Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA BARROS | ||
Descritores: | TRESPASSE ESTABELECIMENTO VENDA COMUNICAÇÃO DIREITO DE PREFERÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200507060017847 | ||
Data do Acordão: | 07/06/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4581/03 | ||
Data: | 02/15/2005 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O trespasse é, por antonomásia, a venda do estabelecimento em globo, com tudo o que o compõe, ou, em tal acordando as partes, sem alguns dos seus elementos, desde que essa exclusão o não descaracterize. II - Enquanto venda do estabelecimento como uma universalidade de facto e de direito, incluem-se normalmente nele as respectivas instalações. III - Destinada a exigência da comunicação da sua efectiva realização a facultar o controlo da regularidade do trespasse, a comunicação para preferência, prévia e para esse efeito, não dispensa a comunicação do trespasse ex post facto ; e nem também o simples pagamento da renda pode suprir essa comunicação, uma vez que não revela os termos daquele negócio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 28/10/99, A, B, C, D, E, e F, comproprietários do prédio urbano sito na Avenida D. Afonso Henriques, nº.. em Almada, moveram à G, CRL, e à H - Comércio de Perfumaria, Lda, acção declarativa com processo comum na forma ordinária de despejo da cave e r/c direito daquele prédio, com entrada pelo nº..., loja com entrada pelos nºs ... , e barracões com pátio e entrada também pelo nº 7 A da predita Avenida, arrendados à 1ª Ré (CAPLAS), por escritura pública de 28/1/71, para a actividade da mesma e indicados fins. Invocando o disposto nos arts.483º, 490º, e 1038º, als.c), f), e g), C.Civ., e 64º, nºs 1º, als.b), f) e h), e 2º, e 115º, nº2º, als.a) e b), RAU, alegaram para tanto, em resumo de 44 artigos, ter essa actividade passado, em 1992, a ser exercida noutro local, e ter a 1ª Ré vindo, desde 1994, a ceder os locais arrendados, primeiro, a uma florista, e depois à 2ª Ré : tal assim, a esta última, mediante apelidado trespasse do estabelecimento comercial instalado no local arrendado, realizado por escritura pública de 23/11/98, mas só comunicado pela 2ª Ré à 1ª A. em 9/12/98. Aditaram que a 2ª Ré ali desenvolve, em violação do objecto do predito contrato de arrendamento, indicadas actividades que, além do mais, provocam maior desgaste e risco de deterioração do edifício, justificando renda bem mais elevada que a fixada. Pediram a condenação das demandadas no despejo imediato do imóvel arrendado e a pagar-lhes indemnização no montante mensal de 400.000$00 desde 23/11/98 até entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, no total já então vencido de 4.400.000$00. Essa acção foi distribuída ao 3º Juízo Cível da comarca de Almada. As Rés contestaram separadamente. A contestação da 1ª Ré tem 87 artigos, a da 2ª Ré tem 90. Para além de deduzirem defesa por impugnação simples e motivada, excepcionaram a caducidade da acção, nos termos do art.65º, nº1º, RAU, e alteração estatutária do objecto da 1ª Ré efectuada em 30/6/97. A 1ª Ré requereu ainda a condenação da senhoria - refere-se assim à 1ª A. -, por litigância de má fé, em multa e em indemnização a seu favor, - a liquidar em execução de sentença, mas que provisoriamente e desde já liquida em pelo menos 1.000.000$00 - (destaque nosso) 81) . Reconvindo, a 2ª Ré pediu a condenação solidária dos AA. a pagar-lhe a quantia de 21.500.000$00 de obras de conservação efectuadas, acrescida de outros montantes que se vierem a apurar em execução de sentença, designadamente de eventuais indemnizações a trabalhadores contratados para o seu estabelecimento, - e respectivos juros -. Houve réplica, com 100 artigos, em que, além do mais, se requereu condenação solidária das RR, por litigarem de má fé, em multa e em indemnização aos AA, - a liquidar na sentença, em montante nunca inferior a 1.000.000$00 -. Houve ainda tréplica de ambas as Rés, requerimentos (dois) do respectivo desentranhamento, e resposta das mesmas a esses requerimentos. Assim finda a fase dos articulados, as sobreditas tréplicas vieram a ser admitidas, em audiência preliminar realizada em 5/3/2001, enquanto resposta ao pedido de indemnização por litigância de má fé deduzido na réplica. O pedido reconvencional foi, então