Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
331/19.6T8FAF.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 07/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DA REVISTA NORMAL
REMESSA DOS AUTOS À FORMAÇÃO PARA CONHECIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE REVISTA EXCEPCIONAL.
Sumário :

Sindicada a regra de irrecorribilidade em revista prevista no art. 671º, 3, do CPC, para a modalidade normal interposta a título principal, verifica-se o bloqueio da “dupla conformidade decisória” das instâncias se o resultado decisório obtido pela Relação se rege pelos institutos jurídicos e disciplinas legais que fundamentaram a decisão de 1.ª instância, não sendo susceptível de integrar uma «fundamentação essencialmente diferente», por um lado, a modificação da matéria de facto que não tem impacto na motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração em 2.ª instância da sentença de primeiro grau de jurisdição, se e na medida em que tal não conduz a uma alteração estrutural ou essencial do regime jurídico aplicável e seguido na fundamentação da decisão apreciada pela Relação, e, por outro lado, se o aditamento de posição e fundamentação relativas ao ónus de alegação e prova do primeiro dos requisitos exigidos pelo regime ditado pelo art. 257º, 1, do CCiv. para a incapacidade acidental, em face de uma presunção de incapacidade de entendimento retirada do conteúdo da sentença de interdição (relativa à «data do começo da incapacidade»: art. 901º, 1, CPC 2013, à data em vigor), manteve a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância, quanto à verificação dos requisitos do art. 257º do CCiv., assegurando-se a fungibilidade entre si das decisões no resultado jurídico pretendido na acção.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 331/19.6T8FAF.G1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, … Secção


Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. AA, representada pela tutora BB, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e «Cruzarapostas Lda.», pedindo a respectiva procedência e, em consequência, que (a) seja declarada a nulidade da procuração junta como doc. n.º 4 da PI, (b) seja declarada a falsidade do mesmo documento, (c) uma vez declarada a nulidade requerida, seja declarado nulo o negócio de compra e venda entre os RR, (d) seja declarada a nulidade do registo predial e consequentemente seja ordenado o seu cancelamento na Conservatória de Registo Civil ....


Citada, veio a a Ré «Cruzarapostas» apresentar Contestação, invocando as excepções de falta de capacidade judiciária da Autora e de falta de autorização judicial da tutora da Autora para interposição da acção e pedindo a suspensão da instância e a absolvição da Ré da instância e de todos os pedidos.

A Autora apresentou articulado de Resposta à excepção de ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho de improcedência das excepções dilatórias invocadas

2. Foi prolatado despacho saneador, com identificação do objecto do litígio: “indagar da validade da procuração e contrato de compra e venda mencionados na petição inicial”.


Foi fixado o valor da causa em € 45.001,00, transitado em julgado.


3. Realizada audiência final de julgamento, foi proferida sentença (17/2/2023) pelo Juízo Local Cível ... (Tribunal Judicial da Comarca de Braga), julgando a acção procedente com o seguinte dispositivo:

“A) Declaro a anulabilidade da procuração emitida pela autora a favor do réu CC, em 15/02/2016, junta como doc. nº 4 da PI;

B) Declaro ineficaz, em relação à autora, o contrato de compra e venda junto como doc. de fls. 13-14, celebrado em 24/03/2016.

C) Em consequência, determino o cancelamento do registo do imóvel descrito em 3º dos factos provados a favor da ré Cruzarapostas.

D) Absolveu os réus do demais peticionado.”


4. Sem se resignar, a segunda Ré veio interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), que conduziu a ser proferido acórdão (7/12/2023), no qual se julgou parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto (considerar como não provado o facto provado 12.; manter o facto provado 13.), e se julgou improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.


5. Novamente sem se resignar, a mesma Ré interpôs recurso de revista, normal a título principal (Conclusões J) a KK) e excepcional a título subsidiário (Conclusões LL) a QQ), com arguição de nulidade do acórdão recorrido por “omissão de pronúncia” (Conclusões A) a I).


A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade da revista normal por verificação de “dupla conformidade” ao abrigo do art. 671º, 3, do CPC.


6. Em conferência, o TRG proferiu acórdão (29/5/2024) que se pronunciou sobre a nulidade arguida (arts. 615º, 1, d), 666º, 2, CPC), declarando-a e, apreciando a questão suscitada, julgando improcedente a apelação quanto à condenação da Autora na restituição das quantias peticionadas e alegadamente pagas pela aquisição do imóvel (cfr. arts. 617º, 2, 666º, 1, CPC); ademais, admitiu o recurso e ordenou a subida dos autos ao STJ.


7. Compulsados os autos nesta instância para efeitos do art. 652º, 1, ex vi art. 679º, do CPC, verifica-se que ambas as partes se pronunciaram nas suas alegações sobre a verificação ou não no caso do art. 671º, 3, do CPC, como impedimento ou não à admissibilidade da revista.





Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir, enfrentando desde logo a questão prévia da admissibilidade da revista.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Factualidade apurada


Foram considerados provados os seguintes factos:


1.º) A A foi declarada interdita por Sentença proferida no processo n.º 685/17.9..., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de Março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, BB (cfr. doc. de fls. 8-9, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


2.º) Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.


3.º) Por escritura publica de Partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio Urbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar de ... concelho ... descrito na Conservatória de registo predial sob o numero ..65 da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.


4.º) Em 15/02/2016 a autora emitiu procuração a favor do réu CC, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço (cfr. doc. de fls. 15 v. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


5.º) A autora assinou a procuração, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª DD (cfr. doc. de fls. 15 que aqui se dá por reproduzido).


6.º) O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24/03/2016, pelo preço de 25 mil euros (cfr. doc. de fls. 13-14 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


7.º) Nessa escritura a autora esteve representada pelo réu CC, que apresentou a procuração referida em 4º.


8.º) O imóvel está registado na Conservatória do Registo Predial em nome da ré Cruzarapostas, pela Ap. ..17 de 24/03/2016 (cfr. doc. de fls. 20).


9.º) A autora reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel referido em 3º.


10.º) O 1º réu CC reside no imóvel referido em 3º, conjuntamente com a autora e a mãe de ambos.


11.º) A ré, além do preço, pagou a quantia de € 824,12 a título de imposto de selo, custos notariais e registais pela aquisição do imóvel referido em 3º.


12.º) Eliminado pela Relação: considerado “não escrito”.


13.º) O réu CC conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.


Foram considerados não provados os seguintes factos:

a. O imóvel referido em 3º tinha um valor comercial de 45 mil euros na data da venda à 2ª ré.

b. À data [da] outorga da procuração a autora estava capaz, entendeu o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade. – Aditado pela Relação.


2. Admissibilidade da revista normal


2.1. Estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso ordinário (arts. 629º, 1, 631º, 1, CPC) e os requisitos especiais de admissibilidade da revista enquanto espécie (art. 671º, 1, CPC).


2.2. O art. 671º, 3, do CPC, determina a existência de “dupla conformidade decisória” entre a Relação e a 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal ou regra junto do STJ, em relação aos segmentos decisórios e seus fundamentos com eficácia jurídica autónoma (objecto de impugnação) relativamente aos quais se verifica identidade de julgados sem voto de vencido, ou em que a decisão recorrida, no ou nos segmentos decisórios recorridos e seus fundamentos atendíveis, se revela mais favorável, qualitativa ou quantitativamente, à parte recorrente (ainda que vencida, total ou parcialmente).


2.3. Verifica-se que o objecto do recurso incide sobre o segmento decisório correspondente à anulabilidade da procuração outorgada pela Autora, enquanto negócio celebrado antes da publicidade da acção de interdição, de acordo com o regime da incapacidade acidental (art. 257º do CCiv.) determinado pela remissão do (anteriormente vigente1) art. 150º do mesmo CCiv. (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, do CPC.); com o consequente reflexo nos demais pedidos da Autora.


2.4. No que respeita ao objecto do recurso assim delimitado, verifica-se que a revista normal não é admissível, tendo em conta a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação coincidente das instâncias no que toca ao segmento e questão de direito objecto de impugnação e de reapreciação pela Relação, sem voto de vencido, sem prejuízo de:


(i) ter havido modificação da matéria de facto, quanto ao facto provado 12. ser integrado (com outra redacção) no âmbito da materialidade não provada, mas sem que tal decisão tenha servido para uma modificação essencial ou uma alteração estrutural da motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração pelo acórdão recorrido da sentença de 1.ª instância, sendo sempre este o cerne decisivo para controlar a conformidade ou não das decisões no que toca ao respectivo fundamento;


(ii) ter havido o aditamento de posição e fundamentação relativas ao ónus de alegação e prova do primeiro dos requisitos exigidos pelo regime ditado pelo art. 257º, 1, do CCiv. para a incapacidade acidental, em face de uma presunção de incapacidade de entendimento retirada do conteúdo da sentença de interdição (relativa à «data do começo da incapacidade»: art. 901º, 1, CPC 20132)3, a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância, quanto à verificação dos requisitos do art. 257º do CCiv., não foi de todo colocada em causa, ainda que com precisão argumentativa relacionada com a materialidade não provada, demonstrando-se assim a fungibilidade entre si das decisões no resultado jurídico pretendido na acção.


Transcreve-se:

a. 1.ª instância


“O regime da incapacidade acidental está previsto no art. 257º do CC, que estabelece:


1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.


2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.


