Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P391
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOURENÇO MARTINS
Descritores: GARANTIAS DO PROCESSO CRIMINAL
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
CONSTITUCIONALIDADE
GRAVAÇÃO DA PROVA
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
MENOR
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
MANDATÁRIO JUDICIAL
ADVOGADO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PATROCÍNIO OFICIOSO
NULIDADE PROCESSUAL
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ200305280003913
Data do Acordão: 05/28/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2 J CR STA MARIA DA FEIRA
Processo no Tribunal Recurso: 903/2002
Data: 05/23/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : I - A nomeação de defensor oficioso, para a hipótese de o arguido não exercer o seu direito de escolha de defensor , conforma-se com o dispositivo constitucional , visando não apenas o apoio técnico-jurídico e até humanitário do arguido, como também a intervenção de um "órgão independente da justiça" , garante da observância da lei e da justiça da decisão, inserindo-se no conspecto de um processo equitativo , o que justifica seja chamado obrigatoriamente a certos actos, mesmo contra a vontade do assistido.
II - O sistema instituído acalenta o direito de o arguido escolher um defensor personalizado para o patrocínio extra apoio judiciário, de modo completamente livre, e para o patrocínio oficioso como uma aspiração que a lei procura realizar.
III - No caso de se pretender a substituição de defensor nomeado ao abrigo da lei do apoio judiciário, a "limitação" da justa causa aparece como imanente ao funcionamento normal da administração da Justiça, sob pena de o Tribunal ficar submetido à vontade, mais ou menos caprichosa do arguido, de requerer a seu belo prazer a mudança de advogado para cada acto processual, com consequências designadamente nos prazos para consulta dos autos e concerto de defesa.
IV - Fica intocado o direito de o arguido escolher e mudar de advogado quando constituído seu mandatário, com procuração, e assim garantida a imposição constitucional.
V - Na invocação de "laços de especial confiança" e na concordância do advogado, como fundamento do pedido de substituição de advogado oficioso por outro sugerido no estabelecimento prisional, apenas transparecia uma preferência por um advogado em confronto com outro que lhe havia sido nomeado oficiosamente, mas sem que se apontasse a quebra de confiança quanto ao primeiro.
VI - O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, não deixando, porém, de ser um sistema com componentes de índole pública, desde logo porque os encargos com o mesmo são suportados pelo Estado, compreendendo-se que o regime não seja igual ao da escolha completamente livre, e da sua substituição nos mesmos termos, do advogado constituído.
VII - A lei não protege um eventual direito do advogado indigitado de actuar ao abrigo de um patrocínio de nomeação oficiosa.
VIII - O despacho que negou a substituição tem suficiente apoio legal não só porque não se demonstrou que houvesse justa causa para a substituição - e competia ao requerente carrear elementos para a demonstrar, fundamentando devidamente a sua petição - como também porque não se vê que tenha sido ofendida qualquer regra ou princípio constitucional.
IX - Pelo facto de as cassetes de gravação sonora se apresentarem com algumas descontinuidades de depoimentos ou certos hiatos em alguns testemunhos, não se detecta qualquer irregularidade que pusesse em causa a fidedignidade da gravação - nº3 do artigo 101º do CPPenal - , antes pelo contrário, as medidas adoptadas, nomeadamente a retirada das patilhas de segurança das cassetes logo após as sessões de audiência, vão ao encontro das garantias da sua não modificabilidade intercalar, não inviabilizando a sua posterior consulta.
X - Tendo o Colectivo da Relação procedido à audição da prova gravada e não havendo detectado qualquer pergunta sugestiva, não dispõe, nem tem que dispor, este Supremo Tribunal da transcrição completa de depoimento ou depoimentos em que possa controlar a qualificação de uma pergunta como sugestiva ou não.
XI - Com o preceito do artigo 349º do CPPenal - a intervenção só do Presidente do Tribunal no interrogatório -, manifestamente dirigido
à protecção do menor que coopera com a Justiça, procura-se garantir um depoimento o mais genuíno possível, sem o impacto da normal vivacidade do contraditório exercido "em directo", salvaguardando a inexperiência natural do menor de 16 anos, a falta de contacto com o ambiente do tribunal, na sua severidade aparente, por vezes também na sua crueza do tratamento dos factos, o que pode ser fonte de inibição ou de traumatismo.
XII - Porque a violação do preceito, todavia, em condições onde normalmente se mantém a preservação daquele condicionalismo, ainda e sempre sob a disciplina do Presidente, não constitui um daqueles vícios que, em princípio, afecte insanavelmente ou em termos profundos o acto respectivo, a lei taxa-o de simples irregularidade - artigo 118º, nº2, e 123º, ambos do CPPenal -, a arguir em momento próprio, sob pena de sanção.
XIII - Com o recurso de revista pelo STJ, quer no domínio da jurisdição civil, quer no âmbito da jurisdição penal, não se visa permitir a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, mediante uma repetição do julgamento, com as inerentes consequências de frequente inutilidade e inconveniência - por desnecessidade e riscos de menor autenticidade - e de injustificado prejuízo para as consabidas exigências de celeridade na administração da justiça adequada.
XIV - Não pode relevar a impugnação, pelo recorrente, da decisão da matéria de facto quando o faz de forma genérica e imprecisa, sem cumprimento das regras legais.
XV - Se é viável e necessário que o depoente descreva em audiência de julgamento os pormenores em que fundamenta a sua convicção de que determinada pessoa é a autora ou participante nos factos criminosos - nº1 do artº 147º - , já a "reconstituição" da diligência tal como configurada pelos nos. 2 e 3 do mesmo preceito, no confronto directo ou oculto (para o depoente) com o pretenso agente criminoso se torna, pela natureza das coisas, irrepetível, em face do que foi feito durante o inquérito ou instrução.
XVI - Mas o Colectivo procede adequadamente quando em julgamento procura aferir da idoneidade dos reconhecimentos oportunamente efectuados em inquérito ou instrução, no âmbito dos amplos poderes que lhe concede o artigo 340º do CPPenal para descoberta da verdade e boa decisão da causa, assistindo à defesa do direito, dentro do princípio do exercício do contraditório (artigo 327º, nº2), de procurar impugnar as circunstâncias em que a diligencia oportunamente realizada foi feita, pondo em crise o seu "valor como meio de prova", designadamente na hipótese de não terem sido respeitadas as formalidades a que está sujeita.
XVII - No sentido de que o reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos formais exigidos pelo artigo 147º do CPPenal, vários acórdãos deste STJ se têm pronunciado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I

1. No Processo comum n.º 669/00, pelo Colectivo do 2.º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, o arguido:

"A" , casado, trolha, nascido em 10 de Novembro de 1945, natural da freguesia de Pedroso, Vila Nova de Gaia, residente na Rua ....., nº..., Casa 2, freguesia de Vilar de Andorinho, concelho de Vila Nova de Gaia, actualmente na situação de prisão preventiva, sob imputação da prática de:
- um crime de violação, pp. pelo artigo 201º, n.º1, do Código Penal de 1982, a punir eventualmente pelo artigo 172º do mesmo diploma, com as redacções dos Decretos-Leis, n.ºs 48/95, de 15 de Março, e 65/98, de 2 de Setembro, se, em concreto, configurarem um regime mais favorável ao arguido, de harmonia com o previsto no artigo 2º, n.º4, do Código Penal;
- um crime de rapto de menor, pp. pelo artigo 163º, n.º1, do Código Penal de 1982, a punir eventualmente pelo artigo 160º do mesmo código, com as redacções dos Decreto-Lei n.º48/95, de 15 de Março, e 65/98, de 2 de Setembro, se, em concreto, configurarem um regime mais favorável ao arguido, de harmonia com o previsto no artigo 2º, n.º4, do Código Penal;
- trinta crimes de rapto, pps. pelos arts. 160º n.º1 al. b) e n.º 2 al. a), em conjugação com o n.º 2, al. e), do artigo 158º do Código Penal;
- dois crimes de rapto na forma tentada, pps. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 160º, n.º1, al. b), e n.º2, al. a), em conjugação com o n.º 2, al. e), do artigo 158º do Código Penal;
- dois crimes de violação, pps. pelo artigo 164º, nº1, do C.Penal;
- dois crimes de violação, sob a forma tentada, pps. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 164º, n.º1, do Código Penal;
- um crime de violação agravado, pp. pelos arts. 164º, n.º1 e 177º, n.4 do C.Penal;
- vinte e quatro crimes de abuso sexual de crianças, pps. pelo artigo 172º nº1 do C.Penal;
- cinco crimes de abuso sexual de crianças na forma tentada, pps. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 172º, n.º1, do Código Penal;
- um crime de abuso sexual de criança, pp. pelo artigo 172º, nº3, a), do C.Penal;
- três crimes de ofensa à integridade física, pps. pelo artigo 143º, nº1, do C.Penal;
- onze crimes de ameaça, pps. pelo artigo 153º, nºs 1 e 2, do C.Penal;
- um crime de furto, pp. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal;
todos, à excepção do primeiro, com a agravante da reincidência (arts. 75º e 76º do C.Penal).

Houve constituição de vários assistentes e dedução de pedidos de indemnização civil.

Após julgamento, o arguido foi condenado, por acórdão de 23 de Maio de 2002:
- por um crime de violação, pp. pelo artigo 201º, nº1 do C.Penal na sua versão de 1982, na pena de seis anos de prisão;
- por cada um de dois crimes de violação, pp. pelo artigo 164º, nº1, do C.Penal, na pena de seis anos de prisão;
- por um crime de violação, pp. pelo artigo 164º, nº1, com a agravação do artigo 177º, nº4, do C.Penal, na pena de oito anos de prisão;
- por cada um de dois crimes de violação, sob a forma tentada, pp. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 164º, nº1, do C.Penal, na pena de três anos de prisão;
- por cada um de vinte e três crimes de abuso sexual de crianças, pp. pelo artigo 172º, nº1, do C.Penal, na pena de quatro anos de prisão;
- por cada um de cinco crimes de abuso sexual de crianças, na forma tentada, pp. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 172º, nº1, do C.Penal, na pena de dois anos de prisão;
- por um crime de rapto de menor, pp. pelo artigo 163º, nº1, do C.Penal, na sua versão de 1982, na pena de seis anos de prisão;
- por cada um de vinte e oito crimes de rapto, pp. pelo artigo 160º, nº1, b) e nº2, a), em conjugação com o nº2, e), do artigo 158º, todos do C.Penal, na pena de seis anos de prisão;
- por cada um de dois crimes de rapto, sob a forma tentada, pp. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 160º, nº1, b) e nº2 a), em conjugação com o nº2, e) do artigo 158º, todos do C.Penal, na pena de três anos de prisão;
- por cada um de nove crimes de ameaça, pp. pelo artigo 153, nºs 1 e 2, do C.Penal, na pena de quatro meses de prisão;
- por cada um de três crimes de ofensa à integridade física simples, pp. pelo artigo 143º, nº1, do C.Penal, na pena de dois meses de prisão;
- por um crime de furto, pp. pelo artigo 203º, nº1 do C.Penal, na pena de quatro meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 25 anos de prisão.
Foram declarados perdidos a favor do Estado os velocípedes com motor, a navalha, a pistola de alarme, o capacete e a boina apreendidos ao arguido, nos termos do artigo 109º, n.º 1, do mesmo código.
Os pedidos cíveis foram julgados totalmente procedentes e, em consequência, foi o arguido condenado no pagamento das indemnizações peticionadas.
2. Por não se conformar com a decisão, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 30 de Outubro de 2002, negou total provimento ao recurso, depois de ter tomado idêntica posição quanto a um recurso interlocutório relativo a pedido de substituição do seu defensor oficioso, perante as questões que a Relação assim sumariou:
"a) irregularidade da gravação devido a longas interrupções, hiatos, saltos e vazios, sem qualquer justificação da sua existência registada em acta; b) violação do artigo 138º, nº2, do C. P. Penal, no que diz respeito à inquirição das testemunhas - audição de menores de 16 anos sem ser através do senhor juiz presidente do tribunal - o que permitiu que o M.º P.º e o senhor juiz presidente violassem o disposto no artigo 138º, nºs 1 e 2 do C. P. Penal e ausência temporária da sala de audiências por parte do arguido; c) prova de factos, nomeadamente a maioria dos reconhecimentos, sem que da prova produzida se possa tirar tal conclusão, havendo em muitos dos pontos reconhecimentos dados como adquiridos, quando os menores, de forma peremptória e (ou) mais ou menos duvidosa, rejeitaram a possibilidade de ter sido o arguido a cometer tais factos; d) normas jurídicas violadas: arts. 138º, nº2, 147º, 349º, 363º e 410º, nº2, als. a) e c), todos do C. P. Penal".
Perante essa improcedência, e de novo inconformado, recorre o arguido A para este Supremo Tribunal, concluindo a sua motivação contra o acórdão recorrido, pela forma seguinte (transcrição):
''A. Não se pronunciou sobre a matéria da "questão prévia" umbilicalmente ligada àquela da ''inexistência da defesa"; e assim, sobre a alegada inconstitucionalidade por diminuição das garantias da defesa e atentado às honra, imagem e bom nome do arguido, bem como a violação de normas imperativas do direito internacional, nomeadamente, o direito a um julgamento condigno.
B. Negou provimento ao recurso interlocutório baseado num pretenso despacho do dia 3 de Abril que nunca existiu. E fez mais.
C. Omitiu de se pronunciar sobre a questão de fundo legal e com dignidade constitucional, a saber: tem ou não tem o arguido o direito a escolher o defensor da sua confiança? Erigindo questões puramente formais, erradas pelas próprias datas que enuncia e vazias de conteúdo em pilares doutrinários, como forma de encontrar justificação aparente para uma rejeição do recurso que a todos (ou quase todos) facilitaria a vida.
D. Não se pronunciou também sobre a outra questão de fundo: teve o arguido defesa? Podia tê-la tomado um advogado por si rejeitado e mantido à força pelo tribunal? Podia o referido causídico acordar uma defesa com o arguido? Arguiu o referido advogado imposto alguma irregularidade, alguma nulidade? Visitou previamente o arguido (ao menos uma só vez) na cadeia? Deu alguma resposta aos seus apelos 15 dias antes do início do julgamento?
E. o douto acórdão não explicou também, o que tem a ver a outorga de uma procuração forense, ou duas ou dez, ou cem, não introduzidas aos autos, com a questão fulcral do recurso:
- tinha ou não o arguido direito a requerer a substituição de patrono nomeado, atempadamente e com a fundamentação aduzida? Tinha ou não tinha o advogado escolhido, direito no seu foro íntimo, a só aceitar um patrocínio através de nomeação oficiosa? E quais as razões que a tal pedido subjazeram? A nada disto o douto acórdão respondeu, fazendo da casca do ovo (o formalismo) o próprio ovo ( o espírito da lei).
F. Apenas se limitando a esgrimir excertos de textos legais que em nada responderam, fundamentando nos termos legais à questão fundamental em causa: foi justo, foi legal, foi constitucional dar guarida no seio de um julgamento desta sensibilidade a uma defesa que nunca o foi?
G. E também tergiversou de forma inexplicável quanto à questão da irregularidade da gravação da prova, ocultando por omissão, a gravíssima questão do processo de suspeição em curso e que, provavelmente pensava constituir caso julgado por não provimento do recurso no STJ: enganando-se, porque o mesmo acaba de obter provimento.
H. Errando também, ao afirmar que o espírito subjacente ao disposto no artigo 363° do CPP
não impõe a gravação contínua da prova: impõem-na os princípios do processo penal, da objectividade, da verdade, da imediatidade e até, da oralidade e espontaneidade da prova produzida e transcrita: é uma questão de verdade aparente, a saber, "não basta que a mulher de César seja honesta, é preciso que o pareça! "
I. Há pois irregularidade, por infidelidade e não-perceptibilidade da prova assim gravada.
J. Da mesma forma mal andou o acórdão ao dar como não dito na motivação de recurso da defesa " qualquer exemplo de situações em que tenham sido formuladas às testemunhas perguntas sugestivas ou impertinentes", quando a motivação forneceu não uma, mas trinta e quatro!
K. Sendo impossível esconder a verdade: as inquirições foram realizadas em ruptura com a legalidade, sim, ao arrepio dos mais elementares princípios e regras da inquirição de testemunhas .
L. Violou também de forma afrontosa o conteúdo do disposto no artigo 349° do CPP não analisando a questão da eventual nulidade, mas adoptando de imediato a tese da irregularidade, no afã não escondido de assim poder dizer que o advogado oficioso rejeitado e imposto à força, devia e podia tê-la arguido no próprio acto.
M. Cometendo assim vício de interpretação e de aplicação da lei, erigindo a forma, em detrimento da busca da verdade material.
N. Dando assim uma visão de parcialidade na análise do recurso em consonância com o historial pré-condenatório vivido na primeira instância, sendo certo que não pode deixar a defesa de constatar que foi o mesmo Tribunal da Relação do Porto quem, indeferiu liminarmente o requerimento de suspeição do tribunal, quem não admitiu o recurso de tal decisão para o STJ, o todo acabando por ser anulado pelo Senhor Presidente do STJ, admitindo-o e pelo próprio STJ, anulando a decisão do TRP.
O. Prejudicando uma vez mais o arguido nos seus interesses vitais e diminuindo por tal modo de actuar, as suas garantias de defesa.
Q. Elaborando uma fundamentação que não corresponde à verdade contida e expressa de forma exaustiva e em detalhe/na motivação de recurso da defesa.
P. E errou por fim, ao não se pronunciar sobre a matéria de facto e a violação intrínseca do disposto no artigo 147° do CPP aplicado em sede de audiência de julgamento, com o pretexto formal do incumprimento pela defesa do disposto no artigo 412° do CPP .
R. Não se pronunciando desse modo e por tal engenharia processual sobre a sindicada matéria de facto dada como provada e, na realidade contrária àquela que efectivamente foi produzida e felizmente está (embora mal!) gravada.
S. Infringiu assim o douto acórdão na letra e no espírito os arts. 66° n° 3; 97° n° 4; 138°; 147°; 349°; 363°; todos do CPP; os arts. 8°; 13° n° 2; 16° nos. 1 e 2; 18° n° 1; 20° n° 4; 22°; 25° n° 1; 26° n° 1; 32° nos. 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa; arts. 7°; 8°; 10°; 11° n° 1; 12° e 30° da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948; e ainda, o artigo 6° nos. 2 e 3, als. b) e c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
E nestes termos, deve o douto acórdão ser revogado, as suas deficiências supridas e o julgamento anulado.
Numa decisão que, finalmente, no sábio entendimento de v. Exas. e atento o que ficou descrito se pautei, como não o conseguiu o douto acórdão recorrido, por um maior esforço de rigor, ajuste e bom senso na busca da Justiça concreta, o todo em prol das necessidades das verdadeiras Prevenção Geral e Especial e da dignificação do próprio sistema judicial, a que corresponda uma compreensão límpida, escorreita e lógica da forma que leva a tomar as decisões judiciais".
Respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação do Porto, dizendo em síntese:
''A decisão da Relação que incidiu sobre a decisão interlocutória proferida na 1ª instância não é passível de recurso para o STJ, pelo que o recurso interposto, ainda que recebido, deve ser rejeitado - artigos 432°, b), 400°, n.º 1, c), 414°, n.º 2 e 3, e 420°, n.º 1, CPP.
Visando o recurso para o STJ a reapreciação de simples matéria de direito, não têm qualquer cabimento as questões de facto empreendidas pelo recorrente - artigo 432°, n.º 1, d), CPP.
As questões de direito colocadas não merecem provimento, ainda que a forma algo confusa e carente de sistematização, em que a motivação se desdobra, crie dificuldades à sua clara compreensão.
Ou seja: rejeitado aquele recurso, este outro não merece provimento".
3. Subindo os autos a este Supremo Tribunal, verificou-se que o arguido havia pedido a escusa dos juízes do Tribunal Colectivo da 1.ª Instância, recurso rejeitado pela Relação mas admitido pelo Presidente do STJ e depois aceite pela Secção Criminal (5.ª), que revogou o acórdão da Relação. Após a ordenada instrução dos autos foi proferida decisão, transitada em julgado, indeferindo o pedido de recusa. O que retira pertinência às alusões que o recorrente faz a tal processo.
Prosseguiu o processo, após ''visto" do Ex.mo Representante do Ministério Público e exame preliminar do Relator.
Colheram-se os vistos legais.
Procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo, tendo sido produzidas alegações orais.