também, admitido. Proferido, então ainda, despacho saneador, no mais, tabelar, indicada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória, houve reclamação da 1ª Ré (CAPLAS) que foi indeferida. Instruída e julgada, com, ainda, algumas vicissitudes, a causa, veio, após julgamento, a ser proferida, em 18/11/2002, no Círculo Judicial de Almada, sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade deduzida pelas RR, e parcialmente procedente a acção. Em consequência, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento, declarada a ineficácia do contrato dito de trespasse em relação aos AA, e condenada a 2ª Ré a pagar aos AA indemnização, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor das rendas previstas no contrato, vencidas e vincendas, com as actualizações que tiverem ocorrido, até efectiva entrega do imóvel. Julgou-se, então também, parcialmente procedente a reconvenção, com a condenação dos AA a pagar à 2ª Ré quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor das obras por esta efectuadas no locado. Os AA e a 2ª Ré apelaram dessa sentença. A 1ª Ré não a impugnou. A Relação de Lisboa proferiu, em 25/11/2003, o acórdão com 36 páginas a fls. 942 a 977 dos autos. Em vista do art. 735º, nº2º, CPC, declarou sem efeito o recurso de agravo, admitido com subida diferida, interposto pela 1ª Ré de despacho proferido no decurso da audiência de discussão e julgamento que desatendeu a arguição da nulidade do depoimento de determinada testemunha dos AA. Deferiu, quanto a um quesito ( 29º), a impugnação da matéria de facto deduzida pelos AA. Indeferiu, com referência ao art. 690-A, nº2º, CPC, a deduzida pela 2ª Ré. E julgou improcedente a apelação dessa Ré, com estes fundamentos : Em vista da matéria de facto apurada, considerou juridicamente inexistente, consoante art. 115º, nº2º, al. b), RAU, o trespasse aludido (2) . Julgou prejudicada por isso, consoante art.660º, nº2º, CPC, a consideração da extemporaneidade, aliás efectivamente verificada, da comunicação do mesmo nos termos e para os efeitos dos arts. 1038º, al.g), e 64º, nº1º, al.f), RAU, destinada a proporcionar ao senhorio o controlo da licitude, alcance e eficácia do trespasse (Pinto Furtado, - Manual do Arrendamento Urbano -, 2ª ed., 575) e por isso não confundível com a notificação para preferência referida no art. 116º RAU, nem com o mero oferecimento da renda pelo trespassário. Quanto ao recurso dos AA, considerou que o regime do art.1045º é inaplicável a terceiros, incluindo o cessionário, quando o trespasse for havido como inexistente, ilícito ou ineficaz em relação ao senhorio, valendo nesse caso o disposto no art. 483º, ou, subsidiariamente, no art. 473º, C.Civ. Nessa conformidade, entendeu assistir aos AA, em vista do disposto nos arts. 563º e 564º C.Civ., o direito de serem indemnizados pela 2ª Ré, a título de lucros cessantes, pela frustração de rendimento equivalente a 400.000$00 mensais que poderiam auferir com a colocação do local arrendado no mercado desde a decisão que decretou a resolução do contrato de arrendamento, não impugnada pela 1ª Ré, até efectiva entrega do mesmo. Julgando, por consequência, parcialmente procedente a apelação dos AA, condenou a 2ª Ré a pagar-lhes indemnização no montante mensal de € 1.959,19 (correspondente a 400.000$00) desde a data da decisão de resolução do contrato de arrendamento proferida na 1ª instância até efectiva entrega do local arrendado aos AA. Reportando-se, por fim, ao disposto nos arts.216º, nº3º, 479º, 1259º, nº1º, 1260º, nº2º, 1273º, e 1275º C.Civ. (3), manteve a decisão recorrida no mais impugnado, designadamente quanto à indemnização, a liquidar em execução de sentença, conforme art.661º, nº2º, CPC por benfeitorias, julgadas úteis e insusceptíveis de serem levantadas sem detrimento. A 2ª Ré interpôs recurso de revista dessa decisão. Houve ainda infrutífera suspensão da instância por 30 dias, requerida, concedida e prorrogada até 22/3/2004 ao abrigo do art.279º, nº4º, CPC, e incidente relativo ao pagamento de taxa de justiça. Em fecho da alegação respectiva, a recorrente formula, em termos úteis, as conclusões, ainda assim obviamente repetitivas, que seguem e que importa salientar que delimitam o âmbito ou objecto deste recurso, conforme arts.684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC : 1ª e 2ª - A lei não especifica se o ónus imposto pelo art.690º- A, nº2º, CPC deve ser observado em sede de alegações ou em conclusões, pelo que o recorrente que não faz essa indicação em sede de conclusões deve ser convidado a fazê-lo. 2ª e 3ª - Não feito esse convite, o acórdão recorrido violou o disposto no art.690º, nº4º, CPC que, em prol da justiça material, no âmbito do princípio da cooperação e dentro dos limites da boa fé, tem por finalidade permitir ao recorrente corrigir ou colmatar a inobservância dum formalismo processual essencial que possa implicar a não apreciação do seu recurso. 