Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00036329 | ||
Relator: | VIRGILIO OLIVEIRA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICATIVAS COMPARTICIPAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ199903170014343 | ||
Data do Acordão: | 03/17/1999 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | BMJ N485 ANO1999 PAG124 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS. | ||
Legislação Nacional: | CP95 ARTIGO 29 ARTIGO 131 ARTIGO 132 N1 N2 E F G. | ||
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Sumário : | As situações dos exemplos - padrão referidos no n. 2 do artigo 132 do Código Penal são relevantes por via da culpa e não da ilicitude e, por isso, não são comunicáveis, mas susceptíveis de valoração autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se o disposto no artigo 29 do Código Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No Tribunal de Círculo de Coimbra, perante o tribunal colectivo e sob acusação do Ministério Público, foram julgados os arguidos A, solteiro, filho de B e de C, nascido a 1 de Março de 1967, em Águeda, sem residência fixa, preso preventivamente, D, solteiro, filho de E e de F, nascido a 14 de Maio de 1973, natural de S. Paulo de Frades, Coimbra, residente na Quinta do Carmo, Ingote, preso preventivamente, e G, solteiro, filho de H e de I, nascido a 22 de Agosto de 1978, natural de Ribeira de Frades, Coimbra, residente no Casal da Bemposta, n. 34, S. Martinho do Bispo, Coimbra, preso preventivamente. Era-lhes imputada a prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas e), f) e g) do Código Penal e de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210, n. 1 do mesmo Código. 2. Foram condenados como co-autores de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas e), f) e g), actualmente previstos nas alíneas f), h) e i), com a redacção da Lei n. 65/98, de 2 de Setembro do Código Penal e de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210, n. 1 do mesmo Código, nas seguintes penas: 2.1. O arguido A na pena de dois (2) anos pelo crime de roubo e de dezassete (17) anos pelo crime de homicídio, em cúmulo jurídico na pena de dezoito (18) anos de prisão; 2.2. O arguido D na pena de dois (2) anos pelo crime de roubo, dezassete (17) anos pelo crime de homicídio e, em cúmulo jurídico, na pena de dezoito (18) anos de prisão; 2.3. O arguido G na pena de dois (2) anos pelo crime de roubo, catorze (14) pelo crime de homicídio e em cúmulo jurídico na pena de quinze (15) anos de prisão. 3. Inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o arguido G que apresentou as seguintes conclusões na sua motivação: 3.1. Ao considerar que o arguido G agiu livre e deliberadamente e ainda de comum acordo com os outros dois arguidos, o douto acórdão comete o erro notório na apreciação da prova, visto que dá como provado que o recorrente foi ameaçado e que, inclusivamente, tentou abandonar o local do crime antes deste ser perpetrado, tendo sido impedido de o fazer pelos outros dois arguidos; 3.2. Ao considerar que o recorrente agiu com premeditação, excluindo deste conceito a "conservação da intenção de matar por mais de 24 horas", o douto acórdão recorrido erra também notoriamente na apreciação da prova, uma vez que os restantes elementos do conceito de premeditação (frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregados) não se encontram presentes na acção do recorrente - a existência do "processo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado e calmo na preparação do projecto criminoso" só foi provado relativamente aos outros arguidos; 3.3. Na determinação da medida da pena, o douto acórdão recorrido não teve em consideração o muito menor grau de culpa do recorrente, comparativamente com o dos outros dois arguidos, violando, assim, o artigo 71, n. 1, do Código Penal; 3.4. Na determinação da medida concreta da pena, o douto acórdão recorrido não valorou correctamente as "circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente", em especial, a intensidade do dolo e a conduta anterior e posterior ao facto, assim violando o disposto nas alíneas b) e e) do n. 2 do artigo 71 do Código Penal; 3.5. Ao não atenuar especialmente a pena do recorrente, violou o douto acórdão os artigos 9, 72 e 73 do Código Penal e o artigo 4 do Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro. 3.6. Assim, o douto acórdão recorrido deve ser substituído por outro que condene o recorrente, de acordo com os supra referidos critérios dos artigos 71, 72 e 73, em pena de prisão não superior a dois, digo, superior a oito anos. 4. Na resposta, o Excelentíssimo Procurador da República na 1. instância concluiu a dizer: 4.1. Da matéria de facto dada como provada resulta claramente que o arguido G praticou os crimes pelos quais veio a ser condenado; 4.2. Não houve erro notório na apreciação da prova, nem qualquer outro vício que afecte a validade formal ou substancial do acórdão. 