Cumpre ponderar e decidir.
II

Torna-se necessário conhecer a matéria de facto. Na 1ª Instância foi considerada provada e não alterada pela Relação, a seguinte (transcrição a partir do acórdão recorrido):
''1 - No dia 14 de Novembro de 1994, cerca das 9 h, no Lugar de Soutelo, da Freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, quando a menor B, de 12 anos de idade (nascida a 1982-06-23), se dirigia para a Escola Secundária de Fiães, o arguido, que na altura usava um boné escuro de pala e trazia o braço direito envolvido com uma ligadura, abeirou-se dela e solicitou a sua ajuda, dizendo-lhe ''anda ali ajudar-me a pegar numa viga";
2 - Perante a recusa da menor, o arguido encostou-lhe à cabeça uma pistola de cor escura, cujas características mais precisas não foi possível apurar, ao mesmo tempo que a intimidava com a ameaça de que, caso gritasse, a matava, empurrando-a também para o interior do pinhal que se situava nas imediações,
3 - onde, à custa da permanência da intimidação, a obrigou a deitar no chão, retirando-lhe, em seguida, a bota do pé direito e a perna da calça direita, com o que conseguiu, de modo mais fácil, baixar as calças e cuecas da menor, ao mesmo tempo que baixava as suas próprias calças e cuecas;
4 - Em seguida, deitou-se sobre a menor com o pénis erecto e encostou-o à vagina daquela pressionando-o contra a mesma em jeito de o introduzir completamente, acto que não logrou inteiramente devido às dimensões do órgão sexual da menor e aos seus movimentos tendentes a afastar o arguido da introdução total;
5 - Manteve-se o arguido em tal postura de contacto peniano compressivo, friccionante e excitatório até ejacular, altura em que, com um lenço, limpou o pénis e a vagina da menor;
6 - Após tais actos, o arguido retirou do bolso das calças um lenço em que trazia envolvidos dois comprimidos de cor branca, com fenda central, em tudo semelhantes aos que lhe vieram a ser apreendidos no âmbito destes autos, e obrigou a menor a ingerir um deles, com o pretexto de que se destinava a impedir que engravidasse, ingestão que a B levou a cabo, por medo;
7 - Recompondo-se, ordenou o arguido à menor que se mantivesse no local até ouvir um assobio seu, espaço de tempo que o arguido usou para se ausentar dali num velocípede com motor cujas características não foi possível identificar, uma vez que ele se esforçou para o esconder da ofendida, tapando-lhe os olhos com a mão quando esta era empurrada para o interior do pinhal.
8 - No dia 20 de Julho de 1999, cerca das 17 horas, no Lugar de Gojanda, Pisão, freguesia de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia, o arguido dirigiu-se à menor C, de 9 anos de idade (nascida a 1989-12-11), quando ela caminhava pela rua, e perguntou-lhe se sabia onde se situava uma tasca, provocando com esta pergunta a aproximação da C;
9 - Acto contínuo, o arguido empunhou uma navalha cujas características não foi possível apurar e, apontando-a à menor com propósitos intimidatórios, disse-lhe ''agora vais comigo", ao mesmo tempo que a agarrava e a colocava sobre um velocípede com motor cujas características não foi possível apurar, levando-a para um pinhal localizado a distância que se não conseguiu determinar;
10 - Já no pinhal, o arguido obrigou a menor a ingerir um comprimido, dizendo-lhe que se destinava a que não engravidasse, e despiu a C , despindo-se também da cintura para baixo;
11 - Depois de obrigar a menor a deitar-se no chão, deitou-se então o arguido sobre ela, com o pénis erecto, procurando introduzir-lhe o membro viril na vagina; ao cabo de alguns momentos de assim ter estado, o arguido levantou-se, ordenou à menor que se vestisse, deu-lhe uma moeda de 100$00 e ordenou-lhe que nada viesse a contar sobre o sucedido;
12 - Com a conduta que descrita ficou o arguido provocou na zona vulvar da menor ruborização derivada da fricção do pénis em tal região, ao mesmo tempo que determinou o internamento da C no Serviço de Pediatria do Hospital de Vila Nova de Gaia, para acompanhamento do quadro traumático que vivenciava.
13 - No dia 2 de Agosto de 1999, cerca das 12 h, o arguido abeirou-se da menor D, de 10 anos de idade (nascida a 1988-11-17), quando a mesma se encontrava a andar de bicicleta junto do prédio onde reside, situado na Rua José Rocha, n.º..., na Freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia; pediu então o arguido à menor que o acompanhasse às galerias do prédio em questão, com o pretexto de lhe ler as marcas de relógios que se encontravam expostos numa loja ali existente;
14 - Como a menor se aproximasse do arguido, este agarrou-a, tapou-lhe a boca e arrastou-a até às traseiras do prédio, não sem que antes lhe desferisse uma bofetada na cara e porque a menor chorasse, o mesmo lhe tenha exibido uma pistola de características que não foi possível apurar, ao mesmo tempo que lhe ordenava, com modos agressivos, que estivesse quieta se não a mataria;
15 - Já nas traseiras do prédio em questão, o arguido desceu as calças da D e desceu também as suas, posto o que, com o pénis erecto, o esfregou, comprimindo-o contra a vagina da menor, até ejacular, ejaculação esta que conspurcou as calças da menor, assim permitindo que o exame pericial de DNA houvesse comprovado que o esperma ali deixado apresentasse características genéticas idênticas às do arguido;
16 - Em seguida, o arguido impôs à menor que só se ausentasse do local após ouvir um assobio que ele próprio produziria quando já estivesse em local afastado.
17 - No dia 6 de Setembro de 1999, cerca das 11 h e 30 m, o arguido abordou a menor E, de 11 anos de idade (nascida a 1987-11-03), à entrada do prédio situado na Rua Bartolomeu Dias, n.º..., da freguesia de Mafamude, concelho de Vila Nova de Gaia e, depois de perguntar se estaria alguém na cave, agarrou por um braço da E, arrastando-a para a cave do prédio;
18 - Ali, o arguido disse em tom sério e agressivo, dirigindo-se à menor, ''se não queres morrer tens que estar calada", declaração que a deixou muito receosa;
19 - Seguidamente, ordenou-lhe que tirasse os calções e as cuecas, o que ela cumpriu devido ao medo que sentia, posto o que o arguido, já com as suas roupas ao fundo das pernas, se debruçou sobre a menor com esta encostada à parede e com o pénis erecto e apontado na direcção da sua vagina procurou penetrá-la;
20 - Esteve o arguido alguns momentos de exercício naquele seu objectivo, que a menor ia obstaculizando com a colocação da mão em frente da vagina, findos os quais se levantou e fugiu do local depois de ter ouvido o toque de um telefone num piso do prédio mais acima.
21 - No dia 27 de Setembro de 1999, cerca das 16 h e 45 m, no Lugar de S.Miguel, da freguesia de Olival, concelho de Vila Nova de Gaia, o arguido, vindo no velocípede com motor de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, e apresentando-se com um boné de pala na cabeça, surgiu ao caminho das menores F e G, ambas com 12 anos de idade (nascidas a 1987-06-29 e 1986-12-29, respectivamente), vindo do interior de um pinhal ali existente, quando as mesmas vinham da Papelaria S.Miguel;
22 - Trazendo consigo um vidro martelado na mão, o arguido chamou a atenção das menores com um pedido de ajuda não muito especificada, solicitação esta que as levou a aproximarem-se dele, posto o que, com a intimidação de uma navalha empunhada e cujas características não foi possível apurar, as obrigou a entrarem no dito pinhal, com uma densidade florestal que torna o seu interior nada visível do caminho;
23 - Depois de haver procurado que as menores se despissem e de o não ter conseguido, por resistência destas, o arguido mandou sentar a F e, com a G de pé, abriu a carcela, retirou o pénis, posto o que se encostou a ela metendo-lhe o membro viril no meio das pernas e, num movimento de vaivém, simulou durante momentos que com ela estava mantendo relações sexuais de cópula;
24 - De seguida, abeirou-se mais da F e, ainda com a exibição da navalha, ordenou-lhe que com a sua mão lhe estimulasse o pénis, o que a menor, devido à intimidação, fez até o arguido ejacular;
25 - Deu então o arguido às menores uma importância em dinheiro de cerca de cento e setenta escudos, em moedas, ao mesmo tempo que lhes ordenou que se mantivessem no local até que ele desse um assobio e retirou dali.
26 - No dia 22 de Outubro de 1999, cerca das 15 h e 35m, o arguido, tripulando o velocípede com motor marca ''Zundapp", modelo Famel XF 25, de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, e envergando na cabeça um capacete, aproximou-se da casa do menor H, de 4 anos de idade (nascido a 1995-04-22), na Travessa do Rio Maior, n.º..., freguesia de Paramos, concelho de Espinho, posto o que, para atrair a atenção do menor, que se encontrava a brincar no jardim da residência, lhe pediu para lhe vir ajudar a ''pôr a mota a trabalhar", com o que conseguiu a aproximação do H como era seu desejo;
27 - Com o menor mais perto, o arguido, agindo com o objectivo de o retirar do local para vir a abusar sexualmente dele em sítio mais escondido, colocou-o contra a vontade dele e dos pais sobre o supra identificado velocípede com motor e rumou com ele para as proximidades de um tanque existente a trezentos metros de distância da residência do menor;
28 - Uma vez ali, o arguido começou por abrir a carcela das calças para retirar o pénis e de assim lograr a prática de actos sexuais contra o menor, altura em que pressentiu a aproximação de I e se pôs em fuga no velocípede supra indicado, deixando o menor no local, onde foi recolhido por aquele I e de seguida entregue à mãe;
29 - Em consequência directa da actuação do arguido que descrita ficou, o menor sofreu um profundo traumatismo psicológico que o vem inibindo de sair espontaneamente de casa.
30 - No dia 8 de Novembro de 1999, cerca das 8 h e 30 m, na Rua do Monte, a nascente da Estrada Nacional 109, próximo da Escola do Ensino Básico n.º4, em Paramos, concelho de Espinho, o arguido, que se fazia transportar nessa ocasião no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-..., marca E.F.S, de cor vermelha, apreendido nos autos, abordou a menor J, de 8 anos de idade (nascida a 1990-12-27), quando ela se dirigia para a escola e disse-lhe, com o propósito de a atrair para dela vir a abusar sexualmente: ''óh menina anda aqui ajudar-me a arranjar a mota que eu estou atrasado para o trabalho";
31 - A menor, receosa de que o arguido viesse a atentar contra si, procurou escapar-se dele dizendo-lhe que tinha a mãe à sua espera, ao que o arguido, de forma insistente e tentando convencê-la a aproximar-se de si, respondeu que lhe daria uma nota de cinco mil escudos, ao mesmo tempo que lha exibia;
32 - Apesar disso, a menor encetou uma corrida e fugiu dessa forma aos ímpetos do arguido, assim logrando impedir, contra a vontade dele, a consumação criminosa;
33 - No dia 30 de Novembro de 1999, pelas 8 h e 45 m, na Rua do Loureiro (próximo da linha do caminho de ferro), em Silvalde, concelho de Espinho, o arguido, que para ali se fez transportar num dos velocípedes apreendidos mas não suficientemente individualizado, abordou os menores L e o irmão M, de 10 e 8 anos de idade respectivamente (nascidos a 1989-11-06 e 1991-10-19), quando estes se dirigiam para a escola; ao cruzarem-se com o arguido este chamou-os e, como lhe não ligassem, ele veio atrás deles e, agarrando-os por um braço, puxou-os para o interior de um pinhal existente nas proximidades com o intuito de deles abusar sexualmente;
34 - Enquanto os puxava para o interior do pinhal, para mais facilmente vencer a sua resistência exibiu-lhes, em jeito intimidatório, uma navalha cujas características não foi possível apurar e disse-lhes que os mataria se fizessem barulho e se lhe não obedecessem, ao mesmo tempo que desferiu algumas bofetadas na menor L ;
35 - Em seguida, já no interior do pinhal, com um cordel que trazia no bolso, o arguido amarrou os menores a uma árvore, procurando começar a despir a L com a retirada das calças e da camisola, altura em que ambos se conseguiram soltar e fugir do arguido, assim fazendo cessar os actos que o mesmo executava no sentido de vir a atentar contra a liberdade e auto determinação sexual, pelo menos, da L .
36 - No dia 2 de Dezembro de 1999, cerca das 10 h e 45 m, o arguido acercou-se da Escola Primária do Lugar da Igreja, freguesia de Lobão, concelho de Santa Maria da Feira, fazendo-se transportar para ali no velocípede com motor marca ''Zundapp", modelo Famel XF 25, de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, e dirigiu-se à menor N, de 8 anos de idade (nascida a 1991-08-19), a quem perguntou, com o intuito de a fazer aproximar de si, se conhecia ali uma garagem de velocípedes com motor;
37 - Conseguindo desta forma levar a menor a chegar-se perto dele, o arguido agarrou-a e carregou-a, contra a sua vontade e contra vontade dos pais, no velocípede com motor supra descrito, levando-a para o interior de uns matos existentes junto ao Centro Social de Lobão, onde se propunha abusar sexualmente da N , como era seu desígnio ao privá-la da liberdade nos termos que descritos ficaram, ao mesmo tempo que lhe ordenava que se gritasse a mataria;
38 - Entretanto, porque a actuação do arguido tinha sido observada por umas senhoras que se encontravam junto da escola e estas se estavam a aproximar do local, o arguido veio a deixar a menor nas proximidades da escola onde dela se apoderara, ao mesmo tempo que fugia no velocípede.
39 - No dia 13 de Dezembro de 1999,cerca das 9 h e 25 m, na Rua do Padrão, em Grijó, Vila Nova de Gaia, o arguido abordou a menor O, de 12 anos (nascida a 1987-10-18), quando esta se dirigia para a escola, e com o simples propósito de a encaminhar para um local mais retirado da frequência de público, onde queria abusar sexualmente dela, pediu-lhe ajuda, com o falso pretexto de que precisava de transportar uma mesa que se encontrava atrás de uma capela existente nas imediações;
40 - Na convicção de que assim era e porque tomou o arguido como pessoa carecida de ajuda, em razão da idade que aparentava, a O aceitou acompanhá-lo para trás da dita capela;
41 - Ali, o arguido, com tom intimidatório, apontou à menor uma navalha cujas características não foi possível determinar, ao mesmo tempo que lhe ordenava que tirasse a roupa e se deitasse no chão pois se assim não procedesse a mataria;
42 - Nesse estado de pânico assim criado pelo arguido, a menor acabou por tirar as roupas, deitando-se em seguida no chão, altura em que o arguido se deitou também sobre ela e, com o pénis erecto, pressionou o mesmo contra a vagina da menor, desenvolvendo movimentos de vaivém até ejacular sobre a O, actos que lhe provocaram uma lesão traumática a nível vulvar, com ruborização;
43 - Após ejacular, o arguido levantou-se e deu 230$00 em moedas à O - entretanto apreendidas para o respectivo Inquérito -,ao mesmo tempo que fugia do local e ordenava à menor que nada contasse senão que a mataria.
44 - No dia 28 de Dezembro de 1999, cerca das 15 h e 45 m, na Rua Gonçalo Velho Cabral, em Vila Nova de Gaia, próximo da Escola Primária de Cabo Mor, o arguido abordou a menor P, de 12 anos de idade (nascida a 1987-11-21), e, após ter conseguido a sua aproximação de si à custa de uma pergunta sobre a identificação do local onde se encontrava e sobre o caminho para se dirigir para o Largo Soares dos Reis, obrigou-a a acompanhá-lo até um local descampado existente na Rua do Campo da Rosa;
45 - Ali, puxou as calças para baixo à menor e, ao mesmo tempo que a beijava, com o pénis exposto roçou-o insistentemente na vagina e no ânus da menor até se excitar de modo a ejacular, o que fez a alguns centímetros de distância em relação à menor, abandonando-a em seguida.
46 - No dia 24 de Janeiro de 2000, cerca das 11 h e 45 m, no Lugar de Casal Meão - Lourosa - Santa Maria da Feira, o arguido apareceu à menor Q, de 9 anos de idade (nascida a 1990-06-01), quando esta caminhava pela estrada vinda da escola em direcção à casa da avó situada em Vila Verde, Lourosa, e, encostando-lhe uma navalha ao pescoço, disse-lhe que a mataria se não o acompanhasse para um campo existente a distância que não foi possível apurar, onde o arguido se propunha abusar sexualmente da menor;
47 - Aterrorizada, quase sem forças para gritar, a Q ia resistindo ao seu arrastamento pelo arguido para o campo, altura em que ele lhe desferiu um murro na face e outro no abdómen para mais facilmente vencer a resistência da menor;
48 - Já no campo, o arguido começou a tentar despir a menor com o fim de lhe expor a zona genital para executar os seus desígnios libidinosos, acto que não chegou a consumar porque surgiu R que, ao ouvir a menor dizer ''esteja quieto", perguntou em voz alta ''quem está aí?", atitude que levou o arguido a fugir do local num velocípede com motor cujas características não foi possível apurar.
49 - No dia 9 de Fevereiro de 2000, cerca das 14 h e 5 m, na Rua Elísio de Castro, em Fiães, Santa Maria da Feira, o arguido, que circulava nessa artéria no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-..., de cor vermelha, apreendido nos autos, apercebeu-se de que a menor S, de 12 anos de idade (nascida a 1987-08-19), também caminhava por ali e decidiu-se pela abordagem da mesma com o objectivo de vir a abusar sexualmente dela, abordagem que não levou nesse momento à prática porque a menor correu a refugiar-se na casa de uma tia, na Rua da Barroca da mesma localidade acima citada;
50 - Convicta de que o arguido já não andaria por perto, a menor retomou o seu trajecto momentos depois em direcção a casa, altura em que, já no cimo da Rua da Barroca, ao virar à esquerda, o mesmo lhe apareceu vindo a pé e, para a abordar, engendrou a pergunta ''oh nina como é que se chama esta rua?";
51 - Quando a S iniciava a resposta, o arguido envolveu-lhe o pescoço com o braço esquerdo e exibiu-lhe, empunhado na mão direita, um canivete com cerca de 10 cm de comprimento em jeito de lho espetar, ao mesmo tempo que, perante os primeiros sinais de choro e terror da menor, lhe ordenou que se calasse, empurrando-a para o interior de uma mata conhecida pela ''Mata do Dr. Borges", que existe a cerca de uma centena de metros do local da abordagem;
52 - Já no interior da mata, depois de se certificar de que ninguém andaria por ali, o arguido mandou a menor sentar-se e tirar a mochila das costas, o que ela fez, após o que a mandou deitar e se deitou vestido sobre ela; de imediato, passou a procurar retirar as roupas da menor da cintura para baixo, ao que ela lhe suplicou que assim não procedesse e começou a chorar, súplica a que o arguido respondeu dizendo que a matava, sendo certo que lhe encostou o canivete de novo ao pescoço;
53 - Para mais facilmente retirar as roupas à menor, o arguido descalçou-lhe a bota do pé esquerdo e a perna da calça do mesmo lado, assim conseguindo expor a zona genital daquela, posto o que, deitado sobre ela, retirou o pénis e esfregou-o pelo corpo da menor, junto à vagina, beijando-a simultaneamente nas faces e na boca, actos durante os quais chegou a expelir esperma para as cuecas da menor, com o que foi possível concluir, pericialmente, pela identificação do DNA de características genéticas idênticas às do arguido;
54 - De seguida, o arguido disse à menor que iria espremer o seu esperma e que a mesma deveria manter-se no local até ouvir um assobio, ordem que ela cumpriu, só saindo dali quando ouviu o velocípede com motor supra indicado arrancar;
55 - Em consequência da conduta do arguido que descrita ficou, a menor S sofreu várias escoriações lineares dispersas pela face posterior da raiz das coxas, mais numerosas na coxa esquerda, as quais demandaram para a sua cura oito dias sem incapacidade para o trabalho.
56 - No dia 12 de Maio de 2000, cerca das 16 h e 50 m, na Rua da Sobreira, em Paços de Brandão, concelho de Santa Maria da Feira, o arguido abordou a menor T, de 13 anos de idade (nascida a 1986-09-08), quando ela se encontrava na paragem do autocarro, e com o propósito de cativar a sua atenção e aproximação com vista a levá-la consigo para dela abusar sexualmente, pediu-lhe para o ajudar a carregar uma bicicleta, pedido a que a menor acedeu;
57 - Ao passarem junto da Rua do Mercado,o arguido empunhou uma navalha cujas características não foi possível apurar e começou a puxar, por um braço, a menor para o interior do pinhal existente nas proximidades da dita Rua do Mercado, acto que fez a menor tomar consciência dos objectivos do arguido;
58 - O arguido empurrou então a menor, fazendo-a cair, e exibindo a navalha em disposição de a ferir, disse-lhe que se gritasse a mataria, ao mesmo tempo que a arrastou, pelo chão, para o interior do pinhal, dando-lhe também empurrões em tal sentido;
59 - No interior do pinhal, o arguido despiu a menor da cintura para baixo e, pela carcela, tirou o pénis, deitando-se em seguida sobre a menor, posto o que lhe esfregou o membro viril na zona vaginal, pressionando mesmo contra a vagina, de modo a satisfazer os seus instintos libidinosos, gesto que a menor procurava evitar com o encolhimento do corpo;
60 - Passados alguns minutos, o arguido levantou--se e ordenou à menor que se mantivesse no local até ouvir um assobio, com o intuito de facilitar a sua fuga, que empreendeu.
61 - No dia 24 de Maio de 2000, pelas 14 h e 30 m, junto da Escola C+S de Maceda, Ovar, o arguido, que havia permanecido sentado sobre um muro que existe numa artéria situada nas proximidades do dito estabelecimento de ensino, ao ver passar a menor U, de 15 anos de idade (nascida a 1984-11-27), e ao receber desta o cumprimento das ''boas tardes", conduta habitual da menor mesmo com estranhos, apeou-se do muro e dirigiu-se à U a quem agarrou pelo braço direito dizendo-lhe: "se gritas, mato-te", ao mesmo tempo que lhe encostou à cabeça um objecto que a menor reputou como sendo uma pistola;
62 - Acto contínuo e com os mesmos modos, conduziu a menor, cuja capacidade de resistência se quebrara em consequência do quadro intimidatório descrito, para o interior de um terreno de mato, onde o arguido a empurrou uma primeira vez, com o que a fez cair e ficar na posição de sentada, e uma segunda, com o que a conseguiu deitar;
63 - Depois de cobrir a cara da menor com um pano branco que tirou do bolso, o arguido puxou a meia-calça da U para baixo e, para a colocar em condições de manter cópula com a mesma, retirou-lhe um sapato e a perna da meia-calça do mesmo membro;
64 - Com a menor nesse estado, o arguido deitou-se sobre ela e introduziu-lhe um dedo na vagina, assim a procurando estimular durante algum tempo, procedimento que era acompanhado de estimulações nos seios, exercitado com a outra mão por cima da camisola que a menor trazia vestida;