4ª - Assim, mesmo quando a deficiência ou omissão possa conduzir à rejeição do recurso nessa parte, o recorrente deve ser convidado a suprir tal lacuna, sob pena de violação do art. 690º, nº4º, CPC. 5ª - O acórdão recorrido aplicou de forma incorrecta o art.115º, nº2º, al. b), RAU porquanto a não especificação de qualquer ramo de comércio específico (sic), a amplitude do destino do imóvel convencionada no contrato de arrendamento, sem destrinça entre actividades principais, complementares ou subsidiárias, e a coincidência dos bens comercializados pela recorrente e pela inquilina anterior, que, inclusivamente, alterou o seu objecto social com esse fim, deixam concluir que não passou a exercer-se no locado outro ramo de comércio, nem de um modo geral lhe foi dado outro destino. 6ª - A decisão recorrida aplicou ainda de forma equívoca o art. 115º, nº2º, al.b), RAU ao decidir igualmente pelo desvio do uso do imóvel em consequência da exploração nele de uma clínica veterinária e de venda de animais quando a anterior inquilina já detinha no mesmo serviços veterinários e de inseminação, transmitiu o imóvel com diversos medicamentos veterinários e já tinha deliberado ir proceder à venda de animais no locado, o que podia fazer nos termos do contrato. 7ª - Não obstante, porque, neste cerne, se configurava, no limite, um desvio pequeno, transitório, e de escassa importância, essa circunstância não deveria inculcar de per si a procedência (do pedido) da resolução do contrato de arrendamento. 8ª - Ao determinar a resolução do contrato de arrendamento por falta de comunicação oportuna do trespasse, o acórdão recorrido interpretou e aplicou mal os arts.1038º, al.g), e 1049º C.Civ. e 64º, nº 1º, al.f), RAU. 9ª - Em vista da cláusula 6ª do contrato em questão, a transmissão do arrendamento não estava dependente de autorização e, consequentemente, de aviso posterior, de harmonia com o predito art. 1038º, al.g), como assim violado pela decisão recorrida. 10ª - Ademais tendo em conta que as regras do próprio contrato estabeleciam como única obrigação do inquilino a de comunicar tal intenção com a antecedência de 15 dias, o que de facto sucedeu. 11ª - Ao condenar a recorrente no pagamento aos AA de 400.000$00 por mês com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, o acórdão recorrido violou o preceituado no art. 483º C.Civ., uma vez que o facto ilícito só poderia ocorrer após sentença condenatória transitada em julgado que confirmasse a ilicitude do trespasse. 12ª - E também por falta de alegação e prova dos respectivos pressupostos, em concreto, do nexo de causalidade e do dano. 13ª - Sob pena de violação do mesmo dispositivo, sempre, no limite, deveriam ser tomadas em conta as quantias depositadas pela recorrente na CGD em benefício dos AA. Houve contra-alegação com 44 páginas, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir - vai o processo, com mais de 5 anos e meio, em 7 volumes e cerca de 1.150 folhas. Em conveniente ordenação, a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicando-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos) : ( 1 ) - O objecto social da 1ª Ré, Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite dos Concelhos de Almada e Seixal, CRL, é o aproveitamento, valorização e colocação do leite em natureza produzido pelas vacas pertencentes aos seus cooperantes, quando estes tenham as explorações dentro da área social da cooperativa, sem prejuízo do aproveitamento, valorização e colocação dos produtos derivados do leite, podendo também exercer actividades similares sobre outros ramos de exploração agrícola ou pecuária a que os seus associados se dediquem, efectuar, a título subsidiário, a pedi do dos cooperantes e sem a vinculação prevista no artigo 14º, nº2º, dos