4.3. O Tribunal Colectivo explicitou correctamente em que baseou a sua convicção, indicando as provas respectivas que serviram para formar a mesma; 4.4. Foi respeitado o preceituado no artigo 374 do Código de Processo Penal, pelo que inexiste qualquer nulidade do acórdão; 4.5. Assim sendo, deverá ser confirmado o acórdão recorrido e negado provimento ao recurso; 4.6. As penas aplicadas mostram-se adequadas à personalidade do arguido, não sendo excessivas; 4.7. Atendendo à matéria de facto dada como provada, não deve ser aplicado ao arguido recorrente o regime dos artigos 72 e 73 do Código Penal (atenuação especial da pena); 4.8. Devem ser mantidas as penas parcelares e pena unitária aplicadas ao arguido e negado provimento ao recurso igualmente nesta parte. 5. No Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta promoveu a realização de audiência oral. Os Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos tiveram vista do recurso, após o que foi designado dia para a audiência, à qual se procedeu nas legais formalidades. Cumpre agora decidir. 6. O tribunal de Círculo de Coimbra teve como demonstrados e, por isso, deu como provados os factos que, em seguida, se descriminam: Por meados de 1997, os arguidos D e A conheceram-se casualmente em Coimbra. Voltaram a encontrar-se em Espanha, na apanha da fruta, e, quando regressaram em finais de Outubro / princípios de Novembro de 1997, o A ficou alojado em casa do D, na Rua Cidade Yaroslav / Monte Formoso, Coimbra. Passaram então a acompanhar um com o outro, deambulando por vários lugares frequentados por marginais. Não trabalhando e necessitando ambos de dinheiro, o D, na primeira semana de Novembro, sugeriu ao A que fossem a casa do seu vizinho J - pessoa já idosa (86 anos), que sabia viver sozinha e ter haveres - e ai se apoderassem de dinheiro e valores que encontrassem. Alguns dias depois, na sexta-feira, 14 de Novembro, voltaram a falar sobre o assunto, acordando que lá iriam nesse fim-de-semana; fá-lo-iam durante a noite e por volta das duas horas, por concluírem ser a altura em que a vítima estaria a dormir mais profundamente; conversaram também sobre a necessidade - alvitrada pelo A - de lhe tirar a vida, para "não deixar provas", hipótese que ambos aceitaram. Entretanto, durante o dia de sábado, 15 de Novembro, trataram de obter emprestado um "pé-de-cabra" - o que não conseguiram - com o qual pretendiam forçar e abrir a porta de entrada. Ainda no Sábado, por volta das 22 horas, vagueando na zona da Estação Nova, encontraram o arguido G, conhecido de há alguns anos do D. Falaram-lhe do que se propunham fazer nessa noite, indo a casa do J, sem mencionar a necessidade de tirar a vida à vítima, e convidaram-no a acompanhá-los. Dirigiram-se então os três, a pé, até às imediações da referida casa, na Rua Yaroslav, aguardando a melhor altura para actuar. Já depois da meia-noite, o A e o D foram a um barracão de arrumos junto à casa, de onde trouxeram uma enxada, um serrote e dois pares de luvas, próprias para os trabalhos de construção civil. Serraram o cabo da enxada, cortando-o curto; de seguida, o A forçou a porta de entrada - que é em alumínio - para o que se serviu da enxada como alavanca, introduzindo a respectiva parte metálica junto à fechadura. Como nenhuma reacção houvesse no interior da habitação, entraram os três, com o D à frente. Dirigiram-se logo ao quarto, onde o J, deitado de bruços, dormia profundamente. O D despira entretanto o blusão que vestia - tipo "Kispo", cor azul (fotografado a folhas 144-148, volume 1) - e lançou-o sobre a cabeça do J; de seguida, e com as luvas calçadas, passou a pressionar-lhe a cabeça contra o colchão, mantendo-a segura com o blusão. Ao mesmo tempo o A, usando também as luvas que tinham trazido, atirou-se para cima da vítima a qual acordara e começara a gritar - e, com um dos braços, enlaçou-lhe o pescoço, apertando com força. O arguido G só se apercebeu de que os outros arguidos iam matar o J, quando o arguido D tira o blusão