65 - Em seguida, sempre em contrário da vontade da menor, o arguido soergueu-se e levantou as pernas da U ao ponto de os pés haverem ficado sobre os ombros do arguido, posicionando-se este de joelhos, posto o que após retirar o membro viril pela carcela o introduziu na vagina da menor e iniciou os movimentos de vaivém próprios da prática de cópula vaginal até atingir a ejaculação, secreção que molhou não só a vagina mas também as cuecas da U, assim permitindo que em perícia de DNA levada a efeito se tenham identificado as características genéticas do arguido no esperma encontrado no exsudado vaginal e nas cuecas;
66 - Com alegado objectivo de impedir que a menor ficasse grávida, em consequência da sua descrita conduta, o arguido, ao mesmo tempo que retirava o pano com que tapara a cara da menor, deu-lhe dois comprimidos para que ela os tomasse, ordem que não veio a cumprir integralmente, pois apesar de os haver colocado na boca, dela os retirou vindo a entregá-los à polícia;
67 - Submetidos a perícia de toxicologia forense, viria a apurar-se que os mesmos eram constituídos por uma substância química designada por ''Oxazepam", do grupo mais genérico das benzodiazepinas, utilizadas no uso clínico com fim sedativo-hipnótico, relaxante muscular, ansiolítico e anticonvulsionante, droga esta que o arguido vinha consumindo, da qual lhe foram apreendidos vários comprimidos que, em exame idêntico ao anteriormente indicado, mostraram serem constituídos pela mesma substância química.
68 - No dia 6 de Junho de 2000, cerca das 16 h, nas imediações da Escola EB 2/3, em Argoncilhe, Santa Maria da Feira, o arguido, que se apresentava com a mão esquerda envolvida numa ligadura por forma a demonstrar incapacitação, abordou a menor V, de 10 anos de idade (nascida a 1989-10-22), quando a mesma se deslocava para casa vinda da aludida escola, e, com o propósito de vir a abusar sexualmente dela e de a reter para tal efeito - abuso cujo procedimento veio a cessar por desistência da queixa formulada antes de se identificar o arguido -, disse-lhe ''ó menina dás-me ali uma mãozinha?";
69 - A menor, na convicção de que o arguido precisava efectivamente de ajuda, como fazia crer através da mão ligada, aderiu ao pedido dele acompanhando-o durante algum tempo até que foi, contra a sua vontade e de seus representantes legais, conduzida para o interior de uma mata, onde o arguido lhe ordenou que se deitasse e, depois de lhe baixar as calças, retirou o pénis através da carcela, deitando-se sobre a menor ao mesmo tempo que a acariciava e a beijava na boca;
70 - Depois de permanecer nessas atitudes e de reter durante mais de dez minutos a menor naquele lugar, o arguido levantou-se e ordenou à menor que ali se mantivesse até ouvir um assobio, posto o que se ausentou do local.
71 - No dia 18 de Julho de 2000, cerca das 15 h, no Lugar de Silvaldinho, Espinho, o arguido, que se fazia transportar num velocípede com motor e usando o capacete apreendido e fotografado a fls. 345 dos autos, abordou a menor X, de 8 anos de idade (nascida a 1991-10-01), que se havia deslocado a um café para comprar um gelado, e, inesperadamente, agarrou a menor e, colocando-a sobre o velocípede indicado, rumou com a mesma, contra a sua vontade e contra a dos seus progenitores, para o interior de um pinhal existente nas traseiras na Escola E.B. n.º1, em Silvaldinho, com o propósito de abusar sexualmente da menor;
72 - No interior do pinhal, o arguido tirou os calções à menor, posto o que, com o pénis erecto, abriu as pernas àquela e procurou introduzi-lo na vagina da mesma, comprimindo-o contra ela até atingir a ejaculação, que projectou para o chão;
73 - Em consequência directa e necessária da conduta que descrita ficou, o arguido causou à menor lesões que evidenciaram, em exame efectuado no dia 19-07-2000, um hímen ''com uma solução de continuidade de bordos irregulares, extremidades angulosas, incompleta, irregular, ainda ligeiramente sangrante, situada às seis horas do mostrador do relógio", além de um violento traumatismo psicológico;
74 - No dia 8 de Agosto de 2000, cerca das 12 h, na Travessa da Corredoura - Oliveira do Douro - Vila Nova de Gaia, o arguido, fazendo-se transportar no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-..., de cor vermelha e da marca Sachs, apreendida nos autos e fotografada a fls.341, envergando na cabeça o capacete de protecção apreendido e fotografado a fls.345 dos autos, abordou a menor Z, de 7 anos de idade (nascida a 1992-10-31), quando a mesma tinha ido fazer um recado à avó, com o objectivo de se apoderar da mesma para a levar para sítio recôndito onde iria abusar sexualmente da mesma;
75 - O arguido agarrou então a menor e, contra a sua vontade e dos seus progenitores e com o indicado objectivo de atentar contra a sexualidade da mesma, colocou-a sobre o velocípede com motor supra descrito e dali saiu; posteriormente, levou-a ao colo para o interior de um pinhal situado em frente da Escola da Formigosa;
76 - Quando se propunha abusar sexualmente da menor, o arguido sentiu-se constrangido pela aproximação de A' que, por ter visto o arguido a abordar a menor, ajudou a avó na perseguição do arguido, assim logrando interromper a actuação criminosa que ele se propunha consumar integralmente;
77 - O arguido ainda ofereceu à menor uma moeda de 50$00; quando a menor foi recolhida pela avó, em acto seguido à fuga do arguido, apresentava-se aterrorizada, em estado de choque e a tremer;
78 - No dia 4 de Setembro de 2000, cerca das 11 h, junto da Igreja de Lobão - Freguesia de Lobão - Concelho de Santa Maria da Feira, o arguido, que dias antes já havia andado pelo local de motorizada, apareceu ali de novo agora transportado no velocípede com motor de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, apreendida nos Autos e fotografada a fls.340, tendo abordado a menor B', de 16 anos de idade (nascida a 1984-05-23), a quem chamou primeiro e depois intimidou mediante o uso de uma navalha cujas características não foi possível apurar, posto o que a agarrou e arrastou para uma mata existente nas proximidades da dita Igreja de Lobão;
79 - Ali, depois de a despir de forma violenta, sempre sob a intimidação da navalha, beijou-a na boca e nos seios, vindo a introduzir-lhe, contra a vontade da menor, o pénis erecto na vagina até ejacular, com o que lhe conspurcou, além do mais, as cuecas, onde vieram em exame ulteriormente efectuado a encontrar-se as marcas genéticas do arguido;
80 - Em consequência da descrita conduta do arguido, a menor sofreu um violento traumatismo psicológico que determinou a necessidade de assistência dessa especialidade.
81 - No dia 25 de Setembro de 2000, cerca das 14 h, na Rua Major Abreu - Olival - Vila Nova de Gaia, quando a menor C', de 11 anos de idade (nascida a 1989-09-15), se deslocava para casa vinda da escola e ia a passar junto de um pinhal, o arguido abordou-a, empunhando uma navalha cujas características não foi possível apurar, e, com a intimidação resultante do emprego dessa arma que encostou ao pescoço da menor, obrigou-a a entrar no pinhal;
82 - Ali, introduziu pela força na boca da menor dois comprimidos cujas características não se conseguiram determinar - uma vez que a menor os cuspiu sem que o arguido se apercebesse -, ao mesmo tempo que lhe retirou as roupas da cintura para baixo, posto o que, com as roupas dele igualmente baixadas, se deitou sobre a menor, percorrendo com o pénis erecto a zona vaginal da menor em jeito de lho introduzir na vagina;
83 - Depois de assim permanecer durante algum tempo, o arguido deu-lhe ordem de que nada contasse e de que dissesse que havia vindo ali fazer xixi se fosse perguntada sobre os motivos da sua entrada no pinhal, ao mesmo tempo que ele abandonava o local.
84 - No dia 6 de Outubro de 2000, cerca das 13 h e 30 m, no Lugar de Vila Nova - Santa Maria da Feira, quando a menor D', de 10 anos de idade (nascida a 1990-08-25), regressava da Escola e se encontrava a subir as escadas da residência, o arguido abeirou-se dela e, com o propósito de atrair a sua atenção e de conseguir levá-la consigo, perguntou-lhe, primeiro, como se chamava a rua onde estava e, depois, se o portão de uma casa próxima era automático, perguntas que levaram a menor a aproximar-se dele para responder;
85 - Foi nessas circunstâncias que o arguido, com intenção de vir a abusar sexualmente da menor, lhe pediu para ir a um terreno com forte vegetação ali próximo buscar uma bicicleta que era de um sobrinho, para não ser roubada, pedido a que a D', ingenuamente, acedeu, no que foi acompanhada pelo arguido;
86 - Ao chegar ao dito terreno e verificar que não estava ali qualquer bicicleta a menor fez menção de regressar, altura em que o arguido, contra vontade dela, lhe agarrou por um braço e a deteve ali, apontando-lhe ao tórax uma faca em tudo semelhante a um faca de cozinha em disposição de a agredir, ao mesmo tempo que a obrigou a saltar um muro, sempre agarrada pelo braço, para a reter num local mais escondido;
87 - Ali, tirou-lhe as calças e as cuecas e baixou as suas próprias roupas, posto o que deitou a menor no chão e pondo-se sobre ela procurou introduzir-lhe o pénis na vagina, comprimindo-o fortemente contra aquele órgão ao ponto de causar dores à menor;
88 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a menor D' sofreu uma fissura ao nível perineal e um forte choque psíquico que motivou o descontrolo urinário momentâneo.
89 - No dia 9 de Outubro de 2000, cerca das 16 h e 5 m, em Paramos, Espinho, o arguido, que para ali se fez transportar no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-..., apreendido nos Autos e fotografado a fls.341, ao ver passar o menor E', de 8 anos de idade (nascido a 1992-09-08), que se dirigia por um carreiro para casa vindo da escola, agarrou-o pelas costas e levou-o contra a sua vontade e dos pais para o interior de um pinhal que existe ali próximo, com o intuito de vir a abusar sexualmente do mesmo;
90 - Ali, abriu o fecho das calças, retirou o pénis do interior e mostrou-o ao
E' ; ao mesmo tempo que segurava na mão do menor, o arguido aproximou-a do membro viril com o propósito de que o menor o tocasse para o excitar sexualmente, actos a que o menor ia reagindo;
91 - Ao sentir que aquele local não era dos mais adequados para prosseguir os seus objectivos de abusar sexualmente do menor, segurando-o pela mão, levou-o em direcção ao velocípede com motor supra indicado, altura em que apareceu o irmão mais velho do menor, F'; ao ver o seu irmão, o menor G' começou a gritar e o arguido largou-o, fugindo no velocípede com motor.
92 - No dia 19 de Outubro de 2000, cerca das 15 h e 40 m, no Carreiro da Tranqueira, em Oliveira do Douro, concelho de Vila Nova de Gaia, quando a menor H', de 11 anos de idade (nascida a 1989-08-13), seguia para a sua residência vinda da escola, o arguido abeirou-se dela e com o intuito de atrair a sua atenção para a agarrar e vir a abusar sexualmente dela, perguntou-lhe, primeiro, se conhecia ali alguma oficina de automóveis, e, mais tarde, disse-lhe que lhe queria mostrar uma coisa, altura em que, devido à aproximação da H', o arguido lhe apontou uma navalha cujas características não foi possível apurar, intimidando-a a acompanhá-lo para um campo de milho existente nas imediações;
93 - Assim levada para o campo indicado, contra a sua vontade e dos seus progenitores, veio o arguido a despi-la e, despindo-se ele próprio, encostou o pénis erecto na vagina da menor roçando-o nela durante algum tempo até se excitar;
94 - Porque a menor tivesse começado a chorar, o arguido desferiu-lhe uma bofetada na anca e ordenou-lhe que deixasse o local.
95 - No dia 3 de Novembro de 2000, cerca das 16 h, na Rua Nossa Senhora das Neves, em Fiães, Santa Maria da Feira, quando a menor I', de 8 anos de idade (nascida a 1992-03-07), vinha do ''Café ...", onde fora comprar pastéis, em direcção à residência da avó situada na artéria acima indicada, o arguido, que se encontrava encostado a uma casa velha existente nas proximidades do dito ''Café ...", saiu-lhe ao caminho e disse-lhe, com o propósito de captar a sua atenção para a levar com ele a fim de dela abusar sexualmente, ''anda aqui só um bocadinho";
96 - Perante a recusa da menor, o arguido agarrou-lhe pelas pernas e, contra a sua vontade e dos seus progenitores, levou-a ao colo para um barracão existente nas imediações;
97 - Porque a menor começou a gritar quando se encontrava no interior do barracão, o arguido exibiu-lhe uma navalha com modos intimidatórios para a levar a tirar as roupas, coisa que a I' cumpriu devido ao medo que sentiu;
98 - Com a menor já deitada no chão, posição que o arguido lhe ordenou que assumisse, ele deitou-se com as suas próprias calças e cuecas também baixadas sobre a menor, procurando excitar-se sexualmente através do esfregar do pénis na zona vaginal da menor, acto que concluiu com a ejaculação para uma zona afastada da menor e que esta presenciou.
99 - No dia 11 de Dezembro de 2000, cerca das 13 h e 50 m, em Santa Maria da Feira, quando a menor J', de 11 anos de idade (nascida 1989-06-01),seguia a pé com destino à escola, no cruzamento da Rua Arlindo de Sousa com a Av.ª de Portugal (ex Rua dos Serralheiros) e junto da casa devoluta que se encontra fotografada a fls.36 a 39 dos autos, o arguido dirigiu-se-lhe perguntando as horas com o intuito de cativar a atenção e aproximação da menor, para a deter e vir a abusar sexualmente dela, e, logo que ela olhou para o relógio e respondeu que eram duas menos cinco, agarrou-a pelo braço direito, posicionando-se atrás da menor, ao mesmo tempo que lhe exibiu empunhada na mão esquerda uma navalha cujas características não foi possível apurar com que a intimidou;
100 - Em seguida, com o quadro intimidatório assim criado a que a menor ficou submetida, o arguido puxou-a até ao portão da moradia acima citada e com emprego dos seus esforços obrigou-a a subir ao dito portão, nas circunstâncias melhor evidenciadas na foto n.º 3 constante de fls.37, e empurrou-a para o interior do logradouro da casa, saltando ele também para o dito local, posto o que a foi empurrando até aos anexos da moradia, logrando conduzi-la até a um espaço fechado que se encontra fotografado na foto n.º7 constante de fls.39 e nas de fls.45 dos autos;
101 - Mantendo a menor intimidada com a navalha à vista disse-lhe: ''se gritares, morres", posto o que lhe tirou a mochila das costas e a empurrou para o chão obrigando-a a deitar-se; nessa altura, tirou-lhe a camisola de lã que trazia bem como mais duas outras camisolas, tapando-lhe com as mesmas a cara, posto o que passou a lamber-lhe os seios e lhe passou em termos intimidatórios a navalha pelo abdómen;
102 - Após retirar à menor a perna direita da calça que vestia e a sapatilha do pé direito, processo de despir as crianças que o arguido usava com frequência para mais facilmente o conseguir, retirou-lhe também as cuecas e o penso higiénico que usava em razão de se encontrar menstruada, altura em que se despiu também e lhe introduziu na boca dois comprimidos da espécie farmacológica das benzodiazepinas, em tudo idênticos aos que lhe vieram a ser apreendidos por ocasião da detenção, para entorpecer as faculdades psíquicas da menor;
103 - Em seguida começou a beijar a menor na boca, aí lhe procurando introduzir a língua, ao mesmo tempo que com o pénis erecto forçava a sua introdução na vagina da menor com movimentos ritmados de compressão e descompressão, movimentos que provocavam dores na menor;
104 - Após alguns movimentos como os descritos, o arguido levantou ambas as pernas à menor e procedeu de forma idêntica no ânus da J', atitude que mais uma vez lhe provocou fortes dores;
105 - Ao cabo de cerca de cinco minutos de execução das actuações que descritas ficaram, sempre com a menor de rosto coberto nos termos indicados, o arguido, após a ejaculação, com que conspurcou as cuecas e outras peças do vestuário da menor, levantou-se, limpou a menor com um pedaço de pano ou papel de características não apuradas e, mais uma vez, com intimidação, disse-lhe que nada contasse pois se o fizesse lhe passaria com um carro por cima, altura em que se ausentou do local mandando a menor esperar uns minutos até que se pudesse pôr longe;
106 - Em consequência da conduta do arguido, a menor sofreu um forte traumatismo psicológico e em exame a que foi submetida apresentou sinais traumáticos compatíveis com fricção do pénis com as áreas vulvar e anal - em virtude dos quais sofreu dores - bem como um estado de marcada sonolência derivada da medicação que o arguido lhe introduziu na boca, quadro que determinou a efectivação de exame de toxicologia forense que revelou na urina que foi recolhida à menor para o efeito a presença de metabolitos do grupo das benzodiazepinas;
107 - Submetidas a exame as substâncias encontradas nas cuecas e noutras peças do vestuário da menor J' , revelaram as mesmas conterem esperma com características genéticas idênticas às do sangue do arguido;
108 - A J' era uma criança sadia quer física quer psicologicamente e completamente integrada no seu meio familiar e escolar; por força da actuação do arguido teve que se deslocar a tribunal por diversas vezes bem como a consultas de psicologia no IML do Porto, obrigando-a a faltar a aulas, o que muito a perturbou;
109 - Por força do abalo psicológico que sofreu com a actuação do arguido a menor J' teve necessidade de acompanhamento por psicólogo, o qual ainda hoje se mantém.
110 - No dia 2 de Janeiro de 2001, cerca das 15 h e 30 m, nas proximidades da Escola C+S de Maceda, concelho de Ovar, quando os menores L' e M', ambos de 11 anos de idade e primos (nascidos, respectivamente, em 1989-04-24 e 1989-05-24), seguiam de bicicleta em direcção a casa, o arguido apareceu-lhes na Estrada do Pinhal, junto do Lugar do Jugal - Maceda - Ovar e, com o propósito de captar a atenção dos menores e de os atrair para os levar mesmo que contra a sua vontade e dos seus progenitores para um local recôndito onde iria abusar sexualmente deles (abuso cujo procedimento criminal se não manteve em consequência de desistência da queixa formulada pelos pais antes de ser conhecido o arguido), após os mandar parar perguntou-lhes se sabiam onde era o areal, pedindo-lhes que lhe viessem indicar o caminho;
111 - Na sua ingenuidade e inocência, convictos de que o arguido precisava de ajuda, acompanharam-no no sentido do dito areal, indo o menor L' à frente e a M' atrás, com o arguido que lhe segurava pela mão;
112 - Alguns momentos depois, quando já se aproximavam do atalho que dá para o dito areal, o arguido colocou-se entre os menores e agarrou os dois pelas mãos, sendo que em seguida aproximou os pulsos de ambos os menores e segurou-os juntos com uma das mãos, ao mesmo tempo que tirou do bolso uma navalha que apontou aos menores dizendo-lhes para o seguirem pois caso contrário os matava;
113 - Receosos, os menores passaram a acompanhar o arguido para o interior de um pinhal ali existente, sítio que ele procurava para se esconder com os menores e mais facilmente vir a abusar sexualmente deles;
114 - Depois de caminharem algum tempo e de terem transposto com dificuldade um ribeiro, antes do qual o arguido lhes ordenou que deixassem as bicicletas, ele mandou-os sentar no chão, posto o que voltou a apontar-lhes a navalha, desta vez ao pescoço, ao mesmo tempo que advertia o L' de que deveria virar-se de costas para o arguido e para a M' e de que não fugisse senão que mataria a M', ordens que o L' cumpriu devido ao medo que sentia, sendo certo que o arguido chegou mesmo a desferir-lhe duas bofetadas;
115 - Em seguida, ainda com a navalha apontada ao pescoço da M', desapertou-lhe a roupa, retirou-lhe a bota do pé direito e a perna da calça do mesmo lado e baixou-lhe as cuecas até aos joelhos, começando a beijá-la e a apalpar-lhe a zona vaginal;
116 - O arguido veio então a actuar com o seu pénis na vagina da menor até se excitar, próximo da ejaculação, acto que veio a consumar para o chão, não sem que antes tivesse conspurcado as roupas da menor que, submetidas a exame, revelaram a presença de esperma com características genéticas idênticas às do sangue do arguido;
117 - Em seguida, o arguido obrigou a ofendida M' a ingerir dois comprimidos de cor branca em tudo semelhantes aos que dera à menor J' , com a alegada intenção de que a menor não engravidasse, o que veio a entorpecer-lhe as faculdades, quadro psicológico que a menor bem evidenciou ao ser assistida no Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira;
118 - Para mais facilmente se ausentar do local, o arguido ordenou aos menores que ficassem ali até ouvirem um assobio que ele daria, o que não veio a fazer, ao mesmo tempo que os intimidou que nada contassem senão que lhes passaria com um carro por cima.
119 - No dia 11 de Janeiro de 2001, cerca das 16 h, na Rua Dr. Elísio de Castro, em Fiães, Santa Maria da Feira, quando a menor N', de 10 anos de idade (nascida a 1990-01-18), vinha da Escola EB1 da Barroca em direcção a casa foi abordada pelo arguido, o qual para concitar a atenção da menor e assim conseguir a sua aproximação a si para dela se apoderar e a levar consigo a fim de dela abusar sexualmente, lhe pediu que o viesse ajudar uma vez que tinha caída ali por perto uma bicicleta, pedido a que a N' anuiu acompanhando o arguido;
120 - A dada altura, porque a menor houvesse recusado uma oferta de dinheiro, solução que o arguido foi procurando para manter a N' consigo, ele puxou de uma navalha cujas características não foi possível apurar e, encostando-a ao pescoço da menor, intimidou-a por forma a conduzi-la contra a sua vontade e dos seus progenitores ao interior de uma mata; aí, fora do alcance de qualquer pessoa, retirou-lhe as roupas de baixo (calças e cuecas), mandou deitá-la e, beijando-a ansiosamente, com o pénis erecto excitou-se esfregando o membro viril na menor, vindo a ejacular sobre um casaco desta ao ponto de o conspurcar com o esperma;
121 - Submetido a exame, apurou-se que a dita peça de roupa apresentava restos de esperma com características genéticas idênticas às do sangue do arguido.
122 - No dia 15 de Janeiro de 2001, cerca das 14 h, na Rua de S. Miguel - Olival - Vila Nova de Gaia, quando a menor O', de 10 anos de idade (nascida a 1990-12-20), se encaminhava para casa a pé vinda da escola, o arguido apareceu-lhe ao caminho e fazendo-lhe um sinal de chamamento -''psst"-, com o fim de atrair a atenção da menor e suscitar a sua aproximação a si, para dela se apoderar e vir a abusar sexualmente de si em lugar recôndito, veio pedir-lhe que o acompanhasse para lhe dar uma ajuda que seria rápida, encaminhando-se, na frente da menor, para uma bouça;
123 - Quando a menor começou a pressentir que algo não estava certo, já que não vislumbrava o objectivo da ajuda, parou, altura em que o arguido empunhou uma navalha de características não apuradas, encostando-a seguidamente ao pescoço da menor, ao mesmo tempo que dizia ''agora vais estar calada", assim procedendo a O' devido ao pânico que dela se apoderou;
124 - Acto contínuo, o arguido encaminhou-a sob as suas ordens e com a intimidação resultante da navalha apontada, contra a vontade da menor e dos seus progenitores que já a procuravam em consequência da demora, para um local mais arredado da visibilidade das pessoas e depois de a mandar deitar retirou-lhe as roupas, usando mais uma vez o processo da retirada de uma bota e da perna do vestuário do mesmo membro;
