Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3017/11.6TBSTR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
TUTELA DA PERSONALIDADE
DIREITO A HONRA
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À IMAGEM
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
COLISÃO DE DIREITOS
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DE PERSONALIDADE.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO EUROPEU - DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 2017, 133.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 79.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 682.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 37.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 10.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 292/08 (CFR. DECLARAÇÃO DE VOTO APOSTA).

-*-

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30/6/2011, PROCESSO N.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1.
-DE 6/9/2016, PROCESSO N.º 60/09.9TCFUN.L1.S1.
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TEDH:

-ACÓRDÃO DE 30/8/2016, PROFERIDO NA REQUÊTE N.º 55442/12.
Sumário :
I. Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação - e a liberdade de opinião e de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstracto precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias e o contexto do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art.. 10º da CEDH pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português - e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia.

II. A circunstância de os artigos em causa serem fundamentalmente artigos de opinião e crítica, tendo subjacentes aspectos de relevante interesse público, por envolverem questões financeiras com reflexos importantes para a autarquia, decorrentes da existência de litígio acerca de elevados montantes reivindicados a título de honorários, pressupondo ainda um concreto contexto de intenso conflito entre o A. e os RR., expresso em várias iniciativas penais, percepcionadas pelos RR. como tendo um objectivo intimidatório e sancionatório do exercício da liberdade de opinião e expressão, que se gorou, determina que os mesmos se não possam ter-se por civilmente ilícitos.

III. A publicação de uma fotografia do visado – pessoa de notoriedade local, envolvida num assunto de relevante interesse público, e obtida aquando de reunião pública, realizada em Câmara Municipal, em que o A. participou como advogado- não ofende o direito à imagem do visado

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA intentou contra BB e mulher, CC, e DD acção declarativa condenatória, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação destes no pagamento solidário da quantia indemnizatória que se vier a apurar em sede de liquidação, na base de € 105,00 por cada hora decorrida desde as 00h00 do dia 26 de Maio de 2011e até ao momento em que retirarem da internet a fotografia do demandante e os artigos intitulados “…” e “…” e declararem nos autos ter destruído todos os exemplares ainda subsistentes das edições em papel de “EE” de … de Maio e … de Novembro de 20…, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento; na publicação dos factos provados e da parte decisória da sentença que vier a ser proferida na presente acção na edição em papel do semanário “EE”, na primeira página de um dos dois primeiros números seguintes à data do trânsito em julgado da sentença, com letra do mesmo tipo e da mesma grandeza que foi utilizada no artigo “…”; na publicação dos factos provados e da parte decisória da sentença que vier a ser proferida na presente acção a partir do dia seguinte ao do seu trânsito em julgado em todos as primeiras páginas das edições digitais de “EE”, mantendo aí os factos e a decisão durante 90 dias, com letra do mesmo tipo e da mesma grandeza que foi utilizada no artigo “…”.

Sustentou a sua pretensão, em síntese, na responsabilidade civil por ofensa à sua honra e imagem com a publicação no jornal “EE” dos artigos e fotografia que refere.

Contestaram os Réus, excepcionando o erro na forma de processo e invocaram a notoriedade do A., o interesse público do litígio e o propósito daquele de cercear a liberdade de expressão e imprensa; pugnaram pela condenação do A. como litigante de má-fé; e deduziram reconvenção, pedindo a condenação do A./reconvindo no pagamento aos 1.º e 3.º RR da quantia de € 5 00 a cada um, no total € 10 00, pela violação de liberdade de expressão e imprensa.

Replicou o Autor, sustentando a adequação da forma processual usada e excepcionando a admissibilidade da reconvenção.


  Saneado o processo, rejeitados o pedido reconvencional e a nulidade decorrente de erro na forma do processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“ Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide:

- Condenar BB e CC, e DD a pagarem, de modo solidário, a AA, como compensação dos danos não patrimoniais pela publicação, na edição em papel e na edição digital do jornal “EE”, dos artigos referidos em 4. e 8. Dos factos provados, a quantia que se apurar em liquidação de sentença, tendo por limite o montante de € 105,00 por hora desde as 00h00m de 26 de Maio de 2011 até 17-04-2012;

- Condenar BB e CC, e DD a pagarem, de modo solidário, a AA, como compensação dos danos não patrimoniais pela publicação, na edição em papel e na página digital do jornal “EE”, da fotografia deste, referida nos pontos 5. e 14. dos factos provados, a quantia que se apurar em liquidação de sentença, tendo por limite o montante de € 105,00 por hora desde as 00h00m de 26 de Maio de 2011 até ao momento em que retirarem a aludida fotografia;

- Condenar BB e CC, e DD a publicarem na edição em papel do jornal “EE”, na última página, com letra do mesmo tipo e da mesma grandeza da que foi utilizada no artigo referido em 4. dos factos provados, os factos provados e a parte do dispositivo relativa às condenações em quantia a apurar em liquidação de sentença, num dos dois primeiros números seguintes ao seu trânsito em julgado;

- Condenar BB e CC, e DD a publicarem nas edições digitais do jornal “EE”, no mesmo dossier em que foi publicado o artigo referido em 4. e 6. dos factos provados e com referência na primeira página ou inicial, conforme resulta de fls. 85 a 87, com letra do mesmo tipo e da mesma grandeza da que foi utilizada naquele artigo, os factos provados e a parte do dispositivo relativa às condenações em quantia a apurar em liquidação de sentença, dentro do prazo de três dias a contar do trânsito em julgado, mantendo-se aí durante 90 dias;

- Absolver BB e CC, e DD do mais pedido por AA;

- Condenar AA como litigante de má-fé na multa de 5 UC, e na indemnização a fixar posteriormente a favor de BB e CC, e DD;

- Condenar BB e CC, e DD como litigantes de má-fé na multa de 3 UC, e na indemnização a fixar posteriormente a favor de AA;

- Condenar o A. e os RR. no pagamento das custas desta ação, na proporção de 60% para o primeiro e 40% para os segundos;

- Determinar o cumprimento, após trânsito em julgado, do previsto no artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro (comunicação à Entidade Reguladora para a Comunicação Social)

- Determinar o registo e a notificação desta sentença, também para as partes se pronunciarem, querendo, em dez dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 543.º, n.º 3, do CPC 2013”.


2. Inconformadas, ambas as partes apelaram da sentença, impugnando determinados pontos da matéria de facto, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:

1. Em 6 e 7 de Janeiro, 26 e 28 de Janeiro e 22 e 23 de Setembro de 2010, “ EE” publicou nas suas edições digitais artigos que continham expressões proferidas pelo então Presidente da Câmara Municipal de …, FF;

2. Em virtude do descrito em 1., foi instaurado processo-crime sob o n.º 143/10.2TASTR que correu termos no Tribunal Judicial de …, contra os aqui Réus BB, DD e FF (presidente da Câmara Municipal de …);

3. No processo referido em 2., em 20 de Maio de 2011, foi proferido despacho de não pronúncia de BB, DD e FF pelos crimes de difamação agravado, através de meio de comunicação social, previsto e punido pelos artigos 180.º/1, 182.º, 183.º/2 e 184.º, todos do C. Penal e artigo 31.º/3 da lei n.º 2/99, de 13/01, e não pronunciar os réus BB e DD pela prática de um crime de fotografia ilícita, previsto e punido pelo artigo 199.º/2, alínea b) e 197.º, alínea b), ambos do C. Penal (doc. Fls. 48 a 76);

4. Na edição de papel d’”EE” de 26 de Maio de 2011 foi publicado, na última página, um artigo intitulado “…”, da autoria do Réu BB, no qual se lê:

EE, 26 Maio 2011

Última página


Se o ridículo matasse o advogado de … AA já seria um cadáver há muito tempo. A ação que resolveu interpor em tribunal contra EE e os seus jornalistas é um atentado à liberdade de informar (ver página 27 desta edição).


Estão agora explicadas as asneiras de GG na relação com EE ao recusar o pagamento das dívidas que a autarquia tinha para com o nosso jornal. Acabou por pagar em tribunal mas é fácil verificar agora que quem se rodeia de advogados desta estirpe, e já é fraca roupa, depressa fica um farrapo.

Trago aqui o assunto porque este caso trouxe pela primeira vez dois inspetores da Polícia Judiciária aos nossos computadores da redação. O advogado queixoso conseguiu que a justiça se mexesse de forma a que não fizéssemos desaparecer dos computadores os textos em que ele se sentia ofendido. O nosso pecado foi termos escrito que o dito advogado, prestador de serviços à Câmara de …, tinha exigido quase meio milhão de euros. E pecado ainda maior foi termos dado a palavra ao presidente da câmara que resolveu tratá-lo como eu também acho que ele merecia.

O que me espanta nesta história é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização. Como é que é possível um tipo ter a profissão de advogado, trabalhar para uma autarquia em processos que são públicos e notórios, e depois pedir em tribunal a condenação de um jornal e dos seus jornalistas por publicarmos a sua foto sem lhe pedirmos autorização? O ridículo ainda maior é vivermos num país que tem uma justiça que permite este tipo de oportunismo.

Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste AA, que tem a advocacia como profissão, não faltarão por aí. Mas a justiça portuguesa, que devia ser o pilar da democracia, a referência do país com mais de oito séculos, pode ficar refém de um advogado que acha que pode incomodar tudo e todos só porque pensa que domina o sistema?

Os nomes que eu gostaria de chamar a este AA estão todos nos livros de Eça de Queirós que retratam esta gente como mais nenhum escritor retratou até agora. São uns pobres coitados que vivem da miséria de não haver hoje quem lhes faça a barba nos jornais como nos tempos do Eça e do Ramalho Ortigão.

Infelizmente até FF, escritor-político de renome, habitual cronista da nossa praça, resolveu não ligar importância ao advogado. Pelo que se percebeu vai pagar multa por ter faltado às convocatórias do tribunal. O que prova também que a política em … já não é o que era dantes quando FF cá chegou com a tesão toda. BB”.

5. Na mesma edição em papel d’“EE” referida em 4., foi publicado, na página 27, um artigo intitulado “EE …”, bem como fotografia do Autor com a legenda “AA”, no qual se lê, nomeadamente (doc. Fls. 84):

“ Juíza de instrução concluiu que AA não foi difamado e que a sua fotografia podia ser publicada.

O Ministério público tinha acusado um jornalista, o diretor editorial, o diretor geral de EE e o presidente da Câmara de …, mas a juíza de instrução decidiu não levar o caso a julgamento por não haver indícios de crime.

O advogado que exige cerca de 400 mil euros de honorários à Câmara Municipal de … não foi difamado pelo EE. O entendimento é da juíza de instrução criminal, HH, que decidiu não levar a julgamento o jornalista II, o diretor editorial DD e o diretor geral do jornal BB, bem como o presidente da Câmara, FF, considerando não existirem indícios do crime de difamação agravada de que tinham sido acusados pelo ministério Público. A Juíza também despronunciou os dois diretores de EE acusados de publicação de fotografia ilícita por ter sido colocada a foto de AA nalguns artigos de jornal.


A juíza de instrução considerou que o jornal ao dar a notícia dos processos de execução de dívidas que AA tem contra a câmara não visava o advogado, acrescentando que os textos salientam antes a existência de um “litígio judicial entre o município e um advogado”.  E concluiu que estando em causa um valor elevado, a natureza das partes envolvidas, sendo que a autarquia está sujeita ao escrutínio público, as notícias assumem “inequívoco interesse noticioso”.


Em causa estavam sobretudo as declarações de FF ao jornal que, quando confrontado com os processos do advogado a exigir o pagamento de honorários, disse que o assunto era “uma coisa tão indigna da minha sensibilidade que não sou capaz de falar sobre isso”. Acrescentando que ao longo da vida conheceu centenas de advogados “alguns com quem aprendi noções de ética e nobreza, mas também alguns que estão dispostos a tudo”. Posteriormente, quando recebeu uma carta de AA a pedir explicações, o autarca afirmou que tinha “uma vida ocupada” e não podia “perder tempo com coisas fúteis”, sublinhando que “coisas fúteis e revistas cor-de-rosa são para ler nos consultórios médicos quando se está à espera de consulta” “(…)”

6. O artigo referido em 4. foi ainda publicado na edição on-line do jornal “EE” em 25 de Maio de 2011;

7. Em 3 de Julho de 2011 o Autor interpôs ação de procedimento cautelar comum, com o n.º 1465/11.0TBSTR, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, na qual veio a ser proferida sentença em 10 de Novembro de 2011, transitada em 20 de Abril de 2012, sendo os aqui Réus condenados a:

a) remover de todas as páginas da internet o texto ofensivo do crédito e bom nome do Requerente, identificado na presente providência, que sejam da responsabilidade ou cuja remoção esteja na disponibilidade do Requerido BB.

b) remover de todas as páginas da Internet a imagem do Requerente, que surge associada ao mencionado texto, que sejam da responsabilidade ou cuja remoção esteja na disponibilidade do Requerido BB;

c) recolher e destruir todos os exemplares da edição em papel de “EE” de … de Maio de 20…, ainda não destruídos ou vendidos;

d) abster-se de editar, publicar, republicar, divulgar, distribuir ou difundir por qualquer meio e formato texto, imagens ou registos áudio que se refiram, direta ou indiretamente, ao Requerente, em molde que ofendam o seu crédito ou bom nome;

e) abster-se de qualquer meio e formato texto, imagens ou registos áudio que se refiram, direta ou indiretamente, a qualquer ação judicial, administrativa ou outra, em que sejam partes o Requerente, por um lado, e os Requeridos, por outro, enquanto não transitar em julgado a decisão final;

f) publicar a decisão que defira as providências agora requeridas na edição em papel do semanário “EE” na última página de um dos dois primeiros números seguintes ao trânsito em julgado desta decisão;

g) publicar esta decisão, no dia seguinte ao seu trânsito em julgado, em todas as primeiras páginas das edições digitais de “EE” mantendo-se aí durante uma semana.

- condenar ao pagamento a cada um dos requeridos de uma sanção pecuniária compulsória assim fixada:

- € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Requerido por cada dia – contado a partir do trânsito em julgado desta decisão – que o artigo calunioso em questão permaneça em qualquer página da internet;

- € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Requerido por cada dia – contado a partir do trânsito em julgado desta decisão – que a imagem do Requerente, associada ao artigo calunioso em questão surja em qualquer página da internet;

- € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Requerido pela infração da providência supra indicada na alínea c);

- € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Requerido pela infração das providência supra indicada nas alínea d) e e);

- € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Requerido pela infração das providência supra indicada nas alínea f) e g);

8. Na edição em papel e igualmente na edição on-line do jornal “EE” de 10 de Novembro de 2011 foi publicado um artigo intitulado “…” originou queixa na ERC que foi arquivada”;

9. O jornal “EE” encontra-se registado na Entidade Reguladora da Comunicação como uma publicação periódica com sede de redação na Rua …, n.º …, …, e encontra-se inscrita a favor de BB e CC, em nome individual;

10. Na data referida em 4. lê-se na ficha técnica do jornal “EE” que DD exercia as funções de “Diretor” e que detinha a “cédula profissional n.º …”;

11. O Autor nasceu em … de Setembro de 1955;

12. O Autor é advogado inscrito na Ordem dos Advogados desde …de Agosto de 19… e sócio da “JJ, Sociedade de Advogados de Responsabilidade Limitada”;

13. Os artigos descritos em 4. e 8. estiveram publicados na edição digital do jornal “EE” até …-04-20… ( e não 20… como por lapso de escrita aí contava);

14. A fotografia do A. encontra-se publicada na edição on-line do jornal “EE”;

15. Ao ler os artigos referidos em 4. e 8., o Autor sentiu-se indignado e revoltado;

16. E permaneceu exaltado até ao termo da publicação dos artigos referido em 4. e 8.;

17. O Autor sentiu vergonha perante os seus parceiros profissionais;

18. E temor de que afetasse a sua imagem enquanto advogado;

19. Entre Janeiro de 20… e Setembro de 20… a “JJ, sociedade de Advogados de Responsabilidade Limitada” obteve proventos na ordem dos € 40.457,54;

20. O Réu BB, ao publicar o artigo referido em 4., agiu com o propósito de lançar suspeitas sobre a existência de favores de terceiros para que o Autor obtivesse proventos ilegítimos, e molestar a sua honra e a sua consideração pessoal e profissional ( Excluído da matéria de facto);

21. O Autor é advogado conhecido e prestigiado no concelho de …;

22. O Autor foi diretor do Boletim da Delegação de … da Ordem dos Advogados;

23. O Autor foi vice-presidente da direção da Associação Forense de … entre 20… e 20…;

24. O Autor foi vogal do conselho de administração da Fundação Liga entre 20… e 20…;

25. Em …-09-20…, o Autor iniciou a prestação de serviços de advocacia ao Município de … mediante o pagamento de avença mensal, por concurso público, com consulta prévia;

26. Em …-10-20…, o Autor enviou fez cessar, através do envio de carta ao Presidente da Câmara Municipal de …, tal prestação de serviços;

27. O Autor intentou contra o Município de … seis ações judiciais para pagamento de honorários de advogado daquele no valor total, sem IVA e juros, de € 280.900,00;

28. O Autor e o Município de … acordaram pôr termo às ações de honorários intentadas por aquele, mediante o pagamento pelo segundo da quantia aproximada de € 200.000,00, com IVA;

29. No âmbito do processo 2. foi realizada diligência de busca e apreensão na redação do jornal “EE”;

30. A fotografia referida em 5. e 14. foi obtida em reunião pública realizada em …-03-20…, na Câmara Municipal do …, em que o A. participou como advogado                 ( alterado).

31. Os artigos referidos em 4. e 8., no suporte de papel ou na publicação da internet, não incluem, não tinham imediatamente ao lado e não remetiam para a fotografia referida em 5. e 14.

32. A fotografia referida em 5. e 14. não permitia o carregamento e posterior visualização dos artigos referidos em 4. e 8.;

33. Em 2011, o jornal “EE” era lido na região de Lisboa e Vale do Tejo, e colocava pelo menos seis mil jornais nos pontos de venda e vinte e três mil nas caixas de correio;

34. Em Setembro de 2011, os conteúdos do jornal digital “EE” foram lidas pelo menos trezentas mil vezes;

35. A fração G correspondente ao 3.º Dto do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 5…, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

36. O prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2…, tem como titulares do rendimento BB e CC;

37. O prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2…0, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

38. O prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia …, ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2…1, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

39. O prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2…2, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

40. O prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2…3, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

41. O prédio urbano sito na Rua … n.º …/..6, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4…5, tem como titular do rendimento KK, Lda.;

42. O prédio urbano sito no Largo …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 9…6, tem como titular do rendimento BB;

43. O prédio urbano sito na Rua … n.º … e …, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1…4, tem como titular do rendimento BB;

44. O prédio rústico sito em …, …, inscrita na respetiva matriz sob o artigo 4… da secção H-H1, tem como titular do rendimento BB;

45. A sociedade com a firma KK, Lda. encontra-se matriculada na Conservatória do Registo comercial sob o n.º 1…9 e tem como sócios BB e CC;

46. O veículo, marca Jaguar, com a matrícula …-GE-… teve como proprietários inscritos, desde 2009, BB e CC;

47. O veículo, marca Mercedes-Benz, com a matrícula …-…-US, teve como proprietários inscritos, desde 2004, BB e CC;


    3. Passando a apreciar as questões jurídicas envolvidas no recurso, considerou a Relação, no acórdão recorrido, – após passar em revista o quadro normativo e as referências jurisprudenciais e doutrinárias relevantes e aplicável em sede de compatibilização prática dos direitos individuais de personalidade e da liberdade de imprensa:

A questão essencial a decidir nos presentes autos consiste em saber se os réus cometeram, ou não, um ato ilícito, consistente na violação de direitos de personalidade do Autor, concretamente os direitos ao bom nome, reputação, e à imagem, tutelados no art.º 70.º do C. Civil e 24.º e segs. da C. R. P., e se estão verificados os demais pressupostos de responsabilidade civil de que depende o dever de indemnização.

(…)

No caso concreto, estamos em presença de um artigo de opinião, cujo teor consta do facto n.º 4 e tem de compreendido em conjugação com a notícia descrita no facto n.º5 e com o processo criminal e factos precedentes (relatados em 1 a 3 dos factos assentes).

Na realidade, conforme também foi entendido pelo Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, na sua Deliberação 23/CONT-I/2011, de 19 de outubro de 2011, na sequência de queixa apresentada em 27 de Junho de 2011 por AA contra os proprietários e os diretores da publicação “EE”, a qual foi arquivada, estamos em presença de um texto de opinião, e não de um texto jornalístico, em que o artigo integra a rúbrica “Última página”, publicada regularmente e assinada por BB, sob o acrónimo BB, numa coluna que ocupa um terço da página, utilizada para comentar acontecimentos noticiados no jornal.

Por essa razão, entendeu essa Entidade que o artigo em questão, e referido no ponto 4 da matéria de facto, veicula a opinião do seu autor, que se expressa na primeira pessoa do singular, “permitindo que o leitor facilmente se aperceba que se trata de um texto de opinião, e não de um trabalho noticioso”. E mais refere que “As intervenções num espaço de opinião, devidamente identificado, remetem para o livre exercício da liberdade de expressão, consagrada no n.º 1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa como “o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio”.

Com efeito, o réu BB limita-se a manifestar, por meio de um jornal local, a sua opinião quanto ao comportamento do Autor, entre outros, enquanto advogado e no exercício desta profissão ao serviço da Câmara Municipal de …, bem como na sua atuação face a uma notícia publicada nesse jornal a propósito do litígio que mantinha com essa autarquia no que respeitava aos seus honorários, tidos por exorbitantes (vide factos 3, 5, e 25 a 28).

Daí que a questão deva ser resolvida no âmbito do exercício do direito de expressão e de opinião, seu conteúdo e limites.

Ora, o direito de expressão e de informação beneficia igualmente do estatuto dos direitos fundamentais, consagrado no art.º 37.º/1 da C. R. P., ao estatuir que “Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”.

E acrescenta-se no seu n.º2 que o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

Porém, admite-se o cometimento de infrações no exercício desses direitos, ficando essas infrações submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social – n.º3.

Assim, também a liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

Todavia, não estamos em presença de um direito absoluto, pois a lei ordinária pode restringi-la nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – seu n.º3.

E a verdade é que entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

Citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 227/228, concluiu-se do n.º 3 “que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, cuja infração pode conduzir à punição criminal. Esses limites visam salvaguardar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes, que gozam de proteção penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (art.º 26.º)”.

Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. Pág. 848 e segs., exaltam o significado moral e a da importância do bem ou interesse da esfera da vida protegido pela liberdade de expressão do pensamento, sem a qual “atinge-se não apenas o pensamento, mas também e imediatamente a dignidade da pessoa humana (art.º1) e o desenvolvimento da personalidade (art.º 26.º/1)”.

E envolve, como referem os Autores, “o direito de não ser impedido de se exprimir e de divulgar, pelos meios a que tenha acesso, ideias e opiniões (cf. Acórdão do T. C. n.º 636/95).

“A liberdade de expressão implica o direito de expressar o pensamento, ou seja, ideias, opiniões, pontos de vista, juízos de valor, críticas, tomadas de posição sobre quaisquer assuntos, quaisquer que sejam as finalidades e os critérios de valoração, não pressupondo “sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos” (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 572). Quer dizer, a divulgação de notícias falsas atentatórias do bom nome, da reputação, da honra ou da vida privada de outrem será levada em linha de conta no momento do juízo de ponderação em caso de colisão com outros direitos” – cf. Acórdão do T. C. n.º 292/2008.

 O direito de liberdade de expressão e de informação goza ainda de reconhecimento no Direito Internacional, como é o caso dos art.º 18.º e 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e art.º 10.º/1 da CEDH, e no âmbito da Lei ordinária (art.º 22.º, alínea a), da Lei n.º 2/99, de 13/01 – Lei de Imprensa).

Também a CDFUE (CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA) consagra no seu art.º 11.º a liberdade de expressão e de informação, prescrevendo que “ Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.

Mas é no âmbito da aplicação do art.º 10.º/1 da Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que o conteúdo e limites ao exercício do direito de expressão tem assumido maior relevância, desde logo pela interpretação que dele é feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

         Com efeito, sob a epígrafe “Liberdade de Expressão”, reza o art.º 10 da CEDH:

1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.

2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

O TEDH, por Acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2007 (CASO ALMEIDA AZEVEDO c. PORTUGAL (Queixa no 43924/02), “ lembra que, de acordo com a sua jurisprudência constante, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»”.

Também no CASO URBINO RODRIGUES c. PORTUGAL (Queixa n o 75088/01), pelo Acórdão de 29 de Novembro de 2005, o TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”:

A propósito do entendimento assumido pelo THDH, negando, à partida, que um outro bem ou interesse goze de um peso superior ao da liberdade de expressão, realçam Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. Pág. 857 (citando Francisco Teixeira da Mota, “O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, págs. 39-84): “São graves, porque levam a que Portugal … seja dos países pertencentes ao Conselho Europeu que revela possuir um dos padrões mais baixos de tutela jurisdicional das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, na medida em que o Estado Português foi condenado nas oito das dez queixas apresentadas nessa matéria junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outras palavras, os tribunais portugueses não têm feito prevalecer, como deviam, os interesses da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa sobre os bens e interesses a que dão primazia (habitualmente, a honra, o bom nome ou a vida privada). Justamente condenado, por desconhecer a importância da liberdade de expressão, resultando esse padrão tanto da jurisprudência ordinária como da jurisprudência constitucional”.

Conhecedor desta realidade, o STJ tem vindo a aceitar uma interpretação mais ampla e menos restritiva da liberdade de expressão, como flui do seu Acórdão de 23/04/2009 ( ), podendo ler-se no seu sumário: “III - O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”. IV - No caso sub judice, o TEDH teve como não verificada essa condição, afirmando a primazia da liberdade de expressão, considerando que a condenação do requerente não representou um meio razoavelmente proporcional, com vista ao cumprimento do objetivo legítimo visado, tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de expressão”.

“Havendo direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize” – cf. Acórdão do STJ, de 2/12/2013, proc. n.º 1667/08.7TBCBR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

Ora, como se deixou dito, está também constitucionalmente garantido o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, o direito a imagem e a reserva da vida privada e familiar – art. 26.°, n.°1, da C. R. P.


Daí que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”, como flui do n.º1 do art.º 335.º do C. Civil, sendo que se os direitos foram desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (seu n.º2), afirmação normativa que comporta a ideia de limites ao próprio exercício do direito, que, “uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude” – cf. Acórdão do STJ supra citado.

       Para Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 61 e segs., “a liberdade de imprensa não sobreleva o direito à honra. Embora ambos estejam formalmente consagrados na Constituição da República como direitos, liberdades e garantias, a defesa da honra situa-se no âmbito superior dos direitos de personalidade e é, por isso, hierarquicamente superior à liberdade de imprensa”. 

     Perante o quadro jurídico descrito e a proteção legal e constitucional dos apontados direitos e liberdades, importa apurar se o Réu BB, ao publicar o artigo da sua autoria no jornal “EE”, em … de Maio de 20…, intitulado “…”, ultrapassou, ou não, os limites durante o exercício do seu direito de manifestar livremente as suas opiniões, ou seja, o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, o exercício da sua liberdade de expressão.

    Dito de outro modo, constituindo os direitos de personalidade um dos limites à liberdade de expressão, importa apurar se no caso concreto foram ultrapassados esses limites, se houve ou não excesso no exercício dessa liberdade, conduzindo à ilicitude desse comportamento, o que nos remete para uma ponderação dos bens em conflito e princípio da proporcionalidade (art.º 18.º/2 da C. R. P.) – cf. Jorge Reis Novais, “Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional”, 2102, Coimbra Editora, pág. 126 e segs.

Critério este que tem sido seguido pela jurisprudência, como se pode ver, entre outros, no Acórdão do STJ de 7/3/2002 (Revista n.º 184/02 - 7.ª Secção; Relator: Oliveira Barros), ao afirmar:

“ I. Os direitos de informação e de livre expressão sofrem as restrições necessárias à coexistência, em sociedade democrática, de outros direitos como os da honra e reputação das pessoas.

II. Há que procurar, antes do mais, a “concordância prática” desses direitos, de informação e livre expressão, por um lado, e à integridade moral e ao bom nome e reputação, por outro, mediante o sacrifício indispensável de ambos.

III. Em último termo, o reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional democrática impõe que a colisão desses direitos deva, em princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade (n.º 2 do art.º 335 do CC), só assim não sucedendo quando, em concreto, concorram circunstâncias suscetíveis de, à luz de relevante interesse público, justificar a adequação da solução oposta”.

     Ora, no caso concreto, o artigo de opinião mencionado tem de ser compreendido no contexto em que foi publicado.

Na verdade, ele é justificado na sequência de uma notícia publicada pelo mesmo jornal “EE”, em que relata o diferendo existente entre o Autor, na qualidade de advogado e no exercício da sua atividade profissional, prestada a favor da Câmara Municipal de …, emergente dos honorários que exigia a essa autarquia, cerca de €400.000,00, sem IVA, e as expressões proferidas pelo então presidente da Câmara, que motivaram a apresentação, pelo Autor, de uma queixa-crime contra Réus BB, DD e FF (presidente da Câmara Municipal de …), processo esse que terminou (em 20 de Maio de 2011) com um despacho de não pronúncia pelos crimes de difamação agravado, através de meio de comunicação social, previsto e punido pelos artigos 180.º/1, 182.º, 183.º/2 e 184.º, todos do C. Penal e artigo 31.º/3 da lei n.º 2/99, de 13/01, e pela prática de um crime de fotografia ilícita, previsto e punido pelo artigo 199.º/2, alínea b) e 197.º, alínea b), ambos do C. Penal – factos 1 a 3.

