Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | CONCEIÇÃO GOMES | ||
Descritores: | TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS / REGRAS ESPECIAIS. DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA. | ||
Doutrina: | - J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª ed, Almedina 2002, p. 488 e 494. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º E 521.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 26-02-2002, IN CJSTJ, X, TOMO II, P. 227. | ||
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Sumário : | I - Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art. 521.º, do CPP, a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando-se evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido, assim se salvaguardando o princípio da economia processual, e a actuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta. II - Com a taxa sancionatória excepcional não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte. III - Não contendo o CPP norma expressa relativa à má-fé, encontrando-se o recurso ao CPC, perante a desarmonia de princípios neste particular, não havendo fundamento para sustentar o entendimento de que há lacuna (art. 4.º, do CPP), considerando o estatuto do arguido, não lhe pode ser aplicável o instituto da litigância de má-fé, o legislador no DL 34/2008, de 26-02, criou uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizados, para os intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. IV - Analisando a conduta processual da arguida, que também é advogada, revela-se manifestamente imprudente e censurável, susceptível de se enquadrar na previsão normativa do art. 521.º, do CPP, tal como se decidiu no despacho recorrido, já que a conduta processual da arguida não se deve a ignorância da lei, nem a ignorância de que a Presidência da Relação é um órgão unipessoal, nem que a decisão de indeferimento da reclamação é definitiva, nem tão pouco que a “conferência” para onde a arguida reclamou não existe, sendo tal actuação manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão, como se afirma no despacho recorrido, não se mostrando violado o direito ao acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. RELATÓRIO 1.1. Por despacho do Presidente do Tribunal da Relação de ... de 14 de junho de 2018 foi a arguida AA condenada na taxa sancionatória excecional no montante de 6 Ucs, no âmbito do processo 565/12.4TATVR – reclamação nos termos do art. 405º, do CPP. 1.2. Inconformada com este despacho recorreu a arguida, que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição): «1º. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 432°, n° 1, alínea a) do Código de Processo Penal que consagra que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões da relação proferidas em 1ª Instância, sendo o despacho ora recorrido que condenou a arguida na taxa sancionatória excepcional de 6Ucs por actuação dolosa uma condenação pelo Tribunal da Relação em 1ª Instância, daí que se admita o presente recurso. 2º. Por despacho datado de 14-06-2018 o tribunal "a quo" condenou a arguida na taxa sancionatória excepcional de 6Ucs por actuação dolosa. 3º. A arguida ora recorrente não se conforma com o despacho recorrido desde logo porquanto o mesmo se encontra ferido de nulidade, o que desde já se invoca para todos os devidos e efeitos legais. 4º. Sendo certo que o signatário agiu sempre em cumprimento do Estatuto da Ordem dos Advogados que lhe permite fazer tudo na defesa dos interesses do seu patrocinado. 5º. O Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação de ... por despacho datado de 14-06-2018 ao apreciar a conduta do ora signatário, referindo que tanto o Exmo. Mandatário da reclamante e como esta (também advogada) são useiros e vezeiros em apresentar reclamação para a conferência, contra o despacho que lhes indeferiu reclamação penal (art.° 405.° do CPP). 6°. Tendo condenando a ora Recorrente em 6 Ucs, sendo certo que por despacho anterior datado de 04-03-2018 que indeferiu a reclamação apresentada já havia a mesma sido condenada em 3Ucs. 7º. O mandatário da arguida ora recorrente nunca visou retardar artificialmente o trânsito em julgado, pois apenas visou defender e exercer os seus direitos, atendendo a que foi proferido um despacho proferido pelo Tribunal de Instrução Criminal de ..., que decidiu mandar o processo imediatamente para julgamento, enquanto se encontrava pendente um recurso no Tribunal Constitucional que se destinava a apreciar da constitucionalidade da decisão instrutória, e que poderia ou não alterar essa mesma decisão, pugnando a ora recorrente pela não realização do julgamento enquanto não houvesse decisão superior do Tribunal Constitucional, tudo isto em obediência às regras fundamentais relativas a direitos, liberdades e garantias dos arguidos, não pode proceder-se ao julgamento, uma vez que se houver provimento do referido recurso, não se pode falar de uma decisão instrutória transitada em julgado, motivo pelo qual não se conforma com a condenação na taxa sancionatória excepcional. 8°. O despacho recorrido viola ainda a interpretação do disposto no artigo 521.° do Código de Processo Penal, não se tratando assim a reclamação para a conferência apresentada nos presentes autos de nenhuma situação legalmente prevista para aplicação de taxa sancionatória excepcional, pois somos do entendimento que o nosso legislador com a aplicação da taxa sancionatória excepcional visa apenas punir os casos de condutas impróprias e actividades dilatórias e entorpecentes, não visando sancionar erros técnicos. 9º. Neste sentido veja-se o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de ..., processo n.° 260/14.0GAALJ-A.G1, datado de 09-04-2018, disponível em http://www.dgsi.pt/jttg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579 ec004d3832/b589aea923c 05cl480258274003576óó?OpenDocument 10° Nos termos do disposto no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental, implicando o mau uso desse direito uma utilização abusiva do processo, sancionável, visando tal sanção reprimir o uso doloso por parte do sujeito processual que o perverte visando desígnios alheios à realização da justiça criminal, o que manifestamente não sucedeu in casu. 11°.E a figura da taxa excepcional não visa sancionar erros técnicos, porque esses sempre foram punidos através do pagamento de custas, o que já sucedeu em despacho anterior ao recorrido, além de naturalmente, das consequências que tivessem no desfecho das questões. 12°.Concluindo-se que a recorrente, com a apresentação de tal peça processual o fez de forma a que não fosse julgada enquanto se encontrava pendente recurso interposto para o Tribunal Constitucional, não evidenciando qualquer propósito de praticar um acto que sabia não lhe ser permitido e assim entorpecer o andamento normal do processo, não se mostrando justificada a aplicação da taxa sancionatória excecional. 13°.O despacho recorrido violou assim a correcta interpretação do disposto nos artigos 405.°, 417.°, n.° 8, 419.° e 521.° Código de Processo Penal, a nossa jurisprudência dominante e bem assim o artigo 20.° e 32.°da Constituição da Republica Portuguesa e o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 14°.Termos em que e face ao supra exposto deverá o mesmo ser revogado por violação dos supra citados preceitos legais e por se encontrar ferido de nulidade, devendo em consequência ser a arguida absolvida da taxa sancionatória excepcional de 6Ucs a que foi condenada. Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, e em consequência deverá ser declarado nulo o despacho recorrido, assim se fazendo JUSTIÇA!». 1.3. No Tribunal da Relação de ... houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos: «1- A arguida recorre do douto despacho do Presidente da Relação de ..., proferido em 14 de Junho de 2018, que a condenou em taxa sancionatória excepcional no montante de 6 Ucs. Em síntese, o douto despacho recorrido fundamenta a condenação no facto da conduta da recorrente ao longo dos autos "não se dever a ignorância da lei, nem a ignorância de que a Presidência da Relação é um órgão unipessoal, nem de que a decisão de indeferimento da reclamação é definitiva, nem tão pouco que a "conferência" para onde reclamam não existe. Tal actuação é manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão". O Meritíssimo Presidente da Relação sustenta a sua convicção em diversas peças processuais que se encontram juntas aos autos. 