125 - Com a menor despida, o arguido obrigou a menor a mastigar dois comprimidos de cor branca, do grupo farmacológico das benzodiazepinas, acto que ela praticou, posto o que se deitou sobre ela com o pénis erecto e separando as pernas da O' chegou com frequência o membro viril à zona vaginal da menor, comprimindo-o contra a vagina em jeito de o querer introduzir naquele órgão da menor ao mesmo tempo que também apalpava esse órgão;
126 - Assim se manteve até atingir a excitação que conduziu à ejaculação que o arguido produziu na vagina da menor, assim conspurcando também as cuecas da O';
127 - Após, mandou-a quedar-se naquele sítio até ouvir um assobio, ao mesmo tempo que intimidava a menor a nada contar com a ameaça de que lhe passaria com um carro por cima se ela viesse a denunciá-lo;
128 - Em exame à urina a que a menor foi submetida veio a apurar-se que os comprimidos que ingerira eram medicamentos do grupo das benzodiazepinas, no qual se enquadra o tipo de medicamento -''Serenal"(nome comercial) - ''Oxazepam" (nome químico do princípio activo) que o arguido transportava consigo quando foi detido;
129 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a O' sofreu no pequeno lábio direito uma escoriação de um centímetro;
130 - No exame de biologia forense a que se procedeu quanto aos vestígios existentes no exsudado e na zaragatoa vaginais foram encontradas células com características genéticas idênticas às do arguido.
131 - No dia 22 de Janeiro de 2001, cerca das 18 h e 40 m, na Rua Santos Pousada -Oliveira do Douro - Vila Nova de Gaia, quando a menor P', de 14 anos de idade (nascida a 1986-02-10), se dirigia para casa a pé, o arguido abordou-a, chamando previamente ''Oh menina...Oh menina", e agarrou-a por um braço ao mesmo tempo que puxando-a dizia: ''anda";
132 - À entrada de um portão que existe nas imediações do local, o arguido tirou uma navalha do bolso e apontou-a à menor dizendo-lhe que a matava se lhe não obedecesse;
133 - Receosa, a menor acabou por não oferecer resistência e o arguido mandou-a deitar no chão, desapertou-lhe as calças e retirando-lhe uma bota e as peças de vestuário que trazia vestidas nesse mesmo membro, procedimento que o arguido usava para mais facilmente despir as vítimas, veio a colocá-la nua, posto o que se deitou sobre ela começando a acariciar-lhe os seios e a dar-lhe beijos na boca e na cara, altura em que retirou o pénis erecto das calças apontando-o com a mão à vagina da ofendida em jeito de o introduzir, acto que não veio a conseguir consumar apesar de ser esse o seu desígnio porque a menor reagiu opondo-se à penetração;
134 - Em seguida, o arguido ordenou à menor que se mantivesse ali alguns minutos, com o objectivo de se ausentar do local rapidamente, intimidando-a simultaneamente a nada contar pois, se assim não procedesse, a matava;
135 - Em consequência directa e necessária da conduta do arguido que descrita ficou, sofreu a menor P' na face interna do pequeno lábio uma equimose resultante de lesão traumática.
136 - No dia 22 de Janeiro de 2001, pelas 17 h, no Lugar da Corga de Lobão - Santa Maria da Feira, quando a menor Q', de 14 anos de idade (nascida a 1986-12-17), seguia a pé pela rua que vai da Corga de Lobão para o Lugar de Cimo de Vila, da mesma freguesia, o arguido abordou-a e, com o propósito de concitar a sua atenção e aproximação para se apoderar dela e vir a cometer crime contra a sua liberdade e autodeterminação sexual, pediu-lhe para com ele se dirigir para junto de um barracão para o ajudar;
137 - Acedendo ingenuamente ao pedido do arguido, a Q' seguiu o mesmo até ao barracão, que este procurou arrombar com um pontapé e por não o ter conseguido deu à menor 40$00 dizendo-lhe ''Olha eles não me deixaram as chaves", ao mesmo tempo que pedia desculpa à menor;
138 - Pouco tempo depois, a cerca de 500 metros do local indicado, o arguido apareceu de novo à menor, agora transportado no velocípede com motor de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, apreendido nos autos e fotografado a fls.340, e apeando-se do velocípede pediu-lhe novamente ajuda, desta vez com o falso pretexto de que tinha para ali, encaminhando-se para um carreiro, uma bicicleta que não conseguia tirar sozinho, pedido a que a menor se propunha dar satisfação na convicção de que ele tinha necessidade da sua ajuda;
139 - Quando já se encontrava ao lado do arguido, este deu umas voltas ao seu redor e, inesperadamente, agarrou-a pelo pescoço, apontando-lhe imediatamente uma navalha ao abdómen, ao mesmo tempo que lhe ordenava em tom intimidatório para estar quieta e calada, altura em que a Q' deu um empurrão ao arguido e se libertou, fugindo, assim impedindo que o mesmo consumasse o propósito de a deter para dela abusar sexualmente.
140 - No dia 29 de Janeiro de 2001, cerca das 9 h , na Rua da Mata, em Riomeão, Santa Maria da Feira, quando a menor R', de 8 anos de idade (nascida a 1992-10-06), seguia para a escola a pé, o arguido abordou-a pedindo-lhe se o ajudava a fazer pegar a motorizada, pedido este efectuado sob falso pretexto e para atrair a atenção e a aproximação da menor com o fim de dela se apoderar para ir, em lugar recôndito, cometer abuso sexual contra a mesma;
141 - Perante a aproximação da menor, ordenou-lhe que subisse para o velocípede e, contra a vontade da menor e dos seus progenitores, levou-a para lugar afastado, onde, já no interior de um pinhal, depois de a mandar deitar no chão e de lhe retirar as roupas, se colocou sobre ela com o pénis erecto, posto o que com a sua própria mão o encostou à vagina da menor até se excitar profundamente, vindo a ejacular nas imediações;
142 - Após ejacular, o arguido ergueu-se, deu uma moeda de 100$00 à menor e veio trazer a menor de regresso à escola, no que foi impedido por uma vizinha da menor que procurou obstar a que o arguido prosseguisse a sua marcha, o que o fez fugir;
143 - Como consequência da conduta do arguido anteriormente referida, a menor R' foi submetida a exames médicos no Hospital de S. Sebastião, em Sta. Maria da Feira, tendo em consequência dos mesmos ficado abalada e nervosa; além disso, passou a refugiar-se no interior da sua casa e a isolar-se das crianças com quem brincava, recusava-se a ir para a escola com medo de voltar a encontrar o arguido, viu-se confrontada com perguntas dos seus colegas de escola sobre o que aconteceu ficando nervosa e envergonhada e tem perdas de apetite; as notificações judiciais para prestar declarações relacionadas com este processo levavam a que ficasse abalada e até deixasse de falar; passou também a ter dificuldades ao nível da aprendizagem escolar, o que se reflectiu numa falta de rendimento a tal nível; mantém-se ainda hoje introvertida e recusa-se a brincar com outras crianças ou falar com outras pessoas se os seus pais não estiverem por perto;
144 - Ainda na sequência da conduta do arguido, as roupas que a menor trazia - no valor global de 109,48 euros - ficaram inutilizadas;
145 - No dia 14 de Fevereiro de 2001, cerca das 16 h e 30 m, junto da Escola EB 2,3 de Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, quando as menores S', de 10 anos de idade (nascida em 1990-06-23), e a colega T', de 11 anos de idade (nascida em1989-08-20), seguiam a pé vindas da escola para casa, o arguido veio atrás delas e agarrando-as por um braço ao mesmo tempo que lhes exibia uma navalha aberta em disposição de as agredir, puxou-as contra a vontade para o interior de um pinhal situado a umas dezenas de metros para aí abusar sexualmente delas;
146 - Num local encoberto pela vegetação, o arguido mandou sentar as menores, posto o que retirou o pénis para fora das calças pegou na mão da T' e aproximando-a do membro viril obrigou a menor a agarrá-lo e a estimulá-lo com movimentos para a frente e para trás, que o arguido exemplificou à menor, o que ela cumpriu devido ao medo que sentia até o arguido ejacular, o que fez na presença da menor;
147 - Momentos depois, obrigou a S' a repetir a actuação que descrita ficou, o que ela, pelos mesmos motivos, cumpriu nos moldes descritos quanto à T';
148 - No final, o arguido ordenou-lhes que nada contassem sobre o sucedido pois se o fizessem lhes passaria com o carro por cima, advertência que deixou ambas as menores receosas ao ponto de não terem revelado o acontecido aos pais durante algum tempo.
149 - No dia 13 de Março de 2001, cerca das 9 h e 30 m, no Lugar das Póvoas, Canedo, Santa Maria da Feira, quando o menor U', de 13 anos de idade (nascido a 8/3/1988), seguia a pé para a escola, foi abordado pelo arguido que com o propósito de o atrair para o deter e vir a abusar sexualmente, se lhe dirigiu pedindo para o U' o ajudar a levar uns paus que simulava estarem no interior de um pinhal;
150 - Por se haver convencido de que o arguido estava efectivamente carecido de ajuda, o menor acompanhou-o, seguindo aquele à frente, para melhor persuadir o menor da bondade do seu pedido;
151 - Quando pressentiu que o menor começava a atrasar-se voluntariamente para desistir de o acompanhar, o arguido voltou-se e apontou-lhe uma navalha ao pescoço ao mesmo tempo que com a outra mão o empurrou em direcção ao interior do pinhal, para onde o menor deixou de querer ir uma vez que sentiu que algo de mau o esperava;
152 - Alguns metros mais à frente, já bem no interior do pinhal, depois de mandar sentar o U' no chão, o arguido baixou-lhe as calças e as cuecas, posto o que lhe pegou no pénis puxando a pele que o envolve para trás, sendo certo que, simultaneamente, o arguido retirava também o seu pénis através da carcela;
153 - Em seguida, mandou o menor deitar-se de barriga para baixo e como este recusou, deitando-se de barriga para o ar, o arguido deitou-se sobre o U' encostando o pénis na zona púbica do menor, onde o esfregou durante algum tempo até ejacular, o que fez para a zona das virilhas do menor;
154 - Com base em esperma que sujou as calças do menor, efectuou-se exame de biologia forense em que foi extraído DNA que revelou características genéticas idênticas às do sangue do arguido;
155 - Após limpar parcialmente o menor com um lenço de papel que trazia consigo no bolso, recomendou-lhe que ficasse no local até ouvir uma assobiadela que daria quando chegasse à estrada, atitude que não veio a adoptar apesar de se haver ausentado em direcção à Várzea de Canedo tripulando o velocípede com motor de matrícula 2-VNG-..., de cor preta, apreendido nos autos e fotografado a fls.340;
156 - No dia 29 de Março de 2001, cerca das 16 h e 30 m, junto à passagem de nível da Linha do Vouga, na fronteira entre a freguesia de Paços de Brandão e a de S. Paio de Oleiros, ambas do concelho de Santa Maria da Feira, quando a menor V', de 14 anos de idade (nascida em 1986-08-24), caminhava pela estrada, o arguido, que se encontrava do lado de dentro de um muro que ladeia a estrada, com o objectivo de atrair a atenção e aproximação da menor para a deter e vir a abusar sexualmente dela, chamou-a dizendo ''Oh miúda";
157 - Como a menor o tomou por pessoa de respeito, aceitou acompanhá-lo depois de ele lhe ter pedido para o ajudar a carregar uma bateria que simulava encontrar-se algures no interior de um pinhal que existe afastado do sítio onde ambos se encontraram;
158 - Depois de haverem atravessado um campo e depois um riacho, locais sucessivamente mais distantes para onde o arguido ia remetendo a localização da dita bateria, este agarrou por um braço da V' e exibindo-lhe uma navalha aberta disse-lhe: ''está quieta senão mato-te...está quieta e não grites senão ficas aqui estendida e ninguém vai socorrer-te", palavras que produziram na menor pânico à custa do qual o arguido passou a dispor livremente dos seus destinos;
159 - Já no interior do pinhal, em zona completamente escondida, depois de a mandar sentar no chão, o arguido tirou-lhe a camisola, levantou-lhe o soutien, ao mesmo tempo que lhe descalçou uma sapatilha e retirou a perna das calças desse lado;
160 - Com a V' já despida, o arguido cobriu-lhe a cabeça com a camisola que lhe retirara e passou a acariciar-lhe os seios e a beijá-la na boca, posto o que lhe deu dois comprimidos, metendo-lhos na boca para ela ingerir, dizendo-lhe que eram para não engravidar, objectivo que o arguido sabia não ser efectivo já que apenas pretendia toldar as faculdades da vítima;
161 - Em seguida, posicionou-se entre as pernas da menor e abrindo as suas calças retirou do seu interior o pénis, após o que, segurando-o com a mão, procurou que ganhasse rigidez com a sua compressão contra a vagina da menor, para nesse estado o introduzir naquele órgão da menor;
162 - Apesar de se haver esforçado por introduzir o membro viril na vagina da menor, não o conseguiu uma vez que nesta concreta circunstância não conseguiu atingir a erecção;
163 - Após se manter assim durante algum tempo, levantou-se e depois de retirar à menor um fio de ouro com uma cruz, no valor de vinte e cinco mil escudos, e de o guardar consigo, fazendo-o coisa sua apesar de saber que lhe não pertencia e que actuava contra a vontade da menor, ausentou-se do local deixando ali a V', não sem que antes lhe tivesse recomendado que só dali saísse depois de ouvir uma buzina, som que a menor não chegou a ouvir;
164 - Em consequência directa e necessária da conduta do arguido que descrita ficou, a menor V' sofreu um ligeira escoriação no lábio vaginal, à direita.
165 - Em data indeterminada do mês de Abril de 2001, a meio da tarde, quando a menor X', de 11 anos de idade (nascida a 1990-02-23), fazia o percurso a pé entre a Escola Primária das Cavadinhas e a sua residência situada em Pedroso -Vila Nova de Gaia, o arguido, fazendo-se transportar no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-...,de cor vermelha e preta, apreendido nos autos e fotografado a fls.341, perseguiu a menor e chamou-a várias vezes para que ela fosse junto dele com o propósito de dela se apoderar para contra ela cometer abuso sexual;
166 - Como a menor não fosse correspondendo aos chamamentos do arguido, este veio atrás dela e sem dizer nada agarrou-a por um braço e, contra a sua vontade, puxou-a para o ''hall" de entrada de um prédio de apartamentos em construção, conhecido pelo prédio do ''Bom Samaritano", posto o que procurou que a mesma entrasse, por um espaço destinado a uma janela, para o interior do dito prédio em construção;
167 - Uma vez que a menor começou a chorar, cheia de medo, o arguido ofereceu-lhe uma moeda de 100$00 para ela se calar, altura em que começou a apalpá-la em várias partes do corpo, especialmente na zona dos seios e da vagina, tendo a menor logrado fugir, nessa circunstância, do local.
168 - No dia 18 de Abril de 2001, cerca das 15 h e 30 m, na Corga de Lobão, Santa Maria da Feira, quando o menor Z', de 12 anos de idade (nascido a 9/2/1989) se dirigia a pé pela estrada que liga aquela primeira localidade a Gião, o arguido, que nesse dia trazia a mão direita com uma ligadura simuladora de incapacidade, para cativar a atenção do menor e conseguir a sua aproximação com o fim de vir a abusar sexualmente dele em local recôndito, deslocou-se para o interior de uma mata ali existente, ao mesmo tempo que, com uma caixa de cartão na mão, simulando uma qualquer curiosidade, chamou o menor dizendo-lhe: ''anda aqui";
169 - Quando o Z' chegou junto dele, o arguido começou a caminhar para local mais interior da mata, no que foi seguido pelo menor, até que, já a uma grande distância, com o menor na impossibilidade de resistir, o arguido lhe retirou a pasta, desapertou-lhe as calças e pegou no pénis do Z' ao mesmo tempo que lhe puxava a pele envolvente para trás, acto que mandou o menor fazer em si próprio;
170 - Momentos depois, mandou o menor posicionar-se de joelhos e colocando-se à sua retaguarda pegou no pénis erecto e introduziu-o no ânus do menor, onde o manteve durante algum tempo; de seguida, repetiu idêntica penetração, desta vez com o menor deitado de barriga para baixo;
171 - De seguida, recompôs-se e ordenou ao menor que se mantivesse ali até receber um sinal do arguido para sair, sinal que não surgiu, o que levou o Z' ausentar-se em direcção a casa;
172 - Em consequência directa e necessária da conduta do arguido que descrita ficou, o menor sofreu um violento traumatismo psicológico que o tem trazido amedrontado, inibido na saída de casa, além de que sofreu também um eritema na região perianal, com duas lacerações, a maior na comissura anterior, sangrante.
173 - No dia 27 de Abril de 2001, cerca das 16 h e 30 m, na Rua Calouste Gulbenkian, em Rio Tinto, local para onde o arguido se deslocou tripulando o velocípede com motor de matrícula 1-VNG-..., apreendido nos autos e fotografado a fls.341 e 342, quando a menor A'', de 12 anos de idade (nascida a 1988-05-07), se dirigia a pé da Escola EB 2/3 de Rio Tinto para casa, o arguido, com o propósito de cativar a sua atenção e de conseguir que a menor se aproximasse de si, para dela se apoderar com vista a cometer abuso sexual na sua pessoa, começou por perguntar-lhe a que horas saíam os miúdos da escola;
174 - A menor respondeu-lhe e seguiu na frente do arguido que, inesperadamente, lhe agarrou por um braço, exibindo-lhe uma faca cujas características não foi possível apurar - uma vez que o arguido dela se desfez - que camuflava dentro de uma ligadura (apreendida e fotografada a fls.73 do Apenso n.º38-Inquérito n.º553/1.6PEGDM-C), ao mesmo tempo que lhe dizia em tom ameaçador: ''estás a ver isto aqui"; ''se não estiveres calada, eu mato-te", puxando-a na direcção de uns arbustos e repetindo: ''anda ali que eu só quero uma informação";
175 - Enquanto assim procedia e perante alguma resistência da menor em encaminhar-se para a zona de arbustos, o arguido desferiu-lhe uma bofetada na cara, continuando a puxá-la;
176 - Quando já havia percorrido cerca de cem metros com a menor arrastada nos termos sobreditos, surgiram B'', C'', D'' e E'' que levaram o arguido a, momentaneamente, escapar-se até que foi detido pelos populares, que o reconheceram pelo vestuário e o entregaram à Polícia de Segurança Pública que foi chamada a comparecer no local, não sem que antes se tenha desfeito da faca supra referenciada em condições que impediram a sua apreensão apesar das diligências de busca efectuadas;
177 - Por ocasião da detenção, foram apreendidos ao arguido uma pequena tesoura em metal de cor cinzento metálico e uma ligadura em gaze, objectos que se encontram fotografados a fls. 73 do apenso supra indicado;
178 - Na altura dos factos, o arguido envergava o blusão fotografado a fls.71 e o boné de fls.73, dos quais se procurou desfazer rapidamente logo que foi perseguido pelas pessoas acima identificadas.
179 - No dia 4 de Junho de 2001, cerca das 10 h, no Lugar da Senhora da Piedade, em Canedo, Santa Maria da Feira, quando o menor F'', de 12 anos de idade (nascido a 1989-02-14), se dirigia a pé para casa da avó, o arguido surgiu-lhe ao caminho fazendo-se transportar no velocípede com motor de matrícula 1-VNG-...,de cor vermelha, levando a cabeça protegida com o capacete fotografado a fls.343 e, com o propósito de iniciar uma relação com o F'' que lhe permitisse que o menor se aproximasse para dele se apoderar a fim de o levar para lugar resguardado, onde dele abusaria sexualmente, perguntou-lhe se sabia onde ficava naquela área uma oficina, o que foi esclarecido pelo menor;
180 - Depois de se haver dirigido para o local que lhe indicou o menor como sendo o da oficina, o arguido regressou rapidamente para junto do menor, altura em que o convidou a ir para uma mata ali próxima para a caça, isto apesar de o arguido não trazer consigo qualquer instrumental destinado ao acto cinegético;
181 - Movido pela ingenuidade derivada da idade, o menor acompanhou o arguido para o interior da mata onde andaram algum tempo, posto o que o arguido mandou o menor sentar-se no chão ao mesmo tempo que começava a mexer na mochila do F'' ;
182 - Acto contínuo, o arguido exibiu uma pistola de cor cinzento metálico ao menor, altura em que ambos se aperceberam de que passava por perto um homem, evento que deixou o arguido muito desconfiado e o levou a, com tom intimidatório para o menor, apontar-lhe a pistola dizendo-lhe que o mataria se gritasse, exigindo-lhe também que se escondessem;
183 - Receoso pela sua segurança, o arguido esperou que o homem não identificado se afastasse e foi-se embora dizendo ao F'' para só sair do local quando a motorizada estivesse a trabalhar.
184 - Em todas as circunstâncias anteriormente referidas, o arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo do carácter proibido e penalmente censurável das suas condutas, nomeadamente: que ao apoderar-se das crianças as privava da sua liberdade ambulatória; que atentava contra a liberdade e auto-determinação sexual das mesmas; que ao esbofetear as crianças nos moldes descritos as molestava fisicamente; que nos casos em que as intimidou, a maior parte das vezes com recurso a navalhas, ou lhes causava medo ou a sua actuação era adequada a amedrontá-las e a prejudicar a sua liberdade de determinação; que o fio de ouro referido no ponto 163 não lhe pertencia. Sabia ainda o arguido estar perante crianças menores, sendo que algumas delas, nos casos concretos respectivos, as considerou com idade inferior a 14 anos;
185 - O arguido foi submetido a exame médico-forense às suas faculdades mentais, tendo-se no respectivo relatório, datado de 19/11/2001 e constante de fls.439 a 443, feito constar as seguintes conclusões: ''sofre de reacção depressiva prolongada e personalidade imatura"; ''é imputável"; no parecer do seu subscritor, ''há cabimento para leve atenuante";
186 - O arguido, entre outras condenações que sofreu desde 1973, por outro tipo de crimes, veio a ser condenado em 10/11/1986, pela prática de um crime de violação, na pena de quatro anos de prisão no âmbito do Processo de Querela n.º 3777 da 1ª Secção do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, condenação a que se seguiram em 5/12/1994 e 28/1/1998 (esta última data do acórdão do STJ) - por factos de 27/8/93 e 8/3/93 - duas outras pelos crimes de atentado ao pudor e sequestro e atentado ao pudor, respectivamente, agora com penas de dois anos e meio de prisão (à qual lhe foi perdoado um ano por força da Lei 15/94 de 11/5) e vinte e oito meses de prisão (à qual lhe foi perdoado um ano por força da Lei 29/99 de 12/5, embora com a condição resolutiva prevista no artigo 4º do mesmo diploma), que cumpriu, a última das quais desde 17/3/1998 até 17/7/1999, tendo saído da prisão antes desta última data em virtude de liberdade condicional que lhe foi concedida;
187 - O arguido é casado e tem 4 filhos, todos maiores; tem a profissão de trolha, na qual, mesmo não trabalhando todos os dias, auferia cerca de 150.000$00 por mês, correspondente actualmente a 748,20 euros.