o depoente ainda pensou em abandoná-los, mas tanto o arguido D como o A disseram-lhe que se ele abandonasse o local, deitar-lhe-iam as culpas exclusivas do que se iria passar, caso fossem descobertos. Por outro lado, o arguido D ainda lhe referiu que conhecia bem a sua família. Estas frases foram interpretadas e sentidas pelo arguido G como ameaça à integridade física da sua família e como sendo real, a imputação exclusiva dos factos. Desta forma, o arguido G adere aos propósitos dos dois arguidos D e A, de forma voluntária e deliberada, de comum acordo com os demais, não obstante ter a possibilidade de abandonar o local. A mando do A e coadjuvando ambos, o G enfiou nas mãos umas meias que ali estavam e passou a agarrar os braços do J, manietando-o. Instantes após, o A saltou da cama e foi buscar uma espingarda caçadeira, que ali vira encostada à parede. Desferiu então, com a coronha, várias pancadas na cabeça do J, que continuava tapado e agarrado pelos outros dois arguidos. Passou depois o A a remexer nas várias divisões da casa, à procura de valores. O D e o G ainda continuaram a segurar o J, volvido algum tempo, e seguindo o que o A lhes dissera, puxaram a cabeça da vítima para trás, fazendo bastante força, na zona do pescoço, agarraram ainda numa fronha e ataram-lha à volta do pescoço. Permanecendo o G no quarto, o D e o A revolveram entretanto várias gavetas e móveis, em busca de dinheiro e outros valores. Acabaram por retirar 15000 escudos, aproximadamente, assim como uma espingarda caçadeira calibre 12, já usada, com o n. 88105486 (examinada e fotografada a folhas 133 e 142 143, volume I). Abandonaram os três o local, deixando a arma escondida numa caneira junto à estrada, nas imediações da casa; deitaram as luvas fora, numas silvas, também nas proximidades. Seguiram juntos para a Baixa da cidade, repartindo o dinheiro entre todos e, após terem estado a comer num café, o D e o A partiram de comboio, ainda de madrugada, para Lisboa. Com a conduta descrita - apertando e puxando o pescoço do J do modo supra relatado, comprimindo-lhe a face contra o colchão, mantendo-lhe a cabeça tapada e, ainda, atando-lhe uma fronha à volta do pescoço - os arguidos impediram-no de respirar e assim - e como era seu firme propósito - lhe provocaram a morte por estrangulamento (cf. relatório de autópsia de folhas 191 - 196, volume I, aqui dado por inteiramente reproduzido). Fizeram-no traiçoeiramente, a coberto da noite, indiferentes ao facto de a vítima encontrando-se adormecida e sozinha e sendo pessoa de avançada idade - estar completamente à sua mercê; os arguidos A e D ponderaram, aliás, com antecedência, o modo e momento mais propícios para actuar. Agiram todos livre e deliberadamente, de comum acordo, cientes de que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por Lei. Quiseram, também, integrar no seu património - como integraram - coisas e valores que sabiam não lhes pertencerem. O arguido A é originário de uma família numerosa e de condição social e económica humilde que lhe terá tentado proporcionar, dentro do seu contexto cultural, as condições adequadas ao seu normal desenvolvimento, designadamente ao nível de uma adequada assistência médica do foro psiquiátrico. Após a morte da mãe passou a viver desligado da sua família de origem, limitando-se a manter contactos esporádicos com alguns dos irmãos. Nos meses anteriores à sua prisão não exercia qualquer actividade laboral e vivia habitualmente em pensões. Desde que está preso parece apresentar alguma consciência da gravidade dos factos de que se encontra indiciado. Presentemente não tem familiares que o visitem ou o apoiem. O arguido D é proveniente de uma família numerosa e de condição social e económica humilde, cujo crescimento decorreu num ambiente familiar muito pobre quer do ponto de vista económico, quer cultural, quer afectivo. Esteve internado numa instituição de menores dos sete aos quinze/dezasseis anos de idade e após o falecimento da mãe, tem habitualmente integrado o agregado familiar dos irmãos e trabalhado, irregularmente, em padarias. Nos meses anteriores à prisão não tinha qualquer ocupação e vivia sozinho numa habitação degradada, sita na zona de Monte Formoso, sendo pessoa que ali não mantinha relações de vizinhança, apenas se relacionando com os seus familiares também ali residentes. No decurso da prisão tem sido visitado pelos seus familiares. O arguido G é um indivíduo proveniente de uma família de condição social e económica humilde, cujo percurso de vida, apesar de não ter tido um modelo de identificação positiva na pessoa de seu pai, não fazia prever o seu eventual envolvimento em actividades delituosas. Durante a reclusão parece estar consciente da gravidade dos factos que originaram a sua reclusão. Em audiência de julgamento, o arguido foi o único que reclamou para si, de forma sincera, um castigo, pelos factos praticados, mostrando estar arrependido. 7. Factos não provados. Os arguidos D e A, quando convidaram o arguido G, lhe tivessem falado da necessidade de tirar a vida ao J, para "não deixar provas". Quando o D e o G puxaram a cabeça da vítima para trás, fazendo bastante força, se tivesse ouvido uma espécie de "estalo", na zona do pescoço. 8. Fundamentação. (Aos factos não provados) Conjugação dos depoimentos dos arguidos, os quais foram unânimes em afirmar que quando o arguido G se deslocou com eles a casa da vítima, desconhecia o propósito de tirarem a vida ao J e ainda que nenhum deles ouviu qualquer "estalo". Declarações do arguido G que esclareceu a altura em que se apercebeu do propósito de tirarem a vida ao J. (Aos factos provados) Declarações dos arguidos, de extrema importância para a descoberta da verdade, descrevendo o modo de execução do homicídio, admitindo o propósito do roubo e narrando a circunstância do A e do D dias antes terem congeminado o plano criminoso. Testemunhos de: L, a primeira pessoa a encontrar a vítima, tendo alertado as autoridades. M - a pessoa, a quem na véspera do crime, o arguido D pediu um arranca pregos. Declarações do assistente, filho da vítima e que deu conta à P.J. do desaparecimento dos objectos (dinheiro e arma). Relatório de autópsia de folhas 191 a 199. Documentos de folhas 169 a 172, 133 a 135, 98, 58 a 68, 33-34, 28-29, 8-9, 10-10 verso. Relatórios do IRS. 9. Na sua motivação, quanto ao vício do erro notório na apreciação da prova, argumenta o recorrente G: "Face aos factos dados como provados (designadamente as ameaças que o recorrente sofreu, bem como as tentativas que fez para abandonar o local, mal se apercebeu dos desígnios dos outros dois arguidos), como é possível o douto acórdão recorrido considerar que o arguido G agiu livre, deliberadamente e de comum acordo com os restantes arguidos?". "Na verdade - acrescenta - se o arguido G agiu desde o princípio fortemente coagido, conforme decorre do próprio texto do acórdão recorrido, isso significa que agiu sem liberdade". Da matéria de facto provada resulta, quanto ao ponto agora em causa, a seguinte situação do arguido G: Foi convidado pelos outros dois arguidos a acompanhá-los no assalto à casa da vítima J. Desconhecia que os arguidos A e D tinham intenção de matar o J, segundo acordo a que estes dois haviam chegado. Apenas quando já no quarto do J e quando o D tirou o blusão é que se apercebeu de que os outros dois arguidos iam matar o referido J. O G manifesta-se contrário a tal desígnio criminoso e pensa abandoná-los. No entanto os arguidos D e A ameaçam-no, caso ele abandonasse o local, com a imputação exclusiva do crime e ainda o arguido D lhe refere conhecer bem a sua família. O G interpreta e sente as ameaças como reais, reconduzindo-as, nomeadamente, a ameaças à integridade física da sua família. "Desta forma - diz o acórdão - o arguido G adere aos propósitos dos dois arguidos D e A". Com tal formulação, tem de concluir-se que o arguido G "adere" aos propósitos dos outros dois motivado pelo medo das ameaças. Mas no acórdão, logo a seguir, como matéria de facto, acrescenta-se que o G aderiu "de forma voluntária e deliberada, de comum acordo com os demais, não obstante ter a possibilidade de abandonar o local". É sobretudo com este segmento factual que o recorrente não concorda. Segundo ele, se a adesão teve na sua base uma motivação de receio pelas ameaças dos outros dois arguidos, então não podia ter agido com vontade livre, tendo antes agido sem liberdade. Não há, no entanto, incompatibilidade entre a fundamentação de facto antes aludida e constante do acórdão. Na verdade, na coacção física ou absoluta a liberdade de acção está totalmente excluída no coacto, que é utilizado como mero instrumento. A coacção moral aparece já no âmbito dos vícios da vontade, caso em que a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, ficando com possibilidades de escolha. A situação do recorrente só pode integrar-se na coacção moral, o que pressupõe a manutenção da liberdade e da vontade, embora cercadas, podendo o coacto optar por outro comportamento, como sofrer o mal ou combatê-lo. No acórdão não há graduação da liberdade. Não se diz, por exemplo, que o recorrente tenha passado a agir liberto da pressão dos outros arguidos. Do exposto decorre que a liberdade afirmada no acórdão não seja incompatível com a coacção psicológica exercida sobre o recorrente, sem prejuízo, por evidente, dos reflexos ao nível do substrato da culpa. Adiante-se, porém, que, por carência dos respectivos pressupostos, a situação se não pode enquadrar como causa de exclusão da ilicitude (artigo 34 do Código Penal - direito de necessidade) ou como estado de necessidade desculpante (artigo 35 do Código Penal). De qualquer forma, o medo causado pelas ameaças tem valor na graduação da responsabilidade do recorrente, desde logo ao nível do tipo de culpa previsto no artigo 132 do Código Penal e que aí leva à qualificação do homicídio, muito embora se deva frisar a ausência de racionalidade ou proporcionalidade no seu comportamento e a natureza removível da situação sem a necessidade de adesão ao comportamento dos outros. 10. Depois o recorrente censura o acórdão por lhe tornar extensiva a qualificativa da alínea g) (actual alínea i)) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal. A qualificação do homicídio está contida, no presente caso, nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, pelo que dela se conhecerá numa extensão mais ampla do que aquela que parece resultar da motivação do recorrente. 10.1. Diz o recorrente: "(...) tudo porque o próprio texto do acórdão recorrido reconhece que quando o arguido G se deslocou a casa da vítima, desconhecia o propósito de tirar a vida ao J. Do mesmo modo, logicamente, ignorava o arguido G em absoluto e, portanto, nenhuma reflexão fez sobre os meios empregados na execução do crime, os quais tinham sido ponderados e reflectidos pelos outros arguidos". Da ausência de elementos integradores dessa qualificativa conclui o recorrente pelo vício do erro notório na apreciação da prova. Ao catalogar a situação dessa maneira, é evidente que ao recorrente não assiste razão. A haver erro, ele será de subsunção jurídica e, como tal, mero erro de direito ou de qualificação jurídica, como realmente há. Na verdade, dos factos provados não resulta que o arguido G tenha agido com frieza de ânimo, com reflexão, persistência de intenção, antes pelo contrário. A motivação anómala do seu comportamento entra no processo de formação da sua vontade como incompatível com os estados de frieza de ânimo, reflexão ou persistência. Sendo assim, por afastada se tem a qualificativa da alínea g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal, vigente à altura. As outras qualificativas são as da alínea e) (a prática do homicídio ter em vista assegurar a execução de outro crime) e f) (utilização de meio insidioso). 10.2. Também a qualificativa da alínea e) se não pode imputar ao recorrente. Na sua mente não estava matar o J para possibilitar a execução do roubo. Viu-se enredado numa situação de homicídio que não estava nos seus planos devido a motivação anómala determinada pelos outros arguidos, que nada tinha a ver com o roubo. 10.3. De forma idêntica se tem de ajuizar quanto à qualificativa da alínea f) (meio insidioso). A insidia é sobretudo dos outros arguidos e o recorrente encontra-se perante ela, não que a tenha criado. A actuação do recorrente, para além da actuação emocional derivada das ameaças não é uma actuação de iniciativa, reage ao mando, nem é ele que utiliza ou descobre os instrumentos de agressão ou que tem conhecimento prévio dessa descoberta e utilização. 10.4. De notar que as situações dos exemplos-padrão são relevantes por via da culpa e não da ilicitude e, por isso, não são comunicáveis, mas de valoração autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se o disposto no artigo 29 do Código Penal. Mesmo que os exemplos-padrão se possam também imputar ao arguido-recorrente, ainda assim o homicídio não podia, perante ele, considerar-se qualificado, por, no juízo global da motivação e comportamento, se haver por excluída a especial censurabilidade ou perversidade que traduz o juízo de culpa agravada e a que se refere o n. 1 do artigo 132 do Código Penal. 11. Não obstante o que se expôs, o comportamento do recorrente continua a ser censurável por ter contribuído com actos de execução para o crime de homicídio, embora quanto a ele esse crime seja o de homicídio simples do artigo 131 do mesmo Código. As ameaças são motivação de valor bem inferior à contra-motivação que dele se devia esperar perante a gravidade do cometimento criminoso. Beneficia, contudo, do estado emotivo derivado das ameaças da sua idade, dessa idade ser inferior à dos outros dois, da confissão e do arrependimento sincero ("cujo percurso de vida (...) não fazia prever o seu eventual envolvimento em actividades delituosas. Durante a reclusão parece estar consciente da gravidade dos factos que originaram a sua reclusão. Em audiência de julgamento, o arguido foi o único que reclamou para si, de forma sincera, um castigo, pelos factos praticados, mostrando estar arrependido" - lê-se no acórdão). O arrependimento sincero do agente é circunstância que revela manifesta falta de adequação do facto à sua personalidade. 12. Também quanto ao roubo o comportamento do recorrente se mostra menos censurável que o dos outros dois. O D e A combinaram e amadureceram entre si a actuação que iriam levar a cabo na casa do J. O G aparece posteriormente e é encontrado pelos outros dois a vaguear na zona da Estação Nova e "falaram-lhe do que se propunham fazer nessa noite, indo a casa do J, sem mencionar a necessidade de tirar a vida à vítima, e convidaram-no a acompanhá-los". São o A e o D que vão "ao barracão de arrumos junto à casa, de onde trouxeram uma enxada, um serrote e dois pares de luvas, próprias para os trabalhos de construção civil". Foram eles que serraram o cabo da enxada, cortando-o curto e, "de seguida, o A forçou a porta da entrada - que é em alumínio - para o que se serviu da enxada como alavanca, introduzindo a respectiva parte metálica junto da fechadura", entrando depois os três com o A, digo, com o D à frente. "Permanecendo o G no quarto, o D e o A revolveram entretanto várias gavetas e móveis, em busca de dinheiro e outros valores". 13. Em audiência, neste Supremo Tribunal, a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta doutamente se pronunciou pela não qualificação do homicídio em relação ao recorrente devido, nomeadamente, às ameaças sobre ele exercidas pelos outros dois arguidos. É essa não qualificação que se adopta também no presente acórdão. O recorrente é co-autor apenas do crime de homicídio simples do artigo 131 do Código Penal. 14. Pretende o recorrente que a sua conduta devia beneficiar de uma pena especialmente atenuada, sendo, porém, certo que tal pretensão se move dentro da moldura penal do crime de homicídio qualificado. Regredindo o seu crime de homicídio para o artigo 131 do Código Penal e atendendo à moldura penal do crime de roubo, entendem-se as respectivas molduras penais como suficientes para dentro delas se encontrar a medida concreta das penas. A culpa, prevenção geral positiva e a prevenção especial no âmbito de crimes com a gravidade que revestiram os comportamentos do recorrente, afastam a atenuação especial das penas, mesmo na consideração da idade do arguido, da comparticipação assente em ameaças, na confissão e arrependimento sincero, situações que encontram graduação justa no âmbito das molduras penais normais. 15. Pelo exposto decidem: Julgar o arguido G como co-autor de um crime de homicídio voluntário previsto e punido no artigo 131 do Código Penal e, como tal, condená-lo na pena de oito (8) anos de prisão; Condenar o mesmo arguido pela prática do crime de roubo do artigo 210, n. 1 do Código Penal, em co-autoria, na pena de dezoito (18) meses de prisão; Condenar esse mesmo arguido, em cúmulo jurídico na pena única de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão; Manter no restante o douto acórdão recorrido. Sem custas. Fixam-se em 15000 escudos os honorários a favor do defensor oficioso nomeado em audiência, a suportar pelos Cofres. Lisboa, 17 de Março de 1999 Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Flores Ribeiro, Brito Câmara. (Vencido. Há contradição entre os factos relativamente ao estado de espírito - vontade - do recorrente no momento em que comparticipa no homicídio. Assim determinaria o reenvio para que ficasse com certeza se o arguido teve ou não vontade de praticar o delito, circunstancialismo fundamental para se concluir pela execução do crime. Pelo menos, a não se entender assim, votaria pela absolvição dado o disposto no artigo 35 do Código Penal pois a coacção feita explicaria a execução do crime mas sem desejo de o cometer). 2. Juízo Tribunal de Círculo de Coimbra - Processo n. 50/98. |