Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
080321
Nº Convencional: JSTJ00009380
Relator: JOAQUIM DE CARVALHO
Descritores: OBJECTOR DE CONSCIENCIA
PRESSUPOSTOS
PROVA
Nº do Documento: SJ199105210803211
Data do Acordão: 05/21/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N407 ANO1991 PAG438
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9403/90
Data: 07/12/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR PERS.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 41 N6.
L 6/85 DE 1985/05/04 ARTIGO 1 ARTIGO 2 ARTIGO 5 ARTIGO 16 N5 ARTIGO 24 N4.
Sumário : I - Nos termos da lei n. 6/85, de 4 de Maio, so pode ser concedido o estatuto de objector de consciencia a quem, cumulativamente, prove factos que demonstrem: a) a sinceridade de convicção pessoal, acerca da ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal; b) por motivos de ordem religiosa, moral ou filosófica; c) com comportamento anterior em coerencia com tal convicção, designadamente com filiação em associações ou confissões religiosas cuja doutrina seja contrária ao uso daqueles meios violentos.
II - Não basta a filiação ou militância em qualquer associação filosófica e (ou) congregação religiosa para obtenção do estatuto de objector de consciência exigindo-se ainda a "convição pessoal", cuja sinceridade tem de ser provada.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, neste Supremo:-
A, solteiro, ajudante de tecelão, residente na Rua de Salazares, 768, Porto, propos acção contra o Estado Portugues para obtenção do estatuto de objector de consciencia que o dispense do serviço militar obrigatorio.
Não houve contestação. Prosseguiu o processo e foi proferida a sentença, julgando improcedente a acção com denegação do pretendido estatuto.
Recorreu o Autor, mas a Relação não o atendeu, confirmando a sentença recorrida.
E agora recorre o mesmo Autor, pedindo revista do Acordão da Relação, para se julgar procedente a acção.
Com a defesa do principio afirmativo de que "a lei não impede que os tribunais decretem o estatuto (de objector de consciencia) a todas as testemunhas de Jeova que o requeiram e que pelo seu curriculo demonstrem sem sombra de duvidas que não são movidos por oportunismo facil", conclui que os factos provados sustentem bem a atribuição do estatuto do objector de consciencia, so que as Instancias inobservaram o disposto no artigo 24 n. 4, da Lei n. 6/85, de 4 de Maio, ao submeter-lhe aqueles factos.
Pelo contrario, o Ilustre Representante do Ministerio Publico neste Supremo defende a negação de revista, por nenhuma lei substantiva se mostrar ofendida nas decisões da Instancia.
Nada obsta a que se decida.
Para todo o cidadão se impõe o dever, constitucionalmente consagrado, de defesa da patria. E dai que tambem para todos a Constituição estabeleça a sujeição ao Serviço Militar Obrigatorio. Tão interligados estão, que bem podera dizer-se que este serviço emana daquele dever.
Estabelece tambem a Constituição a igualdade de tratamento e de posições entre todos os cidadãos.
E e conhecida a penosidade ligada, para o comum dos cidadãos, ao cumprimento do serviço militar obrigatorio.
Preve, no entanto, o diploma constituicional a dispensa, em certos casos e para certos cidadãos, deste serviço.
E um deles e a objecção de consciencia, cujo exercicio comporta "a isenção do serviço militar, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra", mas "implica para os respectivos titulares o dever de prestar um serviço civico adequado a sua situação e de duração e penosidade equivalentes as do serviço militar armado - artigos 41 n. 6, da Constituição, e 1 e 5, da Lei n. 6/85, de 4 de Maio.
Definem-se no artigo 2 desta lei, e para este efeito, os objectores de consciencia. E regula-se nos artigos 16 e seguintes o processo judicial adequado a obtenção do respectivo estatuto, fixando-se no n. 4 do artigo
24 o condicionalismo cuja verificação e exigida para isso.
E so pode ser concedido tal estatuto a quem, cumulativamente, prove factos que demonstrem:- a)- A sinceridade de convicção pessoal - note-se pessoal - acerca da ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza, ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal; b)- por motivos de ordem religiosa, moral ou filosofica, e c)- com comportamento anterior em coerencia com tal convicção, designadamente com filiação em associações ou confissões religiosas cuja doutrina seja contraria ao uso daqueles meios violentos.
