Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANA PAULA LOBO | ||
| Descritores: | SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA DIREITO DE PROPRIEDADE PRÉDIO SERVIENTE CONDOMÍNIO PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DEMOLIÇÃO DE OBRAS RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL INDEMNIZAÇÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
| Data do Acordão: | 04/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA | ||
| Sumário : | O reconhecimento da constituição de servidão predial de passagem por destinação de pai de família só pode ocorrer em acção em que tenha intervenção o proprietário do prédio serviente que suportará, no seu prédio, tal encargo. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Recorrentes: Condomínio Edifício das Pontes, AA, BB, CC DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, Pastelaria J..., Lda, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, T..., Lda, WW, XX, YY, ZZ, AAA, AA, BB, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF; GGG, HHH, III, réus Recorridos: JJJ, KKK, autores * I – Relatório I.1 – Os recorrentes, antes indicados, interpuseram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Julho de 2024 que proferiu a seguinte decisão: «A) quanto ao recurso interposto pelo réu condomínio: a) julgar extinta a instância por falta de personalidade judiciária do réu Condomínio, no que se refere ao pedido reconvencional que era objecto do recurso por si interposto, absolvendo da instância reconvencional os autores, quanto a esse pedido; b) em conformidade, não apreciar o mérito desse mesmo recurso de apelação. B) quanto ao recurso interposto pelos autores: a) julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelos autores; i) julgando improcedentes as nulidades da sentença que foram arguidas; ii) revogando a decisão proferida quanto à inexistência de uma servidão constituída por destinação de pai de família e à demolição da construção efectuada no muro e, em conformidade, iii) condenando os réus a reconhecer que está constituída em benefício do prédio dos autores identificado na alínea A) da matéria de facto provada uma servidão de passagem por destinação de pai de família que permite o acesso daquele prédio à Rua dos ... e desta para o prédio, através da parcela de terreno identificada em EE e através da abertura anteriormente existente no muro aí referido, com a largura referida na alínea Q); iv) condenar todos os réus a demolir a construção realizada nesse muro e que impede o exercício desse direito de servidão. C) No mais, mantém-se o que foi decidido em 1.ª Instância». O Juiz ... do Juízo Central Cível de ... do Tribunal da Comarca de Braga julgara: «- a acção improcedente, e, consequentemente, absolveu os réus dos pedidos; - a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: - reconheceu que os réus/reconvintes são donos das fracções autónomas que integram prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, composto de cave, r/c, 1º andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ..., sob a descrição número .03 e inscrito na respectiva matriz sob o número ..51; - absolveu os AA./Reconvindos do demais peticionado». Para tanto, apresentaram alegações que culminam com as seguintes conclusões: 1. A legitimidade das partes em uma acção é regida pelo artigo 30.º do Código de Processo Civil, que exige que apenas quem tem interesse em demandar possa ser parte na acção. A jurisprudência confirma que a acção destinada a reconhecer uma servidão deve ser dirigida contra o proprietário do imóvel serviente, conforme disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1452/18.5T8SNT.G1. 2. No presente caso, a ausência de identificação do verdadeiro proprietário do terreno serviente compromete a legitimidade dos réus e, consequentemente, a validade da decisão do Tribunal da Relação. 3. A falta de prova da propriedade do terreno serviente prejudica a acção, de acordo com o artigo 1290.º do Código Civil, que afirma que a servidão é um encargo que recai sobre um prédio em benefício de outro. Assim, se os réus não são os legítimos proprietários, a acção deveria ter sido proposta contra o verdadeiro proprietário. 4. A nulidade processual decorre da não citação do verdadeiro proprietário, conforme assinalado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 0245754. 5. Diante do exposto, requer-se a anulação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, em razão da ilegitimidade substantiva dos réus. Acresce que 6. O princípio da congruência, previsto no artigo 660.º do Código de Processo Civil, estabelece que o juiz deve decidir de acordo com os pedidos formulados pelas partes. A decisão que ultrapassa os limites do que foi solicitado gera nulidade, conforme destacado por Carlos Alberto dos Santos (2016). 7. No caso em análise, a decisão do tribunal de segunda instância, ao se pronunciar sobre a demolição do muro, extrapolou os limites do pedido formulado pelos autores, que se restringia ao reconhecimento da servidão. 8. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça reafirma que a decisão que aborda questões não suscitadas pelas partes implica uma violação do princípio da congruência (Acórdão n.º 4680/10.9TBBCL.G1). 9. Portanto, a ampliação do objecto do pedido não apenas desrespeita o direito ao devido processo legal, como também causa prejuízo aos réus. Assim, requer-se a declaração de nulidade da decisão, em razão da violação do princípio da congruência. 10. A servidão predial é um direito real que requer prova inequívoca da sua constituição, conforme o disposto no artigo 1543.º do Código Civil. A jurisprudência tem sido rigorosa quanto à necessidade de evidências claras e permanentes da intenção do proprietário anterior ao constituir a servidão. 11. A ausência de um documento formal que ateste a constituição da servidão, juntamente com a falta de utilização habitual, inviabiliza a alegação de existência da servidão, como destacado por Gomes (2007) e corroborado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 203/12.3TBLRA.E1.S1. 12. A prova apresentada pelos autores não demonstra claramente a constituição de uma servidão, sendo insuficiente para fundamentar a decisão do Tribunal da Relação que a reconheceu. 13. A interpretação errónea da legislação e da jurisprudência consolidada resultou em um reconhecimento de um direito sem os fundamentos legais e probatórios adequados. 14. Por conseguinte, requer-se a reforma da decisão, considerando que não há evidências suficientes da intenção clara do proprietário anterior e da utilização efectiva da servidão. 15. Tribunal da Relação violou os artigos 30.º e 41.º do Código de Processo Civil, 660.º do Código de Processo Civil, 1290.º e 1543.º do Código Civil 16. A análise das questões apresentadas revela que a decisão do Tribunal da Relação é insustentável diante da falta de legitimidade substantiva dos réus, da violação do princípio da congruência e do erro na interpretação e aplicação da lei relativa à servidão de passagem 17. Assim, requer-se a anulação da decisão e a remessa dos autos ao tribunal de origem para que sejam apreciadas as questões de forma adequada, respeitando os direitos das partes e o devido processo legal. Nos termos em que se requer a Vossas Excelências. que se dignem admitir o presente recurso, julgá-lo procedente por provado e, consequentemente, revogar o douto acórdão recorrido e alterando-o por outro que absolva os recorrentes nos pedidos em causa no presente recurso. * I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 671.º do Código de Processo Civil. * I.3 – O objecto do recurso Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões: 1. Nulidade por excesso de pronúncia. 2. Constituição de servidão. . * I.4 - Os factos As instâncias consideraram provados os seguintes factos: A. Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio misto composto por: a) Casa do Rés-do-chão, andar e dependência; b) Casa do Rés-do-chão, dois pavimentos e dependência e, c) Lavradio, por o terem adquirido por compra à Sociedade “M... - Imobiliária, Lda”. B. Prédio esse sito no Lugar da ..., freguesia de ... – ..., inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob os artigos .01, .02, os urbanos, e o rústico sob o artigo .26, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição .07. C. À data da aquisição do prédio pelos AA., por escritura pública de compra e venda celebrada em 28 de Dezembro de 2018, a área total do prédio era de 6.754 m2. D. E confinava a norte com a Rua dos ... e o Edifício das Pontes; a sul com o caminho público, a nascente com a Rua do ... e Edifício das Pontes e a poente com o ribeiro. E. Os RR. são: O 1º é o Condomínio e respectivos Administradores do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº .03 e com a propriedade horizontal registada pela Ap. 22 de 2002/09/11. F. O prédio urbano descrito na alínea E), com a área de 4000 m2, foi destacado do prédio identificado nas alíneas A) e B). G. Os restantes RR. são, cada um, proprietário da fracção identificada a propósito da identificação individual e comproprietários das partes comuns do dito edifício. H. O prédio originário antes do destaque referido na alínea F) tinha a área de 10.754 m2. I. O prédio dos AA. foi adquirido pelos ante proprietários, por compra em processo de falência em 1997. J. Em 2019 os AA. procederam a outro destaque de 2000 m2, e venderam essa parcela de terreno em Março de 2020. K. Após os destaques as confrontações não foram actualizadas na matriz nem no registo. L. O prédio dos AA. actualmente confronta a norte com a Rua dos ... e Edifício das Pontes, a sul com caminho público, a nascente com LLL e MMM e a poente com o ribeiro. M. Após o 1º destaque a sociedade construtora (a mesma que vendeu a propriedade aos AA.), aqui interveniente, foi obrigada a instalar um Posto de Transformação (P.T.) para conversão da electricidade