Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
087694
Nº Convencional: JSTJ00028639
Relator: SANTOS MONTEIRO
Descritores: CITAÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
FORMALIDADES
CONSTITUCIONALIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
NULIDADE
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
Nº do Documento: SJ199511070876941
Data do Acordão: 11/07/1995
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: ABÍLIO NETO IN CPC ANOTADO 10ED PAG1807.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CONST - PODER POL / DIR FUND.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 193 ARTIGO 195 N2 C ARTIGO 198 N1 ARTIGO 202 ARTIGO 235 A - G ARTIGO 243 N3.
DL 242/85 DE 1985/07/09 ARTIGO 1.
CONST89 ARTIGO 20 N1 ARTIGO 205 N2.
Sumário : I - A lei distingue os casos em que se verifica a falta de citação (artigo 195 do C.P.C.), dos casos em que a citação
é nula (artigo 193), embora tudo se inclua no conceito de nulidades, mas com um regime de arguição diferente.
II - Há preterição de formalidade prescrita na lei, se o oficial não indicou a hora certa a que procuraria de novo o citando, mas não se trata de formalidade essencial, por não vir referida nas alíneas do n. 2 do artigo 195 do Código citado.
III - O facto do oficial não ter indicado a hora certa a que, de novo, procuraria o citando constitui uma nulidade prevista do n. 1 do artigo 198 do mesmo diploma.
IV - Como se depreende do disposto no artigo 202 do C.P.C., o tribunal não pode conhecer oficiosamente da referida nulidade.
V - Assim, o Juiz não pode mandar repetir a citação, se a anterior citação era válida sem a arguição daquela nulidade.
VI - A devolução da carta registada com aviso de recepção, para citação, sem que o tribunal ordene qualquer outra diligência, não integra inconstitucionalidade por ofensa dos artigos 20, n. 1 e 205 da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível:
I) - Relatório.
1 - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, com distribuição ao seu 7. Juízo, A e B propuseram acção de processo ordinário contra C, pedindo se decretasse a condenação da ré com a adjudicação aos autores da titularidade e propriedade plena do prédio referido na petição inicial, ou, em alternativa, que a ré fosse condenada a pagar-lhes uma indemnização de 24000000 escudos, com o fundamento dela não ter cumprido o contrato-promessa de venda desse prédio que com eles celebrara.
Após várias vicissitudes, a ré foi citada, tendo contestado a acção.
A folhas 74 foi interposto um recurso de agravo do despacho de folha 53, que ordenou se procedesse à repetição da citação da ré, o que aconteceu a 26 de Junho de 1991, quando esta compareceu por sua iniciativa no tribunal, após haver sido citada (folha 52) a 10 de Maio de 1991, por meio de afixação de uma nota à porta de sua casa, na presença de testemunhas.
Entretanto o processo seguiu a sua tramitação normal e, por último, foi proferida sentença, na qual foi julgado procedente uma excepção inominada, de natureza dilatória, da inexigibilidade do cumprimento da obrigação, na qual foi julgado improcedente o pedido reconvencional e se declarou não verificada a litigância de má fé.
2 - Recorreram ambas as partes para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão de folhas 264 e seguintes, se deu provimento ao referido agravo interposto a folha 74 e, em consequência, se declarou a nulidade do despacho de folha 53 e de todo o processado posterior, com a inerente consequência, nomeadamente de se virem a julgar confessados todos os factos articulados pelos autores na petição inicial, conforme o preceituado no n. 1 do artigo 484 do Código de Processo Civil.
3 - Inconformada, a ré C interpôs recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça.
Na sua alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1.) - No direito processual é princípio fundamental que, além dos factos notórios, o julgador só pode servir-se dos factos articulados pela parte e dos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, desde que comprovados documentalmente (artigos 514 e 664, do Código de Processo Civil).
2.) - Em face dos documentos constantes dos autos, designadamente da certidão negativa de folhas 51 verso e da certidão de folha 52, verifica-se que o funcionário, ao afixar o aviso na porta do citando, não deixou a indicação da hora certa.
3.) - Não está documentado no processo o teor da notícia que o funcionário terá enviado ao citando, notícia essa que, pelo menos e sob pena de falsidade, não podia conter a menção do facto material que não foi cumprida a indicação da hora certa para a citação.
4.) - Atento o disposto no artigo 195, n. 2, alínea h), do Código de Processo Civil, houve falta de citação, uma vez que a afixação da nota no lugar não obedeceu aos requisitos que exige o texto do n. 2 do artigo 235 do mesmo Código.
