Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO ATAÍDE DAS NEVES | ||
Descritores: | SUB-ROGAÇÃO DÍVIDA DE VALOR PAGAMENTO TERCEIRO AÇÃO SUB-ROGATÓRIA SEGURO AUTOMÓVEL SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS SEGURO OBRIGATÓRIO APLICAÇÃO FINANCEIRA CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES NATUREZA JURÍDICA PRESTAÇÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL BOA FÉ NULIDADE DE CLÁUSULA | ||
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Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 06/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I – O instituto legal da sub-rogação previsto no 589.º do Código Civil consiste essencialmente no acto pelo qual aquele que efetua uma prestação correspondente à satisfação de uma obrigação alheia assume os direitos do respetivo credor, substituindo-o, mas permanecendo o devedor vinculado à situação jurídica debitória em que se encontrava. II - O contrato de seguro celebrado entre a seguradora e a entidade formadora (IEFP) resulta de imposição legal (art. 11.º, n.º 1, al. b) da Portaria n.º 1191/2003, de 10 de outubro), que regula a concessão de apoios a projetos que deem lugar à criação de novas entidades que originam a criação líquida de postos de trabalho e contribuam para a dinamização das economias locais no âmbito de serviços de apoio à família mediante a realização de investimentos de pequena dimensão, tendo natureza obrigatória, sendo um seguro de pessoas, em concreto de acidentes que possam ocorrer durante e por causa da formação, tendo em vista, nos termos do art. 175.º, n.º 2, do DL n.º 72/2008, de 16-04 – Lei do Contrato de Seguro (LCS), garantir prestações de valor predeterminado, não dependente do efectivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória. III - Esse seguro é cumulável com o seguro de responsabilidade civil automóvel considerando que aquele seguro tem por finalidade atribuir aos beneficiários, e familiares destes, condições que justifiquem a adesão daqueles às ações de formação profissional ao passo que o segundo assegura ao beneficiário, que não é nenhum daqueles, o ressarcimento dos danos causados a terceiros emergentes de acidente de viação. IV - Preceitua o art. 180.º, n.º 1, do LCS (na redacção conferida pelo Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril, em vigor à data do acidente) que “Salvo convenção em contrário, as prestações de valor predeterminado são cumuláveis com outras da mesma natureza ou com prestações de natureza indemnizatória, ainda que dependentes da verificação de um mesmo evento”. V - O seguro de pessoas pode ter uma função diversa da indemnizatória, aproximada de produto financeiro de capitalização, como mecanismo de poupança e investimento, estatuindo o legislador para estes casos uma ampla permissão de cumulação de contratos, sem limitação de valores de prestações a pagar, admitindo que sejam celebrados dois ou mais contratos com prestações predeterminadas por referência à produção do mesmo evento, ou que se cumulem contratos dessa natureza com contratos envolvendo prestações de natureza indemnizatória (art. 180º nº 1). VI - A sub-rogação invocada pela recorrente é uma sub-rogação convencional, uma vez que a norma prevista no art. 181.º da LCS em vigor à data da apólice e do acidente )Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril), refere expressamente que “o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro”, mas prevê, igualmente, a possibilidade de que haja a convenção desta sub-rogação, na parte inicial deste normativo, Salvo convenção em contrário. VII - A cláusula ou convenção que admita a sub-rogação do segurador nos seguros de vida com valor pré-determinado são contrárias à boa fé, portanto abusivas, nos termos do art.15.º LCCG, e assim nulas (art.15.º LCCG), como tal não sendo admissíveis. VIII - O seguro de pessoas (art. 175.º e ss. da LCS), entre os quais de vida ou de acidente pessoais, quando prevejam prestações pré-determinadas ou forfetárias, em aproximação das demais legislações europeias, e de acordo com o espírito da LCS, plasmado no seu preâmbulo, não devem ser objecto de sub-rogação, porque tal mostra-se contrário à natureza deste tipo de contratos de seguro, como produto financeiro de capitalização, ou mecanismo de poupança e investimento. IX - Apercebendo-se o legislador de que aquela redacção original do art. 181.º da LCS (do Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril) possibilitava o acordo de sub-rogação entre a seguradora e o beneficiário do seguro, passou, na nova redacção da norma, conferida pela Lei n.º 147/2015 de 09-09, a prever a possibilidade de sub-rogação convencionada apenas nos contratos de seguro de pessoas com prestações indemnizatórias. X - A indemnização arbitrada pelo dano vida no âmbito de um contrato de seguro por responsabilidade automóvel não se confunde com o prémio de seguro contratado no seguro obrigatório a que se se reporta o art. 11.º, n.º 1 al. b), da Portaria n.º 1191/2003, de 09-09, uma vez que enquanto a quantia arbitrada a título de dano vida naquele seguro automóvel tem uma natureza indemnizatória, já neste seguro obrigatório, em que foi fixado um valor pré-definido para o dano vida, tem um valor de capitalização. XI - No caso da seguradora que, no âmbito do contrato de tal seguro obrigatório, pagou, em consequência da morte dos formandos, as prestações pré-determinadas ou forfetárias, não pode aquela substituir-se ao credor originário porquanto o credor originário, com base neste contrato, não poderia demandar a Ré, enquanto seguradora do responsável pelo sinistro automóvel. XII - Aquela seguradora, ao proceder ao pagamento da prestação pré-definida a que se vinculou com a celebração do contrato de seguro de acidentes pessoais com o IEFP, fê-lo por se tratar do cumprimento de uma obrigação própria, de acordo com o contrato que celebrou, e não de uma obrigação de terceiro, inexistindo qualquer possibilidade de sub-rogação. XIII - À Seguradora que já cumpriu com o pagamento da indemnização arbitrada a título do dano vida no âmbito da acção emergente do acidente de viação, não pode ser exigida, por via de sub-rogação, o montante pago por outra Seguradora no âmbito do contrato de seguro de acidentes pessoais com o IEFP, porquanto esta prestação, para além de corresponder a uma prestação própria, não tem qualquer cariz indemnizatório, mas sim de capitalização. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório GENERALI SEGUROS, SA, pessoa colectiva nº 500940231, com sede na Avenida da Liberdade, 242, 1250-149 Lisboa, instaurou a presente acção comum, pedindo a condenação de ZURICH – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pessoa colectiva nº 503583456, com sede na Rua Barata Salgueiro, nº 41, em Lisboa, a pagar-lhe a quantia de quantia global de 349.841,09 € (trezentos e quarenta e nove mil oitocentos e quarenta e um euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal para as empresas comerciais, desde a sua citação até à data do pagamento integral da quantia supra. Alegou para tanto que, na qualidade de seguradora, celebrou com o IEFP, Instituto do Emprego e Formação Profissional, este na qualidade de tomador, um contrato de seguro de grupo do ramo acidentes pessoais, de acidentes pessoais escolar, de tipo não contributivo, cobrindo, além do mais, o risco de morte por acidente, relativamente a toda a actividade desenvolvida pelas pessoas seguras, os formandos, incluindo toda a actividade desenvolvida pelas pessoas seguras no percurso normal e directo de ida ou regresso entre a residência e o estabelecimento de ensino ou formação, pelo capital seguro de € 50.000 por pessoa segura. Eram pessoas seguras as formandas do IEFP, em curso ministrado em ... no Centro de Formação Profissional do Sector Terciário do Porto, denominado Inforfiel Formação Profissional, Lda., sito na Avenida ..., ..., ... ...: AA, BB, CC, DD, EE e FF. Eram beneficiários em caso de morte por acidente das referidas seguradas: - da pessoa segura AA, seus pais GG e HH; - da pessoa segura BB, seus pais, II e JJ; - da pessoa segura CC, seus pais KK e HH; - da pessoa segura, DD, seus pais LL e MM; - da pessoa segura EE, seus pais NN e OO; - da pessoa segura FF, seus pais PP e QQ. Em 16-09-2009, cerca das 13h15 horas, no trajecto do local de formação, e respectivos domicílios, na ..., em ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação do qual sobreveio a morte das referidas pessoas seguras. Em 07-03-2018 a A. pagou aos sobreditos beneficiários da apólice: - A GG e HH 56.564,38€; - A PP e QQ 57.309,59€; - A II e JJ € 58.991,78€; - A KK e a HH 58.991,78€; - A LL e MM 58.991,78€; e - A NN e OO 58.991,78€. Tais beneficiários declararam por escrito “Com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização. Com o recebimento do montante mencionado, considerar-se-á completamente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência do sinistro a que se reporta o processo acima indicado, dando assim plena quitação à Generali – Companhia de Seguros, e sub-rogando-a em todos os seus direitos, acções e recursos, contra possíveis responsáveis nos termos da lei”. À data do sinistro estava também em vigor contrato de seguro do ramo responsabilidade civil automóvel celebrado entre a Ré - como seguradora, e PP, como tomador e segurado, titulado pela apólice nº ...54, concernente à circulação do veículo de matrícula ...-...-SB, que deu causa ao sinistro - da qual pretende agora a A. ser reembolsada. * Contestando, a R. veio pugnar pela inexistência do direito invocado pela A., alegando: - A R. aceita a maioria dos factos alegados na petição inicial, relativos à dinâmica do sinistro; aceita a responsabilidade da condutora do veículo seguro; aceita os termos do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que a vincula; aceita já ter pago as indemnizações por danos morais às famílias das vitimas, e também aceita os termos essenciais do contrato de seguro que vincula a Generali, ora autora.
- A Ré assumiu a obrigação de pagar determinadas indemnizações, tendo-se clausulado que: “com o recebimento dos montantes acima acordados, os autores e intervenientes, por si e na qualidade de herdeiros das vitimas elencadas nas petições iniciais, declaram-se integralmente ressarcidos dos danos morais reclamados, designadamente, da perda do direito à vida, do dano moral próprio de cada um dos autores, bem como, de todos os outros eventuais danos, passados, presentes e futuros, que lhes advieram em consequência do acidente de viação versado nos presentes autos, nada mais tendo a reclamar ou a exigir da Ré Zurich Companhia de Seguros, S.A, atualmente Zurich Company – Sucursal em Portugal a este respeito, seja a que título for”. - Os mesmos pais das vítimas, e ainda os pais da condutora do veículo seguro na Zurich, intentaram outra acção à ora autora “Generali” - No dia 3 de Março de 2016 foi proferida sentença a condenar a “Generali” no pedido, tendo sido julgadas improcedentes todas as exceções por esta suscitadas.
