Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- Na 3ª Vara Cível do Porto, AA, residente na Rua de ..., 1000, 0º Dtº, Porto e BB, residente na Rua ...., 000, Porto, propõem a presente acção com processo ordinário contra o Banco Comercial Português, com sede na Rua ..., 715-719, 4000, Porto, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 136.376,33, acrescida de juros à taxa legal, desde 27-8-2001 até efectivo e integral pagamento.
Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que a A. BB abriu uma conta bancária em 13/05/97 nas instalações da R., agência de Paredes, a que foi atribuído o n.º 000000000, sendo que dessa conta era 2ª titular a aqui 1ª A. (A. BB) e 3º titular CC. A A. BB deu instruções à R. para fazer uma aplicação financeira de € 300.000,00, sendo certo que este dinheiro só a esta A. pertencia. Em 1998 a conta foi transferida para o Banco Sete que pertence à R.. Tendo a A. BB tido conhecimento que o 3º titular da conta (o CC) fizera movimentos bancários na referida conta, enviou, juntamente com a A. AA e 3º titular da conta, CC, um fax à R., em 26/04/2001, declarando que este pretendia deixar de ser titular da conta. Após esta data não mais este 3º titular, CC, movimentou a conta em causa, da qual deixou de ser titular. Em 10/08/2001 a A. BB enviou um fax à R. a solicitar a transferência de 35.000.000$00 para uma outra conta na CGD, tendo então a R. comunicado às AA. que a conta apresentava um saldo de 8.559.954$00, em virtude de ter amortizado uma dívida de CC no valor de 27.341.000$00 (€ 136.376,33), retirando para o efeito tal valor da conta em 27/08/2001. Esta amortização foi efectuada sem autorização das AA. as quais nunca foram avalistas do CC que, aliás, desde Abril de 2001, deixara de ser titular da conta, como é do conhecimento da R. Pretendem ser ressarcidas da referida quantia.
1-2- O R. contestou, dizendo que conta aberta pelas AA. e o pelo 3º titular, ficou subordinada, por indicação de todos os titulares, ao regime da solidariedade, pelo que qualquer um deles a podia movimentar livremente sem carecer de autorização dos demais. O 3º titular desta conta, CC era, por sua vez, titular exclusivo da conta de depósito à ordem n.º 000000000. Tendo para efeitos de liquidação de responsabilidades contraídas ou a contrair perante o R. associadas à sua referida conta, entregue ao mesmo dois documentos em 04/06/99 com instruções relativamente à conta de que era co-titular juntamente com as AA., autorizando pelo primeiro, a desmobilização de qualquer aplicação/investimento associado à conta à ordem, no caso de ser necessário fazer face a responsabilidades assumidas ou assumir associadas à conta de que era o único titular e pelo segundo autorizando a realização de transferências de e para a conta de que era o único titular por débito na conta de era co-titular juntamente com as AA.. Estas instruções nunca foram revogadas, sendo que foi ao abrigo delas que o R. actuou, desmobilizando, em 27/08/2001, a aplicação financeira de 35.000.000$00 que estava associada à conta de que as AA. são também co-titulares, para efectuar o pagamento da dívida vencida associada à conta de que CC era único titular, no valor de 27.342.000$20. Sendo a garantia oferecida por CC sobre a conta de que as AA. são também co-titulares anterior, quer à comunicação para que CC deixasse de ser titular de tal conta, quer à comunicação para transferir o dinheiro para uma conta da CGD, sendo aliás a tal data já CC devedor do R., não aceitou este quer o pedido de desvinculação da conta quer de transferência do dinheiro e bem.
Termina pedindo a improcedência da acção.
Replicaram as AA., mantendo, em síntese, a posição assumida na p.i..
O processo seguiu os seus regulares termos com a elaboração do despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se procedeu à audiência de discussão e julgamento, se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se o R. ao pagamento à A. BB, da quantia de € 136.376,33, acrescida de juros de mora desde 27/08/2001 e até integral e efectivo pagamento, à taxa de juro legal de 7% até 01/05/03 e após, à taxa de juro de 4%.