Foi considerada não provada a seguinte matéria de facto:
a) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 1 a 7, o arguido tivesse obrigado a menor ali referida a ingerir o comprimido antes dos factos referidos nos pontos 4 e 5;
b) - que o arguido no dia 12 de Julho de 1999, na Rua nº1 da Urbanização do Serrado, em Paços de Brandão, tivesse levado consigo para um pinhal, transportando-a no velocípede com motor de matrícula 2-VNG-..., a menor G'', tendo-lhe encostado ao pescoço uma faca perante a sua recusa em aceitar o seu convite para ir dar uma volta consigo;
c) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 8 a 12, o arguido tivesse obrigado a menor ali referida a ingerir dois comprimidos;
d) - que o arguido no dia 23 de Agosto de 1999, junto do Café ..., em S. Paio de Oleiros, se tivesse abeirado das menores H'' e I'' e as tivesse levado consigo no velocípede com motor de matrícula 2-VNG-... para um pinhal existente a cerca de quinhentos metros; que aí tivesse deitado no chão ambas as menores e lhes tivesse retirado as roupas; que se tivesse deitado sobre a menor H'' e tivesse esfregado o seu pénis erecto na região vaginal de tal menor, estando a menor I'' a assistir; que, porque tais menores chorassem, lhes tivesse ordenado que se calassem senão que as mataria;
e) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 17 a 20, a menor ali referida se tivesse deitado no chão e o arguido se tivesse deitado sobre ela;
f) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 26 a 29, o capacete envergado pelo arguido fosse de cor preta e com faixas vermelhas e que o I tivesse afastado o velocípede com motor do arguido porque o mesmo se encontrava a estorvar a passagem para a sua residência;
g) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 33 a 35, o arguido tivesse desferido bofetadas em ambos os menores;
h) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 36 a 38, tivesse sido a menor ali identificada quem tivesse dado a conhecer ao arguido que a sua actuação para com ela tinha sido observada pelas senhoras que se encontravam junto da escola;
i) - que, no circunstancialismo fáctico referido no ponto 49, o arguido, em vista da abordagem da menor, tenha chegado a inverter a marcha do velocípede com motor em que circulava;
j) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 56 a 60, a menor ali identificada tivesse acedido ao pedido do arguido porque pensou estar perante uma pessoa já com alguma idade e carecida de ajuda e que a mesma menor tivesse caído por estar aterrorizada;
k) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 71 a 73, o velocípede com motor em que o arguido se fazia transportar fosse o de matrícula 1-VNG-...; que o arguido naquela altura se apresentava com falta de vários dentes da frente do maxilar superior; e que o arguido dissesse em modos agressivos à menor, enquanto a agarrava e a transportava, ''eu não te faço mal", ''se gritas, eu mato-te";
l) - que, no circunstancialismo fáctico referido nos pontos 74 a 77, o arguido tivesse atraído a atenção da menor com a oferta de uma moeda de 50$00 e que tivesse ameaçado a menor de que a matava se gritasse;
m) - que, no circunstancialismo fáctico apurado nos pontos 89 a 91, o arguido, aquando da actuação referida no ponto 90, tivesse aproximado a mão do menor do seu pénis também com o propósito de que o menor introduzisse este na sua própria boca;
n) - que, no circunstancialismo fáctico apurado nos pontos 110 a 118, o arguido, aquando da actuação referida no ponto 114, tivesse advertido o menor L' de que o mataria a ele se fugisse;
o) - que, no circunstancialismo fáctico apurado nos pontos 149 a 155, o exame de DNA tivesse sido efectuado num pedaço de tecido que serviu para limpar a face interna das coxas do menor;
p) - que, no circunstancialismo fáctico apurado nos pontos 168 a 172, o arguido tivesse repetido a penetração com o menor deitado de barriga para o ar;
q) - que, no circunstancialismo fáctico apurado nos pontos 173 a 178, que o arguido se tenha desfeito da faca atirando a mesma para os arbustos".