de alta em baixa tensão para a utilização dos moradores do Edifício das Pontes. N. Igualmente fez construir um depósito de gás para utilização dos mesmos moradores. O. Mais tarde o P.T. passou a servir toda a população da freguesia e a instalação do gás não teve utilidade em consequência do fornecimento à população de gás canalizado. P. Construiu a mesma sociedade um muro, com a altura sensivelmente de um metro em blocos de cimento, com o desenho visível no conjunto de 9 fotografias juntas com a petição inicial e definido no documento nº 7 junto com o mesmo articulado. Q. O muro de delimitação da área dos equipamentos da EDP tem um espaço de 5,36 metros, aberto, a meio da sua extensão, paralela à Rua dos .... R. Em 07/03/2020, a Administração do Condomínio ou alguém a seu mando, tapou a abertura existente no muro referidos na alínea Q). S. Os familiares dos AA. quando se aperceberam do referido na alínea R) chamaram a GNR, que se deslocou ao local e elaborou um auto. T. O acesso pela Rua do ... ao prédio dos AA. era às vezes utilizado por populares para encurtar caminho, atravessando o prédio. U. O caminho a sul tem a largura máxima de 2,50 metros. V. A área de alargamento da ponte (de 134 m2), a poente do muro e do PT, foi cedida como contrapartida à C.M. Barcelos aquando da apresentação e aprovação do projecto do Edifício das Pontes em 1998. W. Tal como foi cedida uma área de 627 m2 para passeios, baias de estacionamento e arruamentos. X. O prédio dos AA. confina com a Rua dos ... no ponto em que entronca com a Rua da .... Y. É possível aceder ao terreno dos AA. pela Rua dos ..., no ponto referido na alínea X), com qualquer tipo de veículo e maquinaria. Z. O muro foi construído após a instalação da infra-estrutura de fornecimento de gás e electricidade. AA. Em 16/06/1999, a Sociedade Chamada, registou a aquisição da totalidade do prédio descrito na CRP de ... sob o número .07 com área de 10.754 m2. BB. Prédio este que, foi objecto de uma operação de destaque de uma parcela com 4.000 m2. CC. Que deu origem ao prédio urbano descrito na CRP de ... sob o número .03 e com a propriedade horizontal registada pela Ap. 22 de 2002/09/11. DD. A instalação do P.T. foi construída pela Sociedade Chamada, construtora do Edifício das Pontes, junto à entrada do prédio, situada nessa mesma Rua dos .... EE. Com a construção do muro de delimitação, foi deixado um espaço, com cerca de 500m2, destinada ao acesso aos referidos equipamentos. FF. Desde a data da separação dos prédios, a referida área de 500m2 deixou de fazer parte integrante prédio mãe. GG. Passando a estar destinada à instalação dos referidos equipamentos (PT e gás) que servem a população da freguesia. HH. Encontrando-se o referido espaço aberto para a Rua dos .... II. O que vem acontecendo, há mais de 18 anos, de forma pública, pacífica e sem oposição de ninguém” JJ. Para preservar a entrada e o acesso à propriedade pela Rua dos ..., e quando era ainda proprietária de ambos os prédios, a ante proprietária garantiu o acesso por essa Rua dos ... à área do prédio mãe, pela abertura referida na alínea Q) dos factos provados. KK. A abertura no muro, onde se deveria colocar um portão, constituía um dos acessos ao resto da propriedade, passando da Rua dos ... pelo espaço referido na alínea Q) dos factos provados. LL. A área de 500 m2 destinava-se também a permitir o acesso ao prédio mãe pela Rua dos .... ** Factos não provados: 1. Em 16 de Março de 1998 deu entrada na C. M. Barcelos um projecto para licenciamento da construção do Edifício das Pontes a edificar na área que seria objecto do destaque referido na alínea F) dos factos provados. 2. O projecto foi aprovado em 27/11/1988. 3. Na aquisição referida na alínea C) dos factos provados está incluída a área a partir da Rua dos ..., até à extrema sul, onde está instalado um equipamento da EDP, Posto de Transformação (P.T.). 4. Sempre foram os Réus, por si ou através de alguém a seu pedido, quem procedeu à limpeza e tratamento do espaço compreendido entre a Rua dos ... e a entrada para o terreno dos Requerentes, mais concretamente do local onde se encontra instalado o equipamento da EDP. 5. Sempre foram os RR. quem utilizou a área em apreço nos presentes autos. 6. A entrada para o prédio dos AA. junto à ponte, mesmo com a área cedida à Câmara Municipal, para o projecto de alargamento da ponte ali existente, não deixa de ser utilizável pelos AA. 7. Integra a área do prédio urbano dos RR. a parcela de terreno ora reivindicada pelos AA., de cerca de 500m2, delimitada por um muro de blocos, onde se encontra instalado um posto equipamento (PT - Posto de Transformação), da EDP. 8. A ante proprietária procedia à limpeza da parcela de terreno sempre que fazia a limpeza do resto da sua propriedade. 