estatutos, o aprovisiona mento e serviços relacionados com o objecto principal, podendo ainda efectuar, a título complementar , actividades próprias de outros ramos e as necessárias à satisfação das necessidades dos seus membros, desde que aprovado por assembleia geral ( H ). ( 2 ) - Na década de setenta, a 1ª Ré exerceu uma actividade mais ampla, com mercearias, tendo tido dezenas de lojas na península de Setúbal, de Almada ao Montijo e a Setúbal ( 25º). ( 3 ) - Nessa década, a 1ª Ré vendeu produtos que não eram produzidos pelos seus cooperantes, nem eram resultantes da actividade relacionada com os produtos lácteos, nomeadamente outros géneros alimentícios, nomeadamente arroz e massas ( 26º). ( 4 ) - Por escritura pública outorgada em 28/1/71, essa Ré tomou de arrendamento aos então únicos proprietários I e mulher, A, a cave e o r/c com entrada pelo nº7 e a loja com entrada pelos nºs 7 E e 7 F da Avenida D.Afonso Henriques, em Almada, e dois barracões com pátio e entrada pelo nº7 A da mesma Avenida ( D ). ( 5 ) - Nesse contrato ficou estabelecida uma renda mensal total de 5.750$00, que, mercê das sucessivas actualizações, era, em 23/11/98, de 42.427$00 ( E ). ( 6 ) - Do artigo 2º desse contrato consta que - as casas arrendadas destinam-se a oficinas de reparação, estação e serviços, recolha, venda de óleos, gasolina, acessórios de artigos de automóveis, maquinismos, stand e escritório e ( , ) ainda ( , ) a armazéns, depósitos gerais, postos de venda de leite ou de quaisquer outros produtos e materiais inerentes à actividade da locatária - ( F ). ( 7 ) - E no artigo 6º prevê-se que - a inquilina poderá transmitir a outrem, global ou parcialmente, mas para os fins do artigo 2º, o arrendamento ( , ) sem dependência de autorização dos senhorios, bastando avisá-los com a antecedência mínima de quinze dias - ( G ). ( 8 ) - A partir de 1971, a 1ª Ré instalou no locado a sua sede e exerceu ali a sua actividade de recolha de leite e derivados junto dos produtores associados e posterior revenda aos grossistas no mercado nacional, e a venda ao público de leite, iogurtes e manteiga ( I ). ( 9 ) - A sede da 1ª Ré situa-se na Avenida D. Afonso Henriques, nº7, r/c direito, na freguesia de Almada ( J ). ( 10 ) - Os AA são comproprietários do prédio urbano, indiviso, sito na Avenida D. Afonso Henriques, nº 7, em Almada, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia e descrito sob o nº9854 a fls.112 vº do Livro B-27 da mesma freguesia na Conservatória do Registo Predial de Almada ( A ). ( 11 ) - Esse prédio adveio aos AA por óbito de I, marido da 1ª A. e pai dos restantes AA ( C ). ( 12 ) - A titularidade dos AA está inscrita no registo predial desde 16/7/79 ( B ). ( 13 ) - Em data não apurada anterior a 1995, a 1ª Ré transferiu a actividade de recolha e venda de leite e venda de iogurtes e manteigas para as instalações da cooperativa em Paivas, mantendo no locado os seus serviços administrativos, bem como o armazenamento de medicamentos e de sémen para animais e um gabinete de apoio a dois veterinários e a dois inseminadores, com vista a satisfazer as solicitações dos produtores seus associados ( 3º e 29º). ( 14 ) - Em 30/6/97, a direcção da 1ª Ré e a respectiva assembleia geral deliberaram alterar os estatutos, nomeadamente o seu artigo 34º, que passaria a ter a redacção seguinte : - m ) - vender maquinismos e utensílios que não convenham ou se tornem desnecessários, bens móveis e imóveis sujeitos a registo -, conforme doc. a fls.104 a 107 ( S ). ( 15 ) - Em 2/7/97, a direcção da 1ª Ré deliberou implementar a exploração das lojas e armazéns da Avenida D. Afonso Henriques, nº 7, Almada, - o locado - com implementação das respectivas vendas, quer no sector desde sempre explorado pela 1ª Ré, no âmbito dos produtos alimentares lácteos, quer em novos produtos adaptados às necessidades do mercado actual, nomeadamente pela exploração de clínica veterinária, consulta e tratamento de animais, comercialização de produtos para animais, comercialização de produtos de limpeza, estética, perfumaria, bijuteria, brindes, plantas e utensílios domésticos, podendo se necessário proceder à importação e exportação ( 27º). ( 16 ) - Até pouco antes de 23/11/98, a 1ª Ré manteve no locado os seus escritórios, continuando a trabalhar aí funcionários seus em regime de permanência ( 