III
O objecto do recurso, circunscrito pelas conclusões acima transcritas, suscita as seguintes questões:
1. A Relação não se pronunciou sobre a "questão prévia" ligada à da ''inexistência da defesa" e, assim, sobre a alegada inconstitucionalidade por diminuição das garantias da defesa e violação de normas imperativas do direito internacional, nomeadamente, o direito a um julgamento condigno?
2. Também não se pronunciou sobre se o arguido tem ou não o direito a escolher defensor da sua confiança e a que seja substituído o patrono nomeado (imposto) ao arguido?
3. Errou quando admite que a lei não impõe a gravação contínua da prova?
4. Errou igualmente sobre a inexistência de exemplos de situações em que tenham sido formuladas às testemunhas perguntas sugestivas ou impertinentes?
5. Violou o disposto no artigo 349° do CPP não analisando a questão da eventual nulidade, mas adoptando de imediato a tese da irregularidade?
6. Errou por fim, ao não se pronunciar sobre a matéria de facto e a violação intrínseca do disposto no artigo 147° do CPP aplicado em sede de audiência de julgamento, com o pretexto formal do incumprimento pela defesa do disposto no artigo 412° do CPP?
7. Infringiu, assim, a Relação os artigos 66°, n° 3; 97° n° 4; 138°; 147°; 349°; 363°; todos do CPP; os artigos 8°; 13° n° 2; 16°, nºs 1 e 2; 18° n° 1; 20° n° 4; 22°; 25° n° 1; 26° n° 1; 32° n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa; arts. 7°; 8°; 10°; 11° n° 1; 12° e 30° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda, o artigo 6° n.ºs 2 e 3, alíneas b) e c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem?

Encaremos tais questões pela mesma ordem.
Não sem que se façam algumas observações iniciais.
Insurge-se o recorrente contra certas peripécias do julgamento e intervenções da comunicação social, mais ou menos consentidas, no seu ponto de vista, pelo Colectivo da 1.ª Instância e pelo próprio Presidente do Tribunal.
O ambiente de ''condenação antecipada" pela comunicação social acarretaria a violação de regras de direito constitucional e de direito internacional - o que, porém, não indica em relação concreta com o alegado (1).
Reagiu o arguido e ora recorrente, ao que se crê, contra a situação, mediante o incidente de pedido de recusa por alegada desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes, que acaba de ser indeferido em definitivo, por acórdão de 19.02.03, notificado ao arguido e transitado em julgado (fls. 161 a 164 do apenso). Contrariamente às suas afirmações não se demonstrou que o Ex.mo Presidente do Colectivo tivesse insultado ou ameaçado o arguido (2).
E também podia este ter lançado mão do pedido de providência a que se referem os artigos 37º e 38º do CPPenal - obstrução ao exercício da jurisdição - se entendesse que se verificava o condicionalismo legal respectivo.
Teria ainda ao seu dispor iniciar o exercício da acção disciplinar, não só contra os Ex.mos Magistrados - se algo extravasaram das suas funções, nomeadamente violando regras estatutárias no contacto com a comunicação social - como contra o Ex.mo Advogado que exerceu o patrocínio oficioso e contra o qual muito arremete.
Este Supremo Tribunal não encontra motivo para, oficiosamente, desencadear esse mecanismo.
O que a lei já duvidosamente lhe facultará, ainda que a coberto do direito de defesa, são as afirmações do final do ponto 11 (fls. 1865), que aqui se tomam como manifestações de emotividade não controlada, explicáveis mais no arguido do que no seu patrono.
1. Passemos à primeira e segunda questões, pela conexão que as liga.
A Relação não se pronunciou sobre a "questão prévia" ligada à da ''inexistência da defesa" e, assim, sobre a alegada inconstitucionalidade por diminuição das garantias da defesa e violação de normas imperativas do direito internacional, nomeadamente, o direito a um julgamento condigno? Também não se pronunciou sobre se o arguido tem ou não o direito a escolher defensor da sua confiança e a que seja substituído o patrono nomeado e imposto ao arguido?
Diz o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação do Porto que, nesta parte, a decisão é irrecorrível, citando em abono o disposto nos artigos 432°, alínea b) e 400º, n.º 1, c) (3), ambos do CPPenal, sem que, no entanto, indique as razões dessa opinião.
Na verdade, não se vê como passar sobre o princípio-regra do artigo 402º, n.º 1, de que o recurso interposto abrange toda a decisão, sem prejuízo da cindibilidade a que se refere o n.º 1 do artigo seguinte, quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas.
O recorrente, no entanto, não efectuou tal cisão pelo que parece legítima a impugnação de toda a decisão da Relação.
Se tem ou não razão, é o que vamos ver de seguida.
2. A Relação elencou, no tocante à substituição do mandatário, o que considerou apurado:
- O despacho que estava a ser atacado era o de 3 de Abril de 2002 (fls. 1400), com um lapso material na indicação do ano, no qual se indeferiu (pelo juiz do processo) o pedido de substituição de patrono, ao abrigo do disposto no artigo 51º da Lei 30-E/2000, de 20/12, que ali se transcreveu, e com o fundamento de que não era atendível a indicação de novo advogado por o arguido já ter defensor oficioso nomeado nos presentes autos;
- Na primeira sessão da audiência de julgamento, que teve lugar no dia 9 de Abril de 2002, o M.º Juiz Presidente, antes de iniciada a audiência, deu conhecimento daquele despacho ao arguido - apesar de já ter sido notificado do mesmo no dia 8 de Abril de 2002 - e ao defensor oficioso que lhe havia sido nomeado;
- Advertido nos termos do artigo 343º, nº1, do C. P. Penal, o arguido recusou-se a prestar declarações, dizendo que só o fazia na presença do ''seu advogado Dr. J''".
- O M.º Juiz Presidente do tribunal explicou-lhe o conteúdo do despacho que lhe indeferira o requerimento de substituição do defensor nomeado, alertando-o para o facto de poder constituir mandatário a qualquer momento, bastando para isso juntar uma procuração;
- Perante a posição do arguido de que teria já sido enviada procuração para o processo e o Advogado estaria presente no Tribunal foi suspensa a audiência para confirmar essa afirmação, tendo-se constatado pelas diligências realizadas que tal não correspondia à verdade, do que o arguido foi informado, prosseguindo a audiência e continuando o arguido a não prestar declarações;
- No dia 17 de Abril deu entrada um requerimento subscrito pelo arguido afirmando que o julgamento estava a ser realizado sem lhe ter sido dada a oportunidade de preparar a sua defesa com o advogado por ele escolhido;
- Na sessão do dia 18 de Abril, após audição do M.º P.º, da mandatária das assistentes e do defensor oficioso do arguido, em que este informou das razões que via para não ser substituído, foi proferido (segundo) despacho em que se decidiu pela não substituição do defensor oficioso;
- No dia 24 de Abril deu entrada no tribunal uma procuração do arguido a favor do Dr. J'', datada de 13 de Abril.

A Relação confirmou o despacho recorrido - o de 3 de Abril de 2002, já que o de 18 seguinte não consta que tenha sido impugnado - pelos motivos seguintes:
- à matéria da substituição requerida não era (nem é) aplicável o artigo 51º da Lei n.º 30-E/2000 nem o artigo 52º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, mas sim o artigo 42º (4) , nº1, do primeiro daqueles diplomas legais, em conjugação com o artigo 66º (5) , nº3 do C. P. Penal;
- Nos termos deste último preceito, o tribunal pode sempre substituir o defensor oficioso nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa;
- A verificação da justa causa depende do prudente arbítrio do juiz e para além de uma ampla relação de confiança entre o defensor e o arguido, haverá justa causa sempre que esteja em crise a eficiência da defesa;
- O arguido invocava como fundamentos para a substituição do defensor oficioso ''laços de especial confiança" com o advogado por si indicado para substituir o que lhe havia sido nomeado, e ''vontade própria";
- Estes fundamentos ''não constituem manifestamente justa causa para substituição do defensor nomeado, pois deles não resulta minimamente qualquer quebra de confiança ou falta de eficiência da defesa: do facto de ter laços de especial confiança com o defensor proposto não se pode retirar automaticamente a conclusão de que perdeu a confiança no defensor que lhe havia sido nomeado";
- Embora mais tarde, na motivação do recurso, o arguido tenha explicitado melhor tais fundamentos, não puderam obviamente ser tidos em conta no despacho recorrido.
- Ainda que ao caso fosse aplicável o artigo 51º da Lei n.º 30-E/2000, sempre o requerimento do arguido teria de ser indeferido uma vez que tinha precedido o pedido de substituição de uma consulta alargada com outro advogado;
- O incidente não fazia parar a marcha do processo e o defensor nomeado (por indicação da Ordem dos Advogados), mantinha-se, como se manteve em funções;
- Aliás, realizaram-se seis sessões de audiência de julgamento já depois de o arguido ter constituído advogado (com a procuração não junta aos autos), sem que este senhor advogado se tivesse apresentado no tribunal para imediatamente passar a assumir a defesa do arguido;
- Funções que cessaram quando o ora recorrente fez juntar ao processo a procuração constituindo mandatário.
Termina a Relação:
''Não se verifica...a violação das normas legais de carácter processual indicadas pelo recorrente nas conclusões da motivação, as normas e os princípios de direito internacional, o artigo 32º, nºs 1 e 3 da CRP e, nomeadamente, a nulidade do julgamento".
3. Analisemos.
3.1. Segundo o n.º 2 do artigo 20º da CRP, ''todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade" e, de acordo com o n.º 4, a que uma causa em que intervenham seja objecto de ''processo equitativo".
É evidente que não se esteve perante qualquer situação de inexistência de defesa, nomeadamente por falta de patrocínio judiciário, porquanto o arguido foi sempre assistido por advogado, indicado pela Ordem dos Advogados.