Por causa desse diferendo, o Autor havia intentado contra essa autarquia seis ações judiciais para pagamento dos seus honorários de advogado, no valor total, sem IVA e juros, de € 280.900,00, e posteriormente acordaram pôr termo às ações mediante o pagamento pela Câmara Municipal de … da quantia aproximada de € 200.000,00, com IVA, sendo que o Autor em 30-09-2004 iniciou a prestação de serviços de advocacia ao Município de … mediante o pagamento de avença mensal, por concurso público (factos 25 a 28).

Assim, estamos perante a prestação de um serviço a uma entidade pública, por um profissional liberal, o que evidencia o relevante interesse público, em particular dos munícipes, em conhecer os montantes pagos ao Autor, pelos serviços jurídicos prestados a essa autarquia, ou seja, como são gastos os dinheiros públicos, independentemente da justificação, razoabilidade, ou não, dos valores que eram peticionados.

Acresce que, no caso, esses valores eram manifestamente excessivos, tanto assim que foram reduzidos para cerca de metade.

Por outro lado, nessas circunstâncias, o Autor assume-se como uma figura pública, pelo menos nessa região, quer pelas funções que exercia para a autarquia, sendo um advogado conhecido e prestigiado no concelho de …, foi diretor do Boletim da Delegação de … da Ordem dos Advogados, vice-presidente da direção da Associação Forense de … entre 20… e 20… e foi vogal do conselho de administração da … entre 20… e 20… – factos 21 a 25.

Ora, o Autor, enquanto advogado, e no exercício desta profissão, de manifesto interesse público, ao estabelecer um vínculo de natureza contratual com essa entidade pública, tem de esperar e aceitar a exigência de um escrutínio público mais rigoroso da sua conduta, em particular quanto à gestão de recursos públicos, como era o caso.

É neste contexto que surge publicado o mencionado artigo de opinião.

Com efeito, o Réu BB, referindo-se ao Autor, começa por afirmar “…. A ação que resolveu interpor em tribunal contra EE e os seus jornalistas é um atentado à liberdade de informar (ver página 27 desta edição)”.

Deste texto decorre apenas uma critica ao comportamento do Autor em instaurar a citada queixa-crime, que foi arquivada, remetendo para a notícia da página 27, onde se noticia com maior desenvolvimento essa informação, considerando ridículo (quer dizer, caricato, irrisório, insignificante) esse comportamento, configurando até, segundo o seu autor, uma forma de limitar ou atentar contra a liberdade de informar.

Esta expressão (ridículo) não assume foros de gravidade nem se revela excessiva, situando perfeitamente no conteúdo da liberdade de expressão e de opinião, evidenciando uma censura ao comportamento do Autor, não colidindo com os seus direitos de personalidade, em particular ao seu bom nome, honra e reputação.

E o mesmo se dirá quanto refere “Estão agora explicadas as asneiras de GG na relação com EE ao recusar o pagamento das dívidas que a autarquia tinha para com o nosso jornal. Acabou por pagar em tribunal mas é fácil verificar agora que quem se rodeia de advogados desta estirpe, e já é fraca roupa, depressa fica um farrapo”, pois o autor do texto com estas expressões está a referir-se manifestamente a GG.

Este excerto é justificado, segundo o seu autor, porque esse assunto (queixa crime, entenda-se) “trouxe pela primeira vez dois inspetores da Polícia Judiciária aos nossos computadores da redação. O advogado queixoso conseguiu que a justiça se mexesse de forma a que não fizéssemos desaparecer dos computadores os textos em que ele se sentia ofendido. O nosso pecado foi termos escrito que o dito advogado, prestador de serviços à Câmara de …, tinha exigido quase meio milhão de euros. E pecado ainda maior foi termos dado a palavra ao presidente da câmara que resolveu tratá-lo como eu também acho que ele merecia”.

E dúvidas também parecem não existir quanto à não colisão desses direitos de personalidade, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas, quando refere que “O que me espanta nesta história é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização. Como é que é possível um tipo ter a profissão de advogado, trabalhar para uma autarquia em processos que são públicos e notórios, e depois pedir em tribunal a condenação de um jornal e dos seus jornalistas por publicarmos a sua foto sem lhe pedirmos autorização? O ridículo ainda maior é vivermos num país que tem uma justiça que permite este tipo de oportunismo”.

Com efeito, e com o devido respeito, objetivamente, não se pode concluir que o autor do artigo insinuasse que o “Autor obtém proventos fruto de favores de políticos amigos e terceiros, sem que tenha aptidão ou merecimento na sua obtenção”, como se diz na decisão recorrida (podendo antes inferir-se que beneficia da amizade de alguns políticos na obtenção de trabalho forense, que beneficia de favores de políticos amigos nesse sentido, mas não que seja incompetente profissionalmente ou que não tenha aptidão para conseguir trabalho na sua profissão e obter rendimentos), constituindo antes, é certo, uma critica contundente e violenta ao comportamento profissional do Autor, revelando profunda indignação e dura censura ética à sua concreta conduta, tendo por base factos verídicos e concretos – a “exorbitância” ou “excessivo montante” dos honorários reclamados, as ações instauradas para a sua cobrança, a redução para metade dos honorários peticionados, a posição expressa ao jornal pelo então presidente da Câmara, a queixa-crime apresentada e respetivo arquivamento.

Este artigo não pode, pois, deixar de ser interpretado como uma censura violenta à conduta do Autor, enquanto advogado ao serviço da Câmara Municipal de …, que foi tida como intencionalmente provocatória e retaliatória, e por abusar, segundo o pensamento do autor do artigo, dos seus conhecimentos jurídicos, ao apresentar a citada queixa-crime.

Ora, nestas circunstâncias, também não se vê qualquer ilicitude quando refere “Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste AA, que tem a advocacia como profissão, não faltarão por aí. Mas a justiça portuguesa, que devia ser o pilar da democracia, a referência do país com mais de oito séculos, pode ficar refém de um advogado que acha que pode incomodar tudo e todos só porque pensa que domina o sistema?”

Destarte, estamos perante um artigo de opinião, em que o seu autor expressa juízos de valor e censura eticamente o comportamento do Autor, enquanto profissional forense, pelo exercício dessa profissão, não em termos pessoais, permitindo aos seus leitores formular as próprias conclusões quanto ao seu acerto, que apesar de violenta não se revela desproporcionada e desadequada, atento o evidente interesse social que o assunto justifica na comunidade local.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 14/10/2003 (Revista n.º 2249/03 - 1.ª Secção; Relator: Alves Velho), “O direito de crítica, enquanto manifestação do direito de opinião, tendo subjacente o confronto de ideias, traduz-se na apreciação e avaliação de atuações ou comportamentos de outrem, com a correspondente emissão de juízos racionais apreciativos ou depreciativos.

O seu limite lógico deve ser, consequentemente, o resultante do próprio conceito de crítica, correspondendo este ao confronto de ideias, a apreciação racional de comportamentos e manifestação de opiniões; por afastadas e exorbitantes do conteúdo do direito se hão-de ter “considerações imotivadas ou de pura malquerença pessoal”.

Como é sabido, “a crítica não exclui a ironia, o humor, mesmo corrosivo, e o tom sarcástico. Criticar é tomar o objeto da crítica e julgá-lo, pois a crítica tem uma vertente judicativa. O mesmo se diga em relação ao direito de emitir opinião num artigo opinativo. Sendo a opinião de tónica subjetiva, a verdade é que ela tem de partir de um substrato objetivo e manter com ele uma ligação lógica. Podendo expender-se uma opinião, tanto sobre um facto, um acontecimento, como sobre uma pessoa, esta última é sempre mais difícil de aceitar, sobretudo quando se traduz numa opinião desfavorável, porque aí é mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito” – cf. Acórdão do STJ, de 3/6/2009, Proc. n.º 617/09 - 5.ª Secção; Relator: Rodrigues da Costa.

A liberdade de expressão abrange o recurso a certa dose de exagero, mesmo de provocação, de polémica e de agressividade, como admite e protege o art.º 10.º da CEDH, e assim tem sido interpretado pelo TEDH, cujas restrições têm de ser interpretadas estritamente e corresponder a «necessidade social imperiosa», por necessário e fundamental numa sociedade democrática.

      Citando de novo o Acórdão do STJ de 3/6/2009, “Uma tradição longamente firmada no seio das democracias admite com largueza a crítica e a opinião em certos domínios sociais e sobretudo políticos, aqui envolvendo mesmo os protagonistas. Todavia, a crítica e a opinião não podem ter como único sustentáculo, mesmo aí, o ataque pessoal, sobretudo quando esse ataque é imotivado, cego, ditado pela paixão ideológica ou por um espírito de vindicta ou de ajuste de contas”.

        Concluindo, e salvo sempre o devido respeito por opinião adversa, o texto do artigo em causa e mencionado em 4) dos factos provados não se reveste da ilicitude exigida no art.º 483.º do C. Civil, no sentido de conter expressões suscetíveis de lesionar o bom nome, a honra ou a reputação profissional do Autor, não se verificando, em consequência, um dos pressupostos necessários ao direito de indemnização.

      E à mesma conclusão chegamos quanto à pretensa violação do direito á imagem.

     Na verdade, o direito à imagem, para além de consagrado no art.º 26.º/1 da CRP, encontra-se protegido no art.º 79.º do C. Civil, ao prever que “O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”, esclarecendo o seu n.º2 não ser necessário esse consentimento quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe e quando a imagem se enquadre em factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

        Ora, está provado que a fotografia do Autor referida em 5) e 14) foi obtida em reunião pública realizada em …-03-20…, na Câmara Municipal do …, em que o A. participou como advogado.

Essa fotografia foi publicado na página 27, do citado jornal, com o artigo intitulado “EE cumpriu o dever de informar no caso do advogado que exige 400 mil euros da Câmara de …”, no qual se lê, nomeadamente:

 “ Juíza de instrução concluiu que AA não foi difamado e que a sua fotografia podia ser publicada.

O Ministério público tinha acusado um jornalista, o diretor editorial, o diretor geral de EE e o presidente da Câmara de …, mas a juíza de instrução decidiu não levar o caso a julgamento por não haver indícios de crime.

O advogado que exige cerca de 400 mil euros de honorários à Câmara Municipal de … não foi difamado pelo EE. O entendimento é da juíza de instrução criminal, HH, que decidiu não levara julgamento o jornalista II, o diretor editorial DD e o diretor geral do jornal BB, bem como o presidente da Câmara, FF, considerando não existirem indícios do crime de difamação agravada de que tinham sido acusados pelo ministério Público. A Juíza também despronunciou os dois diretores de EE acusados de publicação de fotografia ilícita por ter sido colocada a foto de AA nalguns artigos de jornal.


A juíza de instrução considerou que o jornal ao dar a notícia dos processos de execução de dívidas que AA tem contra a câmara não visava o advogado, acrescentando que os textos salientam antes a existência de um “litígio judicial entre o município e um advogado”.  E concluiu que estando em causa um valor elevado, a natureza das partes envolvidas, sendo que a autarquia está sujeita ao escrutínio público, as notícias assumem “inequívoco interesse noticioso”.


Em causa estavam sobretudo as declarações de FF ao jornal que, quando confrontado com os processos do advogado a exigir o pagamento de honorários, disse que o assunto era “uma coisa tão indigna da minha sensibilidade que não sou capaz de falar sobre isso”. Acrescentando que ao longo da vida conheceu centenas de advogados “alguns com quem aprendi noções de ética e nobreza, mas também alguns que estão dispostos a tudo”. Posteriormente, quando recebeu uma carta de AA a pedir explicações, o autarca afirmou que tinha “uma vida ocupada” e não podia “perder tempo com coisas fúteis”, sublinhando que “coisas fúteis e revistas cor-de-rosa são para ler nos consultórios médicos quando se está à espera de consulta” “(…)”

      Assim, tratando-se de uma figura com notoriedade pública, exercendo a advocacia, com especial incidência nessa localidade e para a Câmara Municipal de …, a qual foi obtida em reunião pública e no exercício dessa profissão, nos termos já explicitados, e tendo essa notícia relevante interesse público, não é ilícita a sua utilização, não colidindo com o seu direito à imagem ou reserva da vida privada, como flui do n.º2 do art.º 79.º do C. Civil, afastada que se mostra a previsão do seu n.º3.

Resumindo, a resposta à questão de saber se os Réus estão obrigados a indemnizar o Autor e em que termos, terá de ser negativa, pelo que a decisão recorrida não pode ser mantida, nesta parte, procedendo a apelação dos réus/recorrentes.

 E, em consonância com estes fundamentos, proferiu a Relação a seguinte decisão no recurso:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação:

a) Confirmar a decisão do relator quanto à não admissão da certidão de fls. 5344 a 5345, indeferindo a reclamação.

Custas pelos reclamantes/réus, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor e procedente o recurso interposto pelos réus, revogando a decisão recorrida e absolvendo os Réus de todos os pedidos formulados pelo Autor.

c) Julgar procedentes os recursos interpostos pelo Autor e pelos Réus, no que respeita à sua condenação como litigantes de má-fé, revogando a sentença e absolvendo-os destes pedidos.


    4. Inconformado, interpôs o A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1.     O tribunal a quo deveria ter rejeitado liminarmente o requerimento de interposição do recurso de apelação dos réus por falta de cumprimento do convite ao aperfeiçoamento das conclusões e, nessa medida, não devia ter conhecido do recurso.

2.     Assim não decidindo, violou o tribunal a quo o disposto nas normas dos nºs 1 e 3 do artº 3º e nº 3 do artº 639º do Código de Processo Civil.

3.     A 1ª instância fixou no ponto 20 dos Factos Provados (cf. fls. 20 do acórdão):

"O réu BB, ao publicar o artigo referido em 4., agiu com o propósito de lançar suspeitas sobre a existência de favores de terceiros para que o Autor obtivesse proventos ilegítimos, e molestar a sua honra e a sua consideração pessoal e profissional".

4.      O que fez com a seguinte fundamentação (cf. fls. 35 do acórdão):

"O ponto 20 sustentou-se na leitura do artigo, concatenado cm as regras da experiência comum, as quais ditam que a opção pela imputação de uma suspeita ou uma insinuação, sem referência a qualquer base factual ou descrição de raciocínio dedutivo a partir de outros dados, revela um propósito de ataque insidioso contra a honra do visado".

5.     O tribunal a quo rechaçou aquela presunção judicial e veio a formular um juízo de exclusão desta matéria dos Factos Provados (cf. fls. 36/37 e 38, do acórdão) fundado nas seguintes considerações:

a) " as circunstâncias em que (o artigo) foi publicado" (cf. fls. 38);

b) "nomeadamente se conjugado com a notícia publicada no mesmo dia nesse jornal em suporte papel, na página 27 (facto nº 5), para a qual remete o artigo em causa" (cf, fls. 38);

c) que (cf. fls. 39 do acórdão), "essa factualidade não foi alegada na petição inicial pelo autor e, por isso, também não consta do questionário lavrado no saneador a fls, 701 a 709. Não sendo tal matéria de facto alegada na p.i. seria, só por si, motivo bastante para a excluir dos factos provados ".

6.    O acórdão não esclarece, nem adianta qualquer facto, que permita saber a que "circunstâncias" se refere vaga e inapreensivelmente, tirante essa de que o artigo "…" (facto provado 4) remete para o artigo "EE cumpriu o dever de informar no caso do advogado que exige 400 mil euros da Câmara de …", publicado na página 27 da referida edição em papel do dia … de Maio de 20… (facto provado 5).

7.     O raciocínio subjacente à afirmação, de que o artigo “…" remete para esse outro texto constante do facto provado 5, está inquinado do vício de erro notório na apreciação do teor do primeiro daqueles artigos nas edições on line de EE.

8.     Com efeito, só na edição em papel do dia … de Maio de 20… é que se faz referência, no 1º parágrafo do artigo "…", à página 27 dessa edição, exarando-se apenas: ''''ver página 27 desta edição".

9.      Já nas páginas on line do mesmo jornal, onde o artigo "…" esteve publicado, autónoma e continuadamente, desde … de Maio de 20… até … de Abril de 20… (cf. factos provados 4, 6 e 13), não consta qualquer remissão para outro artigo, designadamente para o da página 27 da edição em papel de 26 de Maio de 2011, conforme claramente resulta dos documentos de fls. 85, 87, 88, 90, 91 e 92 dos autos, salvando-se o documento de fls. 89, publicado na página on-line http://www.omirante.pt/notiia.asp?idEdicao=54&id=45441&idSeccao=543&Action...”, no qual apenas se escreveu: "ver notícia na edição semanal", frase que, evidentemente, não pode considerar-se uma remissão para a mencionada página 27. Tais documentos foram descartados no processo intelectual que subjazeu à formulação do juízo de eliminação do facto provado 20.

10.    Ou seja: todos os cidadãos que acederam às páginas on-line de EE - e foram eles centenas de milhares (cf. facto provado 34) ao longo dos 298 dias em que ali esteve publicado o artigo "…" -, e leram este texto, não foram remetidos a partir dele para nenhum outro artigo, contrariamente ao que se afirma no aresto em crise.

11.   E, como tal, depararam, apenas, com as expressões ofensivas do bom nome, do crédito, da honra e do direito ao trabalho do recorrente no citado artigo "…", do qual constam as expressões "…", "…", "...quem se rodeia de advogados desta estirpe e já é fraca roupa depressa fica um farrapo", "O que me espanta é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização", "Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste AA, que tem a advocacia como profissão não faltarão por aí”. "Os nomes que eu gostaria de chamar a este AA estão todos nos livros do Eça de Queiroz que retratam esta gente como mais nenhum...São uns pobres coitados..." (cf. facto provado 4).

12.     O artigo da página 27 da edição em papel do dia … de Maio de 2011 do semanário EE, intitulado "EE cumpriu o dever de informar no caso do advogado que exige 400 mil euros da Câmara de …", é, por contraponto, a prova maior da desnecessidade, desproporcionalidade, desadequação, infundamentação, injustificação, ausência de análise crítica e de opinião ponderada e factual do artigo intitulado "…", realçando a intenção dolosa do recorrido BB em ofender o direito do recorrente ao bom nome, à honra, ao crédito e ao trabalho, na medida em que o primeiro daqueles artigos contém, factualmente, a notícia sobre as acções de honorários instaurados pelo recorrente contra a Câmara Municipal de … e sobre a queixa-crime que deduziu contra os recorridos BB e DD, ao passo em que no segundo artigo o recorrido BB insulta, lança suspeitas infundadas e boatos sobre o recorrente, e coage psicologicamente os constituintes deste e os seus outros potenciais clientes.

13.     Tanto mais que o recorrido Joaquim Emídio é, com a recorrida CC, proprietário do jornal EE (cf. facto provado 9) e seu director-geral (cf. fls. 17 do acórdão e fls. 84 dos autos), e o recorrido DD exerce as funções de director (facto provado 10).

14.       Portanto, os recorridos tinham e têm o poder de controlar a publicação e disseminação das notícias, quer nas edições em papel, quer nas edições on line de EE. Não obstante, não se coibiram de propagar nessas edições as expressões infamantes supra transcritas.

15.     Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar (artº 14º, nº 1 do Código Penal). Ora, o recorrido BB quis escrever, e escreveu, as expressões infamantes contidas no artigo "…", o que fez com o intuito de ofender o bom nome, o crédito, a honra e o direito ao trabalho do recorrente, e de coagir psicologicamente os constituintes e os potenciais clientes deste, não adiantando qualquer facto que permitisse a uma pessoa avisada considerar, à luz das regras da experiência e dos padrões normais de valoração social, que tais expressões tinham uma justificação legal relevante, designadamente no plano do direito à opinião e à liberdade de imprensa.

16.    Assim, o juízo que o tribunal a quo formulou quanto à inexistência de dolo na conduta do recorrido BB foi o corolário de uma análise errónea e ilógica dos artigos "…" e "EE cumpriu o dever de informar no caso do advogado que exige 400 mil euros da Câmara de …", porquanto, sobre ser manifesto que o primeiro texto não remete para este último nas edições on line do jornal, é absolutamente certo que o teor do segundo desses artigos evidencia que aquele réu conhecia a desnecessidade de escrever as expressões infamantes que verteu na prosa " …", bem sabendo que difamava, insultava, caluniava, ofendia o bom nome, o crédito, a honra e o direito ao trabalho do demandante injustificadamente, e que, não obstante ter consciência dessa realidade, quis escrever tais expressões.

17.     Já o raciocínio que conduziu o tribunal a quo à eliminação da facto provado 20 - com o fundamento, aliás inverdadeiro, de que não consta da p.i. nem do saneador matéria tendente a demonstrar a intenção dolosa do recorrido BB - vem a ser absolutamente imperceptível, porquanto, resultando aquele facto de uma presunção judicial extraída pela primeira instância a partir de outros factos-base, é evidente que não tinha de estar nos articulados ou no saneador.

18.     Portanto, viola os princípios da lógica e as normas dos artºs 349º e 351º do CC, e 662º, nº 1, do CPC, o juízo fundado na ideia (interpretação) de que o primeiro daqueles preceitos impõe que um facto presumido a partir de outros factos-base provados deve constar dos articulados.

19.      De tudo resulta que o raciocínio que transportou o tribunal a quo à formulação de um juízo de eliminação do facto provado 20 se encontra inquinado pelo vício de erro notório na apreciação dos documentos e dos factos provados supra referidos, ofende as regras da experiência comum, os padrões normais de valoração social, e viola as normas dos artºs 349º e 351º do Código Civil, do nº 1 do artº 14º do Código Penal, e do nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil, havendo pois de manter-se na matéria assente aquele facto 20,

20.      No mesmo passo, as expressões infamantes contidas no artigo "…" não são sustentadas por facto algum, não são justificadas no texto, não servem o fim legítimo da informação, não se destinam a formar a opinião dos leitores sobre factos legalmente relevantes, designadamente os honorários peticionados pelo recorrente nas acções que instaurou contra a Câmara Municipal de … ou a queixa-crime que deduziu contra os recorridos BB e DD;

19.      O artigo é, todo ele, a expressão de uma intenção dolosa de caluniar o recorrente e de coagir psicologicamente os seus constituintes e os seus potenciais clientes, insultando e intimidando os cidadãos que possam pensar em recorrer ao apoio dos serviços profissionais daquele: são apelidados de "fraca roupa" e motivo de espanto ("o que me espanta é saber que ainda há gente do lado dessa gente”)!, realmente concretizando o recorrido BB, fria e confessadamente, o intuito de minar ao advogado/demandante as bases do seu sustento e a possibilidade concreta do exercício da profissão.

21.      Isto é: o autor do artigo visa, não os factos em si mesmos considerados, mas o profissional, o sistema judicial e o público, desiderato que excede em muito a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

22.      Os artºs 6º e 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artº 19º, nº 3, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o artº 26º, nº 1 da Lei Fundamental portuguesa e o artº 70º, nº 1, do Código Civil, protegem juridicamente os direitos de personalidade do autor, maxime a honra e a reputação, sendo que o artº 15º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, lhe protege o direito a trabalhar e a exercer uma profissão livremente escolhida.

23.      Todas estas normas, bem como as regras da experiência comum e os padrões normais de valoração social, se mostram violadas no raciocínio que transportou o tribunal a quo a um juízo de exclusão da ilicitude dos recorridos à face das expressões infamantes, infundamentadas, desprovidas de qualquer opinião ou crítica legalmente relevantes contidas no artigo "…", dirigidas que foram, com intuito doloso, a ofender a honra, o bom nome, o crédito e o direito ao trabalho do recorrente.

24.     "A tutela civil do direito à honra, ao bom nome e reputação é assegurada pelos arts. 70º, 483º e 484º C. Civil, impondo um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas ou ameaças de ofensas à honra de cada pessoa, estando especialmente contemplada neste último artigo a ilicitude decorrente da ofensa ao crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva".

25.    "O direito ao bom nome e reputação traduz a representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o apreço social pelas qualidades e valores sociais que adornam cada indivíduo ".

26.     "Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (3), consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação".

27.     "Este direito goza de um amplo alcance jurídico e constitui um limite para outros direitos, designadamente para a liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa. Motivo pelo qual os ataques a esse direito legitimam a criminalização dos correspondentes comportamentos e o ressarcimento dos danos daí decorrentes, tutela que em igual medida a própria Lei de Imprensa consagra (arts. 29º, nº 1 e 30º Lei 2/99, de 13 Janeiro) ".

28.     "Assumindo estes dois direitos consagração e protecção constitucional, é difícil estabelecer uma ordem hierárquica entre eles, pelo menos em abstracto. Essa ordem deve antes fazer-se sopesando as circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos",

29.     "Impõe-se ainda fazer aqui uma referência à relevância política ou social dos cargos ou posições ocupadas por determinadas pessoas. Essas pessoas estão mais expostas que o comum dos cidadãos, vêm as suas actuações e comportamentos permanentemente apreciados e avaliados, com emissão dos correspondentes juízos positivos ou negativos.

Mas esta maior exposição à crítica não significa que o direito à honra e reputação seja mais vulnerável e que possa ser gratuitamente atingido.

O respeito e a dignidade das pessoas que ocupam estes cargos continuam a impor-se, independentemente do mérito e da capacidade com que os exerçam" (excertos do acórdão do STJ de 18.06.2009, Senhor Conselheiro Alberto Sobrinho).

30.     Todavia, pretende o acórdão recorrido que o citado artigo tem de ser visto no seu "contexto" (cf. pág. 56) e que as expressões infamantes que contém não colidem com os direitos de personalidade do recorrente, pela proporção e adequação das expressões usadas (cf. pág. 58), lançando mão, para tanto, da alegada remissão feita no artigo "…" (facto provado 4) para o artigo "EE cumpriu o dever de informar no caso do advogado que exige 400 mil euros da Câmara de …" (facto provado 5).

31.     Ora, já se viu acima que o raciocínio que subjazeu a este entendimento padece do vício de erro notório na apreciação dos factos provados 4, 6 e 13, e dos documentos de fls. 85, 87, 88, 89, 90, 91 e 92 dos autos.

32.      Acresce, que a interpretação que o tribunal a quo fez de cada uma das supra transcritas expressões difamantes está irremediavelmente inquinada pelos vícios de erro notório na apreciação dos factos provados e de insuficiência de matéria, ofende as mais elementares regras das experiência e os padrões normais de valoração social, c viola flagrantemente as normas atinentes.

33.      Com efeito, não se verifica in casu nenhum dos pressupostos de exclusão da ilicitude dos recorridos, que actuaram rigorosamente afora de qualquer objectivo de formação da opinião pública, utilizando um meio extraordinariamente danoso para a honra, o bom nome, o crédito e o direito ao trabalho do recorrente, a saber, um artigo pejado de imputações infamantes, insultos, boatos e suspeitas hábeis desprovidas de qualquer sustentação fáctica, que publicaram nas edições em papel e on line de um jornal de grande tiragem e visibilidade na internet.

34.      Assim, é ilógico, infundamentado e inapto a rechaçar a fundamentação fáctico-jurídica da sentença, o processo intelectual que subjazeu ao juízo de exclusão da ilicitude da conduta dos recorridos que o tribunal a quo formulou, porquanto deveria ter apreciado juridicamente as frases:

"…", "Se o ridículo matasse o advogado de … … já seria um cadáver há muito tempo'", "...quem se rodeia de advogados desta estirpe e já é fraca roupa depressa fica um farrapo''', "O que me espanta é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização", "Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste AA, que tem a advocacia como profissão não faltarão por aí”, "Os nomes que eu gostaria de chamar a este AA estão todos nos livros do Eça de Queiroz que retratam esta gente como mais nenhum...São uns pobres coitados...", classificando-as como aquilo que exactamente são em si mesmas e no contexto do título e do texto insultuoso que vem a ser todo o artigo "…", e, ainda, à luz das regras da experiência e dos padrões morais que regulam a vida em sociedade: grandemente ofensivas do bom nome, da honra e do crédito do recorrente, e do seu direito ao trabalho, e não uma crítica realizada à luz dos princípios da liberdade de expressão e de imprensa no quadro do disposto no artº 10º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e do artº 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, razão pela qual o acórdão violou estas citadas normas e aquelas outras dos artºs 6º e 12º da Declaração Universal do Direitos do Homem, da al. a) do nº 3 do artº 19º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do nº 1 do artº 15º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do nº 1 do artº 26º da Lei Fundamental Portuguesa, do nº 1 do artº 70º, do artº 335º, do nº 1, do artº 483º, do artº 484º, todos do Código Civil, do nº 1 do artº 14º do Código Penal, da al. a) do nº 1 do artº 14º e do nº 2 do artº 29º da Lei 1/1999 de 01/01.

35.    No artigo "…" o recorrido BB afirma, expressamente:

"Como é que é possível um tipo ter a profissão de advogado, trabalhar para uma autarquia, em processos que são públicos e notórios, e depois pedir em tribunal a condenação de um jornal e dos seus jornalistas por publicarmos a sua foto sem autorização? ".

36.     A sentença decidiu:

"Quanto à publicação de fotografia, importa convocar o disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, que deve ser interpretado em conjugação com o disposto no artigo 70º do Código Civil. Neste contexto, a definição do limite a partir do qual deixa de ser necessário o consentimento tem de levar em conta a ratio subjacente a cada uma das situações previstas naquela norma.

Assim, nos casos de retratos de pessoas com notoriedade, esta poderá justificar a possibilidade de captação da imagem em lugares ou acontecimentos, identificando a pessoa e associando-a ao lugar do acontecimento em causa. Porém, se a fotografia se referir a uma pessoa perfeitamente identificável, e não se referir ao facto de interesse público que a mesma visava ilustrar nem ao lugar público onde foi recolhida é necessário o consentimento da pessoa retratada (Prof. António Agostinho Guedes. Comentário ao Código Civil - Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 196 e 197).

Na situação vertente, desde logo, a fotografia publicada não permite estabelecer qualquer ligação do A. ao lugar ou acontecimento em que foi captada, apenas possibilitando a identificação daquele'".