Como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA [Código Civil Anotado, vol. 1, em anotação ao art. 257º.], para conseguir a anulação de uma declaração negocial com base neste preceito, é necessário provar:


a) que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica ou por qualquer outra causa, em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do ato que praticou ou o livre exercício da vontade;


b) que esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.


No caso dos autos, importa ter em conta que estão em causa dois negócios distintos: a outorga da procuração pela autora a favor do réu CC e o contrato de compra e venda que este celebrou como procurador da autora com a ré Cruzarapostas.


Estes negócios foram celebrados no ano de 2016, ou seja, antes da instauração da ação de interdição que, como se vê pelo número do processo, foi instaurada em 2017, facto que não é sequer controvertido.


A autora apenas esteve presente no primeiro deles, sendo que, o contrato de compra e venda foi celebrado sem a sua presença.


Assim, o que importa aferir é se a autora, à data da emissão da procuração a favor do réu CC, se encontrava ou não incapacitada de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida e se tal incapacidade era notória ou conhecida do declaratário (o mandatário), devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar.


Ora, como resulta da factualidade provada, o réu CC, irmão da autora não podia desconhecer a sua incapacidade. De facto, o réu CC conhecia essa incapacidade. Já se explicou porquê na fundamentação da factualidade provada e não provada. Mas volta-se a reiterar: o réu era irmão da autora; vivia com ela; pelo que não tinha como desconhecer a incapacidade da autora.


Dos factos provados na sentença que decretou a interdição da autora (e cujo teor se deu por reproduzido no ponto 1º dos factos provados), resulta, além do mais, que a autora sofre de doença psicótica esquizofrénica; apresenta atualmente um quadro de deterioração cognitiva, emocional e volitiva permanente; tem noção do tempo e do espaço mas não da circunstância; não se mostra capaz de fazer a sua narrativa de vida; não tem consciência mórbida da sua situação; tem um discurso pobre, não respondendo ao que se lhe pergunta; não conhece o valor real do dinheiro, não sendo capaz de efetuar transações.


Ou seja, além de não ter consciência da sua situação, a autora não tem sequer conhecimento do real valor do dinheiro, motivo pelo qual dificilmente, num momento de “lucidez” iria dar poderes ao seu irmão para vender a casa onde reside e sempre residiu.


Deste modo, verificando-se os pressupostos da incapacidade acidental, cabe concluir que a outorga da procuração é anulável, nos termos do art. 257º do CC, o que se declara.”

b. Relação


“Conforme resulta do nº 1 do art. 150º do Código Civil, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.


Estabelece o art. 257º do Código Civil, sob a epígrafe “incapacidade acidental” que:


1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.


2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.


Da leitura deste preceito resultam como requisitos da anulação de uma declaração negocial com base na incapacidade acidental que:


a) o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica ou por qualquer outra causa, em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do ato que praticou ou o livre exercício da vontade;


b) esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.


Como refere a sentença em crise, “No caso dos autos, importa ter em conta que estão em causa dois negócios distintos: a outorga da procuração pela autora a favor do réu CC e o contrato de compra e venda que este celebrou como procurador da autora com a Cruzarapostas”, negócios que tiveram lugar em 2016, ou seja e como já atrás dissemos, antes da instauração da ação de interdição mas posteriormente à data fixada para o início dessa interdição, sendo necessário aferir se a autora, à data da prática do primeiro desses atos – emissão da procuração a favor do réu CC – se encontrava ou não incapacitada de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida e se tal incapacidade era notória ou conhecida do declaratário (o mandatário), devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar.


Ora, atendendo a que a ré/recorrente não demonstrou, como lhe incumbia, que à data [da] outorga da procuração a autora estava capaz, entendeu o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade e tendo ficado demonstrado que o seu irmão era conhecedor de que naquela data a autora era incapaz de perceber o sentido da sua declaração e que a mesma não correspondia à sua vontade, provados estão os requisitos cumulativos da incapacidade acidental, entendendo-se anulável a procuração outorgada.”


Daqui resulta que, tendo o acórdão recorrido sido lavrado por unanimidade (sem voto de vencido) e norteado no âmbito do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de primeira instância para alcançar um resultado idêntico àquele que se obtivera na primeira instância, é de afirmar que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente, desde logo porque a segunda pronúncia não se estriba em inovações que traduzam enquadramento diverso do instituto jurídico e disciplina legal em que assentaram a sentença proferida em 1.ª instância. Tal implica que, considerando a opção legislativa de irrecorribilidade consagrada no art. 671º, 3, do CPC, o recurso de revista normal não é admissível no presente caso (em referência às Conclusões J) a KK)).