9. Fazia-o através de NNN, sócio da empresa F..., Lda”. *** II - Fundamentação 1. Nulidade por excesso de pronúncia Invocam os recorrentes a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia ao ter-se pronunciado sobre a demolição do muro quando o pedido formulado pelos autores, se restringia ao reconhecimento da servidão. A questão foi analisada em conferência pelo Tribunal recorrido, em termos que nos parecem esclarecedores e adequados, concluindo pela não verificação da referida nulidade dado que o pedido formulado pelos autores, na petição inicial, foi de: «A) A reconhecer que a área compreendida entre a Rua dos ... e delimitada pelo muro em bloco de cimento identificado no art.º 23º desta P.I. faz parte integrante da descrição .07 da Conservatória do Registo Predial de ..., que é propriedade dos AA.. - Subsidiariamente, para o caso de se entender que a área em causa não integra a propriedade dos AA. (hipótese sem concessão), ou que não a integre totalmente, B) Ser declarada a existência de uma servidão de passagem constituída sobre a dita área, por destinação de pai de família para servir o prédio dos AA., com a largura de 5,36 m, desde a Rua dos ... até ao limite dos prédios dos AA.. C) Demolir a tapagem do muro a que procederam, a desocupar a área de objectos e de quaisquer outros bens que aí tenham colocado; D) Ao pagamento solidário de uma sanção pecuniária compulsória de € 200,00 (duzentos Euros) por cada dia de atraso no cumprimento do que vier a ser sentenciado;». Tendo sido julgado improcedente o pedido formulado em A, necessário passou a ser o conhecimento do pedido formulado em B e C, este relativo à demolição da tapagem do muro. Assim, a decisão recorrida, porque contida dentro dos pedidos formulados na petição inicial não enferma da nulidade por excesso de pronúncia, a que se refere o art.º 615.º do Código de Processo Civil, tendo apenas tomado conhecimento das questões que lhe foram submetidas para julgamento. Improcede a revista, com este fundamento. 2. Constituição de servidão O acórdão recorrido após ter introduzido alterações no probatório considerou que «(…) Nesta apelação os autores recorrentes não procuram já afirmar o seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno em questão, resumindo-se a sua fundamentação jurídica à existência de uma servidão constituída por destinação de pai de família, devendo, em consequência do seu reconhecimento, ser determinada a demolição pelos recorridos da tapagem que efectuaram da abertura existente no muro.(…) perante os termos em que apresentou a sua apelação, os autores recorrentes não fizeram qualquer esforço para demonstrar a quem pertence a parcela de terreno que identificam e sobre a qual pretendem que se reconheça que está onerada com uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família. Os autores alegaram que a mesma lhes pertencia e não o demonstraram. Todos os réus do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício das Pontes, também alegaram que aquela parcela integrava as partes comuns do prédio, mas também não o demonstraram. Ainda assim, como resulta claro dos autos, os autores reagem ao acto de tapagem da abertura existente no muro, realizado pelos réus ou por indicação destes, e, assim, é perante estes que pretendem fazer valer o direito de servidão de que se arrogam titulares, para tanto bastando que o prédio serviente seja de um “dono diferente”, na expressão da lei. Não pertencendo ao prédio dos autores (como resulta da alínea FF dos factos provados), a parcela de terreno em causa é, assim, de um dono diferente, cumprindo averiguar se sobre ela, ou melhor dizendo, sobre o prédio que a integra se constituiu a favor do prédio que os autores identificam e cujo direito de propriedade lhes foi reconhecido, um direito de servidão constituído por destinação de pai de família.». Em seguida concluiu que se verificavam todos os pressupostos para o reconhecimento da constituição de servidão por destinação de pai de família por, no caso em apreço, nos seguintes termos: «(…) - que os prédios, ou as fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono (não bastando que tenham sido possuídos apenas ou que tenham pertencido a pessoas ligadas por vínculos de parentesco ou de casamento), o que nestes autos é indiscutível; - a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem, inequivocamente, uma relação ou situação estável de serventia de um prédio para com outro, independentemente de quem os produzir (não sendo indispensável que os sinais existam nos prédios nem se exige que dos sinais tenham conhecimento o alienante e o adquirente, no acto jurídico que serve de veículo à separação, revelando a serventia de um prédio para com o outro, o que significa que terão sido postos ou deixados com a intenção de assegurar certa utilidade a um, à custa ou por intermédio do outro); - e que os prédios, ou as fracções do prédio, se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo, podendo a separação de domínios dar-se por qualquer título negocial (compra e venda, doação, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc.)”