Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12701/18.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONHECIMENTO PREJUDICADO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
À luz do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 8/2022 do STJ, a falta de um dos pressupostos como o nexo de causalidade, cuja demonstração incumbiria aos AA., é por si só motivo de não procedência da acção.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Na presente acção declarativa que AA e BB movem contra Banco BIC Português, S.A., os AA. interpuseram recurso da sentença pela qual foi julgada a acção improcedente por não provada e o R. absolvido do pedido, pedido este que consiste na condenação da R. a pagar aos AA. a quantia de € 59.291,43, acrescida de juros, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, sobre a quantia de € 50.000,00, desde a citação.

2. O Tribunal da Relação recebeu o recurso de apelação e identificou como questões a decidir:

- da impugnação da matéria de facto provada; e

- da responsabilidade do intermediário financeiro.


3. A impugnação da matéria de facto não obteve provimento e a responsabilidade do intermediário financeiro claudicou, perante os factos provados, por se entender que os pressupostos da responsabilidade do IF tinham de ser provados (e não o foram), pelo que, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, a acção teria de ser julgada improcedente. Não estaria demonstrada a ilicitude, nem o nexo de causalidade, que não se poderiam presumir.

Por isso o recurso obteve o seguinte resultado: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.”


4. Não se conformando com o acórdão, os AA. interpuseram recurso de revista excepcional para o STJ, admitido pela formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC.

Nas conclusões do recurso concluem (transcrição):

A. A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.

B. É um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial, a forma como o Banco réu comercializava as obrigações SLN aos seus balcões.

C. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC), um grande conjunto de acórdãos, entre os quais, o aqui escolhido como acórdão fundamento.

D. Em todos os acórdãos suprarreferidos se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar da existência do nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o prejuízo sofrido pelos autores, ora recorrentes.

E. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado naqueloutro acórdão de 19/04/2018.

F. Existe uma identidade quase total entre as causas: obrigações SLN (aqui SLN Rendimento Mais 2004 e no acórdão fundamento, SLN 2006), vendidas, no caso dos autos, no balcão do BPN, de ... (...) e no caso do acórdão fundamento, no balcão do BPN de ... (...).

G. A representação, razoavelmente feita pelo autor marido, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

H. No caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

I.   Quanto à verificação do nexo de causalidade, que no caso sub judice se considerou não existir, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.

J.  A págs. 65 e 66 do acórdão fundamento, considerou-se “que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314.º do CVM é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Banco, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.

Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC, e também por força do disposto no art.º 314.º, n.º 2 do CVM, e porque a norma do CC referida contem uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente (caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»)a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa”. – Doc. 1

K. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

L.  A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte.

M. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou Banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art. 304.º-A do C.V.M. quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.

N. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.

O. Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido.

P. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao autor marido a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.

Q. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..

R. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.

S.  Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor.

T.  De outro modo, alimentar-se-ia uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios; à margem de qualquer vontade livre e esclarecida, situação que o legislador de todo não visou.

U. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

V. Na prática, a decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

W. O ónus probatório deve ser distribuído, não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas antes em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.

X. Este entendimento faz todo o sentido, uma vez que só deste modo, se estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.

Y.  De facto, a parte com maior facilidade probatória pode sempre demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.

Z.  No plano de direito substantivo, só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes.

AA. Por sua vez, no plano do direito adjetivo, só deste modo será possível garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais.

BB. Cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

CC. Tanto o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, como o tribunal de 1.º instância violaram as regras da apreciação de prova, ao não imporem ao Banco recorrido, intermediário financeiro, o ónus da prova.

DD. De facto, ambos os tribunais recorridos deixaram de extrair dos factos apurados as presunções impostas por lei, como impõe o n.º 4 do artigo 606.º do C.P.C..

EE. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados por Oliveira e Costa e companhia.

FF. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

GG. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.

HH. As condenações nos processos n.º 121/08.1TELSB e n.º 4.910/08.9TDLSB demonstram cabalmente que afinal não foi a crise financeira do SUB PRIME que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo SLN/BPN, pelo que não se pode afastar a existência do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita do Banco réu.

II. Tanto o acórdão recorrido como o suprarreferido acórdão se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada?

JJ. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros deste mesmo Venerando Tribunal, responderam de modo positivo.

KK. A apreciação da aludida questão é absolutamente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, nesta altura, a orientação dos nossos tribunais superiores não está sedimentada, não proporcionando ainda aos utentes da Justiça aquele grau de segurança que a aplicação do direito demanda.

LL. Dever-se-á presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada.

MM. Num caso como o dos autos (em que temos de um lado um Banco que exerce a intermediação financeira com profissionalidade e, do outro, clientes, investidores não qualificados), as partes, atentos os interesses em jogo e a respetiva condição, não podem ser colocadas em igualdade de posições, no que tange ao esforço probatório de cada uma.

NN. A mesma questão fundamental de direito foi colocada já a este colendo tribunal, em sede de revista excecional, ainda não apreciada, no âmbito dos Processos n.º 33970/15.4T8LSB.L1, n.º 3443/17.7T8LSB.L1, n.º 10438/16.6T8LSB.L1 e n.º 12422/16.0T8LSB.L1.S1, contra o Banco réu, nos quais, como nos presentes autos, tendo o acórdão do Tribunal da Relação sido proferido por unanimidade, mantendo a decisão da primeira instância com idêntica fundamentação, foi admitida a revista, por ter sido “invocado pelos recorrentes o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 672º do C.P.C., que é suscetível de configurar uma situação de admissibilidade da revista excecional, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do C.P.C.”, e uma vez que estão pendentes “neste Supremo Tribunal de Justiça diversos recursos para uniformização de jurisprudência em face das divergências que também aqui se vêm manifestando”.