37.     Porém, surpreendentemente, o tribunal a quo rechaçou esta fundamentação, nos seguintes termos (cf. fls. 62 do acórdão):

"Assim, tratando-se de uma figura com notoriedade pública, exercendo a advocacia, com especial incidência nessa localidade e para a Câmara Municipal de …, a qual foi obtida em reunião pública e no exercício dessa profissão, nos termos já explicitados, e tendo essa noticia relevante interesse público, não é ilícita a sua utilização, não colidindo com o seu direito à imagem ou reserva da vida privada, como flui do nº 2 do arº 79º do C. Civil, afastada que se mostra a previsão do seu nº 3".

38.     O raciocínio que subjaz a esta asserção padece do vício de insuficiência de matéria e viola flagrantemente as normas do nº 1 do artº 70º e dos nºs 1 e 3 do artº 79º do Código Civil. Com efeito...

39.     "A fotografia referida em 5 e 14 foi obtida em reunião pública realizada na Câmara Municipal do …, em que o autor participou como advogado".(facto provado 30).

40.       Não está, pois, provado que o recorrente haja participado nessa reunião como advogado da Câmara Municipal de ….

41.      E também não está provado que a referida fotografia, exposta nas páginas on line de EE, surja associada a um qualquer artigo que verse aquela reunião ocorrida na Câmara Municipal do ….

42.      Ora, o recorrente, por ser advogado "conhecido e prestigiado" (facto provado 21), fazer voluntariado numa instituição de solidariedade social cuja administração integrava à data dos factos, ter sido director de uma revista da sua classe profissional, portanto de distribuição interna, e vice-presidente da Associação Forense de …, restrita a operadores forenses, não perde o seu direito à imagem, nem é, por força daqueles cargos, uma figura pública.

43.      Mostrando-se provado, pela pena do próprio recorrido BB, que o recorrente não autorizou a captação da fotografia em questão, nem a sua reprodução, as citadas normas do nº 1 do artº 70º e dos nºs 1 e 3 do artº 79º Código Civil impediam o tribunal a quo de formular um juízo de exclusão da ilicitude da conduta dos recorridos na parte em que estes procederam dolosamente - e procedem - à exibição continuada dessa fotografia nas páginas on line de EE.

44.     Noutro eixo: no exercício da sua actividade todo o profissional liberal visa obter receitas, como sucede, aliás, com as empresas de qualquer ramos de actividade.

45.       Mostrando-se provado que o recorrente é advogado desde 198… e sócio da, entretanto extinta, "JJ, Sociedade de Advogados de Responsabilidade Limitada" (cf. facto provado 12); que os recorridos publicaram na edição em papel e nas edições on line de EE o artigo "…", do qual constam as expressões "…", ''Se o ridículo matasse o advogado de … AA já seria um cadáver há muito tempo", "...quem se rodeia de advogados desta estirpe e já é fraca roupa depressa fica um farrapo", "O que me espanta é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização'", ''Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste AA, que tem a advocacia como profissão não faltarão por aí" (cf. facto provado 4); e mostrando-se também provado que esse artigo se manteve publicado nas edições on line do referido jornal entre … de Maio de 20… e … de Abril de 20… (cf. facto provado 13), é manifesto, à luz das regras da experiência comum e dos padrões normais de valoração social, que estas frases insultuosas, continuadamente publicadas na internet, são causa adequada para desviar clientes do escritório de advocacia do recorrente e da sociedade de que era sócio, conforme alegou na p.i„ determinando para ele prejuízos patrimoniais indirectos, a indemnizar segundo um juízo de equidade (artºs 483º. 484º, 563º e 566º, nº 3, todos do Código Civil).

46.      Este facto presumido podia e devia ter sido extraído pelas instâncias dos sobreditos factos provados e das regras da experiência, sendo evidente que os recorridos ofenderam, dolosamente, o direito do recorrente ao trabalho, garantido pelo artº 15º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

47.      E verdade que em sede de responsabilidade civil cabe ao ofendido provar a culpa do lesante (artº 487º, nº 1, do Código Civil). Também assim quanto aos danos que alegue terem sido produzidos por força do facto ilícito,

48.      Porém, no caso específico da ofensa ao crédito ou ao bom nome (ilícito que, note-se, o legislador autonomizou no quadro do instituto da responsabilidade civil), pode suceder que não seja possível ao lesado fazer prova de certos danos, não se seguindo daí que o tribunal não deva tê-los por demonstrados se eles forem o corolário lógico ou a consequência necessária de outros factos-base provados e se o ofensor não tiver feito a contraprova da não verificação de tais prejuízos.

49.      É o caso do dano de perda de clientes por um profissional liberal ou por uma empresa, por força do ilícito de ofensa ao crédito. Ora, no caso dos autos, os recorridos não lograram provar que o recorrente não perdeu clientes em consequência da conduta dolosa deles.

50.      A págs. 480 da obra "Responsabilidade civil por ofensa ao crédito ou ao bom nome", escreve Filipe Albuquerque Matos; "Problema particularmente relevante no âmbito do ilícito ao bom nome e ao crédito é saber quem tem de provar o quê, a fim de se efectivar o direito à indemnização pelos danos provocados em virtude da afirmação de factos violadores do bom nome e do crédito de outrem".

51.     E adiante (pág. 490): "Sendo em muitos contextos (responsabilidade civil extra-contratual, posse, filiação...) extremamente difícil proceder à prova directa de determinados elementos, os ordenamentos jurídicos atribuem uma particular relevância aos juízos de probabilidade, retirados das regras da experiência, com o objectivo de permitir alcançar conclusões onde elas se revelariam particularmente difíceis de estabelecer".

52.      Assim, as instâncias interpretaram e aplicaram incorrectamente as normas dos artºs 349º, 351º, 483º, 484º e 563º do Código Civil, e do nº 1 do artº 15º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sendo sindicáveis pelo STJ os juízos de valor que realizaram e que vieram a sustentar o entendimento de que a conduta dolosa dos recorridos não foi causa adequada da perda de clientes por parte do demandante, enquanto advogado em prática liberal, razão pela qual violaram as citadas normas.

Termos em que, revogando a decisão recorrida e proferindo acórdão que mantenha o facto provado 20, dê por provados os factos não provados pelas instâncias 2 e 3, mantendo no mais a sentença mas ordenando a baixa dos autos para que seja fixada a indemnização a arbitrar segundo juízos de equidade a título de ressarcimento dos danos patrimoniais indirectos sofridos pelo demandante, farão Vªs Exªs, venerandos Juízes Conselheiros, uma vez mais

JUSTIÇA!


   Os recorridos contra alegaram, sustentando que deve manter-se a decisão recorrida e suscitando a questão prévia da intempestividade da revista, por as conclusões da alegação, corrigidas ou rectificadas, terem sido apresentadas para além do respectivo prazo.


   Ambas as questões prévias, suscitadas pelas partes quanto à admissibilidade dos recursos, se revelam, porém, manifestamente improcedentes.

   Assim, no que respeita à presente revista, é evidente que não implica a perda do direito ao recurso a mera circunstância de, sem introduzir qualquer alteração substancial no seu conteúdo, o recorrente se ter limitado a rectificar a respectiva numeração, face aos lapsos de escrita existentes na peça oportunamente apresentada.

   No que se refere à admissibilidade do recurso de apelação – e tendo o apelante, convidado a fazê-lo, sintetizado de alguma forma o teor das alegações originariamente apresentadas – é evidente que não merece qualquer censura o entendimento seguido pelo Exmo. relator na Relação que, considerando embora que as ditas conclusões ainda padeciam de alguma extensão e complexidade, tratou, no exercício legítimo dos seus poderes de gestão processual, de enunciar as questões que considerava serem essenciais para a dirimição do recurso de apelação, resolvendo-as no acórdão, sem aplicar qualquer cominação à parte.


    5. Passando à apreciação do mérito do recurso, é manifesto e incontroverso que o recurso de revista está circunscrito à apreciação de questões de direito – não podendo, consequentemente, sindicar o STJ o exercício dos poderes da Relação, no que toca à valoração de provas sujeitas à livre apreciação do julgador, no momento em que exerceu o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto (nomeadamente, no que respeita à eliminação pela Relação, no exercício dos seus podres sobre a matéria de facto, do ponto 20), a qual se encontra perfeitamente justificada no acórdão recorrido e decorre da valoração de provas sujeitas à livre apreciação do julgador e do uso de presunções naturais, subtraídas ao âmbito de um recurso de revista.

   Para além de não ter qualquer cabimento a pretensão de que este Supremo altere juízos factuais das instâncias, assentes exclusivamente na valoração de provas, desprovidas de valor legal ou tarifado, e nas ilações que caracterizam as presunções judiciais ou naturais, não se verificam, por outro lado, quaisquer insuficiências ou contradições lógicas na matéria de facto, fixada definitivamente pela Relação ao exercer o duplo grau de jurisdição, o que naturalmente implica que não tenha qualquer cabimento a baixa dos autos determinada nos termos do art. 682º, nº3, do CPC.

   Implica isto que, na apreciação das questões de direito que integram o objecto da revista, se vá partir exactamente do preciso quadro factual definido pela Relação no acórdão recorrido.


    6. Como dá nota o acórdão recorrido, a questão fulcral a dirimir na presente revista tem naturalmente a ver com a definição e preenchimento do requisito ilicitude, cujos pressupostos se situam no plano jurídico normativo, implicando a indispensável articulação ou ponderação entre a liberdade de expressão e opinião e os direitos de personalidade do visado nos artigos de opinião em questão.

 Importa essencialmente operar uma compatibilização ou concordância prática entre os valores fundamentais da defesa da honra, do direito ao crédito, ao bom nome e privacidade dos cidadãos e o exercício das liberdades de expressão, opinião e de imprensa, obrigando naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo TEDH - órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação.

    Como é sabido, a tendência predominante na nossa jurisprudência foi, durante longos anos, a de claramente privilegiar, no caso de conflito de direitos, os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação, vistos como ligados à própria dignidade da pessoa humana- sobre o exercício do direito de liberdade de imprensa - continuando o entendimento, que já vinha de longe, de que, por regra, a ofensa à honra (e usamos esta palavra em sentido lato, abrangendo o que a lei, sem uniformidade terminológica, chama “honra”, “honra e bom nome”, “reputação”, “consideração” e “crédito”) integrava um acto ilícito a demandar, consoante os casos, sanção criminal, indemnização ou ambas.

A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que, doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando.

Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade. (Ac. de30/6/2011, proferido por este STJ no P. 1272/04.7TBBCL.G1.S1)

  Simplesmente – como dá nota este mesmo aresto:

Foram, entretanto, proferidas muitas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matéria.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra.

Não o ignora no artigo 10.º, n.º2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão.

Esta construção levou aquele Tribunal a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º2.

E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte:

A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa;

As excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito;

Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade.

Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas;

Na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH.

Tal entendimento tem levado a que este Tribunal Europeu, considerando expressões insertas em peças jornalísticas ou outras ainda dentro dos limites da liberdade de expressão, venha condenando os Estados por os respectivos tribunais internos terem condenado os autores ou, em geral, os responsáveis por elas.

Muito exemplificativamente, trazemos aqui para ponderação alguns casos, cujo texto se pode ver no sítio do próprio Tribunal:

Acórdão Oberschlick contra a Áustria de 1.7.1997 a respeito da expressão, inserta numa peça jornalística, dirigida a um político proeminente – que fizera um discurso provocador - “imbecil em vez de nazi”, porque “este último epíteto favorecê-lo-ia”.

Acórdão Lopes da Silva contra Portugal, de 28.9.2000, perante as expressões dirigidas, numa peça jornalística, a um jornalista que pretendia candidatar-se a eleições municipais, de “grotesco”, “boçal” e eivado de “reaccionarismo alarve”.

Acórdão Almeida Azevedo contra Portugal, de 23.1.2007, em que, numa peça jornalística, um membro da oposição, apelidou o presidente da Câmara da localidade de “mentiroso completo e sem complexos”, de ter “falta de pudor inqualificável” e de ser “intolerante e perseguidor”.

Acórdão Mestre contra Portugal, de 26.4.2007, a propósito da expressão “patrão dos árbitros” proferida em entrevista televisiva, com referência ao presidente dum grande clube e da Liga de Futebol.

Acórdão “Público” contra Portugal, de 7.12.2010, a propósito do caso apreciado no Ac. do STJ de 8.3.2007, processo n.º 07B566, relativo a publicação, em manchete e em dois artigos naquele jornal, referente a dívidas fiscais dum clube de futebol português que não estariam a ser pagas, referindo-se que os respectivos dirigentes cometeram um crime de abuso de confiança fiscal.

 Acórdão Otegi Mondragon contra a Espanha, de 15.3.2011, em que o demandante havia sido condenado pelo Tribunal Supremo Espanhol (depois de absolvição pelo Tribunal Supremo Basco), por se ter referido, em conferência de imprensa, a propósito da visita do rei a Bilbau, nos seguintes termos:

“Como é possível que eles se façam fotografar hoje em Bilbau com o rei de Espanha, quando o rei de Espanha é o chefe supremo do exército espanhol, ou seja, o responsável pelos torcionários, o protector da tortura e quem impõe o seu regime monárquico ao nosso povo por meio da tortura e da violência?”

Desta enumeração, todavia, não podemos retirar que todos os casos de ofensa veiculada na comunicação social sejam aceitáveis para aquele Tribunal Europeu. Os Acórdãos Barford contra a Dinamarca, de 22.2.1989, Prager e Oberschlick contra a Áustria de 26.4.1995, Cumpana contra a Roménia de 10.6.2003 e Pena contra a Itália, de 6.5.2003, constituem exemplos, de entre muitos, em que foi pronunciada a não violação do mencionado artigo 10.º, não se censurando as condenações levadas a cabo pelos tribunais internos. Por regra, por as pessoas visadas desempenharem cargos sem exposição pública, ou por as ofensas serem gratuitas, desproporcionadas ou sem correspondência com o interesse geral de informação e controle.

O modo de ver consistente em afirmar a liberdade de expressão como ponto de partida para situar em ressalvas a sua violação, mormente quanto à ofensa à honra, sai reforçada pelo teor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A vinculação dos Estados ao seu cumprimento teve lugar depois dos factos que agora apreciamos, pelo que a atenção à mesma serve só para melhor entendimento das razões deste raciocínio e da hierarquia de valores que encerra.

Ignora o direito à honra e estatui no artigo 11.º :

Liberdade de expressão e de informação

1 . Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.

2 . São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.

Prescindiu-se aqui até da enumeração de restrições, não se seguindo sequer o artigo n.º2 do artigo 10.º da CEDH, ao qual se chega só pela via indirecta – aliás, de modo não concludente – do n.º 3 do artigo 52.º. Ou situando ainda tais restrições, tão simplesmente, na figura do abuso do direito prevista no artigo 54.º.

No fundo, com tudo isto, estará, talvez, a vir ao de cima a contraposição entre a tendência nacional – e não só - para o individualismo (que a tutela do direito à honra, habitualmente, protege) e a visão internacional mais virada para as realidades colectivas, especialmente as reportadas ao suporte da sociedade tal como se pretende que ela seja. E estar-se-á a questionar fortemente a ideia de que quem desempenha cargos de relevo – principalmente políticos – deve ser, por aí, particularmente considerado e respeitado.