2 - Tendo em consideração a factualidade que resulta dessas peças processuais e considerando só as relativas ao processo 565/12.4TATVR, podemos fazer uma síntese cronológica nos seguintes termos: a) Em 18.07.2014 é deduzida acusação contra a arguida AA, imputando-lhe a prática de dois crimes de abuso de confiança, p. p. pelo art. 205º nº 1 e nº 4 al. a) do CP.; b) Em 23.09.2014 a arguida requereu a abertura de instrução; c) Em 7.04.2017 foi proferida decisão instrutória que pronunciou a arguida nos precisos termos constantes da acusação; d) Em 27.04.2017 a arguida apresentou recurso da decisão instrutória, recurso que não foi admitido, por despacho de 3.05.2017, com fundamento na irrecorribilidade da decisão; e) Deste despacho reclamou a arguida para o Senhor Presidente da Relação de ..., reclamação que foi indeferida por despacho de 28.06.2017; f) Da decisão de indeferimento da reclamação interpôs a arguida recurso, em 1.09.2017, para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido por despacho do Senhor Vice-Presidente da Relação, proferido em 19.10.2017, tendo a arguida, em 31.10.2017, reclamado para o Presidente do Tribunal Constitucional da não admissão do recurso; g) Em 21.11.2017 o Mmº Juiz da 1ª instância ordena a remessa do processo para julgamento; h) Deste despacho interpôs a arguida recurso em 5.12.2017, recurso que, por despacho de 15.01.2018, foi rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal; i) Em 24.01.2018 a arguida reclamou do despacho que não admitiu o recurso, reclamação que foi indeferida em 7.03.2018, por despacho do Senhor Presidente da Relação; j) Deste indeferimento a arguida reclamou para a Conferência, reclamação que foi indeferida em 4.04.2018 pelo Senhor Presidente da Relação, por não ser legalmente admissível; k) Em 17.05.2018 a arguida apresentou requerimento informando que iria comunicar ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura, para que "estas entidades possam aferir da eventual responsabilidade disciplinar dos intervenientes…”; l) Em 14.06.2018 o Senhor Presidente da Relação de ... proferiu despacho a condenar a arguida em taxa sancionatória excepcional no montante de 6 Ucs, despacho que deu origem ao recurso que agora se aprecia. 3 A taxa sancionatória excepcional visa sancionar o uso de incidentes manifestamente improcedentes e quando a parte não tenha agido com a prudência e diligência devidas, devendo ser proporcional ao despropósito da pretensão formulada e ao grau de violação do dever de diligência (Cfr. Entre outros, Ac Relação Porto, proc. 192/11.3GCVPA.P1 e Ac. Relação ..., proc. 12/14.7TBCLD.C1). 4. Ora, como resulta do supra exposto, no processo 565/12.4TATVR que esteve na origem do douto despacho recorrido, a arguida praticou sistematicamente actos que qualquer profissional minimamente diligente sabe não serem legalmente permitidos e que não há qualquer motivo atendível para tal comportamento processual, funcionando exclusivamente como expedientes dilatórios que implicam injustificadamente grande disposição de tempo e meios. 5. Sendo esse o alcance e fundamentação do douto despacho recorrido, deve ser negado provimento ao recurso. 1.4. Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso acompanhando a Resposta do Ministério no Tribunal da Relação de .... *** 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1. Resultam dos autos as seguintes ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso: a) Em 18.07.2014 foi deduzida acusação contra a arguida AA, imputando-lhe a prática de dois crimes de abuso de confiança, p. p. pelo art. 205º nº 1 e nº 4 al. a) do CP.; b) Em 23.09.2014 a arguida requereu a abertura de instrução; c) Em 7.04.2017 foi proferida decisão instrutória que pronunciou a arguida nos precisos termos constantes da acusação; d) Em 27.04.2017 a arguida apresentou recurso da decisão instrutória, recurso que não foi admitido, por despacho de 3.05.2017, com fundamento na irrecorribilidade da decisão; e)Deste despacho reclamou a arguida para o Senhor Presidente da Relação de ..., reclamação que foi indeferida por despacho de 28.06.2017; f) Da decisão de indeferimento da reclamação interpôs a arguida recurso, em 01.09.2017, para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido por despacho do Senhor Vice-Presidente da Relação, proferido em 19.10.2017, tendo a arguida, em 31.10.2017, reclamado para o Presidente do Tribunal Constitucional da não admissão do recurso; g) Em 21.11.2017 o Mmº Juiz da 1ª instância ordena a remessa do processo para