No mais, absolveu-se o R. do pedido.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 26-11-2007, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Não se conformando com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
O recorrente alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- São estas três as questões que se colocam nos autos:
Primeira questão
Existindo num banco uma conta solidária da titularidade activa de três clientes e tendo um deles, o terceiro titular, dado instruções escritas ao banco para transferir desta conta para a conta de que era titular exclusivo o montante necessário para que o banco se pagasse do que ele, entrando, em mora, lhe devesse a titulo individual, pergunta-se: poderá o banco prevalecer-se daquelas instruções, extinguindo, por compensação, o seu crédito depois de efectuada a transferência dos valores necessários ou o regime da solidariedade da conta apenas releva para efeito de movimentação da mesma sem conferir poderes para a onerar com vista ao pagamento de dividas próprias de um só titular?
Segunda questão
A declaração unilateral de vontade do titular de uma conta para deixar de pertencer à conta é de acatamento obrigatório para o Banco, ainda quando esta declaração proceda de que tem instruções dadas sobre a conta para, pelas forças do seu saldo, se pagar por compensação do que deve noutras contas onde é devedor?
Terceira questão
Se estas instruções forem válidas e não houver revogação implícita por não ser possível deixar a conta sem o consentimento do banco, ainda assim será vedado ao banco transferir os valores necessários de uma para outra conta se, sem o saber, os valores depositados na conta colectiva eram apenas propriedade da primeira titular?
2ª- É de todos bem sabido que o depósito bancário plural solidário é aquele em que qualquer um dos credores (depositantes ou titulares da conta), apesar da divisibilidade da prestação, tem a faculdade de exigir por si só a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada e em que a prestação assim efectuada libera o devedor para com todos. É o que resulta “expressis et apertis verbis “ do disposto no art. 5 12° nº 1 do Código Civil;
3ª- Que isto é assim, não sofre contestação, nem mesmo quando as coisas são vistas na perspectiva do depósito bancário plural solidário: nada há na lei que estabeleça, nem mesmo por via interpretativa, regime diferente para os depósitos bancários, de tal modo que, em relação a estes, a solidariedade não significa coisa diversa da que decorre do art. 512°, nº 1 do Cód. Civil:
4ª- Sendo isto assim, a questão que se coloca é a de saber se, podendo o credor solidário, ordenar o máximo - que é saldar sozinho e no desconhecimento dos demais titulares, a conta bancária levantando todo o dinheiro depositado, fazendo-o seu - não pode já ordenar o menos, que é dar instruções para que o banco transfira da conta colectiva solidária o necessário, mas apenas o necessário, para que se pague de créditos, em mora;
5ª- Se o titular solidário pode o mais, que é saldar a conta, também pode o menos que é onerá-la a benefício de dívida sua (cfr, neste particular o Ac. Rel. Porto de 14 de Fevereiro de 1984 onde, a propósito de caso normativamente idêntico se estabeleceu: “Deste modo parece-nos indubitavelmente que o Réu marido, na qualidade de contitular dos depósitos em causa, tinha o direito de sozinho e sem necessidade de autorização ou consentimento da Autora, sua mulher, movimentar ou levantar os mesmos depósitos e dispor deles livremente dando-lhe o destino que muito bem entendesse - inclusive dissipá-los. E dentro do âmbito de tal direito cabe, logicamente, o de poder onerar os mesmos depósitos visto que, como é principio assente, quem pode o mais, também pode o menos (cfr. CJ. Ano IX Tomo 1 1984, pág. 238 e 239, coluna da esquerda, segundo e terceiro parágrafo a contar do fim) (cfr. id, Ac. Rel. do Porto de l3 Março de 2003, ao que se julga inédito, proferido no recurso no Proc. nº 1037/03.3 da 3ª Secção);
6ª- Resultando da solidariedade a legitimidade das instruções dadas ao Banco pelo terceiro co-titular para se pagar pelas forças dos valores depositados na conta plural solidária, transferindo o necessário para a conta individual devedora, não há senão que julgar correcto o comportamento do Banco;
7ª- Havendo de qualificar-se as instruções transmitidas pelo terceiro titular da conta solidária numa garantia dada por este ao Banco para o bom e pontual cumprimento de obrigações que eram apenas suas, a ordem de saída da conta, dada numa altura em que a garantia ainda estava em vigor não podia nunca prejudicar a consistência da garantia dada; Mais:
8ª- Se as instruções de pagamento pelas forças do saldo de outra conta se analisam na prestação de uma garantia dada pelo devedor ao seu credor - qualquer que seja, pouco importa agora, a sua natureza jurídica - esta garantia integra o contrato que vincula as partes e não pode, por isso, ter-se por revogada senão por mútuo consenso das partes: decidindo como decidiu, o Acórdão da Relação do Porto violou o disposto no art. 405º do Código Civil;
9ª- A esta solução não se opõe nem o disposto no art. 349° do Cód. Comercial nem o art. 777º n° 1 do Cód. Civil, ambos invocados no Acórdão recorrido em abono da tese que obteve vencimento: se o regime da solidariedade dava poderes ao co-titular para emitir aquelas instruções, constituindo o saldo em garantia de obrigações suas contraídas em conta diversa, não faz sentido afirmar a legitimidade da constituição desta garantia e, ao mesmo tempo, decidir que a mesma não vale nada por a sua subsistência não depender do acordo das partes, senão da vontade unilateral do devedor através do habilidoso encerramento ou saída da conta;
10ª- O apelo feito no Acórdão recorrido à ideia de que “não havendo prazo, o contrato termina por vontade de qualquer das partes” por força daqueles comandos legais analisa-se numa contradição nos próprios termos: é que, se o saldo de uma conta está vinculado ao cumprimento das obrigações de conta terceira, embora do mesmo titular, o encerramento daquela conta depende do consentimento do Banco enquanto parte a quem, sem o concurso da sua vontade, não é possível fazer extinguir a garantia de que beneficia;
11ª- O entendimento que fez vencimento no Acórdão recorrido violou mesmo o disposto no art. 762° do Código Civil: se o titular de uma conta dá instruções ao banco para se pagar do que deve numa conta por compensação com o saldo credor de outra conta de que é titular (ou co-titular, não interessa agora), aceitar que lhe assiste direito, contra vontade do banco, de sair da titularidade da conta para, pela revogação implícita daquelas instruções, frustrar a cobrança, tal comportamento ofende o princípio de lealdade que inspira o cumprimento das obrigações a que faz apelo aquele comando legal;
12ª- O regime da solidariedade fixa o regime das relações recíprocas entre as partes no contrato de depósito bancário - o banco depositário, por um lado e os titulares da conta, depositantes, por outro.
13ª- Sendo isto assim, não se pode confundir o regime da solidariedade, nas relações entre credor e devedor, com o regime jurídico das relações internas entre credores, fixado no art. 516° do Código Civil: a sentença recorrida, ao afirmar que a presunção de ser o dinheiro, em propriedade, em partes iguais a todos os titulares da conta foi ilidida, confundiu um comando legal com outro e fez aplicar ao regime das relações externas entre as partes um comando legal que era e é específico das relações internas entre credores solidários.
14ª- Decidindo em contrário do que vem de expor-se a sentença recorrida violou, entre outros, os arts. 405°, 512º nº 1 e 516°, todos do Código Civil e o art. 349º do Cód. Comercial.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).
Nesta conformidade será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se o Banco recorrente, por sua iniciativa e à revelia dos titulares da conta, poderia operar uma compensação sobre essa conta por um débito de uma conta individual de um dos co-titulares, sendo certo que o devedor já não era, à altura, a co-titular dessa conta.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1) Em 13 de Maio de 1997 foi aberta no Balcão de Paredes do Banco Comercial Português uma conta bancária a que foi atribuído o n.º 000000000 (al. A) dos factos assentes).
2) Esta conta foi aberta pelas AA. BB e AA e, ainda por CC, tendo a A. BB ficado a ser a primeira titular, a AA a segunda e o CC o terceiro (al. B) dos factos assentes).
3) Por indicação de todos os titulares, a conta 000000000 ficou subordinada ao regime da solidariedade, podendo qualquer dos titulares movimentar livremente os valores depositados sem carecer da autorização ou intervenção dos demais (al. C) dos factos assentes).
4) Em 1998 a conta é transferida para o Banco Sete, o qual pertence à R. mas não tem balcões, funcionando apenas por contacto telefónico e sendo todas as operações bancárias realizadas por telefone (al. D) dos factos assentes).
5) As aqui AA., bem como o terceiro titular da referida conta, enviaram à R. um fax em 26.04.2001 a declarar que o Sr. CC, pretendia deixar de ser titular da referida conta (doc. fls. 7 a 9 destes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido) (al. E) dos factos assentes).
6) Desde o dia 26.04.2001 o terceiro titular, Sr. CC, nunca mais movimentou a referida conta (al. F) dos factos assentes).
7) A A. BB em 16 de Agosto de 2001, enviou um Fax à R., datado de 10/08/01, a solicitar a transferência de Esc.35.000.000$00 para uma outra conta sua na Caixa Geral de Depósitos (al. G) dos factos assentes).
8) A R. comunicou que o saldo da conta n.º 000000000 era de Esc. 8.559.454$00 (al. H) dos factos assentes).
9) A R. sem autorização das AA. amortizou uma dívida no montante de Esc. 27.341.000$00 (€ 136.376,33), que pertencia ao Sr. CC, para o efeito retirando tal verba da conta referida em 1) em 27 de Agosto de 2001 (al. I) dos factos assentes).
10) Em 27 de Agosto de 2001 a conta referida em 1) tinha depositado, em regime de aplicação financeira a prazo que lhe estava associada, pelo menos, o capital de 35.000.000$00 (al. J) dos factos assentes).
11) A A. BB deu instruções à R. para fazer uma aplicação financeira no valor de pelo menos € 174.579, 26 (35.000.000$00) (resposta ao item 1º da base instrutória).
12) Este dinheiro só pertencia à A., D. BB (resposta ao item 2º da base instrutória).
13) O segundo e terceiro titular só faziam parte da conta referida em 1) em virtude da D. BB ser uma pessoa idosa e também por mera precaução (resposta ao item 3º da base instrutória).
14) As AA. nunca foram avalistas do Sr. CC (resposta ao item 4º da base instrutória).
15) O CC era titular no banco Sete da Conta de Depósitos à Ordem 0000000, esta da sua titularidade exclusiva (resposta ao item 6º da base instrutória).
16) Para efeito de permitir a liquidação de responsabilidades que tivesse contraído ou viesse a contrair perante o Banco R., o CC entregou a este, em 4 de Junho de 1999 e por si subscritos, dois documentos com instruções relativamente à conta n.º 000000000 do seguinte teor:
a) “Autorizo a desmobilização de qualquer aplicação/investimento, associado à conta à ordem, caso seja necessário para fazer face a responsabilidades assumidas ou a assumir, associadas à conta 00000000 de CC”.
b) “Autorizo sejam efectuadas transferências de e para a conta 000000000, por débito da conta acima mencionada.” (resposta ao item 7º da base instrutória).
17) Estas instruções nunca foram revogadas (resposta ao item 8º da base instrutória).
18) Em 27 de Agosto de 2001 o CC era devedor ao Banco, processado pela Conta n.º 000000000, da quantia referida em 9) (resposta ao item 9º da base instrutória).
19) Quantia esta proveniente de um financiamento que o Banco lhe tinha concedido no montante de 24.674.874$00 que devia ser pago em prestações mensais sucessivas (resposta ao item 10º da base instrutória).
20) Não tendo o referido CC pago ao Banco as prestações que se venceram em Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2001 (resposta ao item 11º da base instrutória).
21) Implicando a falta de pagamento de uma prestação o imediato vencimento de todas as restantes (resposta ao item 12º da base instrutória).
22) Em 27 de Agosto de 2001 o referido CC não tinha provisão na conta n.º 000000000 que permitisse o pagamento da indicada quantia de 27.341.000$00 (resposta ao item 13º da base instrutória).
23) Tendo então o Banco R. procedido nos termos referidos em 9) (resposta ao item 14º da base instrutória). -------------------------------------
2-4- O contrato de depósito bancário é um contrato bilateral inominado, mas com características de depósito irregular e de mandato (vide a este propósito o Acórdão do STJ de 26-10-2004 (in www.djsi.pt/jstj.nsf). Os AA. celebraram com o R., ao depositar o dinheiro na sua conta bancária, um contrato mediante o qual este se comprometeu restituir o numerário equivalente, logo que aquele o solicitasse. Ou seja, mediante o contrato, o Banco assumiu obrigação de restituir aos depositantes, importâncias iguais às depositadas por este. É irregular o depósito porque o depositário apenas assume a obrigação de restituir as coisas, em género, qualidade e quantidade (art. 1205º do C.Civil). Não há aqui uma restituição in natura, isto é, a obrigação de restituir a mesma coisa entregue. A restituição é em importância igual à depositada e não precisamente o mesmo dinheiro ou valor. Ao depósito irregular aplicam-se, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo (art. 1206º).
Para o que aqui interessa, em razão do número de titulares, as contas bancárias podem ser singulares ou colectivas. Estas, por sua vez, podem ser solidárias ou conjuntas. “Serão solidárias quando qualquer dos titulares possa movimentar sozinho e livremente a conta, exonerando-se o banqueiro entregando a totalidade do saldo a quem o pedir; serão conjuntas quando os movimentos exijam a intervenção simultânea de todos os seus titulares” (in Manual de Direito Bancário, Meneses Cordeiro, 3ª edição, pág. 460).
No caso dos autos importa a primeira modalidade, visto que a conta colectiva era solidária. Assim, qualquer dos titulares poderia movimentar livremente os valores depositados na conta, sem carecer da autorização ou intervenção dos demais.
O co-titular desta conta, CC, tinha uma outra conta bancária à ordem (no Banco Sete), esta, porém, de sua titularidade exclusiva.
Para efeito de permitir a liquidação de responsabilidades que tivesse contraído ou viesse a contrair perante o Banco R., o titular CC entregou a este, em 4 de Junho de 1999 e por si subscritos, dois documentos com instruções, permitindo a “desmobilização de qualquer aplicação/investimento, associado à conta à ordem, caso seja necessário para fazer face a responsabilidades assumidas ou a assumir, associadas à conta 000000000 de CC” e autorizando que “sejam efectuadas transferências de e para a conta 000000000 (conta à ordem do titular CC), por débito da conta acima mencionada” (a conta colectiva solidária). Isto é, através deste protocolo, o CC autorizou o Banco R. a efectuar transferências da conta conjunta para a sua conta de titularidade exclusiva.
Com base desta determinação, o Banco R., sem autorização das AA., amortizou uma dívida (no montante de Esc. 27.341.000$00 - € 136.376,33-), que pertencia ao CC, retirando para o efeito tal verba da referenciada conta colectiva.
Quer dizer, o R. para se fazer pagar de uma dívida (própria) que o CC tinha para consigo, retirou dinheiro da conta solidária e saldou a sua dívida, através do instituto da compensação (arts. 847º e segs. do C.Civil).
Não se coloca em dúvida que a compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações previstas no Código Civil, traduzindo-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor da outra e o credor desta última devedor da primeira. Visa-se com o instituto evitar pagamentos recíprocos entre credores e devedores.
A compensação pode resultar de um acto unilateral de um dos interessados, só podendo, todavia, operar se se verificarem os requisitos exigidos pelo art. 847º (compensação legal). A compensação não opera aqui automaticamente, sendo necessário a declaração de uma parte à outra para se tornar efectiva (declaração receptícia -art. 848º nº 1-)
Para além desta compensação, haverá a considerar a compensação convencional e a judiciária, a primeira que se verificará quando a extinção da obrigação opera por acordo das partes e a segunda quando a extinção dos créditos recíprocos decorre de uma decisão constitutiva dos tribunais (neste sentido vide Das Obrigações em Geral de Antunes Varela, Vol. II, 7ª edição, págs. 198 e 199).
Vistas estas breves noções teóricas sobre a compensação, coloca-se a dúvida se será possível a um banco compensar um seu crédito sobre um seu cliente, com o crédito que este tem sobre si, resultante de um depósito bancário.
A resposta não poderá ser única e inequívoca, pois dependerá do tipo de depósito em causa (vide a este propósito Do Contrato de Depósito Bancário de Paula Ponces Camanho, págs. 220 e segs.). Assim entende-se que a compensação será possível em relação aos depósitos à ordem, mas já no que respeita aos depósitos a prazo, dado que o depósito só poderá ser levantado no fim do prazo estipulado, a compensação só poderá operar findo o respectivo termo, pois só então o depósito será exigível, sendo que a exigibilidade é um dos requisitos da compensação (legal). Isto claro, em relação aos depósitos singulares.
Já no que toca aos depósitos colectivos as coisas passar-se-ão de forma diversa. Assim no depósito conjunto (que se caracteriza pelo facto de a sua mobilização só se poder realizar pela actuação conjunta de todos os titulares), o banco não poderá efectuar a compensação de um crédito que tenha sobre um dos titulares da conta com o crédito que todos os contitulares desta, em conjunto têm perante o banco. Isto porque nenhum dos titulares pode, sozinho, proceder ao levantamento de uma parte ou da totalidade do depósito. Já no que concerne aos depósitos solidários, que se caracterizam como acima se referenciou, a resposta será mais complicada.
Assim e porque se trata, no caso, de uma conta solidária, entramos no cerne do presente pleito.
O regime dos depósitos solidários é instituído no interesse dos credores (depositantes), para facilitar a movimentação da conta e não em benefício do banco. Assim sendo, “o direito conferido ao devedor no art. 528º nº 1 não é compatível com o regime de depósito solidário, instituído no interesse exclusivo dos devedores, para facilitar a exigência do crédito do devedor, ou seja para facilitar a movimentação da conta” (Acórdão de 11-3-1999 in Col. Jur. 1999, Tomo I, pág. 147 e segs.). Nesta conformidade não é possível ao banco tomar a iniciativa de restituir a quantia depositada ao credor que entenda. Não sendo isto praticável, também não será possível ao mesmo banco, por sua diligência (isto é, sem qualquer um dos titulares da conta pedir o cumprimento), compensar o crédito que tenha sobre qualquer dos titulares. Como se refere no mesmo Acórdão, “se o banco não pode tomar a iniciativa de extinguir a relação jurídica através da escolha do co-titular do depósito a quem pretende efectuar a prestação … também não pode, por sua iniciativa, extinguir a relação jurídica, operando a compensação com um (ou mais) co-titulares do depósito, que seja simultaneamente, seu (seus) devedor”. No mesmo sentido refere Paula Camanho (obra citada, pág. 241) que “deste modo pode dizer-se que, senão é possível que o banco tome a iniciativa de restituir a quantia depositada ao credor que entenda, também não poderá, por sua iniciativa, compensar um débito que tenha sobre um dos concredores daquele depósito com o crédito que todos eles têm sobre tal conta. De facto, se o banco não pode extinguir aquela relação jurídica, escolhendo ele o credor a quem vai efectuar a prestação e cumprindo tal obrigação, também não o poderá fazer por forma diferente do cumprimento, por exemplo, através da compensação”.
Não será, pois, possível ao banco por iniciativa própria e perante um depósito solidário efectuar a compensação. Isto claro, face à compensação legal. Obviamente que não será assim se existir autorização dos titulares para se realizar, pois nesta situação, haverá que de contar com o que foi acordado pelas partes, já que estamos, obviamente, perante matéria dentro das disponibilidades dos interessados (art. 405º - compensação voluntária ou convencional -).
Vejamos então este tipo de compensação.
Deixando de lado as outras contas, interessa-nos, tão só, para aqui, as contas (colectivas) solidárias. Neste contexto a questão que se coloca é o de saber se o Banco, com base numa autorização nesse sentido de apenas um dos titulares da conta, poderia retirar da conta solidária o dinheiro necessário para se pagar, nos termos em que o fez.
Deixaremos por agora de parte, o facto de o banco ter feito a compensação, quando o seu devedor já não era titular da conta.
E a resposta a dar à questão, não poderá deixar de ser negativa.
Pese embora nas contas solidárias, qualquer dos titulares possa movimentar livremente os valores depositados na conta, sem carecer da autorização ou intervenção dos demais, o certo é que esta faculdade não pode ser confundida com a propriedade do bem depositado. Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 11-10-2005 (in www.djsi.pt/jstj.nsf) “a natureza solidária da conta «releva apenas nas relações externas entre os eus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito e nada tem a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas» constantemente salientada outrossim na jurisprudência deste Supremo Tribunal” (neste sentido vide jurisprudência indicada no acórdão e o acórdão de 26-10-2004 já acima referenciado).
No regime de solidariedade definido no C.Civil, que deve entender-se ter aplicação às contas solidárias (vide Meneses Leitão, obra citada pág. 463), estabelece-se que “o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum (art. 533º), donde resulta que nas relações internas entre credores a propriedade do crédito tem evidente relevância. Cada um dos credores tem apenas direito, por via de regresso, à parte que por seu turno lhe compete nas relações internas (vide Das Obrigações em Geral, 9ª edição, Vol. I, pág. 828).
Por outro lado, as partes dos vários credores no crédito, presumem-se iguais (art. 516º) mas nada impede que as quotas sejam desiguais e até que só um seja o titular do crédito.
Disto tudo é possível concluir ser absolutamente diverso o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários (podendo mobilizar a totalidade do saldo) e o direito real que recai sobre o numerário depositado (que pode pertencer a todos em igual proporção, em quotas desiguais ou só pertencer a um deles).
Como refere Pinto Coelho no BMJ 304, 449, citado no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-10-2004 “esquece-se, com efeito por vezes que a relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação, e confunde-se o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre estes. O depositante, como credor solidário, tem apenas um direito de crédito, isto é, o direito a receber a prestação a que está adstrito do devedor, o direito a exigir a entrega da importância do depósito. Mas esse direito não pode confundir-se com a propriedade da quantia depositada; é atribuída por igual a todos os titulares da conta, e a importância do depósito pode pertencer a um só deles ou até a um terceiro, e é evidente que, na totalidade, não pode integrar-se no património ou constituir riqueza de todos”.
Quer dizer, a titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade do montante monetário nela depositado. Essa titularidade apenas dá aos beneficiários a possibilidade de movimentar, no todo ou em parte, os fundos objecto do depósito. Mas já não atribuiu aos mesmos a propriedade do numerário depositado. Esta pode pertencer a todos ou apenas um dos titulares.
A jurisprudência também tem vindo a fazer esta distinção, como se conclui compulsando os acórdãos referenciados no já mencionado acórdão deste STJ de 26-10-2004.
Assim sendo, já poderemos responder à questão acima equacionada, dizendo que o banco R. apenas poderia fazer a compensação em causa (retirando e fazendo seu o dinheiro necessário à operação) com base numa autorização nesse sentido, se o autorizante fosse o proprietário do dinheiro. Isto porque, como se sabe, o poder de disposição das coisas apenas pertence ao proprietário (art. 1305º do C.Civil).
Poder-se-á perguntar se o banco deveria indagar a quem pertencia o numerário depositado. Apesar da doutrina não ser uniforme sobre a questão, de sublinhar que parece ser maioritária a que defende que o banco não tem que fazer essa indagação (vide referências doutrinais referidas no voto de vencido do Acórdão deste Supremo Tribunal de 11-3-1999 referido). Esta questão não tem, todavia, relevância prática no caso vertente, visto que se provou que o dinheiro depositado pertencia à A. BB e não ao devedor, o referido CC.
Ainda sobre a dita indagação, apesar de não ter interesse para aqui, diremos que nos parece que, resultando do disposto no art. 516º que as partes dos vários credores no crédito se presumem iguais, não existindo qualquer dado que leva a concluir que essas quotas sejam desiguais, entendo-se a desnecessidade de averiguação e a possibilidade de compensação, então o banco não poderá ultrapassar, na operação, a quota do devedor, tal como é determinada pela norma.
Voltando atrás diremos que provando-se que o autorizante (o CC) não era o proprietário da conta (mas sim outra pessoa não devedora do banco), nunca o R, poderia ter efectuada a compensação que realizou.
Por outro lado, o acordo feito pelo CC e que acima se referenciou deve ter-se por ineficaz, porque meses antes de o banco R. ter efectuado a compensação, já o devedor havia deixado de ser titular da conta. Não sendo já o CC titular da conta, nunca o Banco R. poderia efectuar a compensação com o fundamento de ele ser um dos titulares da conta.
A entender-se assim, então o entendimento em relação à compensação legal acima exposto, tem validade também para aqui.
É improcedente a pretensão do recorrente. O acórdão recorrido merece confirmação.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Junho de 2008
Garcia Calejo (relator)
Mário Mendes
Sebastião Póvoas |