Proferiu-se despacho Saneador-Sentença, onde, a final, se julgou procedente a excepção de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado, e, consequentemente, absolveu-se a Ré da instância, nos termos conjugados dos artigos 576º, nº 2, 577º, al. i), 2ª parte, 578º, 580, nºs 1 e 2, 581º e 595º, nº 1, al. a) todos do Código de Processo Civil, com custas pela A.
APELAÇÃO Não se conformando com a decisão proferida, dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes Conclusões: “I. O ac. do STJ proferido no proc. 1759/13.0TBPNF, transitado em julgado, não decidiu a invalidade da cláusula contratual do artº 23º/1 das condições gerais da apólice de seguro de acidentes pessoais invocada nos autos, nem que a autora não era titular de qualquer direito de sub-rogação dos beneficiários do seguro de acidentes pessoais com ela celebrado, mas apenas que, para aqueles beneficiários, era cumulável a prestação pré-determinada prevista neste seguro com a prestação indemnizatória prevista em seguro de responsabilidade civil automóvel. II. Aquele acórdão foi proferido em processo em que a ré Zurich não foi parte, não fazendo, pois, caso julgado nestes autos. III. Aquele acórdão não tem também autoridade de caso julgado, oponível pela ré à autora nos presentes autos, por não existir coincidência de sujeitos, pedidos e causa de pedir entre aqueles e estes autos (cf. artº 581º do CPC), não sendo a questão decidida a mesma, ou sequer prejudicial, em cada um dos processos. IV. A questão decidida naquele citado acórdão do STJ foi a de saber se eram, ou não, cumuláveis para o beneficiário as prestações, a cargo da seguradora, pré-determinadas de um seguro de acidentes pessoais com as prestações indemnizatórias, de um seguro de responsabilidade civil automóvel. V. Enquanto nos presentes autos a questão a decidir é a de saber se, em face do previsto no artº 181º do RJCS e de cláusula contratual de apólice de seguro de acidentes pessoais (a do art. 23º/1 das CG), prevista como convenção, possível, em contrário daquele preceito legal, pode, ou não, a seguradora desta apólice ser sub-rogada pelo beneficiário contra o terceiro lesante, exercendo direito de reembolso contra ele. VI. Em ambos os processos (i) as partes não são as mesmas, (ii) o pedido não é o mesmo, (iii) a causa de pedir não é a mesma, (iv) no sobredito acórdão do STJ de 08.02.2018 não foi decidida a invalidade ou exclusão da cláusula 23ª/1 da apólice de seguro de acidentes pessoais invocada pela autora, (v) muito menos – como parece pretender a sentença recorrida - nos termos e para os efeitos do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, (vi) nem sequer - como também pretende a sentença recorrida - que a autora não é titular de qualquer direito de sub-rogação dos beneficiários do seguro por si contratado, apenas, como se disse, que, para os beneficiários, as prestações dos dois seguros, de acidentes pessoais e de responsabilidade civil automóvel, eram cumuláveis. VII. Nada impede, pois, a autora de invocar contra a ré aquela dita cláusula contratual e o subsequente escrito sub-rogatório do facto 16, como convenção em contrário do previsto no artº 181º do RJCS, e, por via disso, a sub-rogação dos direitos dos beneficiários do seguro com ela celebrado contra o terceiro lesante e causador do sinistro gerador do risco, morte, coberto, no caso, a ré. VIII. Ao considerar que, no caso, se verificava a referida autoridade de caso julgado do sobredito acórdão do STJ a sentença recorrida fez, pois, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto nos artºs 576º/2, 577º, al. i), 2ª parte, 578º, 580º/1 e 2, 581º e 595º do CPC, devendo, como tal, ser revogada e substituída por acórdão que julgue tal questão como improcedente. Termos em que a presente apelação deverá ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se a acção intentada pela apelante procedente, com a condenação da apelada no pedido, com o que se fará Justiça.” ------------------------------
Contra-alegou a R., pugnando pela manutenção da decisão recorrida, alegando que a força do caso julgado manifesta-se em duas vertentes: por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada - exceção dilatória ou efeito negativo do caso julgado – e, por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente proferida implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie - autoridade ou efeito positivo do caso julgado.
Se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo anterior, sendo os mesmos os objetos, estamos perante a exceção do caso julgado pura; já se, pelo contrário, o objeto do processo anterior não abarca totalmente o objeto do processo subsequente, existindo neste uma extensão não abrangida no objeto do processo anterior, ocorrendo, porém, uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois objectos, verifica-se a autoridade de caso julgado. É o caso dos presente autos. Assim, seria de todo incompreensível que a Generali tivesse sido condenada a indemnizar nos termos do Ac. do STJ que decidiu a acção anterior, e que nesta acção pudesse exercer o recobro, quando a questão já tinha sido decidida. Invoca ainda que o facto de a Zurich não ter sido parte no primeiro processo, é irrelevante para se saber se há autoridade de caso julgado. O que para esse efeito releva é o facto da Generali ter sido parte no primeiro processo e ali poder ter exercido plenamente os seus direitos de defesa. Tendo-se a Generali defendido, no anterior processo, tem de ficar vinculada à decisão que considerou cumuláveis as indemnizações, mormente a do seu contrato de seguro facultativo. Assim, por força da autoridade do caso julgado, é manifesto que se impõe à Generali o decidido no Ac. do STJ proferido no proc. 1759/13.0TBPNF, do J4, o que conduz à improcedência da presente acção. * A Recorrida veio ainda requerer a Ampliação do objecto do Recurso, nos termos do art.º 636º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a título subsidiário, concluindo que “deve manter-se a douta decisão recorrida, e a absolvição da Ré como é da mais inteira e salutar Justiça!”.
[foram as seguintes as conclusões das alegações da recorrida: “Sem prescindir, e de qualquer forma, importa sublinhar que a Autora Generali não respondeu às exceções suscitadas pela Ré na contestação. Ora, como é evidente, esse silêncio, esse assentimento às posições da ré não pode deixar de ter consequências em termos processuais, as quais vão para além do vertido na douta sentença recorrida, quanto à autoridade do caso julgado. Assim, a ora Ré pagou, há cerca de seis anos, aos pais de cada uma das vítimas mortais do sinistro de Setembro de 2009, a compensação pela perda do direito à vida, e demais danos reclamados e relacionados. A acção judicial movida pelos mesmos pais das vítimas, e ainda pelos pais da condutora do veículo seguro na Zurich, à ora autora “Generali” correu termos pelo mesmo Tribunal ... (Comarca ..., a partir de 2014), onde ficou registada com o número 1759/13.0TBPNF, do J4. Nessa acção acabaram apensadas outras duas, movidas mais tarde, contabilizando-se um total de seis grupos de Autores, todos pais de seis das vítimas mortais do sinistro (os pais de uma das vítimas não interpuseram esta acção). No dia 3 de Março de 2016 foi proferida douta sentença a condenar a “Generali” no pedido, tendo sido julgadas improcedentes todas as exceções por esta suscitadas – cfr. cópia dessa douta sentença junta como Doc. nº 13 com a contestação de fls. . Importa sublinhar que foram analisadas diversas questões, nomeadamente: - Se o acidente dos presentes autos se tratou de um acidente in itinere; - se se verificou negligência grave da pessoa segura; - Se se verificou utilização de veículo terrestre não apropriado, nem autorizado para o transporte de passageiros); - Se tais cláusulas de exclusão são oponíveis aos Autores; - Se tais cláusulas enfermam de nulidade por esvaziarem e desprotegerem de modo ilegítimo e desproporcional os interesses dos terceiros beneficiários; - Se a situação dos presentes autos está enquadrada na cobertura do seguro em análise e deste modo assiste aos herdeiros legais de cada uma das vítimas, o direito a reclamar da Ré seguradora a indemnização prevista no contrato de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) para ressarcir o risco morte que veio a afetar cada uma das pessoas seguras. Do mesmo modo, importa sublinhar alguns factos dados como provados nessa acção, os quais vinculam a ora Autora Generali, e são aceites pela ora Ré, devendo assim igualmente ser dados como assentes nos presentes autos: Ponto 61 da douta sentença - A aqui Ré (Generali) foi devidamente interpelada por cada um dos aqui Autores para efetuar o pagamento da indemnização reclamada nos presentes autos, no passado dia 16 de Novembro de 2009 - F.A. 53. Ponto 62 - No entanto, a Ré (Generali) declarou expressamente que "...apesar da apólice de seguro em causa garantir o pagamento de um capital por morte das pessoas seguras, as circunstâncias em que o alegado acidente se verificou não estão abrangidas pelas garantias do respectivo contrato...”, comunicações essas que foram expedidas no passado dia 14 de Dezembro de 2009 - E.A. 54. Ponto 64 - As malogradas vítimas, enquanto formandas do tomador de seguro, não negociaram, nem contrataram qualquer contrato de seguro - F.A. 56. Ponto 82 - Em momento algum foram facultadas às malogradas vítimas cópias das condições gerais e especiais do sobredito contrato de seguro -B31 dos T.P. Ponto 77 - Os pais das passageiras do veículo ... já demandaram judicialmente, nos autos que, sob o no 614/10…, correram termos pelo ... Juízo deste mesmo Tribunal ..., a sobredita ZURICH com fundamento no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com ela celebrado e que tinha por objecto seguro o mencionado veículo ..., reclamando dela o pagamento dos prejuízos por eles sofridos com o acidente invocado nos autos, e, entre eles, o dano por morte da respectiva filha- F.A. 63. Ponto 78 - Nesses autos celebraram com aquela dita ZURICH em 26.03.2014 uma transacção judicial, homologada por sentença proferida nessa mesma data e transitada em julgado em 09.05.2014, por força da qual os autores GG e mulher HH receberam daquela dita seguradora a quantia de € 121.000, acrescida da de € 1.550, para compensação, além do mais, do dano de perda da