Para esta conclusão, sufragam-se os anteriores Acs. do STJ, em cuja fundamentação nos revemos e para os quais remetemos, ao abrigo do art. 663º, 5, 2.ª parte, ex vi art. 679º, do CPC: 14/5/2019, processo n.º 526/15; 4/7/2019, processo n.º 1677/16; 10/11/2020, processo n.º 4258/18; 2/3/2021, processo n.º 30690/15 e processo n.º 1035/10; 7/7/2021, processo n.º 5835/18; 20/12/2022, processo n.º 4509/19; 3/5/2023, processo n.º 1866/14; 15/6/2023, processo n.º 2444/20; e de 2/11/2023, processo n.º 3992/19.


2.5. Com esta inadmissibilidade, não se pode igualmente apreciar, por ora e em sede de revista normal, a nulidade imputada ao acórdão recorrido, mesmo na sua versão reformada e integrativa, que não mereceu qualquer reacção pela Recorrente, pois tal apreciação depende, como seu fundamento, da admissibilidade da revista como recurso ordinário e da acessoriedade com o objecto desta impugnação: arts. 615º, 4, 2.ª parte (susceptível ainda de interpretação restritiva), 617º, 2 e 3, 666º, 1, CPC.


3. Pedido subsidiário de revista excepcional


A título subsidiário, a Recorrente interpôs recurso de revista excepcional, o que é processualmente legítimo, tendo por base a sua admissibilidade nos termos do art. 672º, 1, a), do CPC, em referência “a algumas questões de natureza processual e substantiva que o acórdão recorrido apreciou, atenta quer a inovação que a mesma apresenta na ordem jurídica quer a importância que revestirá na apreciação de casos futuros” – cfr. Conclusão MM).


Ora, a verificação dessa admissibilidade, condicionada ao preenchimento dos pressupostos do art. 672º, 1 (e, se se entender que ainda seja de apreciar, 3), do CPC, cabe em exclusivo à Formação Especial de Juízes Conselheiro do STJ a que se refere o art. 672º, 3, do CPC, à qual se deverá remeter os autos para ser avaliado o fundamento indicado pela Recorrente.


III) DECISÃO


Pelo exposto, acorda-se em:


1) não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista normal interposta a título principal;


2) ordenar a remessa dos autos à Formação Especial deste STJ, a que alude o art. 672º, 3, do CPC, para os efeitos de julgamento da admissibilidade da revista excepcional interposta a título subsidiário, após o trânsito da decisão proferida quanto à revista normal no segmento decisório sob (1).


Custas pela Recorrente.


STJ/Lisboa, 9 de Julho de 2024


Ricardo Costa (Relator)

Maria Olinda Garcia



Luís Correia de Mendonça


SUMÁRIO DO RELATOR (art. 663º, 7, 669º, CPC).





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1. Antes da entrada em vigor do regime jurídico do “maior acompanhado”: Lei 49/2018, de 14 de Agosto; cfr. os actuais arts. 138º e ss do CCiv.↩︎

2. Também antes da entrada em vigor da Lei 49/2018; cfr. o actual art. 900º, 1, do CPC.↩︎

3. Vejam-se os seguintes excertos:

“(…) pretendendo a anulação de ato praticado em momento anterior à sentença que decretou a interdição mas abrangido por esta porquanto praticado no período a que se reporta a incapacidade, cabe a quem da mesma pretende lançar mão, invocar a sentença, transitada em julgado que decretou a interdição e a data a que se reporta tal incapacidade e da qual resulta a presunção daquela incapacidade, cabendo assim ao réu alegar e demonstrar que na ocasião da outorga, no caso sub judice, da procuração, a autora tenha sido, como se refere no Acordão aqui referido, contemplada por uma momentânea capacidade de entender – uma lucidez providencial, com vista a afastar aquela presunção.

Concordando, pois, com tal exposição, cumpre referir que está assente que a autora, foi declarada interdita por sentença proferida no processo n.º 685/17.9..., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, BB, tendo sido fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.

Assente se encontra que por escritura publica de partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio urbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar de ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero ..65 da freguesia de ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ..72, com o valor patrimonial de 34.440 euros. Assente se encontra também que em 15 de fevereiro de 2016 a autora emitiu procuração a favor do réu CC, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio atrás identificado, recebendo o respetivo preço, tendo a autora assinado procuração e tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª DD. Por último, assente se encontra que o imóvel atrás identificado foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24 de março de 2016, pelo preço de 25 mil euros, sendo que, nessa escritura a autora esteve representada pelo réu CC, que apresentou a procuração atrás referida.

Ou seja, encontram-se assentes os factos que à autora cabia invocar e que fazem presumir a situação de incapacidade à data da outorga da procuração em crise.

(…) tendo-se em atenção que caberia à ré afastar a presunção em causa, apreciaremos sim, em termos de impugnação da matéria de facto, se a mesma o conseguiu.”;

“(…) incumbia à ré, ora recorrente, a prova de que à data outorga da procuração a autora estava capaz de entender o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade, factos alegados por aquela na sua contestação.”↩︎