30º). ( 17 ) - Era no locado que a direcção da 1ª Ré se reunia regularmente (31º). ( 18 ) - Era também no locado que os associados da 1ª Ré iam receber as verbas a que tinham direito ou entregar os documentos destinados à contabilidade ( 32º). ( 19 ) - Durante períodos concretos não apurados, mas de algumas semanas, a florista do estabelecimento Florista ... utilizou, com autorização da direcção da 1ª Ré, parte duma dependência do locado para guardar flores do seu comércio, sendo-lhe confiada para esse efeito uma chave, para acesso ao local ( 7º). ( 20 ) - A 1ª Ré nunca comunicou aos senhorios que tinha cedido, a qualquer título, os locais arrendados à identificada florista ( 6º). ( 21 ) - Pelo menos por carta recebida pela 1ª A. em 2/10/98, a 1ª Ré deu conhecimento a essa A. da intenção de trespassar o estabelecimento à 2ª Ré, do preço desse trespasse, da forma de pagamento e da data prevista para a realização da escritura ( 21º). ( 22 ) - Com a carta de fls.100, a 1ª Ré remeteu à 1ª A. cópia da carta a fls.99 ( 22º). ( 23 ) - Em 23/11/98, a 1ª Ré celebrou, no 5º Cartório Notarial de Lisboa, com a sociedade por quotas H - Comércio de Perfumaria, Lda, ora 2ª Ré, escritura pública que apelidou de trespasse do estabelecimento comercial instalado no local arrendado, conforme doc.a fls.222 a 229 ( K ). ( 24 ) - O teor dessa escritura só foi comunicado à 1ª A., pela 2ª Ré, e só em 9/12/98 ( 8º). ( 25 ) - Em 9/12/98, a 2ª Ré endereçou à 1ª A., e esta recebeu, a carta a fls.47, acompanha de cópia da sobredita escritura ( L ). ( 26 ) - Com excepção da 1ª A., nunca nenhuma das RR comunicou aos demais AA o teor da escritura celebrada em 23/11/98 ( M ). ( 27 ) - A 2ª Ré tem por objecto social a comercialização de produtos de higiene, perfumaria, bijuteria, importação e exportação, conforme doc. a fls.54 a 57 ( N ). ( 28 ) - A 1ª A. endereçou à 2ª Ré, e esta recebeu, as cartas a fls.69, 71 e 73 ( O ). ( 29 ) - A mesma A. endereçou à 1ª Ré, e esta recebeu, a carta a fls.75 e 76 ( P ). ( 30 ) - Até à renda vencida em Novembro de 1998, respeitante ao mês de Dezembro seguinte, foi sempre a 1ª Ré quem procedeu ao pagamento das rendas, tendo os AA recusado receber a vencida em Dezembro de 1998 e as seguintes ( Q ). ( 31 ) - A porteira recebia o cheque da 1ª Ré e de outros inquilinos e depositava os respectivos valores no banco ( 20º). ( 32 ) - A 1ª Ré só conhecia como senhoria a 1ª A., desconhecendo a existência dos demais AA ( 18º). ( 33 ) - A 1ª Ré endereçou à 1ª A. as cartas a fls.99, 100 e 101, a primeira devolvida fechada dentro do respectivo envelope, por essa A. não a ter reclamado, mas recebidas as restantes ( R ). ( 34 ) - A partir de Novembro de 1998, a 2ª Ré instalou no locado, mais precisamente no r/c direito com entrada pelo nº7 A, 7 E, 7 F e traseiras, loja aberta ao público a que chamou - lojas económicas - e em que vende, nomeadamente, produtos de higiene - sabonetes, papel higiénico, detergentes para consumo doméstico e outros -, alguns produtos de perfumaria, artigos e utensílios, dos mais variados, para casa - toalhas, pegas, copos, pratos, caixas plásticas, bibelots, e artigos de papelaria (11º). ( 35 ) - Na loja com entrada pelo nº7 F, a 2ª Ré instalou uma loja de e para animais, em que, em período não apurado, mas pelo menos 8 meses, vendeu cães, gatos, pássaros, peixes, répteis, jaulas, terrários, aquários, camas, cestos, rações, latas, coleiras, trelas, produtos veterinários, champôs, colónias, e brinquedos, e prestou serviços de cabeleireira de cães e gatos e de assistência veterinária ( 12º). ( 36 ) - A 2ª Ré instalou na cave do locado com entrada pelo nº7 e pelo portão 7 A, de acesso às traseiras, o Hospital Veterinário de Almada, que, durante o período acima referido, em conjugação com uma clínica veterinária de Amora, prestou serviços para animais de consultas médicas, vacinas, medicina interna, identificação animal, análises clínicas em laboratório próprio, E.C.G., ecografia, endoscopia, raio - X, cirurgia geral, cirurgia ortopédica, internamentos hospitalares, salão de beleza ( tosquias e banho ), pet shop, e domicílios com ambulâncias veterinárias durante toda a se-mana, incluindo sábados e domingos ( 13º). ( 37 ) - Com essas actividades no locado, aumentou a afluência de público ao mesmo, incluindo sábados e domingos ( 14º). ( 38 ) - Com as