vida de sua Filha (dano morte), nela declarando, na respectiva cláusula 8a, para além do mais, o seguinte: “Com o recebimento dos montantes acima acordados os Autores e Intervenientes, por si e na qualidade de herdeiros das vítimas elencadas nas Petições Iniciais, declaram-se integralmente ressarcidas dos danos morais reclamados, designadamente, da perda do direito à vida, do dano moral próprio das vítimas e do dano moral próprio de cada um dos Autores, bem como, de todos os outros eventuais danos, passados, presentes e futuros, que lhes advieram em consequência do acidente de viação versado nos presentes autos, nada mais tendo a reclamar ou a exigir da Ré Z... S.A., atualmente Zurich Company — Sucursal em Portugal a este respeito, seja a que título for; " - F.A. 64 e 65. Todas as exceções suscitadas pela Generali foram julgadas improcedentes. No que respeita às específicas cláusulas do contrato de seguro celebrado pela Generali com o IEFP, que esta seguradora invocou com excludentes da sua responsabilidade, o Tribunal ... decidiu : “O contrato de seguro é um seguro de grupo por ter sido celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum, sendo um seguro não contributivo, quando o tomador do seguro contribui na totalidade para o pagamento do prémio, (José Vasques, Ob. Cit., pág.48). O contrato em causa é ainda um típico contrato de adesão já que as cláusulas gerais do contrato foram propostas ao tomador do seguro, em bloco, não tendo ele possibilidade de lhes moldar o conteúdo, não tendo assim havido negociação individual, a não ser quanto ao tempo de vigência, ao capital seguro, ao beneficiários. (..) . Assim, nos termos do art. 1.º do DL. 446/85, de 25.10, (o diploma que estabelece, entre nós, o regime legal das cláusulas contratuais gerais, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei 220/95, de 31 de Agosto e pelo Dec-lei 249/99, de 7 de Julho), o regime das cláusulas contratuais gerais, doravante, ccg, tem de ser aplicar às cláusulas que não resultaram de prévia negociação particular, individual. Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção como parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um "dever de intimação" por parte do proponente. Mesmo que o aderente se não inteire, cabalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o em relação ao proponente. (…) Ora, in casu, apesar da Ré invocar as cláusulas contratuais gerais de exclusão por si referidas, nem sequer alegou (e muito menos provou) que tenha negociado e explicado ao tomador do seguro IEFP o teor das cláusulas que agora invoca em sede de contestação. E muito menos resulta que tais cláusulas tenham sido comunicadas ás malogradas seguradas, mormente as menores de idade, ou que estas tenham sido informadas daquelas.Com efeito, a Ré nem sequer alegou, e muito menos provou (et pour cause), o conhecimento completo e efectivo das cláusulas de exclusão por si invocadas, por parte da Sendo certo que o art.º 78. º do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04, impõe o ónus do tomador do seguro de informar e esclarecer os aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assumido. (…) Nessa conformidade, afigura-se que o factualismo provado acima destacado permite, ainda assim, imputar, direta e pessoalmente, à R. Seguradora a violação culposa do dever de informação ao tomador do seguro, de modo a obstar à subsequente e cabal informação deste aos aderentes-segurados sobre o teor das cláusulas de que se pretende agora prevalecer. Em suma, muito embora seja de acolher aqui a orientação normativa jurisprudencial seguida no acórdão-fundamento, em detrimento da perfilhada no acórdão recorrido, ainda assim, atendendo ao circunstancialismo especificamente provado no presente caso, que diverge em parte essencial da situação versada naquele acórdão-fundamento, na esteira do também ali doutrinado, quanto ao dever de informação por parte da seguradora, considera-se que, face a tal circunstancialismo, se mostra imputável à R. Seguradora, a título de negligência, a omissão do dever de informação do conteúdo das cláusulas contratuais de que se pretende prevalecer, em relação ao tomador do seguro. o que, consequentemente, se afigura obstativo do cabal cumprimento do subsequente dever de informação por parte desse tomador perante os segurados—aderentes. Nesta linha de entendimento, não nos resta senão concluir pela exclusão de tais cláusulas.' O que implica que as invocadas cláusulas constantes das als.a) e g) do n.º 1 do art.ª 7 º das condições gerais têm de se considerar excluídas do contrato, nos termos do art. 8º a) do DL. 446/85 regulador das ccg. Este entendimento tem autoridade de caso julgado em relação à Generali, como, aliás, se decidiu e muito bem na douta sentença recorrida. Acresce que e por esta ordem de razões, igualmente a cláusula nº 23º nº 1 das condições gerais do contrato celebrado entre a Generali e o IEFP deve ser considerada excluída, até por via dos factos provados na sentença, Esta alegação da Ré configura defesa por exceção, a qual não obteve resposta da Generali, que assim assentiu à tese da contestação. Daí que, independentemente do vertido na douta sentença recorrida, que se limitou a extrair a devida força da autoridade do caso julgado, deve sempre e de qualquer forma a cláusula nº 23º nº 1 das Condições Gerais do contrato celebrado entre a Generali e o IEFP ser considerada excluída, nula ou de nenhum efeito. É o que se requer, nos termos do disposto no art.º 636º nº 1 do C.P.C., o qual dispõe que o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte decaiu, desde que esta o requeira. Note-se, de qualquer modo, que a douta sentença do Tribunal ... acima referida foi objecto de recurso por parte da Generali, e no dia 24 de Março de 2017 foi proferido douto acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual decidiu (ao contrário de anterior Ac. da Relação) que a apólice de seguro celebrado entre a Generali e o IEFP cobria o sinistro em discussão, por se entender que o mesmo ocorreu no trajeto direto entre o local da formação e o domicilio das jovens, ordenando ainda a baixa dos autos à Relação para apreciação de outras questões, designadamente invocadas pela Ré, que ficaram prejudicadas pelo anterior Acórdão – cfr cópia desse douto acórdão junto como Doc. nº 14 com a contestação de fls. . No dia 12 de Setembro de 2017 foi proferido douto Acórdão pela Relação do Porto, o qual, no essencial decidiu o seguinte : “No seguro de grupo, salvo acordo em contrário, compete ao tomador do seguro o dever de informar o segurado das cláusulas contratuais gerais (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro) e suas alterações, devendo, para tanto, delas ter integral conhecimento. As prestações devidas em virtude do seguro obrigatório automóvel são cumuláveis com quaisquer outras relativas a seguro de acidentes pessoais.” Vide cópia desse Ac. da Relação - Doc. nº 15 com a contestação de fls. . A “Generali” apresentou alegações de recurso para o S.T.J., nos termos da cópia junta como Doc. nº 16 com a contestação de fls. .
Nestas alegações a Generali alega todo o tipo de argumentos para se furtar à responsabilidade, e invoca ainda o seguinte: “Ora, a verdade é que, com o pedido formulado nestes autos os recorridos estão a tentar obter um benefício com a morte de suas filhas, ao tentarem beneficiar de um seguro que nunca teve por intenção, nem do seu tomador, o IEFP, nem da seguradora, a GENERALI, atribuí-lo !!! Obtendo, de um lado, como já obtiveram ao abrigo de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, uma indemnização pelo dano morte do responsável civil pela produção do acidente, a ZURICH. E procurando obter, por outro lado, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes pessoais em análise nos autos, o capital seguro pelo facto morte da GENERALI, aqui recorrente. Inviabilizando depois, com esta sua pretensão, o seu dever contratual de subrogar esta seguradora nos direitos que aqueles tiverem sobre terceiros, assim impedindo o direito desta a essa sub-rogação e, como tal, a obter o reembolso do que vier a pagar! Ou seja, recebendo de dois lados, pelo mesmo facto (a morte), de um lado uma indemnização e do outro um capital, obtendo, com isso, um benefício efetivo que ninguém lhes quis conceder e causando, a jusante, um prejuízo efectivo à recorrente, que não poderá reclamar da ZURICH o reembolso de um dano que ela já pagou. Ou seja, nessa altura, a ora Autora Generali sabia que o direito ora alegado não existe, e que a sub-rogação é inviável (palavras suas). Daí este alerta, sábio, douto, e avisado, mas totalmente contraditório com a propositura da presente acção, e, por maioria de razão, com o presente recurso. O douto acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 2018 julgou a causa em definitivo, o que determinou o trânsito em julgado dessa decisão – cfr. cópia desse douto acórdão junto como Doc. nº 17 com a contestação de fls. . Este douto acórdão manteve a condenação da Generali, julgou igualmente improcedentes as exceções suscitadas e, no que respeita ao direito de sub-rogação da Generali, trave mestra da tese exposta nos presentes autos, decidiu o seguinte: “p. 29. No caso vertente, a prestação que é reclamada corresponde, não ao risco de sinistro rodoviário, mas ao risco, expressamente referido, de "acidentes que possam ocorrer durante e por causa da formação" com efeito, o risco é aquele — acidentes pessoais que acrescidamente resultam para os jovens beneficiários que vão participar em ações de formação que impõem uma presença continuada não apenas no local de formação como noutros locais onde sejam prestadas atividades correlativas ou relacionadas com a formação (v.g. visitas de estudo) incluindo—se os acidentes decorrentes das deslocações nos percursos diretos entre o domicílio e o local de ação e retorno. p. 31. Podendo, assim, verificar—se, no âmbito do seguro de acidentes pessoais, situações em que o acidente seja um acidente que é também um acidente abrangido pela responsabilidade civil automóvel, certo é que o risco para os beneficiários do seguro de pessoas serem vítimas de um sinistro daquela natureza é muito maior porque elas estão obrigadas a deslocações continuadas durante o período da formação. E obviamente o prémio da seguradora reflete este risco acrescido, incidente sobre