julgamento; h) Deste despacho interpôs a arguida recurso em 05.12.2017, recurso que, por despacho de 15.01.2018, foi rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal; i) Em 24.01.2018 a arguida reclamou do despacho que não admitiu o recurso, reclamação que foi indeferida em 07.03.2018, por despacho do Senhor Presidente da Relação; j) Deste indeferimento a arguida reclamou para a Conferência, reclamação que foi indeferida em 04.04.2018 pelo Senhor Presidente da Relação, por não ser legalmente admissível; k) Em 17.05.2018 a arguida apresentou requerimento informando que iria comunicar ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura, para que "estas entidades possam aferir da eventual responsabilidade disciplinar dos intervenientes…”; l) Em 14.06.2018 o Senhor Presidente da Relação de ... proferiu despacho a condenar a arguida em taxa sancionatória excecional no montante de 6 Ucs, despacho, com os seguintes fundamentos: «Na sequência da notificação do despacho de fls. 123 e 124, o Exm° mandatário do reclamante, veio apresentar requerimento em que por um lado reconhece ter errado, mas por outro entende que o Estatuto do Advogado, lhe permite fazer tudo na defesa dos interesses do seu patrocinado. Insinua ainda que a censura que lhe foi feita no despacho será ilegítima e daí decida remeter todo o expediente para o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e para o CSM para «aferir da eventual responsabilidade disciplinar dos intervenientes...». Esta posição não merece comentários. Apreciemos a conduta processual do Exm° causídico. Como se deixou transparecer no despacho de fls. 123 e 124, tanto o Exmº mandatário da reclamante e como esta (também advogada) são useiros e vezeiros em apresentar reclamação para a conferência, contra o despacho do Presidente que lhes indeferiu reclamação penal (art.° 405 do CPP). Das certidões de fls. 130 e seguintes, resulta com absoluta clareza que esta actuação não se deve a ignorância da lei, nem a ignorância de que a Presidência da Relação é um órgão unipessoal, nem de que a decisão de indeferimento da reclamação é definitiva, nem tão pouco que a "conferência " para onde reclamam não existe. Tal actuação é manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão. Trata-se de um comportamento altamente censurável e que no domínio do direito processual civil enquadraria uma situação de nítida litigância de má-fé. Acontece que estamos no âmbito do processo penal e neste ramo do direito, atenta a sua especificidade e os interesses que tutela, há dúvidas legítimas de que possam ser aqui aplicadas subsidiariamente, ex vi do art.° 4º do CPP, as regras da litigância de má-fé, ainda que apenas em parte. A maioria da jurisprudência entende que não existe qualquer lacuna e que o CPP é autossuficiente para regular os abusos processuais, designadamente por via da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art.° 521° do CPP. Acatando este entendimento e embora a aplicação da taxa sancionatória excepcional não satisfaça por inteiro as exigências que a litigância de má-fé pretende abarcar, designadamente quando, a responsabilidade pelo abuso processual é inteiramente imputável ao mandatário, considero que tal instituto é adequado a sancionar a conduta processual da arguida, na medida em que esta, enquanto advogada, também usa os mesmos procedimentos, como se pode ver pelas certidões juntas. Estabelece o artigo 521° do CPP que: 1- À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional. Por outro lado, a taxa sancionatória excepcional é fixada, pelo art. 10° do RCP, entre2 e 15UC. A sanção em causa é aplicada, nos termos do art. 531° do CPC, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida. No caso não estamos em presença de uma situação de falta de diligência ou de negligência mas duma actuação manifestamente dolosa, porquanto era conhecido pela requerente a manifesta falta de fundamento legal da sua pretensão e apesar disso usou o meio como expediente e com intuito meramente dilatório, entorpecendo a acção da justiça. Impõe-se pois a sua condenação na taxa sancionatória excepcional, que se fixa em 6 Ucs. Uma vez que o comportamento do Exm° mandatário da requerente é dolosamente contra-legem e é reiterado, entendo que pode constituir infracção disciplinar (art.° 90° n° 2 ala) do Estatuto da Ordem dos Advogados - Lei n.