3.2. Em concreta relação com as garantias do processo criminal, estipula-se no artigo 32º, n.º 3, da CRP:
''O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória".
A nomeação de defensor oficioso, para a hipótese de o arguido não exercer o seu direito de escolha de defensor, conforma-se com o dispositivo constitucional. Com efeito, a assistência por defensor visa não apenas o apoio técnico-jurídico, e até humanitário, como também garantir a intervenção de um ''órgão independente da justiça" (6), inserindo-se assim no conspecto de um processo equitativo, o que justifica seja chamado obrigatoriamente a certos actos, mesmo contra a vontade do assistido, que pode não desejar ver assegurada essa assistência. Tem um papel não só de defensor do arguido como de garante da observância da lei e da justiça da decisão (7).
Desde 1987 que existem regras de direito ordinário no seguimento do preceito constitucional acima mencionado - os Decretos-Leis n.ºs 387-B/87, de 29 de Dezembro e 391/88, de 26 de Outubro (8) -, que vieram regular a prestação de informação jurídica e protecção jurídica, de modo a que a ninguém seja denegada justiça por insuficiência de meios económicos.
A Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, a aplicar aos pedidos formulados após o dia 1 de Janeiro de 2001, e que, como vem assinalado, ainda não se concretizou em plenitude, dada a ausência do diploma regulamentar a que se refere o artigo 57.º, n.º 2 (9) .
Embora o novo diploma reproduza na sua globalidade os princípios e disposições dos anteriores, não significa que algumas das suas disposições, no que tenham de diferente e não careçam de regulamentação, não hajam entrado em vigor.
Precisamente do Capítulo VI constam regras especiais para o processo penal, nomeadamente o artigo 42º, mencionado pela Relação, e acima transcrito.
Em sintonia com a posição da Relação, também entendemos que esta disposição é, em primeira linha, a aplicável ao pedido de substituição, e não a do artigo 51º da Lei n.º 30-E/2000 nem o artigo 52º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, sendo por isso de atender ao que resulta do n.º 3 do artigo 66º do CPPenal para que remete: ''o tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa".
Paralelismo semelhante de disposições - uma para o processo penal e a outra para os restantes casos - já existia no Decreto-lei n.º 387-B/87, com os artigos 42º e 52º (por coincidência com a mesma numeração, o que não é de estranhar já que o sistema encerra um número limitado de alterações).
Como se viu, o direito a escolher defensor tem foro constitucional - o artigo 61º, n.º 1, alínea d), do CPPenal, inclui-o correspondentemente nos direitos do arguido: ''Escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um".
3.3. Na verdade, o sistema instituído acalenta o direito de o arguido escolher um defensor personalizado para o patrocínio extra apoio judiciário, de modo completamente livre, e para o patrocínio oficioso como uma aspiração que a lei procura realizar. O que se mostra bem nítido no n.º 2 do citado artigo 42º quando (inovatoriamente) impõe a advertência ao arguido do seu direito a escolher e constituir defensor ou a requerer a concessão de apoio judiciário (ainda que voltada para as consequências da responsabilidade pelo pagamento de honorários).
O que agora se pergunta é se aquele direito de escolha de defensor tem contornos de direito irrestrito também para a nomeação ao abrigo da lei do apoio judiciário ou se pode a lei ordinária introduzir-lhe, no caso de se pretender a substituição, a ''limitação" da justa causa .
Parece-nos razoável que se faça intervir essa limitação, diríamos imanente ao funcionamento normal da administração da Justiça, sob pena de o Tribunal ficar submetido à vontade mais ou menos caprichosa do arguido, de requerer a seu belo prazer a mudança de advogado para cada acto processual, com consequências designadamente nos prazos para consulta dos autos e concerto da defesa, como bem enumera o Ministério Público na 1.ª Instância (fls. 1747/8).
Fica, intocado o direito de o arguido escolher e mudar de advogado quando constituído seu mandatário, com procuração, e assim garantida a imposição constitucional (10) .
Já as coisas se passarão de modo diferente se o advogado é nomeado ao abrigo de regras gerais e abstractas em que os próprios encargos com a defesa ficam a cargo, no todo ou em parte, do erário público.
Não se divisa aqui qualquer conflito com as regras constitucionais.
O que é que o arguido invocou para fundamentar o pedido de substituição de advogado oficioso por outro que lhe fora sugerido no estabelecimento prisional?
Haveria ''laços de especial confiança" com ele e ''vontade assumida", o que suporia aceitação do patrocínio pelo causídico.
Todavia, como anota a Relação, não era indicado qualquer motivo de desconfiança relativamente ao advogado nomeado oficiosamente, a partir de indicação da Ordem dos Advogados, só depois se tendo mencionado falhas do Advogado nomeado na comunicação com o arguido.
Estar-se-ia perante uma situação de justa causa?
Naquela sintética motivação o que transparecia era uma preferência por um advogado em confronto com outro que lhe havia sido nomeado oficiosamente, mas sem que se apontasse a quebra da confiança quanto ao primeiro.

E da parte do advogado escolhido a suposição, porventura determinante da sua aceitação - repetida no presente recurso - de que tinha o direito de só aceitar o patrocínio através de nomeação oficiosa.

Claro que nada nem ninguém pode interferir no foro íntimo do advogado quando encontra uma motivação para determinado patrocínio. O que está em causa, porém, é saber se a lei protege ou não como um direito essa vontade de actuação ao abrigo de um patrocínio de nomeação e não de escolha.
Parece-nos seguro que não.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos. Mas não deixa de ser um sistema com componentes de índole pública, desde logo porque, como já se mencionou, os encargos com o mesmo são suportados pelo Estado. Daí que o regime não seja igual ao da escolha completamente livre, e da sua substituição nos mesmos termos, do advogado constituído.
Compreende-se que assim seja pelas consequências já referidas e pelos ónus financeiros.
Sem prejuízo de a lei tender para dar ao utente do apoio judiciário a possibilidade de escolha do defensor - cfr. o disposto no artigo 50º, na anterior e na actual redacção, dispositivo inserto nas disposições gerais.
Não estamos, porém, a tratar da nomeação inicial mas da substituição do advogado.
3.4. Para concluir, tal como a Relação, no sentido de que o despacho que negou a substituição tem suficiente apoio legal não só porque não se demonstrou que houvesse justa causa para a substituição - e competia ao requerente carrear elementos para a demonstrar, fundamentando devidamente a sua petição - como também porque não se vê que tenha sido ofendida qualquer regra ou princípio constitucional.
É certo que o requerente invocava como suporte legal o artigo 52º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, tendo o indeferimento sido baseado no artigo 51º da Lei n.º 30-E/2000, sendo que a Relação aplicou o disposto no artigo 42º desta nova lei, aplicável, como se viu, aos pedidos formulados a partir de 1 de Janeiro de 2001 ( este deu entrada em 3 de Abril de 2002). Só que estamos no domínio da aplicação do direito aos factos e nada impedia a Relação de entender que o indeferimento da substituição havia sido correcto mas com outra fundamentação jurídica.
Como se aludiu, houve uma reapreciação das condições da substituição, no dia 18 de Abril, com audição do Ministério Público, da mandatária das assistentes e do defensor oficioso do arguido, em que este disse, na presença do arguido, das razões que via para não ser substituído, e o Colectivo ''ratificou" o procedimento anterior.
Enquanto o Advogado já constituído continuava a não se apresentar no tribunal, a pretexto de que havia de ser nomeado...e não constituído.
Tivemos oportunidade de confrontar os elementos acima referidos como fundamento para a decisão da Relação com os dados processuais, não encontrando disparidades (mesmo quanto à data de 3.04.02, pode constatar-se com outras cotas processuais que é a indicação DDMMAA que o mesmo Funcionário Judicial usa em outros ''termos" do processo).

Quanto ao direito internacional invocado, dir-se-á que para além da tendencial concórdia que existe entre a CRP e os instrumentos referidos - que o artigo 16º, n.º 2, indicia quanto à Declaração Universal dos Direitos do Homem -, não especifica o recorrente onde residiria a violação. A indicação do acervo de artigos é, por si só, manifestamente pouco para se ajuizar da alegação.
Improcede, assim, a questão prévia na sua globalidade.
4. Passemos à terceira questão: errou o acórdão recorrido quando admite que a lei não impõe a gravação contínua da prova?
Ponto este agora retomado e ao qual a Relação respondeu pormenorizadamente, dizendo no essencial o seguinte.
O recorrente refere a existência, nas cassetes de gravação da prova, de espaços não preenchidos, de sequenciação imperfeita e de alguns trechos de imperceptibilidade da gravação, o que possibilitaria manuseamentos incorrectos que, porém, não lhes aponta.
Discorre o douto acórdão recorrido:
''Das actas das sessões da audiência de julgamento resulta que a gravação de todos os depoimentos prestados está devidamente identificada quer pelo número da cassete, quer pela contagem das voltas, quer pelo lado da mesma, por forma a não haver dúvidas quanto à sua localização e ao seu conteúdo, e que no início de cada sessão foi utilizada uma cassete nova, referindo o Ex.mo Procurador da República junto da 1ª instância, na sua resposta, como explicação para o facto, que tal se ficou a dever quer às limitações dos meios tecnológicos ao dispor do tribunal, que não permitiam que na sessão seguinte se utilizasse um suporte técnico exactamente no ponto onde se acabara na anterior, quer à necessidade de, por razões de segurança, no fim de uma sessão, se bloquear a cassete, com a retirada das patilhas de segurança, impedindo-se assim a continuação da gravação, no dia seguinte, nessa mesma cassete, razões estas perfeitamente compreensíveis e de acordo com o que resulta das gravações".
''Seja como for, o facto de as cassetes não estarem totalmente preenchidas com a gravação não importa qualquer irregularidade. O que se impõe é que os depoimentos estejam gravados por forma a permitirem a sua localização e individualização e isso foi devidamente acautelado".
Não há formalidades específicas previstas na lei, nomeadamente no artigo 363º do CPPenal, nem tal sucede também para o processo civil.
Afastado qualquer manuseamento intercalar e explicada a descontinuidade de alguns depoimentos ou a sua antecipação, restam certos hiatos em alguns testemunhos, com períodos de tempo em que aparentemente nada foi gravado. Essas pausas ficaram a dever-se, como detalhadamente refere o douto acórdão da Relação, à natureza dos crimes em apreciação à idade e circunstâncias dos relatos pelas sua vítimas, como exemplificativamente ora se colhe: ''algumas crianças bloquearam, outras começaram a chorar e outras ainda só aceitaram depor na presença de pessoas da família".
Insurge-se ainda o recorrente contra o facto de na gravação não constar um eventual excerto em que o M.mo Juiz-Presidente teria insultado ou ameaçado o arguido, ponto essencial para o incidente de suspeição. Mas, como já se viu, no incidente de suspeição não ficou demonstrado que tivesse havido quaisquer insultos ou ameaças. Logo, não poderiam ter ficado registados na gravação sonora.
Em síntese, nada há para censurar nesta parte à decisão recorrida, pois que não se detecta qualquer irregularidade que pusesse em causa a fidedignidade da gravação - v. n.º 3 do artigo 101º do CPPenal; antes pelo contrário, as medidas adoptadas, nomeadamente a retirada das patilhas de segurança das cassetes logo após as sessões de audiência vão ao encontro das garantias da sua não modificabilidade intercalar, e não inviabilizaram a sua posterior consulta.
Improcede esta parte da motivação.
5. A quarta questão consiste em saber se o acórdão recorrido errou sobre a inexistência de exemplos de situações em que tenham sido formuladas às testemunhas perguntas sugestivas ou impertinentes.
E a quinta, com aquela relacionada, consiste em indagar se foi violado o disposto no artigo 349° do CPPenal (11) não analisando a questão da eventual nulidade, mas adoptando de imediato a tese da irregularidade.
5.1. Na sua motivação - fls. 1845, ponto B - o recorrente afirma: ''Não há a menor dúvida, que em inúmeros casos apontados e descritos, com suporte técnico indicado, não só houve sugestão sucessiva, obstinada e reiterada, do MP e do Juiz-Presidente, como houve até imposição tácita da própria resposta, no que refere aos reconhecimentos". O que consta da motivação apresentada perante a Relação e ''basta ouvir com atenção a gravação da prova".
Dispõe-se no artigo 138.º, n.º 2, do CPPenal:
''Às testemunhas não devem ser feitas perguntas sugestivas ou impertinentes, nem quaisquer outras que possam prejudicar a espontaneidade e a sinceridade das respostas".

Na sua motivação de recurso para a Relação o recorrente fala em interferências e cruzamento no interrogatório por parte do Juiz-Presidente e do Ministério Público, quebrando a espontaneidade das respostas e sendo ''as questões escandalosamente sugeridas" (ponto 16 de fls. 1692).
Adiante, ao referir-se a ''erro na apreciação da prova dada como reproduzida - os reconhecimentos", o recorrente indica o que designa de ''pontos (referência na sentença)", reproduzindo excertos de perguntas e respostas dos menores, seus familiares e restantes testemunhas ouvidas, direccionados claramente para aqueles ''reconhecimentos". Adita às perguntas e respostas por si seleccionadas os seus próprios comentários e interpretações (por exemplo fls. 1697), ''(E') não reconhece. Depois, perante as insistências e sugestões, o menor começa a vacilar, até que, perante novas afirmações e sugestões, acaba num reconhecimento".
Diga-se que, mesmo a partir desta selecção do recorrente, dificilmente se encontram exemplos claros de ''perguntas sugestivas", daquelas que incitam, sugerem ou inculcam uma determinada resposta, quer pela afirmativa quer pela negativa, desconforme com o que a testemunha ou declarante pretenderia dizer. Sendo certo que só a audição global dos depoimentos pode garantir uma aferição exacta.
Parece-nos de somenos importância saber se foram indicados os exemplos concretos da quebra da espontaneidade dos testemunhos ou declarações, em face da importância de saber se a alegação é ou não verdadeira.
5.1.1. O que disse a Relação a este respeito?
''Segundo o recorrente, a violação da primeira daquelas disposições legais consiste no facto de haver uma permanente interferência e cruzamento nos interrogatórios por parte do senhor juiz presidente e do Mº Pº, não dando tempo aos menores para responderem de forma espontânea, sendo interrompidos constantemente e sendo as questões sugeridas ou mesmo as respostas induzidas pela afirmação prévia do seu conteúdo, situação que de igual modo se verificou em relação a todos os depoimentos, em especial no que se refere ao reconhecimento do arguido, pessoalmente e por fotografias.
''Preceitua o nº1 do artigo 138º que o depoimento é um acto pessoal que não pode, em caso algum, ser feito por intermédio de procurador, e o nº2, que às testemunhas não devem ser feitas perguntas sugestivas ou impertinentes, nem quaisquer outras que possam prejudicar a espontaneidade e a sinceridade das respostas. (...).
Não dá o recorrente qualquer exemplo nem resulta das actas da audiência de julgamento que algum dos depoimentos tenha sido feito por intermédio de procurador.
De igual modo não dá qualquer exemplo de situações em que tenham sido formuladas às testemunhas perguntas sugestivas ou impertinentes ou quaisquer outras que pudessem ter prejudicado a espontaneidade e sinceridade das respostas, em termos de integrarem os conceitos de perguntas sugestivas, capciosas, vexatórias ou impertinentes, tal como foram definidas na obra acima citada, referindo-se a tais situações de um modo geral, sendo certo que, tendo ouvido a gravação da prova, como parece resultar da motivação do recurso, não lhe seria difícil dar exemplos de tais situações.
No que diz respeito aos depoimentos das vítimas, verifica-se que houve um cuidado muito grande em as pôr à vontade por forma a que os seus depoimentos fluíssem com naturalidade, deixando-as narrar pelas suas próprias palavras a actuação do arguido, só depois sendo então pedidos os esclarecimentos considerados necessários".
Para concluir do seguinte modo:
''Seja como for, não resulta quer das actas das sessões da audiência de julgamento, quer da audição das cassetes, que às testemunhas tenham sido formuladas perguntas sugerindo uma determinada resposta ou que tais perguntas tenham sido impertinentes. Antes pelo contrário, resulta que houve todo o cuidado em inquirir aquelas testemunhas com vista ao apuramento da verdade material" (bold colocado agora).
Este Supremo Tribunal não se pronuncia sobre a matéria de facto apurada, embora o conceito de ''pergunta sugestiva tenha recorte jurídico", como anota o Ex.mo Representante do Ministério Público junto da Relação.
O Colectivo da Relação do Porto procedeu à audição da prova gravada e não detectou qualquer pergunta sugestiva. Não dispõe, nem tem que dispor, este Supremo Tribunal da transcrição completa de depoimento ou depoimentos em que possa controlar a qualificação de uma pergunta como sugestiva ou não.
Por isso, indo além da questão da indicação ou não de exemplos de perguntas sugestivas por parte do recorrente, o que subjaz com relevância é a forma como o recurso foi apresentado, designadamente o não acatamento das normas estipuladas no CPPenal para a impugnação ordenada da matéria de facto, como adiante melhor se verá.
Por agora, e também aqui, nada há a censurar ao acórdão recorrido.
5.2. Passemos ao tema seguinte: foi violado o disposto no artigo 349º (12) do CPPenal, na medida em que não se analisou a questão da eventual nulidade, mas adoptando-se de imediato a tese da irregularidade no que concerne às entidades que procederam às perguntas aos menores?
A partir de certa altura, os interrogatórios dos menores deixaram de ser feitos pelo Juiz-Presidente do Colectivo, passando para ''os restantes operadores processuais" - diz o recorrente.
Assim é reconhecido pelo Ministério Público e pelo acórdão recorrido.
Segundo o Ex.mo Representante do Ministério Público, «é prática relativamente comum, em determinadas circunstâncias, o presidente permitir que a pergunta seja feita directamente, em vez de o ser por seu intermédio».
Tal prática - prossegue o Ministério Público - pode sempre ser interrompida e exerce-se ''sob apertada vigilância" dos outros intervenientes processuais, que a todo o momento a podem problematizar.
Vejamos o modo como a Relação se pronunciou.
A razão de ser do preceito terá em vista proteger os menores, em virtude da sua não atingida maturidade.
Trata-se, porém, de uma irregularidade do processo que só determina a invalidade do acto quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto, ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado - o artigo 123º, nº1, do CPPenal.
O recorrente podia tê-la arguido, através do seu patrono nomeado, o que não aconteceu.
E acrescenta: ''Aliás, como resulta da audição da gravação da prova, o próprio defensor oficioso do arguido, tendo-lhe sido perguntado se tinha alguma coisa a opor à metodologia utilizada, declarou não se opor, pelo que não faz qualquer sentido vir agora o arguido arguir a invalidade de um acto a que o seu defensor não se opôs".
O que foi feito pelo Colectivo da 1.ª Instância - prossegue -, em termos de protecção de testemunhas especialmente vulneráveis, aproximou-se do que se dispõe na Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal, nomeadamente os artigos 26º, nº1, 29º e 31º, com a adopção de medidas para que a testemunha não se encontre com o arguido e a audição com utilização de meios de ocultação ou de teleconferência, a partir de outro local do edifício do tribunal.
E termina:
''Nos termos do nº2 do artigo 123º do C. P. Penal, pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.
''Não resulta dos autos que a apontada irregularidade tenha de qualquer modo afectado o valor dos depoimentos das testemunhas menores de 16 anos inquiridas directamente pelo Mº Pº e pelos advogados intervenientes do julgamento".