Tendo como consequência, claramente, uma discrepância entre os limites à liberdade de expressão que traçam as autoridades internas dos vários países – com destaque para Portugal – e os que o Tribunal internacional vem fixando, estabelecendo um círculo de aceitação muito mais alargado.

Discrepância, aliás, no nosso caso, não total. Já no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13.1.2005, processo n.º 04B39224, se acolheu a posição do TEDH e, por isso, se absolveu um jornal que empregara expressões muito ofensivas a respeito dum governador civil e presidente da Câmara, as quais, vista a acessibilidade do aresto – sempre em www.dgsi.pt – aqui nos dispensamos de repetir. E no de 7.2.2008, processo n.º 07B4540, referiu-se expressamente que deve ser acolhida a orientação daquele Tribunal, nesta matéria.

Perante esta dissintonia, há que atender à hierarquia normativa.

Em primeiro, a nossa Constituição.

Em duas vertentes:

Uma respeitante à tutela, quer do direito à honra, quer do direito à liberdade de expressão e informação;

Outra reportada à relação que estabelece, no que respeita ao direito internacional.

Sobre a tutela do direito à honra já nos debruçámos em VIII.

Mas, paralelamente, o artigo 37.º estatui que todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado.

Não vemos que, do texto constitucional, resulte a prevalência dum dos direitos sobre o outro (Neste sentido, Iolanda de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 54) . Mesmo a alusão, logo no artigo 1.º, à dignidade humana não inclui, dos dois, apenas a honra. A dignidade encerra também a ausência de mordaças.

O conflito entre os dois direitos não encontra, no próprio texto constitucional, solução.

Decerto que, tutelando a Constituição ambos, hão-de ser exercidos até onde não interfiram um com o outro. Se interferirem, há-de se procurar ainda a redução em ordem a cada um deles poder ser exercido de modo mais amplo. Mas se se atingir o patamar da incompatibilidade, não temos elementos para retirar a solução do texto constitucional. Nem o já falado artigo 16.º, n.º2, que impõe uma interpretação conforme à Declaração Universal dos Direitos do Homem, faz luz neste domínio porque, se nesta se tutela a honra, se tutela também em plano de igualdade, a “liberdade de opinião e de expressão”.

Na segunda vertente, e para além da interpretação acabada de referir, há que atender aos artigos 8.º e 16.º, n.º1.

Eles conduzem a CEDH a um plano superior ao das normas ordinárias de origem interna (Cfr-se Jorge Miranda e Rui Medeiros, Anotação XIII ao primeiro daqueles artigos). No que a lei constitucional deixa por regulamentar, vale, em primeira linha, o texto convencional.

Se vale o texto convencional, coloca-se a questão da sua interpretação através das sucessivas decisões do TEDH. Nos termos do artigo 46.º, n.º1, as Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes. Nessa sequência veio a lume a alínea f) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, abrindo caminho às revisões de sentença quando a decisão transitada em julgado “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”. No mesmo sentido dispondo o artigo 449.º, n.º1 g) do Código de Processo Penal; no seguimento do qual, admitiu já este Supremo Tribunal – precisamente em casos de violação do artigo 10.º da Convenção decretada pelo TEDH – a revisão das sentenças condenatórias proferidas na ordem interna – Ac.s de 23.4.2009, processo n.º 5TACTB-A.S1 e de 27.5.2009, processo n.º 0TBEPS-A.S1.

Mas a jurisprudência do TEDH vai mais longe, com o entendimento de que:

“Os Estados que conservam na sua ordem jurídica normas contrárias à Convenção, tal como consta dos Acórdãos do Tribunal, mesmo que o país em causa nele não seja parte, devem conformar-se com tal jurisprudência sem que tenham de esperar para serem demandados no Tribunal Europeu” – Acórdão Modinos contra Chipre, de 22.4.1993. Como refere Ireneu Barreto, em anotação a este artigo, apesar do caso julgado se reportar às partes no processo, “convirá, no entanto, a todas as autoridades, mesmo àquelas que não pertencem ao Estado em causa e entre elas os tribunais, acolher a doutrina que deles deriva para evitar futuras condenações por violação da Convenção.”

Cremos, pois, daqui derivar a imposição também para este Tribunal de acatar o artigo 10.º da Convenção, na interpretação que lhe vem conferindo o TEDH (assim, Iolanda de Brito, ob. cit., 107 e 367). Ou seja, que atender ao que sumariamente se deixou explanado em X.


Esta complexa e controversa questão – da articulação ou formulação de critérios operativos de concordância prática entre direitos e valores constitucionalmente tutelados – foi muito recentemente abordada no Ac. de 6/9/2016, proferido pelo STJ no P. 60/09.9TCFUN.L1.S1, que, pelo seu interesse e relevância, nos permitimos citar, e em que se considera:

Não suscita dúvidas que vários instrumentos de direito internacional vinculativos na ordem jurídica portuguesa (como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 12º; ou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, art. 17º nº 1) asseguram o direito à dignidade, à integridade moral e ao bom nome e reputação das pessoas (o bom nome e reputação não deixa de ser apenas uma especificação ou particularização do direito à dignidade e à integridade moral). 

Também a lei infraconstitucional - art.s 70º nº 1 e 484º do CCivil - repele qualquer abuso contra a personalidade moral das pessoas, crédito e bom nome (sendo estes simples emanações da personalidade moral das pessoas).

Parafraseando Capelo de Sousa (v. O Direito Geral de Personalidade, pp. 301 e seguintes), podemos dizer que entre os bens mais preciosos da personalidade moral tutelada no art. 70º figura a honra, enquanto projeção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esfoço pessoal. O crédito da honra é devido naturalmente, sendo que a honorabilidade só pode ser descartada quando os atos do indivíduo demonstrem o contrário. A honra, em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social que o indivíduo merece. Ou, como diz Maria Paula Andrade (Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, Contributo para o estudo do artigo 484º do Código Civil, p. 97), “a honra é um bem da personalidade, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana (…)”.

Entretanto, o facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de uma pessoa (art. 484º do CCivil) deve ser entendido, como aduz Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I - Direito das Obrigações, Tomo III, p. 553), como “uma afirmação ou insinuação, feita pela palavra (escrita ou oral), pela imagem ou pelo som, que impliquem ou possam implicar desprimor para o visado. Este resultará (ou poderá resultar apoucado, aviltado ou, por qualquer modo, diminuído na consideração social ou naquela que ele tenha de si mesmo. A pessoa média normal (bonus pater famílias) sentir-se-ia bem consigo próprio e com os outros se fosse vítima da afirmação ou da insinuação em causa? A resposta dir-nos-á, em regra, se há facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome do visado”. Terá de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais (v. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pp. 516 e 517), bem que os juízos de valor e qualquer outra manifestação não factual ofensiva possa também ser censurada e reprimida. De acordo com Menezes Leitão (Direito das Obrigações, I, 12ª ed., p. 270), e parece de subscrever este ponto de vista, “A afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida; quanto aos factos verdadeiros, a sua divulgação poderá ser admitida, mas desde que tal se efetue para assegurar um direito próprio ou um interesse público legítimo”. Neste último caso será admissível a exceptio veritatis (v. Almeida e Costa, ibidem). Na lição de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., p. 549), poder-se-á dizer que o prejuízo do crédito traduz-se na diminuição da confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações, e que o prejuízo do bom nome traduz-se no abalo do prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida no meio social em que vive ou exerce a sua atividade.

De outro lado, também a Constituição da República Portuguesa (art.s 37º nº 1 e 38º nº 1 e 2 alínea a)) assegura, como direito fundamental, a liberdade de expressão e divulgação do pensamento (pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio), e o direito de informar, assim como assegura a liberdade de imprensa (de que a liberdade de expressão do jornalista é conatural, e vem também expressamente assegurada). 

De igual forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 19º) afirma que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, podendo difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão. 

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 19º) afirma, por seu turno, que toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão (direito que compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sob forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio). Mas logo a seguir dispõe que o exercício destas liberdades comporta deveres e responsabilidades especiais, podendo, em consequência, ser submetido a certas restrições que sejam necessárias e que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei, nomeadamente as inerentes ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem. 

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem prescreve no seu art. 10º que qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão (direito que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais). Mas acrescenta que o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para, nomeadamente, a proteção da honra ou dos direitos de outrem.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece (art. 11.º) que todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão, direito que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, e que são respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.

Também a lei ordinária, (Lei nº 2 /99, Lei da Imprensa) garante, no seu art. 1º, a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei, abrangendo tal liberdade, e nomeadamente, o direito de informar. Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista, entre outros, a liberdade de expressão e de criação (art. 22º da Lei de Imprensa e art. 6º alínea a) do Estatuto do Jornalista, Lei nº 1/99). 

Mas já são deveres fundamentais dos jornalistas, entre outros, informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião, procurar a diversificação das suas fontes de informação, e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem (art. 14º nº 1 alíneas a) e e) da Lei nº 1/99).

 (…)

Embora alguma jurisprudência relativamente recente deste Supremo Tribunal pareça conferir implicitamente uma certa precedência ao bom nome e reputação no confronto da liberdade de expressão e informação (no acórdão de 9 de setembro de 2010, processo nº 77/05.2TBARL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreve-se que “o valor da honra, enquanto dignitas humana, «é mais importante que qualquer outro (valor do direito à projeção moral, ou seja, o direito à honra em sentido amplo) e transige menos facilmente com os demais em sede de ponderação de interesses»”; no acórdão de 4 de março de 2010, processo nº 677/09.IYFLSB, disponível em www.dgsi.pt, escreve-se que “relativamente ao direito ao bom-nome e à reputação, a Constituição não estabelece qualquer restrição, o que não acontece em relação à liberdade de expressão e informação em que as infracções cometidas no seu exercício ficam submetidas ao princípio geral de direito criminal”), essa não será uma orientação a subscrever de forma irrestrita. 

Sem dúvida que, como nos dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p. 283), e passamos a citar “Por ser expressão direta do postulado básico do respeito pela dignidade humana, o princípio consignado no art. 26º constitui uma “pedra angular” na demarcação dos limites ao exercício dos outros direitos fundamentais. É em especial o que sucede com a liberdade de expressão e informação e com liberdade de imprensa e meios de comunicação social (mas também com a própria liberdade de criação literária e artística). Estas liberdades não poderão ser interpretadas sem ter sempre em consideração o direito geral de personalidade consignado neste artigo e, em especial, a tutela do bom nome, da reputação (…)”. Todavia, a Constituição não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Daqui afirmarem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., p. 466) que esses direitos, quando em colisão, “devem considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta”. Concordantemente, aduz-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-10-2011 (Revista n.º 2729/08.6.TBLSB.L1.S1, relator Távora Victor, disponível em www.dgsi.pt) que, perfilando-se no seio do ordenamento jurídico esses dois direitos com igual relevo constitucional, haverá que os conciliar tanto quanto possível de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, pela valorização de um deles em detrimento do outro, com o fito de encontrar a solução justa. 

Interessa aqui fazer uma breve referência, neste domínio do confronto entre o direito ao bom nome e reputação e o direito à liberdade de expressão e informação, à orientação adotada no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), cujo critério deverá ser seguido. Observa, a propósito, Henriques Gaspar (A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional, Julgar, nº 7, 2009, pp. 39 e 40) que “os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional. (…) Os tribunais nacionais e, de entre estes, em último grau de intervenção mas no primeiro de responsabilidade, os Supremos Tribunais, são os órgãos de ajustamento do direito nacional à CEDH, tal como interpretada pelo TEDH; as decisões do TEDH têm, pois, e deve ser-lhes reconhecida, uma autoridade interpretativa”. Aliás, a relevância desta jurisprudência internacional está até espelhada na possibilidade de revisão de decisão transitada em julgado quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (art. 696.º, al. f), do CPC).

Sucede que, como faz notar Jónatas Machado (Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, p. 81) “Para o Tribunal Europeu, a centralidade da liberdade de expressão e de imprensa, como elementos constitutivos de uma sociedade democrática, obriga a que todas as restrições às mesmas devam ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade estabelecida de forma convincente. Para o TEDH, as condutas expressivas são dignas de protecção, mesmo quando sejam ofensivas, perturbadores, chocantes e inquietas”. Mais diz o autor (p. 93) que “no âmbito da responsabilidade civil por imputações prima facie difamatórias deve ser dada latitude suficiente para o exercício do direito à liberdade de informar, especialmente quando se esteja perante notícias de interesse público inegável ou a discussão de temas de grande relevância pública, incluindo não apenas titulares de cargos políticos, mas outras figuras de relevo económico, social, cultural, religioso, etc., dotadas de grande capacidade para influenciar o espaço público.” 

O mesmo autor (v. Liberdade de Expressão - Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, 2002, p. 807) observa que “as afirmações de facto ou os juízos de valor que um cidadão faça sobre a conduta de indivíduos ou instituições publicamente relevantes devem ter unicamente como limite a consciência ou a suspeita fundada da falsidade das mesmas, ou a falta de quaisquer indícios sérios da sua verdade. Ele deve poder exprimir as suas suspeitas e especulações razoavelmente apoiadas, por via dedutiva, indutiva e abdutiva, em evidências circunstanciais de que algo vai mal no funcionamento das instituições socialmente relevantes”.

No mesmo sentido vai Henriques Gaspar (Liberdade de Expressão: o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, p. 698), ao apontar que “o TEDH enunciou o seguinte princípio fundador: os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular. Diferentemente destes, aquelas expõem-se, inevitável e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, devendo, por isso, demonstrar muito maior tolerância. Esta perspectiva garante uma extensa margem de actuação na expressão crítica e nas intervenções publicadas.”

Concordantemente, aduz Francisco Pereira Coutinho (O Tribunal dos Direitos do Homem e a Liberdade de Imprensa: os Casos Portugueses, in Media, Direito e Democracia, pp. 319 e seguintes, Almedina, 2014) que «No entendimento do TEDH as exceções à liberdade de expressão fundadas na proteção do bom nome e reputação devem ser objeto de interpretação restritiva se a pessoa visada por um artigo crítico pretensamente difamatório “tiver entrado na arena do debate público”. Nestes casos, o tribunal atribui aplicação preferente ao direito à liberdade de expressão em relação ao direito ao bom nome e reputação, rejeitando adotar a técnica jurídica da “concordância prática”, que exigiria uma aplicação compromissória de direitos fundamentais valorativamente equivalentes, de acordo com o princípio da proporcionalidade. (…) Os limites da praxis jornalística têm sido cartografados de forma bastante generosa pelo TEDH. Desde que a peça não constitua um ataque pessoal gratuito, o tribunal maximiza a liberdade de expressão dos jornalistas. O direito de informar questões de interesse geral parece estar apenas condicionado pela obrigação de os jornalistas agirem de boa-fé, com base em factos exatos, de modo a fornecerem informações fiáveis e precisas no respeito pela ética jornalística».[1] 

Porém, como se observa no acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de junho de 2011 (processo nº 1272/04.7TBBCL.G1.S1, relator João Bernardo, disponível em www.dgsi.pt) - e isto é uma confirmação do que se deixa extratado em nota de rodapé - não pode concluir-se que todos os casos de ofensa veiculada na comunicação social sejam aceitáveis para o TEDH. Concordantemente, o acórdão informa que “Os Acórdãos Barford contra a Dinamarca, de 22.2.1989, Prager e Oberschlick contra a Áustria de 26.4.1995, Cumpana contra a Roménia de 10.6.2003 e Pena contra a Itália, de 6.5.2003, constituem exemplos, de entre muitos, em que foi pronunciada a não violação do mencionado artigo 10.º, não se censurando as condenações levadas a cabo pelos tribunais internos. Por regra, por as pessoas visadas desempenharem cargos sem exposição pública, ou por as ofensas serem gratuitas, desproporcionadas ou sem correspondência com o interesse geral de informação e controle.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (disponível www.dgsi.pt) tem indicado, em sede do confronto entre o direito à reputação e bom nome e o direito de expressão, alguns vetores que importa recordar. Assim:

- No citado acórdão de 30 de junho de 2011 refere-se que a CEDH não tutela, no plano geral, o direito à honra. Não o ignora no artigo 10.º, n.º 2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão. Esta construção levou o TEDH a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º2. E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte: a liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; as exceções constantes deste n.º 2 devem ser interpretadas de modo restrito. Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum - quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas; na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH.