. Todo o circunstancialismo que resulta da matéria de facto provada evidencia, sem qualquer dúvida, que a interveniente, quando deixou de ser proprietária do imóvel destacado (e onde construiu e vendeu as diversas fracções do Edifício das Pontes) quis, no momento da perda do domínio e, portanto, quando os mesmos passaram a ter proprietários diferentes, que a parcela de terreno identificada na alínea EE, servisse de acesso aos equipamentos aí colocados mas também ao prédio mãe. Os sinais visíveis e permanentes foram a concreta abertura deixada no muro construído e que permitia tal acesso a partir da Rua dos ..., com a largura referida na alínea Q) dos factos provados. Nada na venda dos imóveis aos réus afasta esta vontade da interveniente e, assim, não temos dúvidas que se constituiu uma servidão de passagem por destinação de pai de família. Note-se que, nesta situação concreta da servidão por destinação de pai de família, o facto de ela não ter sido utilizada – e não se demonstrou que o tivesse sido – não significa que ela não exista, desde que existam os tais sinais visíveis e permanentes que revelem que foi constituída, como na situação em apreço. A constituição deste direito de servidão, como direito real que é e que apenas cederia perante outros direitos reais com ele incompatíveis, implica que os réus, sejam ou não proprietários daquela parcela de terreno (e não foram reconhecidos como tal), não possam impedir a passagem pela referida parcela para acesso dos autores ao imóvel que lhes pertence, devendo abster-se da prática de actos que sejam lesivos desse direito de servidão, desde a Rua dos ... até à entrada do prédio dos autores e desta até à Rua dos ..., com a largura referida na alínea Q) da matéria de facto provada.». Concluiu «pela parcial procedência da apelação dos autores, revogando-se em conformidade a sentença proferida na parte em que havia julgado improcedentes os pedidos formulados pelos autores e relativos à existência de um direito de servidão constituído por destinação de pai de família e à demolição do muro, na parte em que o mesmo foi tapado pelos réus.». Nos termos do disposto no art.º 1543 do Código Civil a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, sendo serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia. Tal significa que o encargo acompanhará o prédio seja qual for o titular do direito de propriedade sobre ele. Mas daqui não resulta que o proprietário do prédio serviente seja indiferente, ou que possa ser reconhecida em juízo uma qualquer servidão predial sem ser no confronto de quem se arroga dono do prédio dominante contra quem seja dono do prédio serviente. Os prédios, por si não podem estar em juízo, e, para reconhecimento de uma servidão é primordial saber quem tem a dominialidade dos prédios servientes e dominantes por cada um deles ter de suportar o encargo ou beneficiar dele, como se de uma constrição ao direito de propriedade se tratasse, para o prédio serviente, e um acréscimo de utilidade, com a valorização inerente do prédio dominante. Assim, como não seria crível que pudesse ter legitimidade para requerer a declaração judicial de reconhecimento de uma servidão o dono de um prédio vizinho do prédio dominante, do mesmo modo não poderá ser condenado a reconhecer a servidão, mesmos que reunidos todos os demais pressupostos atinentes a esse reconhecimento, o dono de um prédio vizinho do prédio serviente, que será, efectivamente a qualidade dos réus, face ao probatório. Indemonstrada nesta acção que os réus são proprietários da parcela de terreno que serve de leito à servidão, não podem estes ser condenados a reconhecer a existência de qualquer servidão, porque é encargo que não suportarão no seu prédio. Indemonstrada nesta acção quem é o dono do muro que foi tapado, a ilegalidade da sua tapagem ainda que cause prejuízo aos réus, só pode ser exercida contra o dono do muro, e este, eventualmente, se vier a ser condenado a abrir o muro para permitir a passagem, obter indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual contra os réus por o terem tapado, sem o seu consentimento, causando-lhe prejuízo, nomeadamente, se numa acção contra ele instaurada for obrigado a permitir a passagem dos réus pelo local onde antes se encontrava aberto o muro, e a proceder a essa abertura. As acções judiciais desenvolvem-se entre os titulares dos direitos em confronto e não entre os vizinhos de tais titulares porque visam a regulação da vida social pela resolução heterocompositiva de conflitos, de modo tão completo quanto possível, o que se não alcança se a definição for hipotética e parcial de uma dada situação, sem intervenção, audição e convencimento dos respectivos titulares dos direitos em jogo. A acção, é, pois, manifestamente improcedente. Procede a revista. *** III – Deliberação Pelo exposto acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção. Custas pelos recorridos. * Lisboa, 3 de Abril de 2025 Ana Paula Lobo (relatora) Isabel Salgado Maria Graça Trigo |