Vejamos.
Não partilhamos, com o devido respeito, do ponto de vista do Ministério Público ao quase validar a inobservância da lei através do ''costume" contra legem.
A existência do preceito do artigo 349º está manifestamente dirigida à protecção do menor que coopera com a Justiça, procurando garantir um depoimento o mais genuíno possível sem o impacto da normal vivacidade do contraditório exercido ''em directo". A inexperiência natural do menor de 16 anos, a falta de contacto com o ambiente do tribunal, na sua severidade aparente, por vezes também na sua crueza de tratamento dos factos, pode ser fonte de inibição ou de traumatismo. Daí a intervenção só do Presidente e sempre do Presidente.
Porque a violação do preceito, todavia em condições onde normalmente se mantém a preservação daquele condicionalismo, ainda e sempre sob a disciplina do Presidente, não constitui um daqueles vícios que, em princípio, afecte insanavelmente ou em termos profundos o acto respectivo, a lei taxa-o de simples irregularidade - artigo 118º, n.º 2, e 123º, ambos do CPPenal -, a arguir em momento próprio, sob pena de sanação.
Mesmo que se tratasse, por mera hipótese, que não é o caso, de uma nulidade sujeita a arguição (artigo 120º), ela ficava sanada desde que aceites expressamente os efeitos do acto anulável, como seria a aceitação pelos intervenientes processuais, incluindo o próprio Defensor do recorrente, de acordo com o artigo 121º, n.º 1, alínea b), do CPPenal.
Afirma-se isto, sem hesitação, porquanto não existe qualquer motivo para considerar menos apto ou incauto o Advogado oficioso, sem esquecer também a improcedência do pedido de recusa por suspeição do Colectivo e do Ministério Público.
Não tem, pois, razão o recorrente.
6. Por fim, a sexta questão: se errou o Colectivo em virtude de não se ter pronunciado sobre a matéria de facto, com violação intrínseca do disposto no artigo 147° (13) do CPPenal, aplicado em sede de audiência de julgamento, com o pretexto formal do incumprimento pela defesa do disposto no artigo 412° do CPP?
Atente-se no que se disse no acórdão recorrido:
''Relativamente à matéria de facto propriamente dita, para além de indicar a violação do artigo 147º do C. P. Penal no que diz respeito ao seu reconhecimento pelas testemunhas na sala de audiências, transcrevendo parcialmente frases soltas extraídas dos seus depoimentos, e do artigo 410º, nº2, als. a) e c) do mesmo código, refere o arguido nas conclusões que o tribunal deu como provados factos, nomeadamente a esmagadora maioria dos reconhecimentos, sem que da prova efectivamente produzida se possa tirar tal conclusão, havendo em muitos dos pontos reconhecimentos dados como adquiridos quando os menores de forma peremptória e (ou) mais ou menos duvidosa rejeitaram a possibilidade de ter sido o arguido a cometer tais factos.
Preceitua o artigo 412º, nº3, als. a) e b) do C. P. Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Ora, o recorrente, como é bom de ver, limitou-se a impugnar de forma genérica a matéria de facto considerada provada, mesmo assim, quanto a nós, de forma incorrecta, pois os reconhecimentos não constituem factos provados mas simples meios de prova, que é coisa bem diferente. Os factos provados são aqueles que se encontram enumerados no acórdão recorrido e com base nos quais o arguido foi condenado nas penas acima referidas. Quer dizer, não só não especificou quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como também não indicou as provas que impõem decisão diversa da recorrida. A impugnação genérica da matéria de facto provada não dá cabal cumprimento àquela disposição legal, mesmo porque dela não se pode concluir que põe em causa toda a matéria de facto considerada provada.
Ao não dar cabal cumprimento ao disposto no artigo 412º, nº3, als. a) e b), do C. P. Penal, o arguido inviabilizou o conhecimento por parte do tribunal da matéria de facto propriamente dita.
Diga-se, porém, em abono da verdade, que a matéria de facto considerada provada está conforme à prova produzida na audiência de julgamento, devidamente fundamentada no acórdão recorrido, como facilmente se verifica pela sua consulta, não havendo qualquer reparo a fazer-lhe".
Relativamente à violação do artigo 147º do C. P. Penal, a Relação acolheu a posição do Ministério Público quando entende que o ''reconhecimento" ocorrido em audiência de julgamento está intimamente imbricado com o princípio da livre apreciação da prova, de que o princípio da imediação é verdadeira pedra angular, pelo que, face àqueles autos de reconhecimento, as declarações dos ofendidos no que concerne à identificação da pessoa do arguido prestadas nesta audiência de julgamento não estão subordinadas às prescrições do artigo 147º do CPPenal.
E acrescentou, agora em termos globais:
''Como resulta da fundamentação da matéria de facto considerada provada, o tribunal fundou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas, aí incluídos os reconhecimentos do arguido por parte das vítimas, nos casos em que isso aconteceu de forma a não deixar margem para dúvidas, conjugados com outros meios de prova, como sejam o ''modus operandi" do arguido, nomeadamente no que diz respeito à forma de abordagem das vítimas, o meio de transporte utilizado, a imposição de ingestão de comprimido ou comprimidos com o argumento de que se destinavam a evitar a gravidez, em perícias médico-legais, nos relatórios de perícia de biologia forense em que o exame ao DNA do arguido se mostrou positivo naqueles casos em que nas roupas das vítimas ficaram vestígios do seu esperma e nos documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias do arguido".
6.1. As afirmações que vêm de ser reproduzidas quanto ao condicionalismo a observar pelos recorrentes para suscitar correctamente um segundo grau de apreciação da matéria de facto correspondem à correcta interpretação da lei e ao que tem sido orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Atentemos em algumas dessas decisões.
Disse-se no ac. deste STJ, de 26-01-2000 (sumário) (14) .

''1. ... a exigência de especificação, pelo recorrente, de todos os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, é determinada pelas razões e circunstâncias em que a lei actual pretende assegurar um recurso efectivo em matéria de facto.
2 - Quer no domínio da jurisdição civil, quer no âmbito da jurisdição penal, não se visa permitir a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, mediante uma repetição do julgamento, com as inerentes consequências de frequente inutilidade e inconveniência - por desnecessidade e riscos de menor autenticidade - e de injustificado prejuízo para as consabidas exigências de celeridade na administração da justiça adequada.
3 - O fim prosseguido por aquela imposição é o de permitir a correcção e detecção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, o que exige o mencionado ónus legal de concreta e clara especificação desses pontos e das provas que impõem decisão diversa da recorrida.
4 - Não pode pois relevar a impugnação, pelo recorrente, da decisão da matéria de facto quando o faz de forma genérica e imprecisa" (15) .

E ainda a propósito do reflexo nas transcrições, afirmou-se no ac. de 11-01-2001 (16) :
''1 - Quando no recurso seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto e a prova produzida tenha sido gravada, a transcrição a que se refere o n.º 4 do artigo 412.º do CPP deve circunscrever-se às concretas provas que, no entender do recorrente, imponham decisão diversa da recorrida.
2 - Essa transcrição incumbe ao tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 101.º do CPP. (...)".

O que não quer dizer, como este STJ já tem reconhecido, que em determinadas circunstâncias não haja necessidade de o tribunal de recurso conhecer toda a prova que foi objecto de apreciação pelo Colectivo até para contextualizar devidamente os excertos seleccionados pelo recorrente.

Especificou-se no ac. de 28.06.2001 (17) :
''(...) 9 - Não é o Tribunal recorrido de 1.ª instância que, antecipando-se às decisões do foro íntimo do recorrente, deve mandar transcrever a documentação da prova para que o recorrente decida da natureza e âmbito do recurso. Antes, é o recorrente que, com acesso à documentação da prova, tal como foi efectuada, deve decidir se vai recorrer e nesse caso de matéria de facto, caso em que o recorrente deverá ter encontrado nos meios de prova documentados o conforto necessário para a impugnação que intenta fazer.
10 - A transcrição não se antecipa à decisão de recorrer em matéria de facto e à especificação das provas fundamentam essa decisão mas segue-a.
11 - Quando no recurso seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto e a prova produzida tenha sido gravada, a transcrição a que se refere o n.º 4 do artigo 412.º do CPP deve circunscrever-se às concretas provas que, no entender do recorrente, imponham decisão diversa da recorrida. E que obviamente impõe a antecipada indicação pelo recorrente. (...)".

Mostra-se, pois, fundada a posição adoptada no douto acórdão recorrido no que concerne ao condicionalismo a observar para que a prova seja reapreciada.
Mas a Relação, descendo ao substancial, não se esqueça, procedeu à audição da prova gravada .
Não se vê motivo de censura da Relação pela inobservância das regras legais a tomar em conta na apreciação da matéria de facto ou de princípios de raiz superior.
6.2. E quanto aos falados ''reconhecimentos" em audiência de julgamento?
Pesquisando as normas processuais, não se encontra, para a fase do julgamento, algo de semelhante ao que se dispõe para as perícias, onde, em qualquer altura do processo, pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos ou se realize nova perícia ou seja renovada a perícia anterior - artigo 158º.
E compreende-se que assim seja.
Como dizia um ilustre criminologista, ainda que para outra situação, ''não é possível descascar uma laranja duas vezes". Torna-se completamente inviável ''repetir" em julgamento a realização de um acto de reconhecimento nos termos completos do citado artigo 147º do CPPenal.
Se é viável e necessário que o depoente descreva os pormenores em que fundamenta a sua convicção de que determinada pessoa é a autora ou participante nos factos criminosos - n.º 1 do artigo 147º -, já a ''reconstituição" da diligência tal como configurada pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, no confronto directo ou oculto (para o depoente) com o pretenso agente criminoso se torna, pela natureza das coisas, irrepetível.

Mas sem esquecer que dentro dos poderes conferidos ao Tribunal pelo artigo 323º, alínea b), o presidente pode ordenar a comparência de quaisquer pessoas e a reprodução de quaisquer declarações legalmente admissíveis, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade.
Também com a reserva a que alude o artigo 355º do CPPenal, ao estipular que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, com ressalva das provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida.
Quer isto dizer que o Colectivo procede adequadamente quando em julgamento procura aferir da idoneidade dos reconhecimentos oportunamente efectuados em inquérito ou instrução, no âmbito dos amplos poderes que lhe concede o artigo 340º do CPPenal para descoberta da verdade e boa decisão da causa.
A defesa, sem dúvida, tem direito, dentro do princípio do exercício do contraditório (artigo 327º, n.º 2), a procurar impugnar as circunstâncias em que a diligência oportunamente realizada foi feita, pondo em crise o seu ''valor como meio de prova", designadamente na hipótese de não terem sido respeitadas as formalidades a que está sujeita.
E ainda que o Colectivo considerasse - o que não foi minimamente o caso - o reconhecimento efectuado como ilegal, particularmente porque não observadas as formalidades prescritas na lei, era-lhe lícito, em audiência de julgamento, o procedimento tendente à identificação do arguido através da inquirição de testemunhas, inclusive através do testemunho dos ofendidos, sendo tal diligência livremente valorada face ao disposto no artigo 127.º, do CPPenal (18) .
Claramente no sentido de que o reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos exigidos pelo artigo 147º do CPPenal, que apenas se aplicam à prova por reconhecimento em inquérito ou instrução, vários acórdãos se pronunciaram (19) .
Deste modo e em remate de tudo o que se disse, o recurso não goza de fundamentação para poder proceder em qualquer dos pontos mencionados.

IV
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por A, mantendo o douto acórdão recorrido.
De taxa de justiça pagará o recorrente 8 UCs, com 1/3 de procuradoria.
De honorários ao Exmo. Advogado Oficioso fixa-se o montante de 3 URs, a adiantar pelo CGT.
(Texto processado em computador pelo Relator, que rubrica as restantes folhas).

Lisboa, 28 de Maio de 2003
Lourenço Martins
Leal Henriques
Borges de Pinho
Pires Salpico
________
(1) - O Supremo Tribunal não pode ''escolher" quais as normas violadas, de entre as que indica a final. Por exemplo, a remissão para o artigo 13º, n.º 2, da CRP, tem a ver com que elemento? Já se perceberá melhor a indicação do n.º 4 do artigo 20º, na exigência de o processo ser equitativo. Mas a ligação entre os factos e a norma que se diz violada tem se assumir o mínimo de coerência e inteligibilidade.

(2) - No que toca aos murros na mesa que o Ex.mo Presidente teria dado, das dez pessoas ouvidas, com exclusão dos Magistrados intervenientes, apenas o Ex.mo Advogado nomeado afirma que ''o Juiz Presidente durante a audiência deu murros na mesa".

(3) - Onde se diz: ''1 - Não é admissível recurso:....c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa;(...)".

(4) - Onde se diz: ''1 - A nomeação do defensor ao arguido e a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal e em conformidade com os artigos seguintes. 2 - A nomeação é antecedida da advertência ao arguido do seu direito a escolher e constituir defensor ou a requerer a concessão de apoio judiciário e que, não constituindo defensor, nem requerendo a concessão de apoio judiciário, ou este não lhe sendo concedido, é responsável pelo pagamento dos honorários que o defensor apresentar para remuneração dos serviços prestados, bem como das despesas em que este incorrer com a sua defesa. 3 - O requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.

(5) - Que estipula: ''1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no acto. 2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa. 3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa. 4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém­se para os actos subsequentes do processo. 5 - O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça...".

(6) - Apud Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 1993, p. 204.

(7) - V. ac. do TC n.º 127/88, de 1.06.88, no BMJ n.º 378, p.139.

(8) - Alterado pela Lei n.º 46/96, de 3 de Setembro e pelos Decretos-Leis n.ºs 133/96, de 13 de Agosto, e n.º 231/99, de 24 de Junho.
Sobre os antecedentes dos diplomas de 1987 - cfr. Salvador da Costa, ''Apoio Judiciário", Rei dos Livros, 1996, pp. 28 e sgs.

(9) - ''O Governo regulará, por decreto-lei, a apresentação, instrução, apreciação e decisão pelos serviços de segurança social dos pedidos de apoio judiciário formulados por arguidos em processo penal, que, até à entrada em vigor desse diploma complementar, continuam a ser apresentados, instruídos, apreciados e decididos perante a autoridade judiciária".
Apenas demos conta da publicação das Portarias n.ºs 140/2002, de 12 de Fevereiro, que aprova os formulários para requerimento de concessão de apoio judiciário para pessoas singulares e pessoas colectivas, e 150/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova a nova tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário, revogando a Portaria n.º 1200-C/2000, de 20 de Dezembro. E não do diploma regulamentar aludido.


(10) - Outras questões se suscitam pelo facto de essa livre escolha em alguns casos ficar limitada pelas possibilidades económicas de cada um. Uma forma de superar a eventual desigualdade estará na subida da qualidade do patrocínio fornecido através do apoio judiciário, como aliás se preconiza no n.º 2 do artigo 3º da nova lei, repetindo a anterior.

(11) - Com o seguinte texto ''(Testemunhas menores de 16 anos): ''A inquirição de testemunhas menores de 16 anos é levada a cabo apenas pelo presidente. Finda ela, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados do assistente e das partes civis podem pedir ao presidente que formule à testemunha perguntas adicionais".

(12) - Cujo texto é do seguinte teor: '' A inquirição de testemunhas menores de 16 anos é levada a cabo apenas pelo presidente. Finda ela, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados do assistente e das partes civis podem pedir ao presidente que formule à testemunha perguntas adicionais".

(13) - Relativo ao reconhecimento de pessoas: ''1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita­se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é­lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação. 2 - Se a identificação não for cabal, afasta­se quem dever proceder a ela e chamam­se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar­se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual. 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar­se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando. 4 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova".

(14) - Publicado in CJ, Acs. STJ, Ano VIII, T1, p. 194.

(15) - Não está aqui em causa saber a quem competia efectuar a transcrição, matéria que o STJ veio a retomar no AFJ n.º 2/2003, de 16.01.03, publicado no DR, n.º 25, Série I-A, de 30.01.03.

(16) - Sumariado pelo Relator e publicado na CJ, Acs. STJ, Ano IX, T1, p. 201.

(17) - P.º n.º 1552/01-5.ª (sumário do Relator).

(18) - Ac. deste STJ, de 2.05.2002 - P.º n.º 589/02 - 3.ª.

(19) - Acs. do STJ, de 11-05-2000 - P.º n.º 75/2000 - 5.ª; de 9-01-1997, P.º n.º 783/96 - 3.ª; de 6-11-1996 -P.º n.º 84/96 - 3ª; de 20-11-1996 - P.º n.º 788/96 - 3ª.