OO. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 9.º, n.º 2; 342.º, n.º 1; 344.º, 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º e 314.º, n.º 1 do CVM e 607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C..


5. Foram apresentadas contra-alegações, onde não figuram conclusões, mas se pede a improcedência do recurso.


6. O recurso de revista foi recebido pelo relator a quem foi distribuído no STJ e que veio a proferir despacho a suspender a instância, por estarem pendentes vários recursos de Uniformização de Jurisprudência cujo desfecho poderia afectar o modo como deve ser decidido o presente recurso.


7. Foi, entretanto, proferido Acórdão que Uniformizou Jurisprudência em relação às questões suscitadas no presente recurso e que haviam justificado a suspensão do processo - Processo nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, tendo-se fixado a seguinte orientação jurisprudencial:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 


Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De Facto

8. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

“1 - Em 25-10-2004 o A. subscreveu uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004.

2 - A obrigação em causa tinha o valor nominal de € 50 000,00.

3 - A obrigação foi emitida por um prazo de 10 anos (de 25 de Outubro de 2004 a  de Outubro de 2014).

4 - Não era permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas, constando do Boletim de Subscrição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, sob a epígrafe “Prazo e Reembolso”: o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.G.P.S., S.A. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

5 - As obrigações eram remuneradas nos dez primeiros cupões a 4,5% e nos restantes cupões à Euribor 6M + 1,75%, sendo o pagamento de juros semestral e postecipado.

6 - Era garantido 100% do capital investido.

7 - As obrigações eram subordinadas, respondendo as receitas da SLN pelo serviço da dívida, tendo os subscritores prioridade sobre os accionistas da SLN, mas estando subordinadas aos restantes credores.

8 - A responsabilidade pelo pagamento da obrigação no momento do vencimento era da entidade emitente, a “SLN, SGPS, S.A.” (posteriormente “Galilei, SGPS, S.A.”).

9 - A entidade emitente pagou a totalidade da remuneração prevista a título de juros.

10 - A entidade emitente não procedeu ao pagamento da quantia referente à obrigação na data prevista.

11 - O BPN explicou ao A. estar em causa um produto com o risco do próprio Banco e do respectivo grupo económico, tratando-se de um produto do tipo seguro e conservador.”

9. Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:

“- que o R. haja transmitido ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco;

- que o BPN tenha transmitido ao A. que, apesar de se tratar de uma obrigação a 10 anos, poderia resgatá-la em qualquer altura, com o que sofreria apenas uma penalização nos juros;

- que o A. teria deixado de subscrever o produto se tivesse tido conhecimento de que, no caso de a sociedade emitente não pagar o valor correspondente, este não seria pago pelo Banco, de que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.G.P.S., S.A. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal e de que os subscritores teriam prioridade sobre os accionistas da SLN, mas estariam subordinados aos restantes credores;

- que o A. tenha recebido periodicamente, pelo correio, os avisos de crédito relativos aos juros e os extractos periódicos de onde constavam as obrigações, integrando as carteiras de títulos de forma separada dos depósitos a prazo, com um sub-título atinente.”


De Direito

10. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Das conclusões do recurso resultam estarem em causa a ilicitude, o nexo de causalidade e a culpa, como pressupostos da obrigação de indemnizar (sem prejuízo de também se exigir o dano), considerando os recorrentes que foram violados os artigos 9.º, n.º 2; 342.º, n.º 1; 344.º, 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º e 314.º, n.º 1 do CVM e 607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C..


11. Uma das primeiras questões suscitadas pelos recorrentes – AA – é a da violação do dever de informar, enquanto obrigação do intermediário financeiro réu, nomeadamente porque:

“G. A representação, razoavelmente feita pelo autor marido, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

H. No caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.”


12. Outras das questões suscitadas pelos recorrentes – AA – é a do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano causado, nomeadamente porque:

N. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.

(…)

P. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao autor marido a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.”

13. Ambas as questões estão interligadas no sentido de ambas serem pressupostos da obrigação de indemnizar, que corresponde ao pedido do A.

Para a sua procedência importaria que os factos provados permitissem a aplicação do direito no sentido de se ter por comprovado que houve ilicitude do intermediário financeiro e que essa ilicitude foi causal do alegado dano, pois apenas a culpa do Réu se presumiria.

Os autores nos presentes autos não lograram provar nem a ilicitude, nem o nexo de causalidade.

Esse foi o entendimento das instâncias perante os factos trazidos a juízo, com os quais este STJ tem de aplicar o Direito.

Ora, à luz do acórdão de uniformização de jurisprudência acima indicado, a falta de um dos pressupostos como o nexo de causalidade, cuja demonstração incumbiria aos AA., é por si só motivo de não procedência da acção, tornando inútil a análise da ilicitude, âmbito no qual se têm colocado algumas dúvidas em situações de facto com contornos idênticos ao do presente processo, já que ainda que houvesse ilicitude sempre faltaria a prova do nexo causal, e esta no momento processual em causa e nas condições dos presentes autos não é já passível de ser revertida.

Também importa esclarecer que as normas invocadas pelos recorrentes como tendo sido violadas pelo Tribunal não logram vencimento, à luz do indicado AUJ.

Aí se fixou a orientação jurisprudencial seguinte:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 


Atendo o exposto o recurso improcede.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas são a cargo dos AA, recorrentes, que ficaram vencidos.


Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira