Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA VASCONCELOS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 497.º, N.º2, 500.º, N.º3, 566.º, N.º3. | ||
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Sumário : | I - O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais. II - Tendo resultado provado que a IPP de 12 pontos que o autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual, e não estando provado que esse défice tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, nenhuma relevância tem, para a fixação da indemnização, o montante da sua retribuição profissional, posto que o que está em causa não é essa específica actividade, mas antes a sua actividade em geral. III - Resultando dos autos apenas que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente o autor passou a ter que empregar “esforços suplementares”, resta recorrer à equidade para determinar o quantum indemnizatório – art. 566.º, n.º 3, do CC, afigurando-se adequado o montante fixado pela Relação de € 25 000. IV - É adequada a quantia de € 20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência di acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 2012.04.11, na então 2ª Vara Misto de Guimarães, AA e BB deduziram ação declarativa contra Companhia de Seguros CC, S.A. Pediram a condenação da ré a pagar ao autor AA a quantia de € 41.399,90 e ao autor BB a quantia de € 51.211,35, acrescida de juros desde a citação Alegaram em resumo, que sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais quando eram transportados gratuitamente em viatura que sofreu acidente de viação (despiste) provocado com culpa exclusiva pelo seu condutor e cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a ré. A Segurança Social deduziu pedido de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 978,35, pagos a BB a título de subsídio de doença. A ré contestou, aceitando a existência do seguro e a responsabilidade do seu segurado e impugnando os danos e os seus valores. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e definidos os factos assentes e a base instrutória, que se fixaram sem reclamações. Entretanto, a requerimento dos autores, foi apensada uma outra ação (proveniente do mesmo acidente de viação), que corria na 1.ª Vara, em que DD, também transportado no veículo acidentado, pedia a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 118.116,45, ação essa já contestada (nos mesmos moldes) e saneada. Teve lugar a audiência de julgamento, após o que, em 2014.03.19, foi proferida sentença, em que se condenou a ré a pagar ao autor AA a quantia de € 32.714,74, ao autor BB a quantia de € 31.639,65 e ao autor DD a quantia de € 60.649,80, valores aos quais acresciam juros, desde a citação até efetivo e integral pagamento, condenando ainda a ré a pagar ao Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de …, a quantia de € 978,35. Todos os autores apelaram, com parcial êxito, pois a Relação de Guimarães, por acórdão de 2014.09.15, alterou a decisão recorrida e condenou a ré a pagar ao autor AA, a quantia de € 39.714,74, ao autor BB, a quantia de € 46.639,65 e ao autor DD, a quantia de € 70.649,80 e mantendo-a quanto ao demais. Apenas o autor DD manifestou a sua discordância, deduzindo a presente revista e apresentando as respetivas alegações e conclusões. A recorrida não contra alegou. Cumpre decidir. As questões
Tendo em conta que - o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil; - nos recursos se apreciam questões e não razões; - os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido são os seguintes os temas das questões propostas para resolução: A) – Dano biológico B) – Dano não patrimonial. Os factos São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias: 1. Cerca das 02h30 do dia 25.4.2009 ocorreu um acidente de viação na rua … – Santo Estevão de Briteiros – Guimarães, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros …-AT-…, propriedade de EE, Lda. e conduzido por EE, sob a direção efetiva daquela e no interesse daquela. 2. A Rua … tem casas de habitação e de comércio de um e do outro lado da estrada e está dentro de uma localidade. 3. O referido veículo circulava pela Rua …, no sentido Santa Eufémia de Prazins – Santo Estêvão de Briteiros, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido, mas o seu condutor fazia-o completamente distraído, sem atenção à sua condução, ao traçado da via naquele local e ao restante trânsito, com uma velocidade superior a 50 Kms por hora e com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de respeito, de consideração, de diligência, de habilidade e de destreza. 4. Por tudo isso, ao descrever uma curva para a sua esquerda, o EE perdeu o controlo do veículo que conduzia, despistando-se para a sua direita, com o que invadiu a berma do seu lado direito, onde acabou por embater com a parte da frente do lado direito do veículo …-AT-… num morro de terra ali existente desse lado, acabando por se imobilizar fora da faixa de rodagem. 5. Os AA. AA e BB eram passageiros do veículo …-AT-…, transportados gratuitamente. 6. Em consequência do acidente, o A. AA sofreu traumatismo do ombro e região dorsal direita, com a) – contusão, omalgia e incapacidade funcional do ombro; b) – rotura da coifa dos rotadores, envolvendo: - a rotura completa dos tendões: - supra espinhoso, subescapular e o tendão conjunto; - a rotura quase completa do tendão infra espinhoso. 7. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Centro Hospitalar do Alto Ave – Guimarães. 8. A partir do mês de Maio de 2009 transitou para os Serviços Clínicos a cargo de demandada na Clínica de … – Braga e no dia 27.5.2009 foi submetido a R.M. do ombro direito que revelou a existência das lesões da coifa dos rotadores descritas em 6. 9. Por isso, no dia 29.6.2009 foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao ombro direito na Clínica S. … – Braga, a cargo da demandada, ali permanecendo internado até ao dia 1.7.2009, altura em que teve alta hospitalar. 10. Posteriormente efetuou tratamento fisiátrico na Clínica ... durante 45 sessões, tendo registado evolução favorável, no que diz respeito ao ombro direito. 11. No dia 15.10.2009 foi-lhe dada alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da demandada, na Clínica de …, em Braga. 12. Na altura do acidente, o demandante AA tinha 44 anos de idade. 13. O demandante AA é motorista na Câmara Municipal de …. 14. Em consequência do acidente, o demandante BB sofreu 1. – traumatismo da face, com: a) – fractura do malar direito com envolvimento do pavimento da orbita, sem restrição dos movimentos oculares e sem diplopia; b) – fractura da arcada zigomática direita; c) – fractura dupla da mandíbula com: - fractura do ramo horizontal à esquerda, - fractura subcondiliana direita; 2. – traumatismo do punho direito, com fractura da apófise estiloide do rádio e 3. – traumatismo da mão esquerda, com contusão ao nível da articulação metacarpo/falângica do 3º dedo. 15. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Centro Hospitalar do Alto Ave – Guimarães, após o que foi transferido para o S.U. do Hospital de S. João – Porto, onde ficou internado no Serviço de Cirurgia Maxilofacial/Cirurgia Plástica. 16. No dia 5.5.2009 foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica para redução fechada da fractura do malar e arcada zigomática direitas e a redução fechada das fracturas da mandíbula. 17. No dia 7.5.2009 teve alta hospitalar, medicado. 18. Posteriormente, manteve-se em observação e “follow-up” no Centro Médico de Santo … – Braga, a cargo da demandada, de onde acabou por ter alta definitiva no dia 1.9.2009. 19. Na altura do acidente, o demandante BB tinha 34 anos de idade. 20. O I. S. Social pagou ao demandante BB, a título de subsídio de doença, a quantia de € 978,35 (novecentos e setenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), correspondente ao período de 26 de Abril a 19 de Julho de 2009. 21. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº … (antiga Companhia de Seguros FF) a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros …-AT-…, propriedade de EE, Lda. – cfr. documento de fls.68 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 22. DD era passageiro do veículo …-AT-…, transportado gratuitamente. 23. Em consequência do acidente o demandante sofreu: a. – traumatismo do ombro direito, com: b. - fractura do colo do úmero; c. - fractura do troquiter; d. – traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide e e. – traumatismo do ombro esquerdo, com contusão. 24. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o SU do CH do Alto Ave, onde foi submetido a estudo radiológico, após o que foi sujeito a imobilização do ombro com “Velpeau”. 25. Foi-lhe administrado um analgésico endovenoso, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa. 26. O A. passou a ser seguido pelos Serviços Clínicos a cargo da demandada na Clínica de Santo …, em Braga. 27. No dia 29.6.2009 foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide (punho direito) na Clínica de S. … – Braga pelo sr. Dr. GG, a cargo da demandada. 28. No que diz respeito às fracturas do úmero direito foi mantido o tratamento conservador, a imobilização com “Velpeau” que já lhe tinha sido colocada anteriormente no CH do Alto Ave. 29. Posteriormente foi-lhe dada indicação para efetuar tratamento fisiátrico, o que veio a realizar na Clínica … em Guimarães num total de 45 sessões. 30. No dia 23.2.2010 teve alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da demandada no Centro Médico de … – Braga. 31. Ainda mantém o material de osteosíntese no osso escafóide do punho direito. 32. Em consequência das lesões e sequelas resultantes do acidente, o A. ficou a padecer definitivamente de uma incapacidade parcial permanente de 12 pontos. 33. O A. nasceu no dia 16.08.1965. 34. O A. recebeu da R. a quantia de € 1.850,20. 35. O A. AA foi submetido a estudo radiológico do tórax, ombro e coluna dorsal que não terá revelado a existência de lesões recentes, quer da parede torácica, quer lesões pleuro-pulmonares, quer lesões de fractura do úmero e omoplata direitas. 36. Acabou por ter alto medicado com indicação para fazer repouso no leito e aplicação de gelo nas regiões contundidas. 37. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente do traumatismo do ombro e região dorsal direita: a) – omalgia residual à direita. 38. Rigidez moderada do ombro direito com limitação da mobilidade: - na abdução entre 0º e 130º. 39. Na rotação interna entre 0º e 45º. 40. Na rotação externa entre 0º e 60º. 41. Cicatriz distrófica de 7 cm de extensão localizada na face anterior do ombro direito. 42. Sequelas que lhe determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 (nove) pontos. 43. Lhe provocaram um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7. 44. Lhe determinam um dano estético de grau 1 numa escala de 1 a 7. 45. Lhe determinaram um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 179 dias. 46. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas. 47. Tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento. 48. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar. 49. Que o vão acompanhar durante toda a vida. 50. E que se exacerbam com as mudanças de tempo. 51. À data do embate, o demandante Domingos era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e jovial. 52. O demandante Domingos ganha, por mês, a quantia de € 665,00. 53. 14 vezes por ano. 54. Dedica-se à manutenção de jardins de particulares. 55. De 2ª a 6ª feira e aos sábados, por tempo variável. 56. Ganhando uma quantia mensal de € 400,00. 57. 12 vezes por ano. 58. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter esteve sem poder trabalhar desde o acidente até meados do mês de Outubro de 2009. 59. O A. Domingos gastou 220,00 € em honorários médicos. 60. 36,60 € em taxas moderadoras. 61. 28,19 € em medicamentos. 62. 9,95 € em transportes para receber tratamento. 63. 20,00 € numa certidão de nascimento. 64. O A. BB passou a ser seguido na Consulta Externa de Cirurgia Plástica e Maxilo-Facial do Hospital de S. João – Porto. 65. Foi-lhe feita a aplicação de 2 implantes dentários. 66. O A. BB ficou a padecer, definitivamente, de dor ao nível da articulação têmporo-mandibular direita, nomeadamente quando da mastigação de alimentos sólidos. 67. Ligeira rigidez do punho direito, com limitação da mobilidade: na flexão dorsal entre 0º e 50º. 68. Na flexão palmar entre 0º e 75º. 69. Sequelas que lhe determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos. 70. Lhe provocaram um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 160 dias. 71. Lhe determinaram um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7. 72. E lhe provocam um dano estético de grau 1 numa escala de 1 a 7. 73. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas. 74. Tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento. 75. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar. 76. Que o vão acompanhar durante toda a vida. 77. E que se exacerbam com as mudanças de tempo. 78. À data do acidente, o demandante Luís era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e jovial. 79. O demandante BB é trolha. 80. Com um rendimento mensal de, pelo menos, € 567,00 81. 14 vezes por ano. 82. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter o demandante esteve sem poder trabalhar até ao fim do mês de Agosto de 2009. 83. Deixando de ganhar a quantia de, pelo menos, € 2268,00. 84. O demandante BB gastou € 350,00 em honorários médicos. 85. O A. DD teve fractura proximal do úmero em três partes. 86. Foi submetido a controlo radiológico das fracturas nos dias 2 e 9 de Maio de 2009, tendo-se constatado uma boa redução das fracturas. 87. No dia 20.5.2009 foi observado pela última vez na Consulta Externa de Ortopedia do CH do Alto Ave. 88. Depois de ter recolhido a sua casa manteve-se em repouso. 89. O A. sofreu as seguintes sequelas no membro superior direito: a. limitação de mobilidade do ombro, na abdução 0-110º e na flexão 0-110º; b. limitação da mobilidade do punho, na flexão 0-25º, na extensão 0-20º e no desvio radial 0-10º; e c. cicatriz plana hipocrómica com cinco centímetros, vertical, situada ao nível da face anterior do punho. 90. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas, tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento. 91. E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar durante toda a vida. 92. E que se exacerbam com as mudanças de tempo. 93. Na altura do acidente, o A. era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador. 94. O A. é comerciante de produtos alimentares por conta própria. 95. Vende, por mês, 12 vezes por ano, cerca de 600 frangos, 800 coelhos e 4.400 dúzias de ovos. 96. Aufere mensalmente, 12 vezes por ano, um rendimento líquido mensal de 2.750 € 97. Por causa dos ferimentos sofridos e dos tratamentos a que teve de se submeter o A. esteve sem poder trabalhar 305 dias, o que implicou que deixou de auferir, pelo menos, 27.500 €. 98. A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 23.2.2010 99. O período de défice funcional temporário total é de 3 dias. 100. O período de défice funcional temporário parcial é fixável em 302 dias. 101. O período de repercussão temporária na atividade profissional total é de 305 dias. 102. O quantum doloris é de 4 em 7. 103. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 12 pontos. 104. As sequelas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. Os factos, o direito e o recurso A) Dano biológico Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que dos factos dados como provados não tinha resultado que o autor recorrente DD ficasse a padecer de qualquer “diminuição da capacidade de ganho” que ocasionasse uma indemnização autónoma, mas que era inegável que tinha ficado a padecer de um dano biológico, consistente num “défice permanente da integridade física”, uma vez que tinha que aplicar esforços suplementares para desempenhar as suas atividades profissionais habituais, facto este a valorar em sede de indemnização por danos não patrimoniais, que veio a fixar em 35.000,00 €. No acórdão recorrido não se acompanhou este entendimento, defendendo-se que a indemnização pelo dano biológico tinha autonomia em relação à indemnização por danos de natureza não patrimonial, na medida em que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduzisse em perda de rendimento de trabalho, sempre constituiria uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial autónoma, “embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização”, acabando por fixar em 25.000,00 € o valor dessa indemnização pelo dano biológico e no montante de 20.000,00 €, o valor da indemnização pelo dano não patrimonial. O recorrente entende que tendo em conta a sua idade, o seu vencimento mensal, a incapacidade para o trabalho fixada em 12% e o tempo provável que continuará a trabalhar, deve ser fixada uma indemnização pela “perda futura de ganho” no montante de 96.449,29 €. Cremos, no entanto, que não pode ser assim. Vejamos porquê. Se se entende, como se deve entender, o dano biológico como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, naturalmente tem que se entender que tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade. Ou seja e no caso de estar em causa a incapacidade para o trabalho, o dano biológico não existe apenas nos casos em que não há perda efetiva de proventos laborais, existe também quando ocorre essa perda. Só que no primeiro caso, o conceito de dano biológico surge com maior acuidade, com o fim de justificar uma indemnização autónoma, que doutro modo apenas podia ter como base de sustentação uma compensação por danos de natureza não patrimonial, ao contrário dos casos em que houvesse perda efetiva de rendimentos laborais. Sendo assim, tem sido dado relevo ao facto de havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização. Encarando agora o fulcro da questão que nos é posta, entendemos que bem se andou no acórdão recorrido em autonomizar a indemnização pelo dano biológico da indemnização por danos não patrimoniais. Com efeito e embora com contactos evidentes com os danos de natureza não patrimonial, o dano biológico não se pode reduzir a estes, na medida em que nos danos não patrimoniais apenas estão em causa prejuízos insuscetíveis da avaliação pecuniária e no dano biológico estão em causa prejuízos de natureza patrimonial, provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado. Mas como calcular o montante da indemnização deste dano biológico com esta natureza patrimonial? Parece evidente que, ao contrário do que pretende o recorrente, não poder ser utilizado para o efeito a retribuição que auferia da sua profissão. Na verdade, estando provado que a incapacidade parcial permanente de 12 pontos que o autor recorrente ficou a padecer definitivamente em consequência das lesões e sequelas resultantes do acidente são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual e não estando provado que esse défice funcional tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, o montante da sua retribuição profissional nenhum interesse tem para a questão, na medida em que não está em causa essa específica atividade, mas antes a sua atividade em geral. Quanto a esta atividade, apenas se sabe que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente, o autor passou a ter que empregar “esforços suplementares”. Face a este conceito abstrato, impossível é determinar o valor exato do dano. Assim e ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 566º do Código Civil, resta-nos utilizar a equidade. E utilizando a equidade, parece-nos correto e justo o montante de 25.000,00 €, fixado no acórdão recorrido, aliás para todos e cada um dos três autores. B) - Danos não patrimoniais Na sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se fixar em 35.000,00 € o montante da indemnização a pagar pela ré ao autor como indemnização pelos danos da natureza não patrimonial. No acórdão recorrido entendeu-se fixar esse montante em 20.000,00 €. O autor recorrente entende que deve ser fixado no valor fixado na 1ª instância. Cremos que não tem razão e se decidiu bem. Danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis da avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado – por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza. Porque não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória. Por isso, a lei lançou mão de uma forma genérica, estabelecendo, no nº1 do artigo 496º do Código Civil, que apenas se “deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” Gravidade esta que deve ser apreciada objectivamente O seu montante deve ser fixado equitativamente (art.4º e 496º nº3 do mesmo diploma) tendo em conta os fatores referidos no artigo 494º - grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias, sendo que o juízo de equidade não pode ser entendido como qualquer arbitrariedade por parte de quem julga, mas como a procura da mais justa das soluções, sendo sempre a justiça do caso concreto. O quantitativo a fixar há-de ser o bastante para contrapor às dores e sofrimentos ou, ao menos, a minorar de modo significativo os danos delas provenientes. O dano especificamente sofrido de carácter não patrimonial a fixar equitativamente há-de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cfr. arts. 494º, 497º nº2 e 500º nº3 do Código Civil. Postas estas noções, voltemos ao caso concreto em apreço. A culpa na produção do acidente em causa nos autos foi imputada ao condutor do veículo seguro na ré. O acidente ocorreu no dia 25 de Abril de 2009. O autor, à data do acidente, tinha 43 anos de idade. Em consequência do acidente o autor - sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide e traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; - do local do acidente foi imediatamente transportado para o SU do CH do Alto Ave, onde foi submetido a estudo radiológico, após o que foi sujeito a imobilização do ombro com “Velpeau”; - foi-lhe administrado um analgésico endovenoso, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa; - passou a ser seguido pelos Serviços Clínicos a cargo da demandada na Clínica de Santo …, em Braga; - no dia 29.6.2009 foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide (punho direito) na Clínica de S. … – Braga pelo sr. Dr. GG; - no que diz respeito às fracturas do úmero direito foi mantido o tratamento conservador, a imobilização com “Velpeau” que já lhe tinha sido colocada anteriormente no CH do Alto Ave; - posteriormente foi-lhe dada indicação para efetuar tratamento fisiátrico, o que veio a realizar na Clínica … em Guimarães num total de 45 sessões; - no dia 23.2.2010 teve alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da demandada no Centro Médico de Santo … – Braga; - ainda mantém o material de osteosíntese no osso escafóide do punho direito; - teve fractura proximal do úmero em três partes; - foi submetido a controlo radiológico das fracturas nos dias 2 e 9 de Maio de 2009, tendo-se constatado uma boa redução das fracturas; - no dia 20.5.2009 foi observado pela última vez na Consulta Externa de Ortopedia do CH do Alto Ave; - depois de ter recolhido a sua casa manteve-se em repouso; - sofreu as seguintes sequelas no membro superior direito: a. limitação de mobilidade do ombro, na abdução 0-110º e na flexão 0-110º; b. limitação da mobilidade do punho, na flexão 0-25º, na extensão 0-20º e no desvio radial 0-10º; e c. cicatriz plana hipocrómica com cinco centímetros, vertical, situada ao nível da face anterior do punho; - as lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas, tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento; - e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo; - na altura do acidente, o A. era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador; - o “quantum doloris” é de 4 em 7. Face aos elementos referenciados, entendemos como correto o montante fixado no acórdão recorrido como indemnização pelos danos morais sofridos pelo autor, sendo de assinalar que este tinha pedido, sua petição inicial, apenas o montante de 15.000,00 € como indemnização pelos danos daquela natureza e que no montante fixado na 1ª instância estava incluído o dano biológico, como acima ficou referido. A decisão Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 19 de Fevereiro 2015 Oliveira Vasconcelos (Relator) Serra Baptista Fernando da Conceição |