° 145/2015, de 09 de Setembro). Assim e tendo em vista apurar tal matéria, determino a remessa de certidão integral dos presentes autos ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados de ...». 3. O DIREITO 3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com a seguinte questão: - Se o despacho recorrido viola o artigo 521°do Código de Processo Penal, porquanto no entender da recorrente a reclamação para a conferência apresentada nos presentes autos não constitui nenhuma situação legalmente prevista para aplicação de taxa sancionatória excecional, uma vez que tal taxa visa apenas punir os casos de condutas impróprias e atividades dilatórias e entorpecentes, não visando sancionar erros técnicos. Alega ainda a recorrente que, «com a apresentação de tal peça processual o fez, para que, não fosse julgada enquanto se encontrava pendente recurso interposto para o Tribunal Constitucional, não evidenciando qualquer propósito de praticar um ato que sabia não lhe ser permitido e assim entorpecer o andamento normal do processo, não se mostrando justificada a aplicação da taxa sancionatória excecional. O despacho recorrido violou assim a correta interpretação do disposto nos artigos 405°, 417°, nº 8, 419° e 521° Código de Processo Penal, a nossa jurisprudência dominante e bem assim o artigo 20° e 32° da Constituição da Republica Portuguesa e o artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Apreciando. O artigo 521.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, determina que: “À prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”. Por seu turno, o artigo 531.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe ”Taxa sancionatória excecional”, consagra que «Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida. Este preceito corresponde, com alterações, ao artigo 447.º-B do Código de Processo Civil anterior, o qual foi aditado pelo Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e tinha a seguinte redação: “Artigo 447.º-B Taxa sancionatória excecional Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excecionais, pode ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de retificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes: a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte.” Conforme resulta do preâmbulo do Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, «Criou-se também um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa». A Constituição da República Portuguesa consagra como direito fundamental o direito e acesso aos tribunais (art. 20º, nº1). «O direito ao processo equitativo está hoje positivamente consagrado no art. 20º, da CRP, no art. 6º, da Convenção Europeia dos direitos do Homem, no art. 14º, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e políticos e no art. 10º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. As doutrinas caracterizadoras do direito a um processo equitativo (CRP, art. 20º/4) têm quase sempre como ponto de partida a experiência constitucional americana do due process of law. (...) Pela própria arqueologia do due process verifica-se que este se concebia fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes públicos. Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos, reconhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra actos de poderes públicos; (2) um direito de protecção do particular através dos tribunais do estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de protecção do Estado e direito do particular a exigir essa protecção). (...) O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo entendendo-se que este postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre que se hajam cumprido e observado os requisitos processuais da ação ou recurso. Por outras palavras: no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por isso, a efetivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer seja desfavorável às pretensões deduzidas em juízo» [1] Porém, o mau uso desse direito, uma utilização abusiva do processo, é sancionável, visando tal sanção reprimir o uso doloso por parte do sujeito processual que o perverte visando desígnios alheios à realização da justiça criminal. Fazer uma utilização abusiva do processo penal mais não é, em substância, do que fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.
Retomando o caso dos autos, no despacho recorrido o Exmº Presidente do Tribunal da Relação de ..., fundamenou da seguinte forma a aplicação da taxa sancionatória à recorrente: «Como se deixou transparecer no despacho de fls. 123 e 124, tanto o Exmº mandatário da reclamante e como esta (também advogada) são useiros e vezeiros em apresentar reclamação para a conferência, contra o despacho do Presidente que lhes indeferiu reclamação penal (art.° 405 do CPP). Das certidões de fls. 130 e seguintes, resulta com absoluta clareza que esta actuação não se deve a ignorância da lei, nem a ignorância de que a Presidência da Relação é um órgão unipessoal, nem de que a decisão de indeferimento da reclamação é definitiva, nem tão pouco que a "conferência " para onde reclamam não existe. Tal actuação é manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão. Trata-se de um comportamento altamente censurável e que no domínio do direito processual civil enquadraria uma situação de nítida litigância de má-fé. Acontece que estamos no âmbito do processo penal e neste ramo do direito, atenta a sua especificidade e os interesses que tutela, há dúvidas legítimas de que possam ser aqui aplicadas subsidiariamente, ex vi do art.° 4º do CPP, as regras da litigância de má-fé, ainda que apenas em parte. A maioria da jurisprudência entende que não existe qualquer lacuna e que o CPP é autossuficiente para regular os abusos processuais, designadamente por via da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art.° 521° do CPP. Acatando este entendimento e embora a aplicação da taxa sancionatória excepcional não satisfaça por inteiro as exigências que a litigância de má-fé pretende abarcar, designadamente quando, a responsabilidade pelo abuso processual é inteiramente imputável ao mandatário, considero que tal instituto é adequado a sancionar a conduta processual da arguida, na medida em que esta, enquanto advogada, também usa os mesmos procedimentos, como se pode ver pelas certidões juntas. Estabelece o artigo 521° do CPP que: 1- À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional. Por outro lado, a taxa sancionatória excepcional é fixada, pelo art. 10° do RCP, entre 2 e 15 UC. A sanção em causa é aplicada, nos termos do art. 531° do CPC, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida. No caso não estamos em presença de uma situação de falta de diligência ou de negligência mas duma actuação manifestamente dolosa, porquanto era conhecido pela requerente a manifesta falta de fundamento legal da sua pretensão e apesar disso usou o meio como expediente e com intuito meramente dilatório, entorpecendo a acção da justiça. Impõe-se pois a sua condenação na taxa sancionatória excepcional, que se fixa em 6 Ucs».
Efetivamente não contendo o Código do Processo Penal norma expressa relativa á má-fé, encontrando-se vedado o recurso ao Código do Processo Civil, perante a desarmonia de princípios neste particular, não havendo fundamento para sustentar o entendimento de que há lacuna (art. 4º, do Código do Processo Penal) [2], considerando o estatuto do arguido, não lhe pode ser aplicável o instituto da litigância de má-fé, o legislador no DL nº 34/2008, de 26 de fevereiro, como supra se referiu, criou uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, para os intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. No caso subjudice, analisando a conduta processual da arguida, que também é advogada, revela-se manifestamente imprudente e censurável, suscetível de se enquadrar na previsão normativa do art. 521° do CPP, tal como se decidiu no despacho recorrido. Com efeito, basta atender que: - na sequência do despacho de 21.11.2017 no qual o Mmº Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo para julgamento, a arguida interpôs recurso em 05.12.2017, recurso que, por despacho de 15.01.2018, foi rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal. Em 24.01.2018 a arguida reclamou do despacho que não admitiu o recurso, reclamação que foi indeferida em 07.03.2018, por despacho do Senhor Presidente da Relação. Deste indeferimento a arguida reclamou para a Conferência, reclamação que foi indeferida em 04.04.2018 pelo Senhor Presidente da Relação, por não ser legalmente admissível; e - em 17.05.2018 a arguida apresentou requerimento informando que iria comunicar ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura, para que "estas entidades possam aferir da eventual responsabilidade disciplinar dos intervenientes…”. Do exposto se conclui que a conduta processual da arguida não se deve a ignorância da lei, nem a ignorância de que a Presidência da Relação é um órgão unipessoal, nem de que a decisão de indeferimento da reclamação é definitiva, nem tão pouco que a "conferência" para onde a arguida reclamou não existe, sendo tal atuação manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão, como se afirma no despacho recorrido, não se mostrando violado o direito ao acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º, nº1, da CRP. Neste sentido, improcede o recurso da arguida. *** 4. DECISÃO.Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso da arguida AA. Custas pela recorrente fixando a taxa de justiça em 3 (três) UC’s. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP). *** Lisboa, 09 de maio de 2019
Maria da Conceição Simão Gomes (relatora) Nuno Gonçalves ----- |