um universo de 20000 beneficiários, que desgraçadamente veio a verificar-se em relação às jovens, falecidas filhas dos autores. p. 32. Compreende-se, assim, que a lei tenha acautelado as situações que implicam o particular risco de acidentes incidente sobre os estudantes ou formandos das ações de formação realizadas pelo IEFP, justificando—se plenamente uma cumulação de responsabilidades mesmo no caso de a prestação, no caso dano de morte, poder ser ressarcível nos termos de outro seguro, designadamente o seguro de responsabilidade civil automóvel quando o acidente seja um acidente de viação. p. 33 - O artigo 133º nº 1 do RJCS tem em vista um mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período". Nesses casos compreende—se que o segurado deve informar dessa circunstância todos os seguradores, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro" acautelando—se o princípio indemnizatório. Pressupõe—se que o risco coberto seja o mesmo, situação que não se verifica no caso vertente. p. 34 - A cláusula de sub-rogação que a ré considera aplicável no caso por força do artigo 23º nº 1 das condições gerais da apólice de seguro de acidentes pessoais — segundo a qual uma vez liquidada a indemnização a Pessoa Segura, os Beneficiários ou Herdeiros, sub—rogam a Seguradora em todos os seus direitos, ações e recursos contra terceiros responsáveis pelo Acidente até à concorrência do valor indemnizatório relevará se se pressupuser uma não cumulação de seguros. Ela, no entanto, é excluída pelo artigo 181º do RJCS (redação anterior à que foi dada pelo Decreto—Lei n. 147/2015, de 9 de setembro, posterior ao sinistro ocorrido no caso em apreço) que prescreve salvo convenção em contrário, o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub—rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro” P. 35. Por isso, a considerar—se que a prestação em causa constitui uma prestação de valor predeterminado (50. 000€) verificado o evento lesivo morte do beneficiário nas condições previstas na apólice seguradora não fica, após a satisfação destas, sub-rogada nos direitos do beneficiário.” – destacados e sublinhados nossos. É assim manifesto que a Generali não dispõe do direito a que se arroga, quer pelas suas próprias palavras, expressas nas anteriores alegações de recurso, quer pelo consignado neste Acórdão do S.T.J. de 8-2-2018 que decidiu a final a acção onde a mesma foi Ré… (com autoridade de caso julgado). De facto, e nos termos do disposto no artigo 181º da Lei do Contrato de Seguro “Salvo convenção em contrário, o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro”. Invoca a Generali que o disposto no artigo 23º nº 1 das Condições Gerais do Contrato constitui a “convenção em contrário”, permitindo assim a sub-rogação. Nada de mais falso, para não dizer pior, como se conclui pela leitura global do ac. do stj atrás citado e transcrito, e pelas anteriores alegações de recurso da Generali, que devem ser dadas por reproduzidas, e “matam” a questão. O disposto no referido artigo 23º nº 1 não constitui “convenção em contrário”, por várias ordens de razões. Uma convenção em contrário, para ser válida, tem de ser anterior à celebração do contrato, conhecida de ambos os contraentes, e expressa com a devida clareza, e, claro, clausulada por acordo dos contraentes. E, acima de tudo, tem de ser convencionada entre quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a convenção. Nada disso se passou. De facto, e precisamente em comentário ao disposto no artigo 181º da LCS: “De acordo com a nova disposição, o carácter indemnizatório da prestação parece dever ser ressalvado mediante convenção em contrário, e ser patente; em caso de dúvida quanto à natureza indemnizatória da prestação, só lhe poderá ser atribuída essa natureza (permitindo, em consequência, a sub-rogação), se uma expressa e clara previsão contratual assim o definir. (…) A convenção em contrário que permita a sub-rogação do segurador deve ser escrita em caracteres destacados (o artº 37º nº 3 da LCS reporta-se a caracteres destacados, e de maior dimensão) e sujeita ao regime do dever especial de esclarecimento (artº 22º da LCS)” – Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Romano Martinez, 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 500. Ora, como se provou na acção movida pela Generali, as cláusulas do contrato de seguro celebrado com o IEFP não foram previamente comunicadas às beneficiárias, que nunca tiveram conhecimento do tipo de contrato celebrado, nem de nenhuma das suas cláusulas. E, naturalmente, nunca as discutiram, nem houve acordo para a sua inclusão. Não ocorreu, por conseguinte, uma convenção prévia entre os beneficiários e a seguradora Generali, como se provou. Só esse tipo de convenção é que podia ter o sentido de “convenção em contrário”, pois só as beneficiárias é que podia ser beneficiadas ou prejudicadas com essa dita convenção. De resto, essa convenção teria de ter um destaque que nunca teve.
Por seu lado, as menções nos recibos de quitação elaborados pela Generali, e para seu único proveito, também não têm valor algum, por não serem prévias, e por sofrerem de uma falta de rigor afrontosa, devidamente ilustrada pela referência a “danos patrimoniais” que não se encontram em causa…
Estes recibos foram emitidos de “chapa”, ou seja, serviam para todo o tipo de sinistros, não tendo a mínima relevância para os fins que a Generali pretende. Improcede, por conseguinte, a alegação da autora, o que conduz, desde logo, à improcedência dos fundamentos do seu insólito recurso, apesar de muito douto. Sem prescindir Falham por completo os pressupostos da sub-rogação, que é anulada pelas circunstâncias do caso concreto. De facto, mesmo a admitir-se – e não se admite – a sub-rogação, mesmo assim a Generali não pode ser reembolsada das importâncias que despendeu, por uma razão muito simples: por via do instituto da sub-rogação a Generali iria colocar-se na pessoa dos beneficiários da indemnização. Ou seja atuaria como se fosse o beneficiário da indemnização. Ora, esses beneficiários da indemnização declararam, por escrito, nos recibos de indemnização emitidos em favor da ora Ré, que se consideram “integralmente ressarcidos dos danos morais reclamados, designadamente, da perda do direito à vida, do dano moral próprio da vitima e do dano moral próprio de cada um dos declarantes, bem como de todos ou outros eventuais danos, passados, presentes e futuros, que lhes advieram em consequência do acidente de viação versado na referida acção, pelo que nada mais têm a exigir, reclamar ou a receber da “Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal”, passando o presente e definitivo recibo sem qualquer reserva” Esta declaração, daqueles em que a Generali se pretende sub-rogar, não podia ser mais clara. Ou seja, da “Zurich” estes beneficiários nunca mais podem receber importância alguma que se refira ao sinistro. Já receberam tudo - nada mais têm a receber. E, por isso, sempre a putativa sub-rogação sucumbiria perante a declaração…. dos próprios beneficiários, ainda que transformados em Companhia de seguros. Os beneficiários já receberam a indemnização pela perda do direito à vida, como admitem, pelo que tal indemnização está paga, sendo certo que a Zurich não pode pagar duas vezes o mesmo dano, como a Generali alertou por várias vezes – cfr. o disposto no artigo 128º da LCS, que se invoca para os devidos e legais efeitos. Esta solução nada tem de injusta, pois a Generali recebeu o prémio de seguro, como admite, ao longo dos anos, e logo à razão de Eur. 150 000, 00 por ano, o que perfaz, em dez anos, mais de Eur. 1 500 000, 00. A presente acção é mero pretexto para manter este fabuloso recebimento, e nada ter de pagar, em termos líquidos. Acresce que O contrato que vincula a Generali é um contrato que sempre a obrigaria a pagar, fosse qual fosse a circunstância, houvesse ou não um responsável civil, em caso de acidente. Ou seja, se as meninas caíssem a um poço, com o mesmo resultado, a Generali teria de pagar o prémio em caso de morte. Se uma das beneficiárias fosse atropelada mortalmente, ao regressar a casa, com culpa sua, a Generali teria de pagar o prémio. Ou seja, houvesse ou não culpa de terceiro, sempre a Generali teria de pagar. É o facto que faz funcionar o seguro. Se sempre tinha de pagar, então cumpre uma obrigação própria, e ao cumprir uma obrigação própria, não se pode sub-rogar em veste alheia, não se pode colocar no lugar das vítimas mortais. Se cumpre uma obrigação própria, é essa que tem de cumprir, e nada mais. Ainda sem prescindir – a exclusão legal. Nunca por nunca poderá a Ré reembolsar a indemnização que a Generali pagou aos pais da condutora do veículo seguro, de matrícula ...-...-SB, de seu nome PP e mulher QQ. De facto, e nos termos do disposto no artigo 14º nº 1 da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade civil automóvel, “Excluem-se da garantia do seguro os danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável pelo acidente, assim como os danos decorrentes daqueles.” Esta é uma exclusão legal, que se aplica em qualquer circunstância. Daí que o eventual recobro em relação às quantias pagas ao casal PP e mulher QQ nunca possa proceder. O que, aliás, demonstra e ilustra que a indemnização paga pela Generali é cumulável com a da Zurich, e não pode haver sub-rogação da Generali. Ainda sem prescindir – os juros pagos pela Generali Os juros pagos pela “Generali” não podem, de forma alguma, ser objecto de reembolso pela Zurich. Na realidade, esses juros tiveram fonte contratual, ou seja, foram contados a partir da interpelação, ocorrida logo em Novembro de 2009 (facto provado). Esses juros têm como causa o comportamento da Generali, que negou o pagamento extra-judicial aos beneficiários, obrigando-os à propositura de acções judiciais, e das inerentes delongas. Só o comportamento, aliás pouco compreensível, da Generali é que determinou a delonga de dez anos pois, repete-se, esta foi logo interpelada em 2009, no ano do sinistro. Não faz, assim, sentido que a Zurich tenha de reembolsar esses juros, emergentes, unicamente, do comportamento da Generali. A Zurich entende nada ter a pagar à Generali mas, se algo tivesse a pagar, será unicamente os montantes da indemnização em si, do capital seguro (Eur. 50 000, 00), até porque nunca atrasou, de modo algum, o recebimento das verbas reclamadas pela Generali.