utilizações que lhe estão a ser dadas pela 2ª Ré, ao local arrendado corresponde no mercado uma renda mensal mínima de 400.000$00 ( 16º). ( 39 ) - A 2ª Ré explora o estabelecimento com uma estratégia própria, inovadora, com aparato e divulgação destinada a conquistar mais clientela, utilizando nesse sentido a expressão - lojas económicas - ( 35º). ( 40 ) - Nesse estabelecimento, a 2ª Ré vende também produtos alimentares ( leite, derivados e ou-tros ), produtos de higiene e limpeza, também para automóveis, produtos de perfumaria, e artigos e utensílios para casa ( 37º e 38º). ( 41 ) - A mesma Ré efectuou publicidade nos termos dos documentos a fls.60 e 61 ( 41º). ( 42 ) - A 2ª Ré levou a cabo as obras de conservação do locado, que envolveram pavimento novo, pintura integral, toda a instalação eléctrica, canalizações, torneiras, louças, azulejos, e trabalhos de carpintaria nas portas e janelas, e sua posterior pintura ( 44º). ( 43 ) - Gastou nessas obras quantia não apurada ( 41º). ( 44 ) - As obras referidas beneficiaram o locado em termos de conforto e segurança do mesmo e ainda na sua estética interior e exterior, revalorizando o respectivo imóvel ( 46º). ( 45 ) - As obras realizadas pela 2ª Ré no locado não foram autorizadas pelos AA ( 48º). Apreciando e decidindo : Com respeito às 4 primeiras conclusões da alegação da recorrente, importa vincar que, diferentes os artigos em que respectivamente se inserem, cada um com o âmbito, campo ou domínio próprio de aplicação que as respectivas previsões definem, não deve misturar-se, por assim dizer, a exigência constante do art.690º-A, nº2º ( na redacção do DL 183/2000, de 10/8, em vigor desde 1/ 1/2001, aplicável nestes autos por força do determinado no art.7º, nº8º, desse diploma legal ), com o regime do art.690º, nº4º, mesmo se a coberto, ainda, da universal capa de misericórdia em que se tem anuído a transformar o princípio estabelecido no art.266º, todos do CPC. Ao entendimento de Ribeiro Mendes (em - Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto -, 84) citado no Ac.STJ de 1/10/98, BMJ 480/348, em que a recorrente, em litígio pendente há mais de 5 anos e meio, se louva, é, se bem se parece, preferível, desde logo pela razão que indica, de prevenir dilações, o de Lopes do Rego, - Comentários ao CPC - ( 1999 ), 466, e de Fernando Amâncio Ferreira, - Manual dos Recursos em Processo Civil -, 5ª ed. ( 2004 ), 161, nota 345, em que o acórdão recorrrido se apoia, salientando a inconveniência da reabertura do contraditório que o entendimento primeiro referido acarreta (4). Quanto, então, às conclusões 5ª a 7ª : A cláusula relativa ao destino do local arrendado, que é o artigo 2º do contrato de arrendamento em questão, transcrito em ( 6 ), supra, reporta-se expressamente ao inerente à actividade da locatária, com o objecto social constante de (1) a ( 3 ), supra. Sempre de algum modo relacionado com a exploração agrícola ou pecuária, abrangia -a título subsidiário, (...) o aprovisionamento e serviços relacionados com o objecto principal, podendo ainda efectuar, a título complementar, actividades próprias de outros ramos e as necessárias à satisfação das necessidades dos seus membros, desde que aprovados por assembleia geral -. E daí uma actividade mais ampla, com mercearias em que se vendiam géneros alimentícios como arroz e massas. Consoante (14), supra, em 30/6/97, a direcção da cooperativa Ré e a respectiva assembleia geral deliberaram alterar os estatutos, nomeadamente o seu artigo 34º, que passaria a ter a redacção seguinte : - m ) - vender maquinismos e utensílios que não convenham ou se tornem desnecessários, bens móveis e imóveis sujeitos a registo -, conforme doc. a fls.104 a 107 . E conforme ( 15 ), supra, em 2/7/97, a mesma direcção deliberou desenvolver a exploração das lojas e armazéns da Avenida D. Afonso Henriques, nº 7, em Almada, mediante a implementação de vendas também de - novos produtos adaptados às necessidades do mercado actual, nomeadamente pela exploração de clínica veterinária, consulta e tratamento de animais, comercialização de produtos para animais, comercialização de produtos de limpeza, estética, perfumaria, bijuteria, brindes, plantas e utensílios domésticos, podendo se necessário proceder à importação e exportação -. Nada disso, que se saiba, passou do papel à prática. Nessa