- No acórdão de 21-10-2014 – (Revista n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório da Silva Jesus) indica-se que a prevalência do direito à honra e ao bom-nome no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação não se compadece com as situações em que certas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa. O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia - interesse público -, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade. A verdade noticiosa não significa, porém, verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objetividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade. Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público. 

- No acórdão de 01-04-2014 (Revista n.º 218/11.0TBPDL.L1.S1, relator Martins de Sousa) aduz-se que o direito à honra no confronto com o exercício do direito de liberdade de imprensa deve estar submetido a uma interpretação restritiva quando os queixosos são políticos ou outras figuras públicas, cujo estatuto e proeminência no governo das sociedades hodiernas há de ser mais permissivo e tolerante com o tom mais elevado e intenso das críticas de que são objeto pela imprensa, desde que não se trate de ofensa gratuita, desproporcionada ou que desvirtue o interesse geral subjacente à informação.

- No acórdão de 08-05-2013 (Revista n.º 1486/03.7TVLSB.L1.S1, relator Moreira Alves) observa-se que não obstante a importância fundamental que assumem os direitos de liberdade de imprensa e de livre expressão nos modernos Estados democráticos, não se trata de direitos absolutos e ilimitados, como, da mesma forma, não são ilimitados os direitos de personalidade. O jornalista não pode publicar aquilo que entender se, ao fazê-lo, violar direitos de personalidade de outrem. Em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de imprensa em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da proporcionalidade e adequação. Assim e desde logo, nunca poderá prevalecer o direito de liberdade de imprensa ou o direito de livre expressão da opinião se os factos noticiados forem falsos, equívocos, traduzirem meras suspeitas sem prova ou se fundarem em simples boatos. Por outro lado, é sempre necessário que a informação veiculada pela comunicação social corresponda à realização de um interesse público ou social de relevância, isto é, o interesse público há de, atenta a sua relevância, justificar a agressão do direito de personalidade com o qual entre em colisão. Pressuposta a verdade da imputação e o interesse público relevante, deve ser respeitado o devido grau de proporcionalidade e adequação, perante as circunstâncias concretas, em ordem a maximizar a eficácia prática dos dois direitos em conflito ou a prejudicar, o menos possível, aqueles dos direitos que deve ceder perante o outro.  

- No acórdão de 14-02-2012 (Revista n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1, relator Helder Roque) refere-se que o direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social. A importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos. As afirmações de facto ou são verdadeiras ou falsas, pressupondo a indispensabilidade da sua prova, ao contrário do que sucede com os juízos de valor, que não podendo encontrar-se, totalmente, desprovidos de base factual, já não impõem, em princípio, a averiguação da sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento emocional ou racional, desde que a génese subjetiva do juízo de valor seja, imediatamente, percetível junto dos destinatários. São pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que o agente tenha atuado dentro da sua função de formação da opinião pública e visando esse objetivo [a], utilizando o meio concretamente menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o dever de verificação da verdade da imputação [e]. O dever de comprovação não corresponde ao facto histórico narrado, nem à sua comprovação científica ou sequer à sua comprovação judiciária, antes há de satisfazer-se com as exigências derivadas das legis artis dos jornalistas. Mas estas não se contentam com um convencimento meramente subjetivo, antes é necessário que exista uma base objetiva, de que possa resultar, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade.


    7. Pode, deste modo, considerar-se que a jurisprudência recente deste Supremo vem realizando uma reponderação relativamente à tradicional visão acerca do critério de resolução dos conflitos entre direitos fundamentais individuais e liberdade de imprensa, que conferia aprioristicamente precedência ao direito individual à honra e bom nome – procurando valorar adequadamente as circunstâncias do caso e ponderar a interpretação feita, de modo qualificado, pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vinculam o Estado Português; e tendo, por outro lado, também em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa - que não pode deixar de ser considerada, sempre que se determina o âmbito de protecção da norma constitucional que consagra este tipo de liberdade: com efeito, o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido não é outro senão o da formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia (cfr. declaração de voto aposta ao Ac. do TC nº292/08).

   Como refere o TC no Ac.292/08, a solução dos conflitos de direitos não pode ser resolvida através de uma preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierárquica de valores constitucionais. Desde logo porque é difícil estabelecer, em abstracto, uma ordem hierárquica dos valores constitucionalmente protegidos. Essa hierarquização só pode fazer-se, na maior parte das hipóteses, quando se consideram as circunstâncias concretas dos casos. Se a Constituição protege diversos valores ou bens não é lícito sacrificar um deles em detrimento dos outros, antes se impõe uma ponderação concreta dos bens que pode conduzir a resultados variáveis em função das circunstâncias, ou seja, há que resolver os conflitos de direitos através de um princípio de harmonização ou concordância prática.

A aplicação do princípio da concordância prática não pode implicar a afectação do conteúdo essencial de nenhum dos direitos em presença e também não impõe a realização óptima de cada um dos direitos em jogo.

Como escreve JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE:

 “O princípio da concordância prática executa-se, portanto, através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito.

Por um lado, exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja adequado e necessário à salvaguarda dos outros. Se o não for, não chega sequer a existir um verdadeiro conflito.

Por outro lado, e aqui estamos perante a ideia da proporcionalidade em sentido estrito, impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a questão no caso (a “preferência concreta”) se faça em termos de comprimir o menos possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação – segundo a intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a protecção que lhes é constitucionalmente concedida (in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, 2004, p. 326).    


   Importa, pois, para tentar realizar uma concordância prática entre os direitos em colisão, valorar adequadamente todas as circunstâncias concretas e peculiares do caso, ponderando, por um lado, o referido e fundamental relevo da liberdade de opinião e de imprensa, enquanto garante de um efectivo e amplo debate democrático, realizado sem constrangimentos indevidos; e, por outro, atentando na dimensão fundamental dos direitos individuais de personalidade eventualmente afectados pelo exercício excessivo da referida liberdade – sem olvidar que os direitos fundamentais eventualmente atingidos encontram assento, não apenas em normas de direito infraconstitucional, mas, desde logo, em preceitos basilares da nossa Lei Fundamental.

   E, nesta busca de realização de uma satisfatória concordância prática entre os direitos em conflito ou colisão, face `as circunstâncias do caso concreto, não pode naturalmente o intérprete e aplicador do Direito deixar de atender e conferir o devido relevo às normas de Direito Internacional convencional, vinculativas do Estado Português, tal como são qualificadamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional a que a própria Convenção confiou uma tarefa de realização prática dos princípios nela contidos.

   Este indispensável apelo à jurisprudência do TEDH é imposto, desde logo, no plano normativo, pelo valor reforçado que as normas da Convenção assumem no nosso sistema jurídico, caracterizado pela prevalência das normas internacionais, vinculativas do Estado Português, sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores (CRP Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 2017, pag. 133).

   Existem, por outro lado, prementes razões de ordem prática a impor esse diálogo entre os Supremos Tribunais e o TEDH a propósito da interpretação dos princípios da Convenção: desde logo, o dissídio entre tais órgãos jurisdicionais acabará por se traduzir em condenações do Estado Português pelo incumprimento das normas convencionais, implicando em última análise que sejam suportadas pelo erário público – afinal, pelo contribuinte –as indemnizações arbitradas aos lesados pelos abusos de liberdade de imprensa que não suportem o ulterior confronto com o entendimento jurisprudencial prevalecente no TEDH; depois, porque, a partir da reforma do processo civil de 2007, passou a constituir fundamento de revisão a incompatibilidade do acórdão proferido na jurisdição interna com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional, vinculativa do Estado Português – implicando este regime processual que, a posteriori, tenha de se proceder a uma análise e eventual reponderação dos fundamentos da decisão do órgão nacional, transitada em julgado, à luz da jurisprudência afirmada, no caso, pelo TEDH : ora, em vez de se proceder a uma tentativa de articulação ou compatibilização das orientações jurisprudenciais, interna e internacional, realizada apenas ex post, envolvendo eventual preterição do caso julgado e do princípio da confiança que lhe subjaz, é claramente preferível tentar realizar essa operação de eventual compatibilização ou concordância prática ex ante, evitando assim, na medida do possível, a sedimentação de conflitos insanáveis acerca da interpretação dos princípios e normas da Convenção.

   É certo que não existe, no âmbito da Convenção, um mecanismo processual análogo ao do reenvio prejudicial, susceptível de permitir ao Tribunal nacional, chamado nomeadamente a resolver um conflito entre os direitos individuais de personalidade, alegadamente lesados, e o exercício da liberdade de imprensa, obter previamente do TEDH a resposta a dúvidas interpretativas razoavelmente suscitadas acerca do âmbito das normas convencionais: consideramos que a metodologia adequada a substituir esse inexistente mecanismo de reenvio consistirá em formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e actualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável á dos autos.

   Saliente-se que esta via metodológica que se propõe não implica que o Supremo Tribunal nacional tenha de seguir automaticamente a orientação que, naquele juízo de prognose, considere que provavelmente decorre da jurisprudência reiterada do TEDH, emitida anteriormente a propósito de situações materiais idênticas ou equiparáveis; na verdade, a prevalência das normas constitucionais sobre o próprio Direito Internacional convencional poderá levar a uma recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da solução normativa que, resultando, naquele juízo de prognose, da jurisprudência reiterada do TEDH, se revele, no caso, conflituante com as normas e princípios da Constituição: ou seja, a verificar-se tal situação (por ex., num caso em que se considere que a compatibilização ou concordância prática dos direitos fundamentais em conflito, tal como emerge da jurisprudência corrente do TEDH, implicaria o desproporcional esmagamento ou esvaziamento de um direito fundamental de personalidade) enunciará o Tribunal esse preciso conteúdo normativo, recusando a respectiva aplicação por o considerar inconstitucional – e abrindo-se, assim, a possível via do recurso de fiscalização concreta, previsto na al. a) do nº1 do art. 70º da Lei do TC.


   É, pois, esta via metodológica que iremos seguir no caso dos autos, escolhendo como padrão ilustrativo da jurisprudência do TEDH neste domínio o Ac. de30/8/2016, proferido muito recentemente na Requête nº 55442/12  que opôs a Medipress ao Estado Português – e em que se afirma, nomeadamente:

30. Une ingérence est contraire à la Convention si elle ne respecte pas les exigences prévues au paragraphe 2 de l’article 10. Il y a donc lieu de déterminer si la présente ingérence était « prévue par la loi », si elle visait un ou plusieurs des buts légitimes énoncés dans ce paragraphe et si elle était « nécessaire dans une société démocratique » pour atteindre ce ou ces buts.

i. Prévue par la loi

31. En l’espèce, la Cour constate que l’ingérence était prévue par les articles 70 et 484 du code civil.

ii. But légitime

32. La Cour note que l’ingérence visait un but légitime, à savoir la protection de la réputation ou des droits d’autrui au sens de l’article 10 § 2 de la Convention, ce qui peut englober, selon la jurisprudence de la Cour, le droit des personnes concernées au respect de leur vie privée protégé par l’article 8 de la Convention (Chauvy et autres c. France, no 64915/01, § 70, CEDH 2004‑VI, Pfeifer c. Autriche, no 12556/03, § 35, 15 novembre 2007, et Almeida Leitão Bento Fernandes c. Portugal, no 25790/11, § 45, 12 mars 2015).

33. La question qui se pose est donc celle de savoir si l’ingérence était « nécessaire, dans une société démocratique ». Il s’agit plus particulièrement d’examiner si les autorités ont ménagé un juste équilibre entre le droit de la requérante à la liberté d’expression et le droit de l’homme politique visé par l’article de presse au respect de sa vie privée.

iii. Nécessaire dans une société démocratique

α) Principes généraux

34. La Cour rappelle que sur le terrain de l’article 10 de la Convention les États contractants disposent d’une certaine marge d’appréciation pour juger de la nécessité et de l’ampleur d’une ingérence dans la liberté d’expression protégée par cette disposition (Tammer c. Estonie, no 41205/98, § 60, CEDH 2001-I, et Pedersen et Baadsgaard c. Danemark [GC], no 49017/99, § 68, CEDH 2004‑XI). Toutefois, cette marge d’appréciation va de pair avec un contrôle européen portant à la fois sur la loi et sur les décisions qui en font application, même quand elles émanent d’une juridiction indépendante (voir, mutatis mutandis, Peck c. Royaume-Uni, no 44647/98, § 77, CEDH 2003‑I, et Karhuvaara et Iltalehti c. Finlande, no 53678/00, § 38, CEDH 2004-X).

35. La Cour rappelle avoir dit dans son arrêt Lindon, Otchakovsky-Laurens et July c. France ([GC], nos 21279/02 et 36448/02, § 46, CEDH 2007-IV) que l’article 10 § 2 de la Convention ne laisse guère de place pour des restrictions à la liberté d’expression dans le domaine du discours et du débat politiques – dans lequel la liberté d’expression revêt la plus haute importance (Brasilier c. France, no 71343/01, § 41, 11 avril 2006) – ou des questions d’intérêt général (voir notamment Sürek c. Turquie (no 1) [GC], no 26682/95, § 61, CEDH 1999-IV, et Brasilier, précité, idem).

36. La Cour rappelle en outre que les limites de la critique admissible sont plus larges à l’égard d’un homme politique, visé en cette qualité, que d’un simple particulier : à la différence du second, le premier s’expose inévitablement et consciemment à un contrôle attentif de ses faits et gestes tant par les journalistes que par la masse des citoyens ; il doit, par conséquent, montrer une plus grande tolérance (voir, par exemple, Lingens c. Autriche, 8 juillet 1986, § 42, série A no 103, Vides Aizsardzības Klubs c. Lettonie, no 57829/00, § 40, 27 mai 2004, et Brasilier, précité, § 41). Par ailleurs, la liberté journalistique comprend aussi le recours possible à une certaine dose d’exagération, voire même de provocation (Prager et Oberschlick c. Autriche, 26 avril 1995, § 38, série A no 313, Thoma c. Luxembourg, no 38432/97, §§ 45-46, CEDH 2001‑III, Perna c. Italie [GC], no 48898/99, § 39, CEDH 2003‑V, et Riolo c. Italie, no 42211/07, § 70, 17 juillet 2008).