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exªs doutamente suprirão, deve manter-se a douta decisão recorrida, e a absolvição da Ré como é da mais inteira e salutar Justiça!”] Foi proferido Acórdão que julgou improcedente a apelação e “Por força da ampliação do recurso efectuada pela Recorrida, julga-se a acção contra si interposta improcedente, absolvendo-se em consequência a R. do pedido.” Inconformada, veio a Autora Companhia de Seguros Generali Seguros SA interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, oferecendo as correspondentes alegações, que culminam com as seguintes conclusões: I. O contrato de seguro invocado pela recorrente é um seguro de pessoas, de acidentes pessoais, regulado pelas condições gerais, especiais e particulares da respectiva apólice, nela se incluindo o caderno de encargos, em tudo em que não contrarie a lei, e pelo previsto nos art. 175º a 182º e 210º a 212º da LCS (Lei do Contrato de Seguro: DL. 72/08, de 16 de Abril). II. Prevê o art. 181º da LCS: “Salvo convenção em contrário, o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro.” (negrito nosso). III. No caso daquele dito contrato estamos perante uma prestação de valor predeterminado, a de € 50.000 para o risco morte por acidente, mas houve convenção em contrário do previsto naquele preceito legal, a estatuída no artº 23º/1 das «condições gerais» da apólice de seguro entre tomador e seguradora, a saber: “1- Uma vez liquidada a indemnização a Pessoa Segura, os Beneficiários ou Herdeiros, sub-rogam a Seguradora em todos os seus direitos, acções e recursos contra terceiros responsáveis pelo Acidente até à concorrência do valor indemnizado.” (sic), ali consagrada precisamente para esse único fim, sob pena de nenhum outro lhe poder ser reconhecido, e que é, pois, uma convenção em contrário, para efeitos do dito artº 181º da LCS, tendo sido negociada com o tomador IEFP, sem precisar de o ser com as pessoas cobertas (cerca de 20.000 !) e, muito menos, com os beneficiários do seguro. IV. Houve ainda a declaração sub-rogatória escrita feita em 07.03.2018 por cada um dos sobreditos beneficiários da mesma apólice a favor da seguradora ao receberem aquela referida prestação da recorrente (facto 16). V. Acordo subrogatório feito, pois, antes e depois da verificação do risco coberto, por força do qual os beneficiários do seguro de acidentes pessoais ficaram (i) obrigados a subrogar, (ii) receberam a prestação da recorrente e (iii) depois subrogaram, de facto, nesta última os direitos que lhes assistiam contra a recorrida pelo facto morte das pessoas seguras. VI. Todos aqueles ditos beneficiários subrogaram, como tal, a recorrente nos direitos indemnizatórios que lhes assistiam pela morte das pessoas seguras, por força do acidente acima descrito, contra a recorrida. VII. Ao contrário do agora entendido pelo douto acórdão recorrido, face à citada cláusula contratual do artº 23º e ao subsequente escrito subrogatório, nada impede, que ao cumprir com a prestação de pagamento de quantia determinada prevista no contrato de seguro de acidentes pessoais a recorrente, ainda que o tivesse feito por força de obrigação prevista nesse mesmo contrato e, como tal, nessa medida própria, porque ali prevista para ela, fique sub-rogada nos direitos do beneficiário da sua prestação e ali credor. Como, de resto, acontece em todos os casos, como o em apreço, em que, por força de contrato ou da lei, alguém, no cumprimento do que é uma obrigação própria, é chamado a pagar primeiro, funcionando como mero garante da obrigação de um terceiro e, como tal, cumprindo uma obrigação alheia, a deste, mas ficando depois sub-rogado nos direitos do seu credor contra esse terceiro responsável, a isso em nada obstando o facto de primeiramente ter cumprido com uma obrigação própria, a de garante de uma obrigação alheia (ex. do FGA, que, no cumprimento de uma obrigação prevista na lei, no caso o DL. 291/07, paga ao lesado e fica sub-rogado no direito deste contra o 3º responsável civil; do hospital que, no cumprimento de uma obrigação, de assistência hospitalar própria, fica sub-rogado no direito do assistido contra o 3º responsável civil; da seguradora de acidentes de trabalho que, no cumprimento de uma obrigação própria, paga e presta assistência, em espécie, ao lesado e fica depois sub-rogada no direito deste contra o 3º responsável civil; etc). III. Só, de resto, assim se compreendo e se lhes podendo dar algum sentido, como se impõe, os citados cláusula e escrito contratuais de sub-rogação, por a obrigação da recorrente, sendo própria, apenas na medida em que deriva do contrato de seguro, funcionar, perante o beneficiário/credor, como mera garantia da obrigação de indemnização de terceiro, traduzindo-se, pois, nessa medida, no cumprimento de uma obrigação alheia. IX. Sendo assim a recorrente - ao contrário do concluído pelo tribunal recorrido – é titular do direito de acção e de reembolso contra a recorrida pelo que pagou a cada um daqueles ditos beneficiários, ainda que, se necessário, se considere aquele direito como atípico, que “mais não é do que um direito de reembolso das quantias pagas, com uma natureza diferente da do direito do lesado e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito”. X. Ao não o reconhecer o douto acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do previsto no artº 23º das «condições gerais» da apólice de seguro de acidentes pessoais, do artº 181º da LCS e dos artºs 589º e ss do Código Civil, devendo, como tal, ser revogado e substituído por acórdão que, julgando a acção procedente, condene a recorrida no pedido.
A Ré ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL apresentou contra-alegações, nas quais arguiu fundamentos de recurso a título subsidiário, nos termos do art. 636.º do CPC: da autoridade do caso julgado; da nulidade ou exclusão da cláusula 23.º, n.º 1, das Condições Gerais do Contrato de Seguro; da exclusão legal por força do art. 14.º, n.º 1, da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel; da inexigibilidade de pagamento dos juros. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa.
1. Admissibilidade do recurso A 1.ª instância absolveu a ré da instância por julgar procedente julgou procedente a excepção de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado. Por seu lado, o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu do mérito da acção, absolvendo a ré do pedido, ao considerar que não se mostravam preenchidos os pressupostos da sub-rogação previstos na lei civil. Estamos, assim, perante uma nova fundamentação jurídica trazida pelo acórdão recorrido, pelo que inexiste dupla conforme, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC. Deste modo, em face do valor da causa € 349 841,09, o valor da sucumbência (superior a € 15 000,00), a legitimidade da recorrente e o teor do acórdão recorrido, o presente recurso de revista é admissível, nos termos dos arts. 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC.
2. Thema decidendum Em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a decidir são: - Da interpretação e aplicação do instituto da sub-rogação, cfr. arts. 592.º e 593.º do CC, e - Da interpretação e aplicação do art. 181.º da Lei do Contrato de Seguro e da cláusula 23.º das Condições Gerais do contrato de seguro de acidentes pessoais. Em caso de procedência do recurso, deverão ser apreciadas as questões constantes da ampliação do objecto do recurso apresentadas pela recorrida: - Da autoridade do caso jugado; - Da nulidade ou exclusão da cláusula 23.º, n.º 1, das Condições Gerais do Contrato de Seguro; - Da exclusão legal por força do art. 14.º, n.º 1, da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel; - Da inexigibilidade de pagamento dos juros. Apreciando: A - Da interpretação e aplicação do instituto da sub-rogação, cfr. arts. 592.º e 593.º do CC: Antes do mais, importa aqui reproduzir a factualidade considerada assente pelas instâncias: 1. Em 16-04-2009, foi emitida pela A. a apólice de seguro nº ...44, em que é tomador o IEFP, Instituto do Emprego e Formação Profissional, na qualidade de tomador, com início em 01-04-2009 e termo em 01-04-2010, sendo pessoas seguras os formandos a frequentar cursos de formação nos centros de formação do tomador de seguro, cobrindo por pessoa, em caso de morte, a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros). 2. No art. 23º, nº 1, das condições gerais da referida apólice lia-se: “Uma vez liquidada a indemnização a Pessoa Segura, os Beneficiários ou Herdeiros, sub-rogam a Seguradora em todos os seus direitos, acções e recursos contra terceiros responsáveis pelo Acidente até à concorrência do valor indemnizado.” 3. Em 16-09-2009, eram formandas do referido IEFP, Instituto do Emprego e Formação Profissional, em curso ministrado em ... no Centro de Formação Profissional do Sector Terciário do Porto, denominado Inforfiel Formação Profissional, Lda., sito na Avenida ..., ..., ... ...: 3.1. AA, filha de GG e HH; 3.2. BB, filha de II e JJ; 3.3. CC, filha de KK e HH; 3.4. DD, filha de LL e MM; 3.5. EE, filha de NN e OO; 3.6. FF, filha de PP e QQ; e 3.7. RR, filha de SS e TT. 4. Em 16-09-2009, cerca das 13h15 horas, no trajecto do local de formação, supra indicado e respectivos domicílios, na ..., também denominada ..., em ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação do qual resultou a morte de AA, BB, CC, DD, EE, RR, e FF. 5. As falecidas seguiam no veículo de matrícula ...-...-SB, conduzido por FF. 6. À data a responsabilidade infortunística adveniente da circulação rodoviária do veículo ..-..-SB estava transferida para a Ré. 7. Correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial ... o Proc. nº 614/10…, em que foram autores NN e OO; UU e TT; KK e HH; LL e MM; e GG e HH e ré a aqui R. ZURICH – COMPANHIA DE SEGUROS S.A., como seguradora do veículo ..-..-SB. 8. Em tais autos, em 26-02-2014, as partes transigiram, nos seguintes termos: “1ª - Os Autores, II e JJ, reduzem o pedido à quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida da quantia de € 1.098,00 (mil e noventa e oito euros) relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro; 2ª - Os Intervenientes, UU e TT, reduzem o pedido à quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida da quantia de € 1.450,00 (mil quatrocentos e cinquenta euros) relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro; 3ª - Os Intervenientes, NN e OO, reduzem o pedido à quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida da quantia de € 2.460,00 (dois mil quatrocentos e sessenta euros) relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro; 4ª - Os Intervenientes, KK e HH, reduzem o pedido à quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida da quantia de € 1.720,00 (mil setecentos e vinte euros) relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro; 5ª - Os Intervenientes, LL e MM, reduzem o pedido à quantia de €100.000,00 (cem mil euros) acrescida da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro; 6ª - Os Autores, GG e HH, reduzem o pedido à quantia de €121.000,00 (cento e vinte e um mil euros) acrescida da quantia de € 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros), relativa a despesas de funeral suportadas em consequência do sinistro - cfr. fls. 55 do apenso B; 7ª - A Ré, Zurich, Companhia de Seguros S.A, atualmente Zurich Company -Sucursal em Portugal, assume a obrigação de pagar os montantes acima referidos, no prazo de 45 dias, contra recibo e mediante cheque a enviar para o escritório dos Ilustres Mandatários dos Autores e Intervenientes; 8ª - Com o recebimento dos montantes acima acordados os Autores e Intervenientes, por si e na qualidade de herdeiros das vítimas elencadas nas Petições Iniciais, declaram-se integralmente ressarcidas dos danos morais reclamados, designadamente, da perda do direito à vida, do dano moral próprio das vitimas e do dano moral próprio de cada um dos Autores, bem como, de todos os outros eventuais danos, passados, presentes e futuros, que lhes advieram em consequência do acidente de viação versado nos presentes autos, nada mais tendo a reclamar ou a exigir da Ré Zurich, Companhia de Seguros S.A, atualmente Zurich Company - Sucursal em Portugal a este respeito, seja a que título for;”. 9. Tal transacção foi homologada por sentença proferida na mesma data, já transitada em julgado. 10. Na sequência de tal transacção, a R. pagou: 10.1. A II e JJ, na qualidade de herdeiros de sua filha BB, em 04-04-2014, a quantia de 101.0980,00€ (fls. 107-109); 10.2. A UU e TT, na qualidade de herdeiros de sua filha RR, em 04-04-2014, a quantia de 101.450,00€ (fls. 94-98); 10.3. A LL e MM, na qualidade de herdeiros de sua filha DD, em 04-04-2014, a quantia de 101.500,00€ (fls. 99-102); 10.4. A KK e HH, na qualidade de herdeiros de sua filha CC, em 04-04-2014, a quantia de 101.720,00€ (fls. 103-106); 10.5. A GG e HH, na qualidade de herdeiros de sua filha AA, em 04-04-2014, a quantia de 122.550,00€ (fls. 110-112); 10.6. A NN e OO, na qualidade de herdeiros de sua filha EE, em 05-05-2014, a quantia de 102.460,00€ (fls. 113-114); ------------------- 11. Correu termos pela Instância Central ..., Secção Cível, J4, Proc. nº 1759/13.0TBPNF, em que foi demandada a aqui A. GENERALI -COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., como seguradora do IEFP, na qual foram autores: 11.1. II e JJ; 11.2. KK e HH; 11.3. LL e MM; 11.4. NN e OO; 11.5. PP e QQ; 11.6. GG e HH; 11.7. PP e QQ (Apenso A); e 11.8. GG e MM (Apenso B). 12. Em tais autos, alegam os AA., em síntese que, no dia 16 de Setembro de 2009, na ..., ocorreu um violento acidente entre os veículos de matrícula ..-AD-.. e de matrícula ..-..-SB, onde seguiam, para além da condutora, as suas filhas, respectivamente, BB, CC, DD, EE, FF e HH, como passageiras desse veículo, em consequência do qual as suas filhas vieram a falecer. Mais alegaram que à data do acidente as vítimas frequentavam cursos técnicos promovidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, e que. por isso, beneficiavam de um seguro contra acidentes pessoais, ocorridos durante e por causa da formação, resultante do contrato de seguro de acidentes pessoais que o IEFP celebrou com a aqui Ré. Terminam pedindo a condenação da seguradora no pagamento da quantia de €57.534,25 para cada casal de pais, acrescida de juros legais contados sobre o capital em dívida desde o dia 23 de Agosto de 2013 até efectivo e integral pagamento. 13. Em 03-03-2016, foi proferida sentença em tais autos condenando a A. a pagar: 13.1. Aos Autores GG e mulher, HH a quantia de €50.000,00, acrescida de juros legais de mora vencidos até 21 de Novembro de 2014, no montante de €6.882,19 e ainda acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos a contar daquela data até efectivo e integral pagamento; 13.2. Aos Autores II e JJ a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros legais moratórios vencidos até 22 de Agosto de 2013 que perfazem a quantia de €7.534,25 e acrescida dos juros legais moratórios vencidos e vincendos desde aquela data até efectivo e integral pagamento; 13.3. Aos Autores KK e HH a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros legais moratórios vencidos até 22 de Agosto de 2013 que perfazem a quantia de €7.534,25 e acrescida dos juros legais moratórios vencidos e vincendos desde aquela data até efectivo e integral pagamento; 13.4. Aos Autores LL e MM a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros legais moratórios vencidos até 22 de Agosto de 2013 que perfazem a quantia de €7.534,25 e acrescida dos juros legais moratórios vencidos e vincendos desde aquela data até efectivo e integral pagamento; 13.5. Aos Autores NN e OO a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros legais moratórios vencidos até 22 de Agosto de 2013 que perfazem a quantia de €7.534,25 e acrescida dos juros legais moratórios vencidos e vincendos desde aquela data até efectivo e integral pagamento; 13.6. Aos Autores PP e mulher QQ a quantia de €50.000,00, acrescida de juros vencidos até 10 de Julho de 2014 no montante de €136,99 e acrescida dos juros vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal, desde aquela data até efectivo e integral pagamento. 14. Tal sentença veio a ser confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2018 (fls. 342-370), transitado em julgado em 26-02-2018 (fls. 305), no qual se lê, a propósito da cláusula transcrita acima no ponto 2.: “A cláusula de sub-rogação que a ré considera aplicável no caso por força do artigo 23º nº 1 das condições gerais da apólice de seguro de acidentes pessoais — segundo a qual uma vez liquidada a indemnização a Pessoa Segura, os Beneficiários ou Herdeiros, sub-rogam a Seguradora em todos os seus direitos, acções e recursos contra terceiros responsáveis pelo Acidente até à concorrência do valor indemnizatório relevará se se pressupuser uma não cumulação de seguros. Ela, no entanto, é excluída pelo artigo 181º do RJCS (redacção anterior à que foi dada pelo Decreto - Lei nº 147/2015, de 9 de Setembro, posterior ao sinistro ocorrido no caso em apreço) que prescreve salvo convenção em contrário,o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro” (…) Por isso, a considerar-se que a prestação em causa constitui uma prestação de valor predeterminado (50.000€) verificado o evento lesivo morte do beneficiário nas condições previstas na apólice seguradora não fica, após a satisfação destas, sub-rogada nos direitos do beneficiário.”.
15. Na sequência de tal decisão a A. pagou: 15.1. A GG e HH, herdeiros de AA, em 26-03-2018, a quantia de € 56.564,38, sendo destes € 50.000,00 a título de capital seguros e os restantes € 6.564,38 a título de juros (doc. 3 da PI de fls. 24); 15.2. A PP e QQ, herdeiros de FF, em 26.03.2018, a quantia de € 57.309,59, sendo destes € 50.000,00 a título de capital seguros e os restantes € 7.309,59 a título de juros (cf. doc. 4); 15.3. A II e JJ, herdeiros de BB VV, em 16.03.2018, a quantia de € 58.991,78, sendo destes € 50.000,00 a título de capital seguros e os restantes € 8.991,78 a título de juros (cf. doc. 5); 15.4. A KK e a HH, herdeiros de CC, em 16.03.2018, a quantia de € 58.991,78, sendo destes € 50.000,00 a título de capital seguros e os restantes € 8.991,78 a título de juros (cf. doc. 6); 15.5. A LL e MM, herdeiros de DD, em 16.03.2018, a quantia de €58.991,78, sendo destes €50.000,00 a título de capital seguros e os restantes €8.991,78 a título de juros (cf. doc. 7); 15.6. A NN e OO, herdeiros de EE, em 16.03.2018, a quantia de €58.991,78, sendo destes €50.000,00 a título de capital seguros e os restantes € 8.991,78 a título de juros (cf. doc. 8). 16. Aquando destes pagamentos, os herdeiros das sinistradas falecidas declararam por escrito: “Com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização. Com o recebimento do montante mencionado, considerar-se-á completamente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência do sinistro a que se reporta o processo acima indicado, dando assim plena quitação à Generali – Companhia de Seguros, e subrogando-a em todos os seus direitos, acções e recursos, contra possíveis responsáveis nos termos da lei”. Invoca a recorrente Generali que inexiste qualquer impeditivo legal na sub-rogação convencionada em sede de contrato de seguro e através de declaração posterior sub-rogatória, escrita em 07.03.2018, por cada um dos beneficiários desta apólice a favor da seguradora ao receberem aquela referida prestação da recorrente. Alega, em sede de conclusões (aqui repetindo), que “como, de resto, acontece em todos os casos, como o em apreço, em que, por força de contrato ou da lei, alguém, no cumprimento do que é uma obrigação própria, é chamado a pagar primeiro, funcionando como mero garante da obrigação de um terceiro e, como tal, cumprindo uma obrigação alheia, a deste, mas ficando depois sub-rogado nos direitos do seu credor contra esse terceiro responsável, a isso em nada obstando o facto de primeiramente ter cumprido com uma obrigação própria, a de garante de uma obrigação alheia (ex. do FGA, que, no cumprimento de uma obrigação prevista na lei, no caso o DL. 291/07, paga ao lesado e fica sub-rogado no direito deste contra o 3º responsável civil; do hospital que, no cumprimento de uma obrigação, de assistência hospitalar própria, fica sub-rogado no direito do assistido contra o 3º responsável civil; da seguradora de acidentes de trabalho que, no cumprimento de uma obrigação própria, paga e presta assistência, em espécie, ao lesado e fica depois sub-rogada no direito deste contra o 3º responsável civil; etc). VIII. Só, de resto, assim se compreendo e se lhes podendo dar algum sentido, como se impõe, os citados cláusula e escrito contratuais de sub-rogação, por a obrigação da recorrente, sendo própria, apenas na medida em que deriva do contrato de seguro, funcionar, perante o beneficiário/credor, como mera garantia da obrigação de indemnização de terceiro, traduzindo-se, pois, nessa medida, no cumprimento de uma obrigação alheia. Entendeu o acórdão recorrido que previamente à discussão da aplicação do art.º 181º da LCS (e aplicação, ou não, da cláusula 23 das CG) é necessário verificar se, em termos de direito material, a sub-rogação é possível. É que apenas no caso em que esta se configura como uma possibilidade se pode constatar que o art.º 181º (na redacção aplicável) estabelece como regra geral que esta não ocorre no caso de prestações de valor determinado, para logo de seguida vir excepcionar o desvio daquela regra estabelecendo essa possibilidade em caso de convenção em contrário. E, no caso, desde logo não ocorrem os pressupostos daquela sub-rogação nos termos do Código Civil uma vez que as indemnizações são cumuláveis. (…) A aqui A. não cumpriu no lugar da R., mas no cumprimento de uma obrigação própria, autónoma, em obediência ao contrato celebrado, um contrato de seguros pessoais, mediante a entrega de uma prestação predeterminada; ou seja, uma prestação que não tem natureza indemnizatória. A R. procedeu ao pagamento de uma prestação indemnizatória, destinada a ressarcir um dano e na proporção deste.” O instituto da sub-rogação encontra previsão legal nos arts. 589.º e ss. do CC, dividindo-se em sub-rogação legal e sub-rogação voluntária. Através de comentário ao art. 589.º do CC, Paulo Olavo da Cunha[1] esclarece que a figura em análise consiste essencialmente no ato pelo qual um sujeito que efetua uma prestação correspondente à satisfação de uma obrigação alheia assume os direitos do respetivo credor, substituindo-o, mas permanecendo o devedor na situação jurídica em que se encontrava no contexto da vinculação a que se encontrava adstrito. (…) O credor é pago, mas não recebe a prestação do devedor, mas sim de terceiro, resultando do regime legal estabelecido nos artigos 589.º a 594.º ser irrelevante a pessoa que paga. E essa é a regra, se o cumprimento não tiver sido especificamente exigido ao devedor. (…) No entanto, tendo em conta que, na sua concretização, a sub-rogação acarreta o cumprimento da obrigação existente, extinguindo-a, relativamente à pessoa do credor originário, suscita-se legitimamente a questão de equacionar a possibilidade de transmitir uma realidade que já não existe. (…) Não obstante, o cumprimento não é feito com meios do devedor e daí que a obrigação deste não se extinga. Somos, pois, de opinião, seguindo a maioria dos nossos obrigacionistas (Menezes Cordeiro, 2017: 821-822) que a sub-rogação opera essencialmente a transmissão singular de crédito, constituindo uma das formas possíveis das vicissitudes que este pode ser objeto. (…) E. Santos Júnior[2] analisa a figura da sub-rogação em contraponto com a cessão de créditos, e distingue-a do seguinte modo, a sub-rogação baseia-se na realização da prestação por um terceiro (por simplicidade, fala-se, por vezes, de “cumprimento” ou “pagamento” por terceiro) ou pelo devedor, com meios financeiros fornecidos para o efeito por terceiro, mas não se produzindo a extinção da obrigação, mas antes a sua transmissão, seja porque a lei lhe comina directamente (ipso jure) esse efeito, quando o terceiro seja um interessado directo no cumprimento, seja porque a lei comina esse efeito, quando além da realização da prestação por terceiro, se deu a declaração de sub-rogação desse terceiro, seja tal declaração feita pelo credor originário seja ela feita pelo devedor (…). Antunes Varela[3] explica que a doutrina tradicional considera a sub-rogação como uma modalidade da transmissão do direito de crédito. Embora a sub-rogação assente no facto cumprimento e este constitua a causa extintiva da obrigação por excelência, a circunstância de a satisfação do interesse do credor ser operada, não pelo devedor, mas por terceiro, ou com meios por este facultados, tem como efeito que o crédito, em lugar de se extinguir, transita de armas e bagagens para esse terceiro. Paulo Olavo da Cunha[4], em comentário ao art. 592.º do CC, esclarece que este normativo acolhe a chamada sub-rogação legal admitindo que, para além dos casos de sub-rogação convencional ou voluntária, (…), ou de outras situações legalmente previstas, a sub-rogação possa ocorrer à margem da vontade dos sujeitos originários da relação obrigacional, permitindo ao terceiro ficar sub-rogado nos direitos do credor, caso tenha assegurado o cumprimento da obrigação ou, não o tendo logrado, tenha um interesse direto «na satisfação do crédito» (n.º 1 in fine). Salientamos aqui que, conforme bem explicado na Revista n.º 1759/13.0TBPNF.P1.S1 (www.dgsi.pt), estamos perante uma seguro obrigatório por força de imposição legal (art. 11.º, n.º 1, al. b) da Portaria n.º 1191/2003, de 10 de outubro), que regula a concessão de apoios a projetos que deem lugar à criação de novas entidades que originam a criação líquida de postos de trabalho e contribuam para a dinamização das economias locais no âmbito de serviços de apoio à família mediante a realização de investimentos de pequena dimensão) um seguro de pessoas, em concreto de acidentes que possam ocorrer durante e por causa da formação. De acordo com o disposto no art. 175.º, n.º 2, do DL n.º 72/2008, de 16-04 – Lei do Contrato de Seguro (LCS), o contrato de seguro de pessoas pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efectivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória. No caso, de acordo com o facto provado no ponto 1, estamos perante um seguro com uma prestação de valor predeterminado, uma vez que cobria por pessoa, em caso de morte, a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros). Preceitua o art. 180.º, n.º 1, do LCS que “Salvo convenção em contrário, as prestações de valor predeterminado são cumuláveis com outras da mesma natureza ou com prestações de natureza indemnizatória, ainda que dependentes da verificação de um mesmo evento”. Na Revista n.º 1759/13.0TBPNF.P1.S1, em que foram partes a ora Autora Generali, enquanto Ré, e os familiares beneficiários das falecidas formandas, aí Autores, ficou decidido que “É cumulável o seguro de acidentes pessoais em causa com o seguro de responsabilidade civil automóvel considerando que aquele seguro tem por finalidade atribuir aos beneficiários, e familiares destes, condições que justifiquem a adesão daqueles às ações de formação profissional ao passo que o segundo assegura ao beneficiário, que não é nenhum daqueles, o ressarcimento dos danos causados a terceiros emergentes de acidente de viação. A sub-rogação invocada pela recorrente é uma sub-rogação convencional, uma vez que a norma prevista no art. 181.º da LCS em vigor à data da apólice e do acidente - a do Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril (na versão anterior à Lei n.º 147/2015 de 09-09), refere expressamente que “o segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro”, mas prevê, igualmente, a possibilidade de que haja a convenção desta sub-rogação, na parte inicial deste normativo, Salvo convenção em contrário. De acordo com Pedro Romano Martinez[5], em comentário a este normativo, ainda que no âmbito da nova versão da lei, “Ao permitir a convenção em contrário, aceita-se que, por acordo, pode o segurador sub-rogar-se nos direitos do tomador do seguro ou do beneficiário contra o terceiro responsável. Pretende-se, deste modo, obstar a que o tomador do seguro ou o beneficiário, depois de perceber a prestação do segurador, intente ação contra o terceiro que deu causa ao sinistro, vindo a receber uma (segunda) indemnização. Se isso ocorresse haveria enriquecimento sem causa do lesado (tomador ou beneficiário do seguro). Daí que se permita ao segurador ser ele a receber essa indemnização por via da sub-rogação. Por seu lado, Arnaldo Costa Oliveira[6], também em comentário à nova versão deste normativo oferecida pela Lei n.º 147/2015 de 09-09[7], esclarece com propriedade para os autos que, O caso da alteração introduzida ao art. 181.º integrá-lo-emos no âmbito das alterações destinadas a corrigir incongruências e insuficiências de expressão das soluções, (…). Na verdade, embora no preâmbulo o legislador da LCS refira que no regime do seguro de acidentes pessoais se consagra “(…) a limitação da sub-rogação às prestações indemnizatórias” (sic, penúltimo considerando antes da referência às audições), o texto da versão original do art. 181.º vinha afinal abrir a convenção da sub-rogação também às prestações forfetárias para todos os seguros de pessoas, incluindo os seguros de vida. A alteração agora introduzida veio reconduzir a letra do texto da lei à intenção geral do LCS em relação ao instituto da sub-rogação pelo segurador, que foi a previsão de um mecanismo de garantia do princípio indemnizatório, porquanto circunscrito ao universo das prestações indemnizatórias pagas pelo segurador (v. preâmbulo e inserção sistemática do art. 136.º) – legislador este (da LCS) que aliás deu reiteradas mostras de pretender regular o instituto em moldes claramente não conferidores de benefícios excessivos aos seguradores (v. neste sentido especialmente a previsão do n.º 4 e a solução consagrada no n.º 3, ambos do art. 136.º). Subjacente está o entendimento – aliás comum no direito comparado próximo – de que é injusto que o segurado que se precaveu com um seguro forfetário para o caso de vir a sofrer acidentes veja as prestações a seu favor por motivo do acidente serem diminuídas de montantes a receber de ter terceiro responsável por ter beneficiado do seguro que subscreveu – como diz o Conselheiro Moitinho de Almeida, sem a restrição à sub-rogação ora explicitada “fica comprometida a confiança do tomador do seguro na poupança realizada sem que, como contrapartida, fiquem garantidos interesses relevantes das seguradoras”. Também Maria Inês de Oliveira Martins[8] apresenta uma crítica à redacção da norma prevista no art. 181.º da LCS, na sua versão originária, ao referir que “Igualmente nos parece que atraiçoa o sentido do contrato de seguro de vida – em caso de morte ou misto, pois só aí relevará a hipótese de sub-rogação – o acolhimento desta consideração estritamente indemnizatória, que inibe ao sujeito a confiança no cumprimento de um escopo previdenciário pelo contrato – o cumprimento de tal escopo ficará, a final, à mercê da causa que, em concreto, produza o sinistro.” Moitinho de Almeida[9], de forma cristalina, explica a possibilidade de sub-rogação constante do art. 181.º da LCS, na sua versão original, comparando o regime português com o regime de outros países europeus, sendo que em Espanha, Suíça ou Alemanha estas cláusulas são nulas. Mais esclarece que em França é permitida a sub-rogação, mas a doutrina dominante entende que esta disposição deve ser interpretada restritivamente, de modo a não abranger os seguros de vida cuja gestão assenta na capitalização e em que estão em causa direitos dos tomadores a reservas matemáticas constituídas. (…) Vemos assim que a Europa está dividida quanto à natureza dos seguros de pessoas, mas em qualquer caso, as partes não podem atribuir aos seguros de vida uma função indemnizatória. Restrição que se impunha consagrar expressamente entre nós pelas razões invocadas pela doutrina francesa como porque de outro modo fica comprometida a confiança do tomador de seguro na poupança realizada sem que, como contrapartida, fiquem garantidos interesses relevantes das seguradoras. E a prova é que desde há muito na Europa vigora o regime inverso. Pode mesmo sustentar-se que tais cláusulas contrariam a boa fé, na acepção do art. 15.º do CL n.º 446/85, e que, por isso, são nulas. A tal não obsta estarem autorizadas pelo art. 181.º, uma vez que o preceito se refere em geral aos seguros de pessoas, não implicando que em todos os casos a sub-rogação possa ser convencionada. Sendo escassa a jurisprudência deste Supremo Tribunal em situações como a que ora tratamos, salientamos o acórdão do STJ de 22-02-2011, Revista n.º 667/06.8TBOHP.C2.S1 (in www.dgsi.pt), ainda que em situação de seguro de acidentes pessoais com prestações de natureza indemnizatória, em que se considerou a natureza não cumulativa das indemnizações, à luz do art. 411.º do Código Comercial, pois a data dos factos é anterior à LCS, entendendo que (…) VI - O Município, ao celebrar o contrato de seguro de acidentes pessoais, não teve intenção de atribuir ao autor, motorista e membro do quadro de pessoal dos corpos associativos de bombeiros, um beneficio autónomo, independente da eventual indemnização a que tivesse direito contra terceiros, por força de anterior contrato de seguro emergente de acidente de trabalho, assumindo antes aquele contrato de seguro de acidentes pessoais uma função de garantia, destinado a valer ao lesado, na falta de outro meio de ressarcimento patrimonial contra terceiros, hipótese em que o segurador, ao pagar o montante do seguro, fica subrogado nos direitos do lesado contra o terceiro responsável. VII - Tendo sido inserida, no respectivo contrato de seguro de acidentes pessoais, uma cláusula de sub-rogação, verifica-se a excepção ao princípio da não cumulabilidade das duas indemnizações, podendo o lesado cumular a indemnização proveniente do contrato de seguro emergente de acidente de trabalho com a indemnização resultante do contrato de seguro de acidentes pessoais, já que o direito a esta se transfere para o segurador que tenha pago o montante seguro, que fica subrogado nos direitos do lesado contra o terceiro responsável. A citada doutrina converge no entendimento de que os seguros de pessoas - art. 175.º e ss. da LCS (entre os quais de vida ou de acidente pessoais), quando prevejam prestações pré-determinadas ou seja, forfetárias, em aproximação das demais legislações europeias, e de acordo com o espírito da LCS, plasmado no seu preâmbulo, não devem ser objecto de sub-rogação, porque tal mostra-se contrário à natureza deste tipo de contratos de seguro. Na verdade, o legislador apercebeu-se do teor desconforme da norma prevista no art. 181.º da LCS, na sua versão originária, e na primeira alteração legal, “emendou a mão” e passou a prever a possibilidade de sub-rogação convencionada apenas nos contratos de seguro de pessoas com prestações indemnizatórias. A presente situação não é enquadrável na previsão legal do art. 136.º da LCS, que prevê a sub-rogação legal. Assim, e uma vez que aqui é aplicável o art. 181.º da LCS, na sua versão original, concluímos que a lei não vedava a possibilidade de acordar a sub-rogação da Autora com o credor. Mas, a fim de aferir se a mencionada sub-rogação convencional é, em concreto, admissível, e pode produzir os seus efeitos, necessário será apurar se tal se mostra possível à luz do instituto de sub-rogação civil, previsto nos arts. 589.º e ss. do CC. Entendemos que não, tal qual considerou o acórdão recorrido. Na verdade, tal como decidido no Acórdão de 08/02/2018, na Revista n.º 1759/13.0TBPNF.P1.S1 estamos perante duas prestações autónomas e cumuláveis, tanto mais que não seria admissível uma acção em que os beneficiários do seguro contratado com a autora, fossem peticionar esse prémio à Ré.
As indemnizações arbitradas na referida revista também contemplaram o dano vida, mas não se confundem com o prémio de seguro contratado neste seguro obrigatório, cfr. art. 11.º, n.º 1 al. b), da Portaria n.º 1191/2003, de 09-09. Ao passo que a quantia arbitrada a título de dano vida naquela Revista tinha uma natureza indemnizatória, neste seguro contratado com a autora, estava fixado um valor pré-definido para o dano vida, € 50 000,00. Conforme explica João Paulo Raposo[10], O seguro de pessoas pode ter uma função diversa da ressarcitória, aproximada de produto financeiro de capitalização, como mecanismo de poupança e investimento. Nestes casos estamos totalmente fora do âmbito do princípio indemnizatório. Para estes casos estatui o legislador uma ampla permissão de cumulação de contratos, sem limitação de valores de prestações a pagar, admitindo que sejam celebrados dois ou mais contratos com prestações predeterminadas por referência à produção do mesmo evento, ou que se cumulem contratos dessa natureza com contratos envolvendo prestações de natureza indemnizatória (art. 180º nº 1). No caso, a Autora não pode substituir-se ao credor originário porquanto o credor originário, com base neste contrato, não poderia demandar a Ré, enquanto seguradora do responsável pelo sinistro automóvel. A Autora ao proceder ao pagamento da prestação pré-definida a que se vinculou com a celebração do contrato de seguro de acidentes pessoais com o IEFP, fê-lo por se tratar do cumprimento de uma obrigação própria, de acordo com o contrato que celebrou, e não de uma obrigação de terceiro, conforme pretende fazer crer. O terceiro, a Ré, já cumpriu com o pagamento da indemnização arbitrada a título do dano vida, no âmbito da Revista n.º 1759/13.0TBPNF.P1.S1, não lhe sendo exigível o montante aqui peticionado, porque esta prestação a que a Autora se vinculou não tem qualquer cariz indemnizatório, mas sim de capitalização. Bem asseverou o Acórdão recorrido ao considerar que a entender-se que tais prestações como aquela que a A. pagou eram susceptíveis de sub-rogação, seria possível conceber um caso em que tal quantia houvesse sido acordada entre as partes em montante muito superior àquele que eventualmente fosse fixado a título de indemnização; não faria sentido que a responsável pelo pagamento de tal indemnização houvesse de pagar uma quantia que não correspondia à medida da sua responsabilidade e definida num acordo entre outorgantes no qual não teve qualquer intervenção. (o sublinhado é nosso) FRANCISCO RODRIGUES DA ROCHA[11], explicitando a posição de Moitinho de Almeida quanto a esta matéria, refere que “embora haja divisão nos diversos ordenamentos quanto à natureza dos seguros de pessoas, a verdade é que não se pode atribuir uma função indemnizatória aos seguros de vida, restrição que se impunha adoptar no novo regime jurídico do contrato de seguro. Sustenta que as cláusulas que admitam a sub-rogação do segurador nos seguros de vida são contrárias à boa fé, portanto abusivas, nos termos do art.15.º LCCG, e assim nulas (art.15.º LCCG). Na opinião do Autor, o facto de o art.181.º permitir tais cláusulas em geral não obsta a esta conclusão, porquanto o preceito se refere em geral a todos os seguros de pessoas, não importando que em todos os casos a sub-rogação possa ser convencionada, i.e., o preceito em causa é objecto de interpretação restritiva ou mesmo de redução teleológica. A posição de MOITINHO DE ALMEIDA é, com efeito, corroborada pelo Direito comparado. À luz do Direito belga, MARCEL FONTAINE afirma que, nos seguros de carácter à fortait, a sub-rogação não actua supletivamente, mas pode ser estipulada (art.49), salvo no caso do seguro de vida (art.98). Em Itália, ROSSETTI afirma que, ainda hoje, a jurisprudência discute a questão, tendendo a admitir sub-rogação no seguro de vida em caso de morte. E, no seguimento desta posição, Francisco Rodrigues da Rocha conclui “não serem admissíveis tais cláusulas: pode dar-se sub-rogação nos seguros de pessoas, desde que convencionada, salvo no caso do seguro de vida. Mas com uma ressalva: admitindo que possam convencionar-se seguros de vida como seguros de danos, v.g. nos casos em que o beneficiário for um credor da pessoa segura, um banco, ou quando a pessoa segura seja um trabalhador, parece-nos que aqui pode dar-se a subrogação ex art.136.º, sobretudo quando visem eliminar possíveis incentivos ao homicídio do segurado, impedindo a percepção pelo beneficiário duma prestação superior ao “dano” sofrido. Quanto à possibilidade de ser convencionado que haja sub-rogação no caso do seguro de vida (agora, como seguro de capitais, que é do que se trata), parece-nos, salvo melhor opinião, não ser admissível. Perante tudo quanto fica exposto, concluímos no sentido da improcedência da revista, ficando prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso.
DECISÃO Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, ficando prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso. Custas pela recorrente. Registe e notifique.
Lisboa, 21 de junho de 2022 Relator: Nuno Ataíde das Neves 1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza 2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes _____ [1] In Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, Dezembro 2018, p. 625. |