altura, como se vê de ( 13 ) e ( 16 ) a ( 18 ), supra, já a recorrente tinha, há mais de um par de anos, transferido a actividade de recolha e venda de leite e venda de iogurtes e manteigas para as suas instalações em Paivas, e o que se mantinha no local arrendado eram os seus serviços administrativos, o armazenamento de medicamentos e de sémen para animais, e um gabinete de apoio a dois veterinários e a dois inseminadores, com vista a satisfazer as solicitações dos produtores seus associados. Conforme ( 27 ) e ( 34 ) a ( 36 ), supra, a ora recorrente tem por objecto social a comercialização de produtos de higiene, perfumaria, bijuteria, importação e exportação, e, nessa conformidade, instalou no local arrendado uma espécie do que é comum dizer - loja dos 300 -, com produtos de higiene - sabonetes, papel higiénico, detergentes para consumo doméstico e outros -, produtos de perfumaria, artigos e utensílios para casa - toalhas, pegas, copos, pratos, caixas plásticas, bibelots, e artigos de papelaria, de par com uma loja de e para animais, em que, durante pelo menos 8 meses, vendeu cães, gatos, pássaros, peixes, répteis, jaulas, terrários, aquários, camas, cestos, rações, latas, coleiras, trelas, produtos veterinários, champôs, colónias, e brinquedos, e prestou serviços de cabeleireira de cães e gatos e de assistência veterinária, e com uma clínica veterinária com serviços de consultas, vacinas, medicina interna, identificação animal, análises clínicas em laboratório próprio, E.C.G., ecografia, endoscopia, raio-X, cirurgia geral, cirurgia ortopédica, internamentos hospitalares, salão de beleza ( tosquias e banho ), pet shop, e domicílios com ambulâncias veterinárias durante toda a semana, incluindo sábados e domingos. Nada tudo isto tem que ver com a exploração agrícola ou pecuária, e é manifesto que a recorrente passou a exercer no local arrendado actividade comercial de modo nenhum equiparável à efectivamente desenvolvida pela Ré cooperativa no âmbito do objecto social respectivo. A afirmação da recorrente, na alegação respectiva ( fls.1028, 3º par.), de que - a aptidão potencial e adequada para o desenvolvimento dessa actividade no locado já existia - resulta, em vista da matéria de facto apurada, sem tom nem som. Ao que se vê dos factos provados, não havia - elementos estruturantes do estabelecimento - que ali instalou nenhuns e a afirmação de que - até a própria clientela se manteve -, referida ao que na realidade já não passava de escritório, armazém e gabinete de apoio a dois veterinários e a dois inseminadores, com vista a satisfazer as solicitações dos produtores associados da Ré cooperativa, releva de desenfreada fantasia. E também quanto à inoportunidade da comunicação do (pseudo-) trespasse, o acórdão recorrido não - passou por completo ao lado - de coisa alguma, improcedendo as conclusões 8ª a 10ª. Desmerece, desde logo, comentário sequer, enfim, a peregrina tese de que só em caso de sublocação ou comodato, e não também de trespasse, a tal há lugar. Em todo o caso : Tem-se dito do trespasse que é, por antonomásia, a venda do estabelecimento - em globo, com tudo o que o compõe, ou, em tal acordando as partes, sem alguns dos seus elementos, desde que essa exclusão o não descaracterize. Um dos mais importantes desses elementos é o local que ocupa, as suas instalações, as mais das vezes transmitidas também quando o estabelecimento é trespassado. São do C.Civ. todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação. Posto que o trespasse em causa é, em último termo, e como já dito, uma venda - negócio de que um dos elementos essenciais é o preço ( arts.874º e 879º, al.c) ) -, do estabelecimento como uma universalidade de facto e de direito, em que normalmente se incluem as respectivas instalações - como pode a recorrente pretender ( v. fls.1030 ) excluir essa espécie negocial da cessão onerosa do direito ao arrendamento aludida nas als.f) e g) do art.1038º ? Não são, enfim, os tribunais, nem os manuais de direito do arrendamento, que andam, a este respeito, errados. De resto, como explicado no acórdão recorrido, destinada a exigência da comunicação da sua efectiva realização a facultar o controlo da regularidade do trespasse, nem a comunicação para preferência, prévia e para esse efeito, e a comunicação, ex post facto, do trespasse se equivalem, nem também o simples pagamento da renda tal pode suprir, visto que, como óbvio, não revela os termos daquele negócio (5) . Quanto à cláusula 6ª do contrato em referência, transcrita em ( 7 ), supra, terá de, sem mais, ficar-se com o nela adiante destacado. Reza, na verdade assim: - a inquilina poderá transmitir a outrem, global ou parcialmente, mas para os fins do artigo 2º, o arrendamento ( , ) sem dependência de autorização dos senhorios, bastando avisá-los com a antecedência mínima de quinze dias -. Conforme ( 6 ), supra, esse artigo 2º desse contrato diz que - as casas arrendadas destinam-se a oficinas de reparação, estação e serviços, recolha, venda de óleos, gasolina, acessórios de artigos de automóveis, maquinismos, stand e escritório e ( , ) ainda ( , ) a armazéns, depósitos gerais, postos de venda de leite ou de quaisquer outros produtos e materiais inerentes à actividade da locatária -. Dessa actividade disse-se já quanto basta. Resta, pois, a questão da indemnização - conclusões 11ª a 13ª. Logo em relação à primeira vem a lume que a ilicitude existe independentemente da sua declaração judicial. Por outras palavras : uma coisa é a ilicitude e outra a declaração judicial da mesma em termos da sua indiscutibilidade. Porque assim é, esta questão coloca-se, antes, no plano da culpa, que sempre será de julgar ocorrer efectivamente quando sem margem para dúvida séria se deva ter consciência da ilicitude da actuação em causa, ou seja, quando resulte irrecusável, ou, como ora se diz, incontornável, que num normal plano de boa fé - cfr. art.487º, nº2º, muito bem deva saber-se que se actuou contra legem. É o que não se tem dúvida alguma que efectivamente se verifica no caso destes autos. Nada em contrário apurado, os factos provados preenchem na realidade a previsão do art.483º, nº1º. Ineficaz, como visto, o trespasse, observa-se no acórdão sob revista, a um tempo, que o art.1045º não tem cabimento em relação a terceiros, e a outro, que não impugnada pela 1ª Ré a sentença que declarou resolvido o contrato de arrendamento, é a ocupação intitulada do local arrendado pela ora recorrente que, desde então tem privado os ora recorridos da fruição plena do direito de propriedade ( comum ) que lhes assiste. Conforme ( 38 ), supra, com as utilizações que lhe estão a ser dadas pela 2ª Ré, ao local arrendado corresponde no mercado uma renda mensal mínima de 400.000$00 . Nada apurado que pudesse obstar à sua efectiva obtenção, vale de pleno o disposto nos arts.562º, 563º, 564º, e 566º. Os depósitos efectuados pela recorrente não têm efeito liberatório. Não têm os recorridos que aceitá-los - cfr. também art.763º, nº1º. Terá a recorrente que providenciar pelo seu levantamento. Na conformidade do exposto : Nega-se a revista. Confirma-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 6 de Julho de 2005 Oliveira Barros, Salvador da Costa, Ferreira de Sousa. --------------------------------------- (1) Rodrigues Bastos, nas suas - Notas ao CPC -, II, 361-2., é claro a este respeito : a determinação da indemnização por litigância de má fé - nunca fica reservada para execução de sentença -, tão só havendo lugar a liquidação complementar nos precisos termos do nº2º do art.457º CPC. O mesmo dizia já Alberto dos Reis, - Anotado -, II, 281. (2) Ao dizer que - não há trespasse - nas hipóteses que descreve, esse preceito quer apenas dizer, como notado em ARE de 1/7/97, CJ, XXII, 4º, 266, 1ª col., 3º par., período final, que assim se considera para o efeito da dispensa da autorização do senhorio concedida no número anterior. V., sobre inexistência, Mota Pinto, - Teoria Geral da Relação Jurídica -, 3ª ed., 608 ss ( nº200 ). A questão é, se bem parece, de ineficácia relativa ou inoponibilidade - idem, 606 ( nº199 -I ) e 607. (3) Com transcrição do primeiro e dos dois últimos de que menos bem se vê a efectiva necessidade. (4) Já assim se entendera em ARL de 25/3/2003, CJ, XXVIII, 2º, 98, com o mesmo relator do acórdão ora em recurso, mencionado no predito manual e nota. No mesmo sentido, v. ARE de 3/6/2004, CJ, XXIX, 3º, 250, 2ª col., final do 3º par., e nota 2, citando Ac.STJ de 27/3/2003, constante da base de dados respectiva. (5) V., a este respeito, Aragão Seia, - Arrendamento Urbano -, 7ª ed.(2003), 678, último par., e 679, e aresto e loc.cits na nota 2, penúltimo par. |