5.) - Por conseguinte, bem andou o Excelentíssimo Juiz da 1. instância, quando ordenou, através do despacho de folha 53, a citação imediata e pessoal da ré.
6.) - Sendo absolutamente nula a pretensa citação material e sendo válida a citação pessoal, a contestação foi apresentada tempestivamente, segundo os normativos então em vigor, pelo que não se verificam, no caso concreto, os efeitos previstos no artigo 484, n. 1, do Código de Processo Civil, não devendo, portanto, considerar-se provados os factos articulados pelos autores.
7.) - A função típica da citação é de dar conhecimento ao réu da propositura contra ele da acção e proporcionar-lhe o direito de defesa, por aplicação do princípio do contraditório, e garantir-lhe o direito à segurança jurídica.
8.) - A citação é uma declaração ou comunicação recipienda, que só é eficaz e válida, desde que chegue ao conhecimento do destinatário, isto é, do citando, salvo se houver culpa deste.
9.) - O envio ao citando da carta registada, com aviso de recepção, a que se refere o n. 3 do artigo 243 do Código de Processo Civil, não releva se a carta não foi por ele recebida, uma vez que, nos próprios termos da lei, tal carta é enviada para dar notícia do dia da citação, do modo como foi efectuada, do dia até ao qual pode defender-se, da cominação em que incorre na falta de defesa e do destino que teve o duplicado.
10.) - Por conseguinte, o simples facto da expedição da carta não deve ser entendido como relevante, se esta não foi recebida pelo citando, isto é, se este não conheceu o teor da notícia que a carta se destinava a dar-lhe, nos termos atrás referidos.
11.) - Todo e qualquer dispositivo legal que tenha um sentido contrário ao que se acabou de explicar constitui violação dos princípios fundamentais consignados nos artigos 20, n. 1, e 205, n. 2, da Constituição da República, estando, assim, ferido de inconstitucionalidade material com as legais consequências.
12.) - O Tribunal da Relação de Lisboa devia ter conhecido, em face de toda a documentação constante dos autos, os factos que envolvem falta de citação, tal como o fez o Excelentíssimo Juiz da 1. instância, tanto mais que tal nulidade é, nos termos do artigo 202 do Código de Processo Civil, de conhecimento oficioso.
13.) - O Venerando Tribunal, salvo o exposto, não só não fez uma correcta subsunção dos factos ao direito, como também seleccionou imperfeitamente a matéria da prova, não tomando em consideração elementos, constantes dos autos, que se verifica serem indispensáveis para o Supremo definir o direito, principalmente quando está em discussão uma nulidade processual que, por natureza e disposição legal, é do conhecimento oficioso (artigo 202, do Código de Processo Civil).
14.) - O mesmo Tribunal também não deu aplicação aos princípios consignados nos artigos 20 n. 1 e 205 n. 2, da Constituição da República, os quais prevalecem sobre quaisquer norma que os contrariam, conduzindo à inconstitucionalidade destas e à sua não aplicação, como sendo caso da norma que considera citado o réu, sem que este tenha conhecimento de que contra ele foi proposta determinada acção, inviabilizadora, portanto, do seu direito de defesa e do princípio da segurança jurídica.
15.) - Verificam-se, portanto, os fundamentos do recurso de agravo previstos no artigo 755 do Código de Processo Civil, ao qual deve ser concedido provimento com as legais consequências.
Contra alegaram os agravados, defendendo que a agravante foi citada no dia 10 de Maio de 1991 e que, por isso, a sua contestação foi extemporânea, devendo, assim, considerar-se confessados os factos articulados pelos autores com as legais consequências.
Cumpre decidir, após os vistos legais.
II) - Fundamentos da decisão
A) - Factos provados que interessam à decisão da causa do recurso.
1 - A 18 de Abril de 1991, o oficial deslocou-se a casa da citanda, sem que lá encontrasse alguém, pelo que resultou infrutífera tal diligência (certidão negativa de folha 51).
2 - A 7 de Maio de 1991, o oficial voltou, de novo a casa da citanda, sucedendo que, mais uma vez, não encontrou ninguém. Assim, o oficial deixou afixada na porta da residência uma nota, informando que lá voltaria a 10 de Maio de 1991, para levar a efeito o ordenado na carta-precatória expedida à Comarca de Oeiras (certidão negativa de folhas 51 verso).
3 - A 10 de Maio de 1991, o oficial voltou a casa da citanda, acontecendo que mais uma vez a não encontrou, razão porque pretendeu efectuar a citação na pessoa de um vizinho, o que não conseguiu; por isso, efectuou a citação por meio de afixação de uma nota na porta da casa da citanda na presença de duas testemunhas, onde dava conta do dia da citação, do prazo marcado para a defesa, da cominação do juízo onde o processo pendia seus termos (certidão de folha 52).
4 - A 13 de Maio de 1991 foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação da ré, que foi devolvida (notas de folhas 52 verso).
5 - A 26 de Junho de 1991 a ré apresentou-se na Secção do Tribunal e informando que não recebera qualquer comunicação do Tribunal de Oeiras para lá se deslocar a fim de ser citada, bem como não recebeu qualquer comunicação dos C.T.T. para levantar a carta com A.R.; declarou ainda que se ausentara para as termas durante os meses de Abril e Maio, julgando que poderá ter sido procurada nessa altura por algum oficial de justiça; em suma, pretendia ser citada.
6 - A folhas 5 dos autos consta um despacho do Excelentíssimo Juiz - despacho agravado, onde se ordena a repetição da citação da ré.
B) Aspecto Jurídico:
1 - Com a nova redacção dada ao artigo 235 do Código de Processo Civil pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 242/85, de 9 de Julho, a citação pessoal por intermédio do oficial de justiça passa a obedecer à seguinte tramitação: a) - O funcionário procurará o citando na sua residência e, se o encontrar, procederá à sua citação com observância do disposto no artigo 242. b) - Se o não encontrar, mas houver pessoa, na casa, o oficial deixará nota com indicação de hora certa, para outro dia útil dentro dos 14 imediatos, a qual será entregue a qualquer pessoa da casa preferindo os parentes do citando. c) - Se nenhuma das pessoas presentes se dispuser a receber a nota indicativa da hora certa para citação, o funcionário afixará o respectivo aviso na porta da residência do citando, sem necessidade de intervenção de testemunhas. d) - Se no dia e hora designados o funcionário encontrar o citando na residência, fará a citação na pessoa dele. e) - Se o não encontrar, o funcionário seja qual for a causa ou a duração da ausência, procederá à citação em qualquer pessoa maior que viva na casa, preferindo os parentes do citando, se algum dos presentes se prontificar a colaborar. f) - Se nenhuma das pessoas da casa ali se encontrar, ou, estando presentes, se recusarem a receber a citação, será esta efectuada na pessoa do porteiro ou do vizinho mais próximo que for encontrado. g) - Se não houver porteiro nem vizinhos que se prestem a aceitar e transmitir a citação ao destinatário, o funcionário afixará na porta do citando a nota a que se refere a parte final do n. 2 deste artigo, dando cumprimento ao demais aí estabelecido ("Código de Processo Civil Anotado", por Abílio Neto, 10. edição de 1991,
página 180).
Esta tramitação para a citação pessoal traduz com toda a fidelidade o que se prescreve naquele artigo 235.
A lei, por sua vez, distingue os casos em se verifica a falta de citação (artigo 195 do Código de Processo Civil), dos casos em que a citação é nula (seu artigo 190), embora tudo se inclua no conceito de nulidades
(seu artigo 202), mas com um regime de arguição diferente (disposições seguintes do Código de Processo Civil).
2 - Vejamos, agora, se foi seguida aquela tramitação para a citação da ré.
O funcionário não encontrou a citanda na sua residência, apesar de a ter procurado aí, isto em 18 de Abril de 1991.
E não encontrou ali ninguém, pelo que, em 7 de Maio de 1991 voltou, de novo, a casa da citanda, e mais uma vez não encontrou ninguém nessa residência. Em face disso o oficial afixou uma nota na porta da residência da ré, informando nessa nota que lá voltaria a 10 de Maio de 1991, para levar a efeito a citação.
Houve já aqui a preterição de uma formalidade prescrita na lei, porque o oficial não indicou a hora certa a que procuraria de novo a citanda no dia 10 de Maio de 1991, para a citar.
Contudo, o oficial, em 10 de Maio de 1991, voltou a casa da citanda, acontecendo que mais uma vez a não encontrou, razão pela qual efectuou a citação por meio de afixação de uma nota na porta da casa da citanda, na presença de duas testemunhas, onde deu conta do dia da citação, do prazo indicado para a defesa da comunicação e do juízo onde o processo corria seus termos. Antes, porém, da afixação da nota, o oficial tentou a citação na pessoa de um vizinho da citanda, o que não conseguiu.
Por último, o oficial, em cumprimento do disposto no n. 3 do artigo 243 do Código de Processo Civil, enviou uma carta registada com aviso de recepção à ré.
Ora, de todo este enunciado da tramitação para a citação da ré, verifica-se que apenas só houve a preterição da já referida formalidade de não se ter indicado a hora certa a que o oficial procuraria de novo a ré na sua residência (n. 1 do artigo 235 do Código de Processo Civil).
Não se trata, como é óbvio, de formalidade essencial, por não vir referida nas alíneas do n. 2 do artigo 195 do Código de Processo Civil.
Também não se trata de preterição de formalidade essencial o facto da carta registada com aviso de recepção vir devolvida, porque a alínea c) do n. 2 daquele artigo 195 apenas impõe o envio dessa carta, nada dispondo para a hipótese da devolução dessa carta.
O facto do oficial não ter indicado a hora certa a que, de novo, procuraria a citanda no dia 10 de Maio de 1991, constitui uma nulidade prevista no n. 1 do artigo 198 do Código de Processo Civil, onde se diz: "É nula a citação quando, observadas as formalidades essenciais, tenha havido preterição de outras formalidades prescritas na lei".
Mas, como se depreende do disposto no artigo 202 do Código de Processo Civil, o tribunal não pode conhecer oficiosamente da referida nulidade - o não se ter indicado a hora certa a que o oficial procuraria a citanda.
E a recorrente, ao apresentar-se no Tribunal de Oeiras, pedindo para ser citada, não arguiu especialmente essa nulidade, nem qualquer outra. Assim, o Excelentíssimo Juiz não podia ter mandado repetir a citação, porque a anterior citação era válida sem a argumentação daquela nulidade, arguição essa que não houve.
Portanto, o agravo não merece provimento, porque a primeira citação considera-se legalmente feita sem que tivesse havido a atempada arguição daquela nulidade.
3 - A devolução da carta registada com aviso de recepção, para citação, sem que o tribunal ordene qualquer outra diligência, não integra inconstitucionalidade por ofensa dos artigos 20, n. 1 e 205 n. 2, da Constituição da República Portuguesa, como pretende a recorrente.
A tramitação para a citação do réu, de acordo com o artigo 235 do Código de Processo Civil, e o envio, quando necessário, da carta registada com aviso de recepção, embora essa carta seja devolvida, nos termos do n. 3 do artigo 243 do Código de Processo Civil, representam um compromisso entre a defesa dos direitos dos cidadãos, que deve ser assegurada pelos tribunais, e a conduta, já muito frequentes de certos réus que, por todos os meios, procuram subtrair-se à citação. É que a carta nunca é devolvida, sem que o citando receba aviso domiciliário para a ir levantar na estação dos correios.
No caso concreto, a agravante, quando se deslocou ao Tribunal de Oeiras em 26 de Junho de 1991, já sabia que tinha sido procurada em sua casa por um funcionário judicial e é estranho que só ali tenha comparecido naquela data argumentando ela que estivera ausente de casa em Abril e Maio, porque, mesmo que assim fosse, ao regressar a casa, portanto em princípio do mês de Junho, teria deparado na sua caixa do correio com o aviso dos C.T.T. para reclamar a carta registada.
Por outro lado, mesmo que aquela ausência se tivesse verificado, mostraria incúria da agravante não ter incumbido alguém, designadamente um parente, como geralmente acontece, de visitar periodicamente a casa e de verificar a sua caixa do correio.
A nossa lei adjectiva, depois de percorrida toda a tramitação para a citação, como se ordena no artigo 235 do Código de Processo Civil e de se ter enviado a carta registada com aviso de recepção, quando necessário, nos termos do n. 3 do artigo 243 do mesmo Código, considera a citação do réu como feita. Com efeito, só em casos muito especiais é que se poderá dizer que, depois de realizadas todas essas diligências, o réu desconhece que contra ele foi proposta determinada acção.
A fuga à citação é, aliás, um dos meios mais utilizados contra o exercício dos direitos pelos seus titulares.
"De jure condendo" talvez fosse preferível facultar ao citando a possibilidade de provar que, mesmo depois de realizadas aquelas diligências, ele desconhecia que foi procurado para ser citado.
III) - Decisão.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso de agravo custas pela agravante.
Lisboa, 7 de Novembro de 1995.
José dos Santos Monteiro,
Machado Soares,
Fernandes Magalhães.