que é fundamentalmente de reexame de questões submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre (AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., pp.150-151). Embora o abuso de direito seja de conhecimento oficioso e, por isso, um caso de excepção à regra anterior, a posição supra assumida e o quadro factual apurado, prejudica o conhecimento do invocado abuso de direito por parte dos AA. IV – Termos em que se acorda em conceder as revistas, revogando o acórdão da Relação e absolvendo os RR. Dos pedidos contra eles formulados. Custas pelos AA. Lisboa, 4 de fevereiro de 2020 Paulo Sá (Relator) Maria Clara Sottomayor Alexandre Reis |