Ve-se, assim, que o legislador aceitou, para este efeito, a objecção de consciencia, mas não facilitou a concessão do respectivo estatuto; ou seja, não facilitou a dispensa do serviço militar obrigatorio.
Revelou-se cauteloso, acolhendo-se a via do processo judicial, e exigente, pelo rigor da situação de facto em que tem de apoiar-se a decisão judicional que o concede. Numa palavra:- foi prudente jurisdicionalizando a sua concessão.
E compreende-se. Ha que não agravar os que se submetem ao cumprimento do serviço militar, nem criar situações de inconstitucionais desigualdades.
Mas sem desrespeitar os autenticos - repete-se, autenticos - objectores de consciencia.
Por isso, enquanto a lei não for alterada e esta materia se mantiver afecta ao poder judicial, mantendo-se tambem, e por outro lado, a obrigatoriedade do serviço militar, os tribunais não podem obviar ao rigor da lei.
Considerou a Relação provar apenas o seguinte:- Nascido em 4-7-70, o Autor foi recenseado em 1988, com inspecção militar marcada para 28-11-89.
Desde tenra idade que ele, autor, assiste, com os pais, as reuniões e assembleias das Boas Novas do Reino das Testemunhas de Jeova; e,
nunca se envolveu em actos de violencia, defendendo uma visão pacifica para solucionar os conflitos entre os homens.
Foi ele ordenado como ministro pregador do Reino de Deus da Congregação do Pereiro das Testemunhas de Jeova.
Destes factos apenas se pode deduzir seguramente que o Autor milita nas Testemunhas de Jeova, cuja desenfreada oposição ao serviço militar e conhecida. E ate se não foi esta a principal, foi sem duvida, e pelo menos, uma das grandes razões de sua publicidade.
Na jurisprudencia deste Supremo tem-se entendido, pelo menos predominantemente, que não basta a filiação ou militancia em qualquer associação filosofica e (ou) congregação religiosa, designadamente naquelas "Testemunhas", para obtenção do estatuto de objector de consciencia.
E que a lei exige mais que isso. Para alem dos principios e ideias defendidas por qualquer associação em que se colabore e (ou) milite, exige-se a "convicção pessoal", cuja sinceridade tem que ser provada e para isto (prova de sinceridade) e que podera servir a filiação em associações ou confissões religiosas.
A prova dessa "convicção pessoal" falha, não existe.
Mas considerando o que se revela no interrogatorio, sobre o serviço civico, mais parece e que o Autor, mais que com a "ilegitimidade de uso de meios violentos" se preocupa com a obrigatoriedade, imposta pelo Estado, de prestação de serviços civicos a sociedade.
Obedecer, sim, as imposições da sua confissão religiosa, não as obrigações civicas impostas pelo Estado. O que nada tem com a objecção de consciencia que ora nos acupa.
O fervor e adesão militantes, por um lado, e a personalidade do individuo, por outro, não se confundem. Aqueles traduzem, quando muito, um estado tendencial que se não confunde com uma segura convicção pessoal. Ha diferença entre o ser e o dever ser. Os homens falham, nem sempre existe coincidencia entre a posição ideologica e o comportamento do individuo e as regras de doutrina a cuja sombra se acolhem.
No fundo todos seremos pacifistas e adeptos do não uso das armas. Em condições normais, ninguem sera contra a paz. E facil, pois, aceitar o não uso de meios violentos e considerar o seu uso ilegitimo. Mas dai ate criar uma sincera convicção pessoal, por formação moral, religiosa ou filosofica, de ilegitimidade de defesa de patria, com armas se necessario, vai ainda um largo percurso mental. E para corre-lo não basta a filiação numa qualquer associação religiosa.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Sem custas - artigo 16 n. 5 da citada Lei (neste ponto o relator reve, apos estudo, posição contraria seguida noutro acordão que relatou).
Lisboa, 21 de Maio de 1991.
Joaquim de Carvalho,
Marques Cordeiro,
Leite Marreiros.