37. Si la presse ne doit pas franchir certaines limites, tenant notamment à la protection de la réputation et des droits d’autrui, il lui incombe néanmoins de communiquer, dans le respect de ses devoirs et de ses responsabilités, des informations et des idées sur toutes les questions d’intérêt général. Ainsi, la mission d’information comporte nécessairement des « devoirs et des responsabilités » ainsi que des limites que les organes de presse doivent s’imposer spontanément (Mater c. Turquie, no 54997/08, § 55, 16 juillet 2013, et Couderc et Hachette Filipacchi Associés c. France [GC], no 40454/07, § 89, CEDH 2015 (extraits)). La Cour rappelle également que la protection que l’article 10 offre aux journalistes est subordonnée à la condition qu’ils agissent de bonne foi de manière à fournir des informations exactes et dignes de crédit dans le respect des principes d’un journalisme responsable.

38. Lorsqu’elle est appelée à se prononcer sur un conflit entre deux droits également protégés par la Convention, la Cour doit effectuer une mise en balance des intérêts en jeu. L’issue de la requête ne saurait en principe varier selon qu’elle a été portée devant elle, sous l’angle de l’article 8 de la Convention, par la personne faisant l’objet de la publication ou, sous l’angle de l’article 10, par sonauteur. En effet, ces droits méritent a priori un égal respect (Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS) c. France, no 12268/03, § 41, 23 juillet 2009, Timciuc c. Roumanie (déc.), no 28999/03, § 144, 12 octobre 2010, et Mosley c. Royaume-Uni, no 48009/08, § 111, 10 mai 2011). Dès lors, la marge d’appréciation devrait en principe être la même dans les deux cas (Von Hannover c. Allemagne (no 2) [GC], nos 40660/08 et 60641/08, § 106, CEDH 2012, Axel Springer AG, précité, § 87, et Almeida Leitão Bento Fernandes, précité, § 49).

39. En outre, dans les arrêts Lingens (précité, § 46) et Oberschlick (Oberschlick c. Autriche (no 1), 23 mai 1991, § 63, série A no 204), la Cour a distingué entre déclarations de fait et jugements de valeur. La matérialité des déclarations de fait peut se prouver ; en revanche, les jugements de valeur ne se prêtant pas à une démonstration de leur exactitude, l’obligation de preuve est donc impossible à remplir et porte atteinte à la liberté d’opinion elle-même, élément fondamental du droit garanti par l’article 10 (De Haes et Gijsels, précité, § 42, et Bargão et Domingos Correia c. Portugal, nos 53579/09 et 53582/09, § 37, 15 novembre 2012). Cependant, en cas de jugement de valeur, la proportionnalité de l’ingérence dépend de l’existence d’une « base factuelle » suffisante sur laquelle reposent les propos litigieux : à défaut, ce jugement de valeur pourrait se révéler excessif (De Haes et Gijsels, précité, § 47, Oberschlick c. Autriche (no 2), 1er juillet 1997, § 33, Recueil 1997‑IV, Brasilier, précité, § 36, et Lindon, Otchakovsky-Laurens et July, précité, § 55). Pour distinguer une imputation de fait d’un jugement de valeur, il faut tenir compte des circonstances de l’espèce et de la tonalité générale des propos (Brasilier, précité, § 37), étant entendu que des assertions sur des questions d’intérêt public peuvent constituer à ce titre des jugements de valeur plutôt que des déclarations de fait (Paturel c. France, no 54968/00, § 37, 22 décembre 2005, et Morice c. France [GC], no 29369/10, § 126, 23 avril 2015).

40. Si la mise en balance par les autorités nationales s’est faite dans le respect des critères établis par la jurisprudence de la Cour, il faut des raisons sérieuses pour que celle-ci substitue son avis à celui des juridictions internes (MGN Limited c. Royaume-Uni, no 39401/04, §§ 150 et 155, 18 janvier 2011, Palomo Sánchez et autres c. Espagne [GC], nos 28955/06, 28957/06, 28959/06 et 28964/06, § 57, CEDH 2011, Jelševar et autres c. Slovénie (déc.), no 47318/07, § 32, 11 mars 2014, et Almeida Leitão Bento Fernandes, précité, § 50).

β) Application des principes précités à la présente espèce

41. En l’espèce, la Cour constate que l’article litigieux a été publié dans un magazine jouissant d’une certaine crédibilité auprès du public et qu’il portait sur un sujet d’intérêt général relevant de la vie politique et sociale du pays. La marge d’appréciation dont disposaient les autorités pour juger de la nécessité de la condamnation prononcée contre la requérante au civil était, en conséquence, étroite.

42. Cela étant, la Cour rappelle que l’article 10 de la Convention ne garantit pas une liberté d’expression sans aucune restriction même quand il s’agit de rendre compte dans la presse de questions sérieuses d’intérêt général. Le paragraphe 2 de cet article précise que l’exercice de cette liberté comporte des « devoirs et responsabilités » qui peuvent revêtir de l’importance lorsque, comme en l’espèce, l’on risque de porter atteinte à la réputation de particuliers et de mettre en péril les « droits d’autrui ». Ainsi, l’information rapportée sur des questions d’intérêt général est subordonnée à la condition que les intéressés agissent de bonne foi de manière à fournir des informations exactes et dignes de crédit (Fressoz et Roire c. France [GC], no 29183/95, § 54, CEDH 1999‑I, Brunet-Lecomte et autres c. France, no 42117/04, § 47, 5 février 2009, et Barata Monteiro da Costa Nogueira et Patrício Pereira c. Portugal, no 4035/08, § 31, 11 janvier 2011). La Cour rappelle que, s’il est vrai que les adversaires des idées et positions officielles doivent pouvoir trouver leur place dans l’arène politique, discutant au besoin des actions menées par des responsables dans le cadre de l’exercice de leurs mandats publics, ils sont également tenus de ne pas dépasser certaines limites quant au respect – notamment – de la réputation et des droits d’autrui (Fleury c. France, no 29784/06, § 45, 11 mai 2010, et Barata Monteiro da Costa Nogueira et Patrício Pereira, précité, § 37).

43. La Cour a examiné l’article incriminé sans y trouver d’expressions déclarant que le demandeur avait commis des actes illicites punis d’une amende administrative (coima), comme, en l’espèce, la consommation de drogues dures au Portugal (voir, mutatis mutandis, Gouveia Gomes Fernandes et Freitas e Costa c. Portugal, no 1529/08, § 51, 29 mars 2011). Par ailleurs, même si l’on interprète les mots pertinents comme une allusion à l’existence de rumeurs sur ce sujet, dont l’article litigieux ferait l’écho, la Cour estime qu’elle n’a été utilisée par la requérante que pour appuyer sa virulente critique de la proposition législative du gouvernement dirigé à l’époque des faits par le demandeur (voir, mutatis mutandis, Riolo, précité, § 67). Contrairement aux juridictions portugaises, la Cour interprète les déclarations incriminées dans la présente affaire comme faisant partie des assertions critiques sur des questions d’intérêt public par un journaliste et constituant à ce titre des jugements de valeur plutôt que des déclarations de fait (voir, mutatis mutandis, Jerusalem c. Autriche, no 26958/95, §§ 42 et 44, CEDH 2001‑II, et Brasilier, précité, § 37). En effet, la Cour note que les cours nationales n’ont pas pris en considération la nature ironique des assertions du journaliste dans le contexte de sa critique sur les « nouvelles règles du journalisme » proposées par le gouvernement (Lepojic c. Serbie, no 13909/05, § 77, 6 novembre 2007, et Sokolowski c. Pologne, no 75955/01, 46, 29 mars 2005). Pour la Cour, il est évident que le journaliste ne voulait pas imputer la consommation de drogues dures au Premier ministre, ni répandre une telle rumeur, mais au contraire utiliser l’ironie pour contester une proposition politique qui faisait débat dans la société portugaise. Enfin, les cours nationales n’ont pas examiné, comme elles auraient dû le faire, l’existence d’une base factuelle pour la critique des « nouvelles règles du journalisme » faite par le journaliste dans l’article incriminé.

44. Dans ces conditions, la Cour estime que, tout en contenant une certaine dose de provocation, l’article de la requérante ne saurait s’analyser en une attaque personnelle gratuite à l’encontre de l’ex-Premier ministre (voir, mutatis mutandis, Kwiecień c. Pologne, no 51744/99, § 54, 9 janvier 2007, Ormanni c. Italie, no 30278/04, § 73, 17 juillet 2007, et Chalabi c. France, no 35916/04, §§ 45-46, 18 septembre 2008).

45. Les considérations qui précèdent suffisent pour conduire la Cour à conclure que l’ingérence dans la liberté d’expression de la requérante n’a pas été conforme à la Convention. Au demeurant, elle considère également que le montant des dommages moraux et de la compensation que la requérante a été condamnée à payer (30 000 EUR au total) est de nature à altérer le juste équilibre requis en la matière (voir Riolo, précité, § 71). La Cour rappelle que la nature et la lourdeur des sanctions infligées sont des éléments à prendre en considération lorsqu’il s’agit de mesurer la proportionnalité d’une ingérence (voir, par exemple, Sürek, précité, § 64, deuxième alinéa, et Chauvy et autres, précité).


    8. Passando à apreciação do caso concreto em litígio, à luz da via metodológica atrás traçada, importa realçar liminarmente que – atentos os precedentes jurisprudenciais do TEDH , atrás referenciados , - é possível, num juízo de prognose, admitir como muito provável que, se a questão lhe viesse a ser colocada, tal órgão jurisdicional entenderia que, nos presentes autos, a forma mordaz e contundente das opiniões críticas formuladas, com uma carga desprimorosa para o A. enquanto no exercício de funções de interesse público, decorrentes do patrocínio judiciário de uma autarquia, envolvendo uma situação litigiosa com a mesma, relativa ao montante de honorários devidos, susceptível de assumir relevantes reflexos patrimoniais para o erário público, se situaria ainda dentro dos limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.

  Na verdade, o TEDH vem entendendo que – particularmente no âmbito dos artigos que visam essencialmente a expressão da opinião e a crítica a aspectos ligados à vida pública e a temas de manifesto interesse público - está coberta pela liberdade de expressão, não apenas a discordância respeitosa, a crítica puramente objectiva e moldada pela elevação do debate – mas também a crítica contundente, sarcástica, mordaz, com uma carga exageradamente depreciativa ou caricatural da acção e capacidades do visado – justificando a necessidade de uma particular tolerância deste às opiniões adversas que criticam acerbamente, chocam, ofendem ou exageram , envolvendo  porventura o uso de expressões agressivas ou virulentas:

-la Convention ne laisse guère de place pour des restrictions à la liberté d’expression dans le domaine du discours et du débat politiques – dans lequel la liberté d’expression revêt la plus haute importance

-les limites de la critique admissible sont plus larges à l’égard d’un homme politique, visé en cette qualité, que d’un simple particulier : à la différence du second, le premier s’expose inévitablement et consciemment à un contrôle attentif de ses faits et gestes tant par les journalistes que par la masse des citoyens ; il doit, par conséquent, montrer une plus grande tolérance

   Sirva, desde logo, de padrão o atrás citado Ac. de 30/8/2016, em o TEDH acabou por entender que cumpria interpretar les déclarations incriminées dans la présente affaire comme faisant partie des assertions critiques sur des questions d’intérêt public par un journaliste et constituant à ce titre des jugements de valeur plutôt que des déclarations de fait – notando ainda que  la Cour note que les cours nationales n’ont pas pris en considération la nature ironique des assertions du journaliste dans le contexte de sa critique sur les « nouvelles règles du journalisme » proposées par le gouvernement.


   Considera-se, por outro lado, que, na especificidade do caso dos autos, este entendimento jurisprudencial acerca deste nível de compatibilização ou concordância prática dos direitos fundamentais em confronto não envolve violação de normas constitucionais, não implicando nomeadamente a desproporcional afectação do direito à honra e bom nome do visado: para esta convicção contribui, desde logo, a circunstância de os artigos em causa serem fundamentalmente artigos de opinião e crítica a aspectos de relevante interesse público, por envolverem questões financeiras relevantes para a autarquia, não podendo analisar-se fora do concreto contexto em que surgem, conexionadas com um intenso conflito entre o A. e os RR., expresso em várias iniciativas processuais daquele, nomeadamente no plano penal e administrativo, que se revelaram improcedentes.


    Ora, neste âmbito, as exigências de uma sociedade democrática e aberta não se coadunam com a imposição de restrições, formais e rígidas, ao exercício da actividade de escrutínio e crítica a temas de manifesta relevância e interesse público, de modo a tornar lícitos apenas os juízos críticos quando formulados com elevação , de forma correcta e estritamente objectiva - não podendo erigir-se, neste âmbito, impedimentos ou discriminações ao modo como é exercida a liberdade de expressão e opinião que poderiam funcionar, em última análise, como formas atípicas ou subliminares de censura, vedadas  pelo art. 37º da Lei Fundamental.

   Como bem se refere no parecer doutrinário junto aos autos, a fls., 5211 e segs., os indivíduos e pessoas colectivas que estabelecem transacções a título oneroso com os poderes públicos devem esperar um escrutínio público especialmente rigoroso da sua conduta, particularmente nos domínios em que a mesma interceta domínios respeitantes à gestão de recursos públicos, envolvendo valores pecuniários consideráveis, em litigância com a pessoa colectiva pública.

Por outro lado, a acrimónia dos artigos de opinião em causa, a linguagem ácida e corrosiva neles utilizada, é corolário – e tem de se enquadrar - no contexto do clima de fortíssimo antagonismo e confrontação entre as partes, decorrente das iniciativas processuais desencadeadas pelo A. no plano penal e percepcionadas pelos RR. como tendo um objectivo intimidatório e sancionatório do exercício da liberdade de opinião, que se gorou – destinando-se a sinalizar ao visado e à comunidade aberta dos leitores a convicção do seu autor acerca da gravidade e censurabilidade das condutas persecutórias desencadeadas , do ponto de vista da salvaguarda dos valores da cidadania e do debate democrático e aberto sobre temas de inquestionável interesse público.

  Considera-se, deste modo, por estas razões, que não podem qualificar-se como civilmente ilícitos os artigos de opinião em causa nos presentes autos, por as apreciações e juízos valorativos neles contidos, embora expressos de forma agressiva e contundente, terem na sua base temas de relevante interesse público e se situarem num contexto de forte antagonismo e confrontação entre as partes, não atentando desproporcionalmente contra os direitos individuais de personalidade do visado.

   Do mesmo modo que se não vê– face à matéria de facto apurada – que a publicação de uma fotografia do visado – pessoa de notoriedade pública local, envolvida num assunto de relevante interesse público, e obtida aquando de reunião pública , realizada na Câmara Municipal, em que o A. participou como advogado - ofenda o direito à imagem do visado, encontrando suporte no nº2 do art. 79º do CC, como entendeu o acórdão recorrido.


    9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 13 de Julho de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra