Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | ALEGAÇÕES ESCRITAS OBJECTO DO RECURSO MOTIVAÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO PENA DE PRISÃO E MULTA MEDIDA DA PENA PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Nº do Documento: | SJ200705170012315 | ||
Data do Acordão: | 05/17/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
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Sumário : | I - As alegações não podem alargar ou modificar o objecto do recurso definido na motivação maxime nas conclusões e também não se destinam a alterar o âmbito do recurso, já ali fixado, mas essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial II - O erro de direito, podendo porventura fundar o recurso, não constitui só por si, fundamento de nulidade do acórdão recorrido. III - A «revista alargada» prevista no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, pressupunha a existência de um único grau de recurso – recurso per saltum – e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a não impugnabilidade directa da matéria de facto. IV – Essa «revista alargada» para o Supremo Tribunal deixou, por isso, de fazer sentido – em caso de recurso prévio para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998, os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação de facto – e de direito – perante a Relação. V – Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente matéria de direito, pode dirigi-lo directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, de facto e de direito, à Relação, caso em que, da decisão desta, se não for irrecorrível, poderá recorrer para o STJ. VI – Só que, nesta última hipótese, o recurso – agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios da matéria de facto, do julgamento da 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente: - insuficiente; - erradamente apreciada; - assente em premissas contraditórias, o Supremo Tribunal, por sua iniciativa, e quando detecte algum daqueles vícios no acórdão recorrido (da Relação), se abstenha de conhecer do mérito da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. VII – Com isto se significa que está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, mormente em tudo o que foi ou devia ter sido objecto de conhecimento pela Relação. VIII - Os objectivos da pena de multa – em regra aplicável a casos de pequena criminalidade – residem mormente no colocar o condenado próximo do mínimo existencial, pelo que quando este tenha que cumprir pena de prisão, pouco ou nenhum sentido faria, até por força da concepção de unidade da pena, mesmo em caso de cúmulo, reclamada pela filosofia do Código Penal «quando alguém tiver praticado vários crimes (...) é condenado numa pena única», que, na sua composição entrasse uma «pena mista» de prisão e multa. IX - Não sendo caso de «incorrecção do procedimento ou das operações de determinação», de «desconhecimento pelo tribunal ou errónea aplicação dos princípios gerais de determinação», de «falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis»,não há lugar à intervenção correctiva do Supremo para encontrar a chamada «pena óptima». X - O montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, isto é, tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. Donde que, tal como escapam à admissibilidade do recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (art. °s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção em caso de julgamento segundo a equidade em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». * * Sumário elaborado pelo relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. No Processo Comum Colectivo n.º 613/01.3JDLSB da 1.ª Vara de Competência Mista de Sintra, foi submetido a julgamento o arguido AA, devidamente identificado tendo a final, por acórdão de 05MAI2006, sido decidido: Condenar o arguido: a) Pela prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) Em autoria material e em concurso efectivo com o anterior, de um (1) crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da previsão do art.º 199.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; c) Em autoria material e em concurso efectivo com os anteriores, de um crime de extorsão agravado sob a forma tentada, da previsão do art.º 223.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) e arts. 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; d) Em autoria material e em concurso efectivo com os anteriores, de um (1) crime de devassa da vida privada, da previsão do art.º 192.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 7 (sete) anos de prisão. Absolver o mesmo arguido: a) Relativamente ao crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da disposição da alínea b), do n.º 2, do art.º 199.º e da qualificativa a que alude a alínea a) do art.º 197.º, ambos do Código Penal; b) Relativamente ao crime de devassa da vida privada, da qualificativa a que alude a alínea a) do art.º 197.º, do Código Penal; Condenar o mesmo arguido/demandado no pagamento à assistente/demandante, da quantia de €60.705,75 (sessenta mil, setecentos e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais; Condenar o mesmo arguido/demandado no pagamento à assistente/demandante, da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; Absolver o mesmo arguido/demandado do demais peticionado no pedido de indemnização civil; e Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos, por terem sido utilizados na prática de crimes, nos termos do art.º 109.º, do Código Penal. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido à Relação de Lisboa que, por acórdão de 31/01/07 julgou o recurso totalmente improcedente, confirmando o acórdão recorrido. Ainda inconformado e peticionando sem oposição, alegações por escrito, recorre o arguido ora ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando conclusivamente o objecto do recurso [transcrição]: 1. Vem o presente Recurso interposto do Acórdão proferido pela 3a Secção do V. Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo nº 1003 1/06, que decidiu confirmar na íntegra o anteriormente decidido no Acórdão proferido nos Autos com o NUTPC: 613/01.3 JD LSB, que correram termos pela P Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Sintra, sede onde o Arguido e aqui Recorrente foi condenado na pena unitária de 7 (sete) anos de prisão, após a operação de cúmulo jurídico entre as seguintes penas parcelares; 2.Pela pratica de um crime de burla qualificada, p. p., pelos Artigos 217° e 218, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão; Pela prática em autora material e em concurso efectivo, com o anterior, de um crime se gravação ilícita de imagens, p. p., pelo Artigo 192°, n°2, alínea a) do código Penal na pena de 8 meses de prisão; Em autoria material, e concurso efectivo com os anteriores, de um crime de extorsão agravado, sob a forma tentada, p. p., pelo Artigo 223°, nº 3, alínea a), com referência ao Artigo 204, nº 2, alínea a) e Artigos 22° e 23°, todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; Em autoria material e em concurso efectivo com os anteriores, de um crime de devassa da vida privada, p. p., pelo Artigo 192°, nº 1, alínea d), do Código Penal, numa pena de 10 meses de prisão. 3. Mais, foi confirmada a Decisão do Recorrente, de pagar à Assistente a quantia de €60.705,75 (Sessenta Mil, Setecentos e Cinco Euros e Setenta e Cinco Cêntimos) a título de danos patrimoniais; E a quantia de € 25.000,00 (Vinte e Cinco Mil Euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, em custas e demais encargos do processo. 4. O aqui Recorrente encontrava-se Acusado e Pronunciado pela práticas dos factos descritos no Despacho de Pronúncia que faz folhas 645 a 654 dos Autos, e susceptíveis de integrarem, por si, a prática dos crimes que ai lhe foram imputados. 5. Em sede de Acórdão, ora sob censura, decorrem provados e fixados os factos ai mencionados sob a folhas 4 a 11; Porém; 6. Em sede de Decisão Instrutória e 14 de Novembro de 2005, foi indicada a prova Documental, Testemunhal e outra decorrente dos Autos, bem como a identificação do Arguido, que nessa fase prestou novo Termo de Identidade e de Residência. 7. Procedeu-se ao Julgamento do Arguido na sua Ausência, donde e por tal via verifica-se a nulidade do mesmo, visto que se deu início ao mesmo, tal como contam das Actas de Julgamento, ao abrigo do disposto pelo Artigo 333° do Código de Processo Penal, sem que conste qualquer Despacho Judicial do Tribunal Colectivo ou do Exmo. Senhor Juiz Presidente, que se pronuncie sobre a indispensabilidade ou não do Arguido, e da sua presença nessa sede; 8. Mas, também, sem tomar qualquer tipo de medidas para obter a sua comparência, optando, antes, apela realização da Audiência de acordo com o processo especial de ausentes; 9. O que configura uma nulidade insanável, nos termos do disposto no Artigo 119°, alínea f) do Código de Processo Penal e determina a nulidade de toda a Audiência de Discussão e Julgamento e de todos os actos subsequentes, nos termos do disposto pelo Artigo 122° do Código de Processo Penal, a qual deve ser conhecida e declarada, por violação ao disposto nos Artigos 332°, nº 1, 333°, nº 1 e 2; 334°, 116°, nº 2, 61° e 196°, todos do C.P.P., nulidade que se verifica, por confirmada que foi pela decisão do V. Tribunal da Relação de Lisboa, que a não conheceu nem declarou, incorrendo pois e nesta medida o Acórdão ora sob censura na violação às citadas disposições legais. 10. Conforme decorre da Conclusão 6., em sede de Decisão Instrutória foi indicada a prova a constar dos Autos, mormente prova Documental; Porém; 11. Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, não foi a mesma produzida, nem examinada, nos termos em que o impõe o Artigo 355°, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal, pelo que não poderia o Tribunal a quo, dela se socorrer e para ela remeter, em sede de Motivação da Decisão, como o fez e, melhor consta de folhas 10 do Acórdão de Primeira Instância, ai referindo os Documentos que serviram para alicerçar a sua convicção. E, incorrendo assim na violação ao preceituado por aquela norma legal, e ainda ao disposto pelo Artigo 379°, nº 1, alínea c), do mesmo Diploma Legal, o que determina a nulidade do Aresto Recorrido, na medida em que considera não ser exigível nem obrigatório por lei que o que determina o Artigo 355° do Código de processo penal, acolhendo a posição assumida pelo Tribunal de Primeira Instância, donde e pelas mesmas razões violou também, este último os mencionados preceitos legais. Por outra via: 12. Os Documentos juntos aos Autos e que fazem folhas 83 a 92, e que consistem em listas de facturação detalhada do telefone móvel do Arguido, foram aprendidos pelo O.P.C. em 23 de Março de 2001, e juntos nessa data aos Autos. 13. Por Despacho Judicial foi validada a respectiva apreensão em 30 de Março de 2005, pelo que o foram fora do prazo a que se refere o Artigo 178°, nº 3 e 5 do Código de Processo Penal, donde, a nulidade das apreensões, nomeadamente, as desses Documentos, tornando todos os meios de prova obtidos em 23 de Março de 2001, nulos, por proibidos, nos termos do disposto pelos Artigos 125° e 126°, nº 1 e 3, do C.P.P., em violação destas três citadas normas legais, o que determina, por via da sua utilização em sede de Acórdão, a nulidade do mesmo, atento o disposto no Artigo 379.º, nº 1, alínea c), também, do mesmo Diploma legal e agora a Decisão Recorrida, igualmente, por violação dos mesmos princípios e disposições legais. 14. Da facturação e registo de chamadas que fazem folhas 83 a 92 dos Autos, constata-se que, por se tratar de correspondência do Arguido, relativa a conversações telefónicas a sua apreensão, validação e junção aos Autos em face da sua confidencialidade deveria obedecer aos requisitos e formalismos a que se referem os Artigos 187°, 190°, 269°, nº 1, alíneas b e c), sempre por via de um Juiz de Instrução. E não o foi. 15. Donde e por esta via se demonstra violado o preceituado nos Artigos 34°, nº 1, 2, 3 e 4 da C.R.P., e 26 da Lei Fundamental; Artigos 1.º, nº 2 da Lei nº 91/97, de 01 de Agosto e nº 5 da Lei nº 69/98, de 28 de Outubro; 187°, 190.º, 269°, nº 1 alíneas a) e c); Pelo que, tal meio de prova e que consiste nessas listagens juntas aos Autos, beneficia do princípio e proibição de tal meio de prova — Artigo 126°, nº 3 do C.P.P., a qual não é lícita, porque não foi precedida de determinação, nem de autorização Judicial — J.I.C. 16. Ora assim não tendo sucedido e acolhendo-a, nos mesmos moldes, o Acórdão Recorrido, e proferido em segunda Instância, o mesmo viola as disposições legais mencionadas na Conclusão 15, o que acarreta a nulidade do mesmo, e deverá conhecer-se da nulidade de que o mesmo enferma, expurgando-o (s) de tal meio de prova, porque proibida por lei e, dai a sua inaproveitabilidade. 17. O Arguido invoca como fundamento de Recurso nulidades a que se referem o nº 3 do Artigo 410.º, do Código de Processo Penal, sobre as quais discorreu na Motivação; 18. Não se conforma com a condenação pela prática dos crimes e que foi condenado, seja com a condenação em si, seja as penas parcelares em que foi condenado, seja com a pena unitária, por operação de cúmulo jurídico e confirmação das mesmas em sede de Decisão do V. Tribunal da Relação de Lisboa. Assim: 19. Quanto ao crime de burla qualificada, em que foi condenado na pena de 5 anos de prisão, carece o Aresto Recorrido de matéria fáctica, suficiente, assente como provada e decorrente da prova produzida em Audiência para a alicerçar, que se baste ao contenha noutra que não nas declarações em Audiência e documentadas, da Assistente, isto em Actas de 09 de Fevereiro e da Acta de 09 de Março de 2006. 20. Verifica-se pois, no caso, insuficiência de prova, e os vícios a que se refere o Artigo 4100, nº 2 alíneas a), e c) do Código de Processo Penal, bem como a violação pelo Tribunal de primeira Instância, e agora no Aresto em Crise, ao disposto nesse preceito legal, bem assim ao disposto pelos Artigos 2170 e 218°, nº 2, alínea a), ambos do Código Penal. Donde a reclamada absolvição do Arguido. 21. Relativamente ao crime de gravação e utilização de imagens, p. p., pelo Artigo 199°, nº 2, alínea a) do Código Penal, acolhem-se, as mesmas razões fundamentos expendidos nas Conclusões 19. e 20, razão pela qual e também, quanto a este ilícito, o Arguido deveria, dele ter sido absolvido em face da continuada violação pelo Tribunal Recorrido ao preceituado pelos Artigos 333°, 335°, 410°, nº 1 e 2, alínea a) e c) e nº 3; bem todos do Código de Processo Penal, bem assim ao disposto pelo Artigo 199°, nº 2, alínea a) do Código Penal; Do princípio da Presunção de Inocência; da Descoberta da verdade material e do contraditório, o que determina a nulidade do Acórdão e a absolvição do Recorrente, também, nesta parte. 22. Relativamente e, para o crime de extorsão agravado, na forma tentada, p. p., pelo Artigo 223°, nº 3, alínea a), com referência ao Artigo 204°, nº 2, alínea a), e artigos 22° e 23°, todos do Código Penal, pelo qual o Arguido foi condenado na pena de 3 anos, valem aqui, o vertido nas conclusões 19. a 21. 23. Já que o Tribunal assentou definitivamente como provados os factos provados sob os itens 17) a 21), de folhas 6 da decisão ora Recorrida, única e, exclusivamente com base nas declarações da Assistente referidas e documentadas na Conclusão 19., e desacompanhadas de quaisquer outros meios de prova, o mesmo sucedendo quantos aos factos provados em 25) a 25) e constantes, igualmente, de folhas 6 da Decisão sob censura; 24. Ao assim, decidir e mantendo o, anteriormente decidido, seja pela condenação do Arguido e não pela sua absolvição em sede de Acórdão, quanto a este ilícito, O Tribunal a quo, violou o principio de presunção de inocência do Arguido; O da descoberta da verdade material, e o do contraditório, razões pelas quais padece o Aresto Recorrido, também, nesta parte do vício a que se refere o Artigo 410.º, nº 2, alíneas a), b) e e) e nº 3; Artigo 333°, ambos do Código de Processo Penal e, ainda, contende com o preceituado pelos Artigos 223°, alínea a), com referência ao Artigo 204°, nº 2, alínea a), e artigos 22° e 23°, todos do Código Penal, o que determina em semelhança a anulação da Decisão Impugnada. 25. Acerca da condenação do Arguido e quanto ao crime de devassa da vida privada, p. p., pelo Artigo 192°, nº 1, alínea d), do Código Penal, o que se coloca por mera hipótese de raciocínio atentas as preterições aos Artigos 333°, 335.º e 379°, nº 1, alínea c), vícios do Artigo 410°, nº 1 e 2, alíneas a) e b), todos do Código de Processo Penal e demais violações aos princípios processuais penais, a opção em concreto, seria sempre a pena de multa e nunca uma, de prisão efectiva, como o fez o Tribunal a quo, e agora mantido no Acórdão em crise, sob pena se incorrer como se fez na violação ao preceituado pelos Artigos 70 e 71°, ambos do Código Penal. Sem conceder: 26. Quer ao nível das penas parcelares, quer ao nível da pena única em que o Arguido foi condenado — 7 anos de prisão —, inicialmente, e agora, mantida nos seus precisos termos, em sede de Acórdão do V. Tribunal da Relação de Lisboa, todas elas, individual, ou globalmente, se demonstram excessivas e demasiado severas, tendo em conta tudo o que ficou expendido em sede de Motivação e nestas Conclusões; 27. Razão pela qual e no ver do Arguido, tais medidas das penas em que este foi condenado, e mantida, contendem com os princípios gerais de Direito que devem presidir á escolha e critério da medida da pena, em clara violação ao disposto nos Artigos 40°, nº 1 e 2; 70°, 71° e seguintes, todos do Código Penal; 28. Pelo que deverão ser, em qualquer caso, reduzidas, na sua dosimetria, quer individualmente, que na operação de cúmulo jurídico a que haja lugar, isto, sem prejuízo da requerida anulação do Acórdão e Julgamento, determinando-se, e em qualquer caso a substituição das penas de prisão em penas de multa, sempre e, nos casos que a Lei o assim admitir. 29. Do Motivado e Concluído, decorre que o pedido de indemnização cível em que o Arguido foi condenado a título de danos patrimoniais, deve ser julgado improcedente por não provado, e limitar-se a sua discussão ao foro cível; Sendo, em qualquer caso e, ainda, a condenação a titulo de danos não patrimoniais, morais, excessiva, e devendo, consequentemente, ser a mesma reduzida, caso não haja lugar à anulação do Julgamento e do Acórdão e, a valores equitativos, justos e adequados, para o crime a que se refere o Artigo 192°, n.º 1, alínea a) do Código Penal, julgando-se o arbitrado, precedentemente, e mantido na Decisão Recorrida improcedente, por manifestamente não provado que está. 30. Assim e nos sobreditos termos violou o Acórdão Recorrido, que embora, verdadeiramente Douto, todas as indicadas disposições legais, quer da Lei Penal Adjectiva quer Substantiva, bem como os princípios de direito vigentes em Direito Processual Penal, além das referidas e explicitadas normas da Lei Fundamental. Termina pedindo, no provimento do recurso, a anulação do julgamento, bem assim do acórdão recorrido ou a substituição dessa decisão, por outra, que acolha as suas pretensões. Responderam a assistente e o Ministério Público junto do tribunal recorrido, ambos em defesa do julgado, entendendo mesmo este Magistrado em sede conclusiva da sua resposta que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência. Subidos os autos e fixado prazo para a produção das requeridas alegações por escrito, foram aquelas apresentadas pelos mesmos três sujeitos processuais lato sensu no sentido já defendido no processo, ou seja, o Ministério Público pela pena do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto e a assistente, ambos pugnando pelo improvimento do recurso e o arguido pelo seu integral provimento. Se bem se conseguem entender as conclusões da algo confusa motivação supra transcritas, são estas As questões a decidir resultantes da motivação – e só desta Não se pretenda, com efeito, que as alegações podem alargar ou modificar o objecto do recurso definido na motivação maxime nas conclusões: É que, «frequentemente se confunde a função da motivação com a das alegações, mas são diferentes. A audiência não se destina a repetir o conteúdo da motivação; esse já foi analisado pelo tribunal. Também não se destina a alterar o âmbito do recurso, já fixado pelas conclusões da motivação, mas essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial. » (1): 1. Pretensa nulidade insanável do julgamento por se haver realizado na ausência do arguido ao abrigo do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal «sem que conste qualquer despacho judicial do tribunal colectivo ou do Ex.mo Juiz Presidente que se pronuncie sobre a indispensabilidade ou não do arguido e da sua presença nessa sede». 2. Nulidade do acórdão do Tribunal da Relação que não conheceu nem declarou aqueloutra, incorrendo assim no mesmo vício processual. 3. Nulidade do acórdão recorrido «na medida em que considera não ser exigível nem obrigatório por lei que o que determina o artigo 355.º do Código de Processo Penal, acolhendo a posição assumida pelo tribunal de 1.ª instância, donde e pelas mesmas razões violou também, este último, os mencionados preceitos legais». 4. A apreensão da facturação detalhada do telefone móvel do arguido, feita em 23/03/2001 foi validade por despacho judicial em 30/03/2005, portanto fora do prazo aludido no artigo 178.º, n.ºs 3 e 5, do CPP, sendo portanto nula assim como proibidos os meios de prova que validou nos termos dos artigos 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, o que determina a nulidade do acórdão recorrido face ao disposto no artigo 379.º, n.º 1, c), do mesmo Código. 5. A apreensão e validação da facturação e registo das chamadas telefónicas (fls. 83 a 92 dos autos) deveria obedecer aos requisitos e formalismos dos artigos 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, b) e c), sempre pelo juiz de instrução, pelo que, não o tendo sido, foram violados os artigos 34.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 26.º da Constituição; artigos 1.º, n.º 2 da Lei 91/97, de 1/8 e n.º 5 da Lei n.º 69/98, de 28/10, 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, a) e c), e 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que o acórdão recorrido, não acolhendo este entendimento e secundando a decisão de 1.ª instância viola estas disposições sendo nulo por isso. 6. [Quanto ao crime de burla qualificada e por assentar apenas nas declarações da assistente em audiência] Há insuficiência de prova e os vícios a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, a) e c), do CPP, com violação também dos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, a), do CPP, tanto no acórdão de 1.ª instância, como no da relação «donde a reclamada absolvição do arguido». 7. O mesmo quanto ao crime de gravação e utilização de imagens p. e p. pelo artigo 199.º, n.º 2. a), do CP «acolhem-se as mesmas razões fundamentos expendidos nas conclusões 19 e 20, razão pela qual e também, quanto a este ilícito, o arguido deveria dele ser absolvido em face da continuada violação pelo tribunal recorrido ao preceituado pelos artigos 333.º, 335.º, 410.º, n.º 1, e 2, a) e c), e n.º 3; bem assim ao disposto pelo artigo 199.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal; do princípio da presunção de inocência, da descoberta da verdade material e do contraditório, o que determina a nulidade do acórdão e a absolvição do recorrente também nesta parte». 8. Quanto ao crime de extorsão agravado na forma tentada e porque também aí o tribunal se baseou apenas nas declarações da assistente em audiência, o tribunal recorrido ao não absolver o arguido violou o princípio da presunção de inocência, da descoberta da verdade material e do contraditório, «razões pelas quais padece nesta parte do vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) e n.º 3; artigo 333.º ambos do CPP, e ainda contende com o preceituado pelos artigos 223.º, a), com referência ao artigo 204.º, a), e artigos 22.º e 23.º, todos do CP, o que determina em semelhança a anulação da decisão impugnada». 9. Quanto ao crime de devassa da vida privada, preterição dos artigos 333.º, 335.º e 579.º, n.º 1, c), vícios do artigo 410.º, n.º 1 e 2, a) e b), todos do CPP «e demais violações aos princípios processuais penais» a opção em concreto sempre seria a pena de multa e nunca uma prisão efectiva, «como fez o tribunal a quo e agora mantido no acórdão em crise», sob pena de incorrer no violação ao preceituado nos artigos 70.º e 71.º do CPenal. 10. As penas aplicadas, parcelares e única conjunta são exageradas devendo ser reduzidas «sem prejuízo da anulação do acórdão e julgamento, determinando-se, e em qualquer caso, a substituição das penas de prisão em penas de multa, sempre e nos casos em que a Lei assim o admitir». 11. O pedido de indemnização cível deve ser julgado improcedente por não provado «e limitar-se a sua discussão ao foro cível», sendo em todo o caso excessiva a condenação a título de danos não patrimoniais. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência – art.º 419.º, n.º 3, d), do Código de Processo Penal. Factos provados 1) O arguido AA desenvolvia actividades de astrologia como “astrólogo financeiro”; 2) No âmbito dessa actividade, o arguido, em 2 de Dezembro de 1999, começou a receber como cliente BB, doméstica, solteira, de 43 anos de idade, e efectuou alguns estudos para a mesma, nos quais, para além do mais, fazia previsões e aconselhamento quanto à sua vida sentimental e financeira; 3) Entre Janeiro e Junho de 2001, o arguido encontrou-se várias vezes com a Assistente, conjuntamente com a pessoa que os apresentara, CC, e em Julho e Agosto de 2001, telefonou várias vezes para a BB, primeiramente a pretexto de lhe fornecer indicações sobre o que se iria passar a breve prazo na sua vida e depois a convidá-la para sair, fazendo-lhe confidências sobre a sua própria vida privada e dizendo-lhe que ‘Via nas cartas de astrologia que as vidas de ambos estavam unidas”; 4) O arguido fazia constantemente promessas de casamento a BB e esta acreditava que ele iria casar consigo e envolveu-se emocionalmente com o arguido, sendo o relacionamento de ambos conhecido de todos os que com ela privavam; 5) Por esse motivo, a BB nunca recusou ajudar o arguido em tudo o que este lhe solicitava, nomeadamente emprestando-lhe dinheiro para que ele resolvesse as dificuldades financeiras que dizia ter, por forma a conseguir mais rapidamente o divórcio e assim abreviar mais rapidamente o casamento com ela; 6) O arguido AA parecia-lhe uma “pessoa séria, culta, carinhosa e educada” e era também assim considerado pelos amigos da BB que já o tinham conhecido, pelo que a BB, como pretendia e acreditava que “iria passar com ele o resto da sua vida”, não hesitou em ajudá-lo; 7) A primeira quantia que a BB entregou ao AA foi de Esc. 1.000.000$00 em 16 de Novembro de 2000, alegadamente para o arguido tratar dos papéis do seu divórcio o mais depressa possível, e pagar umas dívidas; 8) No dia 4 de Dezembro de 2000, a BB entregou ao arguido mais Esc. 1.000.000$00, que este lhe pediu emprestado para pagar no Tribunal várias execuções com hipotecas, dos processos que o arguido tinha pendentes; 9) Nos dias que se seguiram, o arguido telefonava constantemente à BB, quer para o telefone fixo com o n.º 21...., quer para o telefone móvel com o n.º 91...., com promessas de que estaria para breve a resolução dos seus problemas pessoais e logo poderiam casar; 10) No dia 18 de Dezembro, o arguido AA pediu-lhe mais Esc. 10.000.000$00, dizendo-lhe que já tinha tudo resolvido no Tribunal com o divórcio e com os outros processos e que precisava deste dinheiro para pagar as três hipotecas que restavam sobre o seu apartamento; 11) A BB acreditou e entregou-lhe o dinheiro em numerário, que a própria foi levantar ao banco, através da emissão de cheque, acompanhada do arguido; 12) O arguido AA havia-lhe prometido que, como garantia do pagamento de todo este dinheiro que a BB lhe ia entregando, faria uma hipoteca a seu favor, do apartamento que possuía, no mesmo dia em que as restantes hipotecas fossem canceladas; 13) A BB acreditou, até porque estava marcado o casamento para breve e o arguido tinha-lhe prometido que iria aproveitar o dia de Natal para a apresentar à sua família; 14) No dia 22 de Dezembro de 2000 (2) , antes de ir buscar a BB para um passeio de carro consigo, o arguido colocou uma câmara de filmar escondida no sítio do rádio do carro; 15) Em local não apurado, o arguido parou então o seu carro e envolveu-se fisicamente com a BB que, dentro da viatura, praticou com o arguido sexo oral; 16) Então, o arguido, sem o conhecimento da Assistente, registou as imagens da BB a praticar-lhe sexo oral no banco da frente do veículo, utilizando para o efeito a câmara de filmar que tinha escondida no sítio do rádio do carro; 17) No dia 23 de Dezembro de 2000, a meio do dia, o arguido foi de novo ao encontro da BB e levou-a no seu carro; 18) A BB pensava que estava a dirigir-se ao advogado do arguido para lhe levar uns documentos (fotocópias do seu B.I. e do seu cartão de contribuinte) que o arguido lhe disse serem necessários para a hipoteca, quando o arguido simulou um telefonema para o seu advogado, dizendo depois à BB que afinal ele não estava, que já tinha ido passar o Natal com a família; 19) Estavam então junto à praia do Magoito, local onde o arguido parou o carro e lhe pediu mais Esc. 8.000.000$00 para pagar dívidas; 20) A BB disse-lhe que não tinha mais dinheiro, dizendo-lhe também que precisava que o arguido lhe devolvesse o que já tinha emprestado; 21) Por volta da uma hora da tarde, o arguido levou a BB para casa; 22) Depois de levar a BB para casa, o arguido dirigiu-se ao seu apartamento e reproduziu, através do seu computador, fazendo diversas cópias das mesmas, as imagens da BB a praticar consigo sexo oral, recolhidas no dia 22 de Dezembro de 2000; 23) O arguido guardou as imagens em Cd-rom para continuar a reproduzi-las e utilizá-las, sempre que quisesse; 24) No dia seguinte, dia 24 de Dezembro de 2000, à hora de almoço, o arguido telefonou à BB, dizendo-lhe que tinha um envelope para lhe entregar, sendo que a BB o foi buscar ao sítio combinado entre ambos; 25) Quando abriu o envelope, a BB deparou-se com fotografias suas que registavam o momento em que tinha praticado sexo oral ao arguido, no dia 22 de Dezembro de 2000 e nas quais era perfeitamente identificável o seu rosto; 26) A BB ficou em “estado de choque’’ quando viu as fotografias; 27) Tentou então contactar o arguido, o que não conseguiu porque este desligou o telemóvel; 28) Ficou então na expectativa e com medo do que o arguido pretendia fazer com as fotografias; 29) Só no dia 26 de Dezembro é que a BB conseguiu encontrar o arguido e perguntou-lhe o que ele pretendia com as fotografias e ele respondeu-lhe “As fotografias são para o caso de me acontecer alguma coisa” e pediu-lhe novamente mais Esc. 8.000.000$00 para pagar as suas dívidas; 30) A BB tomou coragem e disse ao arguido que não tinha mais dinheiro e pediu-lhe de volta os Esc. 12.000.000$00 que lhe tinha emprestado; 31) O arguido ameaçou-a, dizendo-lhe então que iria espalhar as fotografias por toda a zona de Almoçageme onde ela residia e também por todo o lado onde a BB fosse conhecida e mandou-a embora; 32) Face a estas ameaças, a BB ficou desconcertada, com medo do que o arguido pudesse fazer e voltou para casa; 33) Logo após, a BB começou a receber em casa, pelo correio, envelopes com reproduções daquelas fotografias; 34) Um dos envelopes continha, para além das fotografias, uma carta assinada pelo arguido e com o timbre de uma empresa “Promoção D..., SA”, datada de 21 de Janeiro de 2001, a dar-lhe conta de que, salvo indicação sua em contrário, nos próximos dez dias, a sua “imagem iria ver promovida” junto dos familiares, dos vizinhos, das câmaras municipais, dos restaurantes e outros estabelecimentos da localidade, através da colocação de cartazes, distribuição de panfletos, pelo correio, pela Internet, onde seria colocada uma página com toda a matéria promocional; 35) No dia 31 de Janeiro de 2001, à noite, o arguido telefonou para a BB, avisando-a que já tinha colocado as suas fotografias nas caixas do correio dos vizinhos e amigos, para divulgar a “sua imagem” e a ameaçá-la que iria espalhar mais fotografias e cartazes por Almoçageme inteiro, salientando-lhe que não se saberia quem era o homem que estava na fotografia; 36) No dia 6 de Fevereiro de 2001, o arguido espalhou inúmeras daquelas fotografias pela rua, junto à residência da BB, de forma a que qualquer pessoa que por ali passasse as pudesse ver e apanhar; 37) Nesse dia, entre outros, a sobrinha da BB, DD, dirigiu-se a casa da BB e viu as fotografias espalhadas pela rua; 38) As pessoas que viram as fotografias reconheceram de imediato a BB nas fotografias e ficaram perplexos; 39) A referida DD e a Assistente recolheram do chão cerca de vinte e três fotografias pequenas e duas grandes e que são as que constam de fls. 119 a 142 e de fls. 117 e 118 dos autos; 40) Depois disto, o arguido continuou com os telefonemas sempre com o mesmo teor: “limpo-te o sebo, tiro-te do mapa, os meus amigos fazem-te num oito, vais acabar difamada por todos os lugares, depois acabo contigo …”, sendo que o último telefonema foi efectuado no dia 13 de Março de 2001, por volta das 4 horas da tarde para o telemóvel n.º 91...., da BB; 41) O arguido agiu sempre, conforme se descreveu, consciente e deliberadamente, fazendo-o com plena liberdade de actuação e em concretização do plano que previamente traçara para obter da BB todo o dinheiro que conseguisse; 42) Logo nos primeiros contactos que teve com ela nas consultas como astrólogo, o arguido ficou a saber que a BB era solteira, vivia só e que tinha algumas poupanças; 43) Apercebeu-se que se tratava de pessoa facilmente influenciável e carente de afecto, situação que o arguido decidiu explorar e aproveitar a seu favor, levando-a a acreditar que “Via nas cartas de astrologia que as vidas de ambos estavam unidas”; 44) Com promessas de casamento, que nunca pretendeu cumprir, o arguido conseguiu que a BB lhe entregasse o total de Esc. 12.000.000$00, o que esta unicamente fez porque sempre acreditou nas promessas de casamento que lhe foram feitas pelo arguido; 45) Como a BB tivesse dito ao arguido que não tinha mais dinheiro para lhe emprestar e lhe tivesse solicitado a devolução do que já lhe tinha emprestado, o arguido resolveu arranjar maneira de a coagir a entregar-lhe mais dinheiro e, bem assim, a evitar que a mesma insistisse na devolução das quantias entregues; 46) Assim, o arguido resolveu aproveitar-se do facto de ter colocado, como colocou, uma câmara oculta no interior do seu veículo automóvel e de ter conseguido obter, sem autorização e sem o conhecimento da BB, imagens relativas à sua vida sexual e privada, o que fez sabendo que tal não lhe era permitido pela lei penal; 47) O arguido sabia que a ameaça de divulgação dessas imagens, bem como as ameaças que fez contra a integridade física da assistente causariam constrangimento a BB e seriam um meio adequado a conseguir obter da mesma mais dinheiro e a evitar a devolução do Esc. 12.000.000$00; 48) Sabia também o arguido que a ameaça de divulgação daquelas fotografias iria lesar, como veio, de forma grave e irreparável, a honra pessoal da BB e o bom-nome e reputação que a mesma gozava entre todos os que a conheciam; 49) Não obstante, o arguido não se inibiu de divulgar as imagens por toda a localidade onde a BB residia; 50) A BB nunca recebeu qualquer das quantias que emprestou ao arguido; 51) Sabia o arguido que toda a sua conduta era censurável e punida peia lei penal; Outros do pedido de indemnização civil 52) Em Outubro de 1999, a Assistente frequentou um curso de informática em Cascais, o qual foi monitorizado por CC; 53) Durante a frequência de tal curso, o referido CC falou à Assistente de um grande amigo seu que era “Astrólogo Financeiro”, o arguido, que a ajudaria a resolver a sua situação, sendo assim que o veio a conhecer; 54) No dia 16 de Setembro de 2000, a Assistente visitou o arguido em casa deste, como previamente haviam combinado; 55) Onde a esposa deste entrou de rompante, invocando a qualidade de mulher do mesmo, perguntando-lhe se ele estava com uma namorada nova; 56) Após o que se envolveu em confronto tísico com o arguido; 57) Então, o arguido, dirigindo-se à Assistente, pediu-lhe que saísse pois gostava muito dela e não queria que fosse mais ofendida; 58) Após o que a Assistente saiu da casa do arguido; 59) Em Novembro de 2000, o arguido chegou a estar de cama por causa de uma tendinite numa perna e, quando a Assistente o foi visitar, a seu pedido, ele disse que era tudo por causa dos nervos, porque estava com um grande problemas por causa de dívidas que tinha para pagar; 60) A Assistente/Demandante despendeu a quantia de Esc. 170.404$00 em protecção prestada pela G.N.R. 61) A Assistente/Demandante suportou despesas com expediente do processo, no valor de Esc. 70.799$00; 62) Os factos praticados pelo arguido afectaram a confiança e o prestígio social da Assistente, causando-lhe pudor, inibição e insegurança, impedindo-a de sair à rua e de enfrentar as pessoas e de promover a vida social a que estava habituada; 63) Causaram-lhe perda de alegria de viver e diversas perturbações psíquicas, designadamente do sono, com necessidade de recurso a fármacos; 64) Sendo pessoa muito conhecida na localidade onde reside, passou a ser alvo de troça, chacota, escárnio, desprezo e murmúrios depreciativos; Outros 65) Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação anterior. Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa e, nomeadamente, não se provou que: Do despacho de pronúncia a) os telefonemas descritos em 3) tenham ocorrido entre Janeiro e Julho; b) a entrega de dinheiro descrita em 10) e 11) tenha ocorrido em cheque; c) o arguido tenha dito, a propósito das dívidas referidas em 19), que as mesmas estavam relacionadas com o comércio internacional dele; d) os factos referidos em 29) tivessem ocorrido no dia 28 de Dezembro; e) os factos referidos em 33) tivessem ocorrido diariamente; f) a colocação de fotografias em caixas do correio referida em 35) efectivamente tivesse ocorrido; g) a BB tenha então ficado a saber que o arguido já tinha divulgado as fotografias, por ter começado a notar reacções estranhas de alguns vizinhos seus, olhando-a de forma comprometida e murmurando entre eles; h) por esse motivo, tenha ficado cheia de vergonha, deixando de andar na rua, evitando falar com as pessoas, quase não saindo, não fazendo a sua vida normal; i) os factos referido em 37) também tenham sido presenciados por EE; j) tenha sido este quem, conjuntamente com DD, procedeu à recolha referida em 39); k) tenham sido ambos, EE e DD, a entregar à Assistente as fotografias referidas em 39); l) para além do referido em 40), o arguido também tenha dito “já sei que estou metido na justiça” Outros do pedido de indemnização civil m) a entrada da mulher do arguido referida em 55) tenha sido efectuada pela porta da sala, deixada propositadamente aberta, em propósito consertado entre a mesma e o arguido; n) em 16 de Dezembro de 2000, o arguido tenha conduzido a Assistente ao escritório de um advogado em Sintra, dizendo o mesmo que o apartamento era do arguido e que a mulher deste não intervinha em nada; o) a Assistente/demandante tenha gasto Esc. 850.000$00 com protecção particular; Outros da contestação p) a filmagem referida em 16) tenha sido efectuada com o conhecimento e por iniciativa da Assistente; q) tendo esta também colaborado na digitalização do filme, de forma a serem feitas as fotografias juntas aos autos; r) o arguido nunca tenha falado em casamento à Assistente; s) os factos referidos de 14) a 16) tenham ocorrido no dia 23 de Dezembro; t) o arguido nunca tenha pedido à Assistente, por qual forma, a quantia referida em 19) e 29); u) tenha sido a Assistente quem, quando o arguido terminou a relação que tinham, por despeito e por ciúmes, o ameaçou dizendo “ou casa comigo ou conto tudo à tua mulher e ao teu filho”; v) a Assistente tenha ameaçado de exibir o filme ao filho do arguido, caso este não reconsiderasse; w) a Assistente o tenha ameaçado de que haveria de pagar bem pago e que havia de ficar na penúria; x) tenha sido neste contexto, vendo em perigo a integridade moral do seu filho, que o arguido tenha dito à Assistente que tinha na sua posse fotografias digitalizadas e uma cópia do filme e que se ela fizesse o que estava a dizer, as utilizaria. Questão prévia Sem prejuízo do que adiante se dirá sobre as pretensas nulidades, o recurso é inadmissível quanto aos crimes de burla qualificada (art.ºs 217.º e 218.º, n.º 2, a), do Código Penal), gravação e utilização de imagens (art.º 199.º, n.º 2, a), do mesmo Código), e de devassa da vida privada (art.º 192.º, n.º 1, d), do mesmo diploma), face ao estatuído no artigo 400.º, n.º 1, e) e f), do Código de Processo Penal.. É, assim, de rejeitar nessa medida – art.ºs 420.º, n.º 1 e 414.º, n.º 3, do mesmo Código. Pretensas nulidades do acórdão recorrido Como se viu, o recorrente assaca ao acórdão recorrido o vício de nulidade sob várias nuances, nomeadamente: a) O acórdão de 1.ª instância estaria ferido de nulidade insanável por se haver realizado na ausência do arguido ao abrigo do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal «sem que conste qualquer despacho judicial do tribunal colectivo ou do Ex.mo Juiz Presidente que se pronuncie sobre a indispensabilidade ou não do arguido e da sua presença nessa sede». Nulidade esta que afectaria o acórdão do Tribunal da Relação que não conheceu nem declarou aqueloutra, incorrendo assim no mesmo vício processual. b) Nulidade do acórdão recorrido «na medida em que considera não ser exigível nem obrigatório por lei que o que determina o artigo 355.º do Código de Processo Penal, acolhendo a posição assumida pelo tribunal de 1.ª instância, donde e pelas mesmas razões violou também, este último, os mencionados preceitos legais». c) A apreensão da facturação detalhada do telefone móvel do arguido, feita em 23/03/2001 foi validade por despacho judicial em 30/03/2005, portanto fora do prazo aludido no artigo 178.º, n.ºs 3 e 5, do CPP, sendo portanto nula assim como proibidos os meios de prova que validou nos termos dos artigos 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, o que determina a nulidade do acórdão recorrido face ao disposto no artigo 379.º, n.º 1, c), do mesmo Código. d) A apreensão e validação da facturação e registo das chamadas telefónicas (fls. 83 a 92 dos autos) deveria obedecer aos requisitos e formalismos dos artigos 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, b) e c), sempre pelo juiz de instrução, pelo que, não o tendo sido, foram violados os artigos 34.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 26.º da Constituição; artigos 1.º, n.º 2 da Lei 91/97, de 1/8 e n.º 5 da Lei n.º 69/98, de 28/10, 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, a) e c), e 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que o acórdão recorrido, não acolhendo este entendimento e secundando a decisão de 1.ª instância viola estas disposições sendo nulo por isso. e) Quanto ao crime de extorsão agravado na forma tentada e porque também aí o tribunal se baseou apenas nas declarações da assistente em audiência, o tribunal recorrido ao não absolver o arguido violou o princípio da presunção de inocência, da descoberta da verdade material e do contraditório, «razões pelas quais padece nesta parte do vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) e n.º 3; artigo 333.º ambos do CPP, e ainda contende com o preceituado pelos artigos 223.º, a), com referência ao artigo 204.º, a), e artigos 22.º e 23.º, todos do CP, o que determina em semelhança a anulação da decisão impugnada». Pois bem. a) No que à primeira daquelas nuances diz respeito, é manifesta a falta de fundamento da arguição. Com efeito, ao invés do que se pretende, o acórdão recorrido – de resto uma peça forense cuidada, clara e exemplar na sua fundamentação – conheceu profusamente desta questão exactamente nestes termos: «A questão da realização do julgamento na ausência do arguido e da nulidade do mesmo …………………………………………. O arguido começa por se insurgir contra a realização do julgamento que das actas das várias sessões da audiência não resulta a fundamentação da decisão do tribunal que determinou que a audiência assim prosseguisse. A fim de se entender com perfeição o porquê da decisão do tribunal a quo quanto a este segmento do recurso importa ter presente a realidade espelhada pelos presentes autos no que tange às notificações dos actos processuais ao arguido, e que é a seguinte: — O Termo de Identidade e Residência (TIR) inicialmente prestado e que consta de fls. 75, indica como residência do arguido a Estrada do Guincho Apartamento ..., Piso Zero, em Cascais, bem assim a procuração forense de fls. 98 e o auto de interrogatório de arguido de fls. 204. — A morada foi alterada para a Costa da Guia em Cascais por expressa indicação do arguido, tal como consta do requerimento deste de fls. 305 entrado nos serviços do Ministério Público a 17SET2001. — Proferida a acusação em 10JAN2002 (cf. fls. 376 a 385), apesar de aí vir mencionada a morada constante do primeiro TIR, a secretaria procedeu à sua notificação para a morada constante do requerimento de fls. 305. — No decurso do prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução, veio o recorrente apresentar a referida peça no dia 11FEV2002, sem que se tivessem invocado quaisquer vícios processuais. — No decorrer da instrução foi o recorrente notificado para prestar declarações, constando do comprovativo de depósito de fls. 569 ter sido enviado para a morada indicada no requerimento de fls. 305. — No dia 26 de Junho de 2003 o arguido prestou novo TIR indicando como morada a já conhecida do requerimento de fls. 305, apesar de neste não vir indicada Rua dos Hibiscos, facto que nunca obstaculizou as notificações (cf. fls. 612). — Através de requerimento entrado em 02OU2003 veio o ora recorrente arguir a irregularidade da notificação pelo facto de ter sido inferior a 5 dias. — Depois, tal como consta de fls. 632 e 636, o recorrente foi regularmente notificado para a morada constante do último TIR, Rua dos Hibiscos, de que se encontrava data designada para debate instrutório. — Aberta a diligência de debate instrutório e verificada a ausência do recorrente foi proferido o seguinte despacho: “não tendo o arguido comunicado ou invocado qualquer grave e legítimo impedimento de estar presente, e sendo certo que se encontra regularmente notificado, tal como resulta de fls. 632 e 636, condeno-o na multa de…” (cf. fls. 655). — O então Ex.mo mandatário do recorrente Dr. FF compareceu na diligência, nada requereu (cf. fls. 655 e 656). — A decisão instrutória foi validamente notificada para a morada da Rua dos Hibiscos, tal como resulta de fls. 657 e 658, tanto assim que a fls. 659 veio o recorrente arguir a nulidade da decisão instrutória e até da mesma interpor recurso, sem que contestasse a validade de quaisquer notificações. — Na ausência de qualquer indicação do recorrente em contrário, o tribunal procedeu à notificação, para a morada que se tinha por válida: a constante do último TIR (cf. fls. 849 e 854), do despacho que designa data para audiência de julgamento, com a advertência de que, nos termos do artigo 315.º do Código de Processo Penal poderia contestar e apresentar rol de testemunhas. — O recorrente contestou a pronúncia, bem como o pedido de indemnização civil, tendo-o feito no 3.º dia com multa (cf. fls. 855 a 869). — De seguida, tal como o recorrente refere, o seu então Ex.mo mandatário Dr. FF, elaborou o requerimento de fls. 872 entrado em Juízo em 09FEV2005, solicitando o envio de toda a correspondência para o seu escritório, indício de que de o arguido já se tinha ausentado do país, sem que tivesse comunicado tal facto ao processo. — O que ficou nítido com o requerimento de fls. 900 entrado em juízo a 08JUN2005. — A notificação do adiamento do julgamento é enviada pelo modo correcto para a morada correcta, a constante do último TIR, assim como as notificações seguintes (cf. fls. 904). Verificamos assim que até aqui o Tribunal procedeu exactamente em conformidade com a declaração e comunicação prestada no TIR de fls. 612, não tendo recebido indicação diversa por parte do recorrente. Constatamos, assim, a sem razão do recorrente, tudo levando a crer que o recorrente não terá atentado na morada constante dos sobrescritos, bem como dos talões dos CTT comprovativos dos depósitos, que existem nos autos. Ora, são estes os elementos capitais para aferir da correcção das notificações. Deste modo verificada a devolução de fls. 939, foi proferido pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público na vista que teve nos autos o seguinte despacho: “…o arguido tem de considerar-se notificado uma vez que a notificação foi efectuada via postal com prova de depósito para a morada indicada no TIR, sendo certo que não foi comunicada qualquer alteração.” (cf. fls. 942). Assim, aberta a audiência de discussão e julgamento, e verificada a falta do arguido ora recorrente foi o mesmo condenado no pagamento de uma multa, ao que o defensor nomeado não se opôs, e decidido o seguinte: “ (…) Mais determino que o julgamento se inicie na sua ausência, para o que não se afigura indispensável a presença do arguido”. Em face do exposto, omitindo o recorrente à cabeça o facto de a sua pessoa ter violado o TIR, ao não comunicar qualquer alteração da morada entendemos que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não estando obrigado a proceder às diligências sugeridas pelo recorrente, mormente a emissão de mandados de captura. No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário afigura-se-nos não ser de sufragar a leitura que o recorrente faz do artigo 333.º do Código de Processo Penal. Com efeito, a mesma não nos parece harmonizável com a sua letra e com o espírito do legislador, este último facilmente alcançável da simples leitura do ponto 6) da exposição de motivos da Proposta de Lei governamental n.º41/VIII (cf. Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15DEZ). A ser assim, desacreditar-se-ia o regime das notificações por via postal simples, bem como o artigo 196.º do Código de Processo Penal (TIR). In casu no despacho judicial plasmado na acta de fls. 945 está subjacente, tal como resulta dos autos e do que acima se deixou expresso e foi ponderado pelo tribunal, o facto de o arguido ter prestado TIR., ter sido devidamente notificado, na morada indicada, da data designada para a audiência e não ter comparecido, o que motivou, também, o tribunal a condená-lo na sanção pecuniária prevista no art.º 116 n.º 1, do Código de Processo Penal. Atente-se neste particular que o defensor do recorrente nada requereu no sentido de argumentar sobre a eventual importância da presença do arguido para a descoberta da verdade material e até da boa decisão da causa. Efectivamente o arguido foi notificado para a última morada que comunicou ao processo, algumas das cartas para notificação foram depois reenviadas ao tribunal com indicação de que se mudou e havia notícia de que o mesmo estaria na altura em Angola. Ora é sabido que estão proibidos por lei a prática de actos inúteis (cf. art.º 137.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 4. do Código de Processo Penal) e no caso em apreço, face aos dados fornecidos pelos autos previsivelmente revelar-se-iam inúteis quaisquer novas diligências nomeadamente no sentido da detenção do arguido para assegurar a sua presença em audiência. A tudo isto acresce que a decisão relativa à prossecução da audiência é para toda a audiência não tendo que ser reproduzida em cada uma das sessões através das quais a mesma se desdobra. Carece, pois, de sentido e de qualquer fundamento com força legal bastante, a aparente pretensão do arguido de que em cada sessão o tribunal se voltasse a pronunciar sobre essa matéria. Por sua vez cabe ter presente que o julgamento na ausência do arguido, tal como se mostra desenhado no Código de Processo Penal vigente não traduz nenhuma forma especial de processo, ao contrário daquilo que acontecia no Código de Processo Penal de 1929. Na verdade, o legislador constitucional na revisão de 1997 introduziu o n.º 6 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, do seguinte teor: “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento” A ausência do arguido e a prossecução da audiência apesar de tal ausência é configurada pelo Código de Processo Penal vigente como um incidente do processo comum, não tendo qualquer autonomia enquanto forma processual. O alargamento dos casos em que é possível a audiência na ausência do arguido resulta das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15DEZ (cf. arts 332.º, 333.º, 334.º, todos do Código de Processo Penal. Os presentes autos traduzem o cumprimento do preceituado no artigo 333.º, do Código de Processo Penal, maxime dos seus n.ºs 2 e 5, pelo que não se verifica no vício invocado pelo recorrente. Ora, como decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 465/2004, de 23JUN (3): “O art. 333.º n.º1, do Código de Processo Penal, exprime apenas a exigência de um juízo de ponderação da necessidade do julgamento na ausência do arguido, e esta ponderação, que não pode ser arbitrária e não justificada, não está, por isso, em colisão com o art. 32.º, n.º 6, da Constituição”. In casu o Tribunal a quo na pessoa da Sr.ª Juíza Presidente depois de ter ponderado precisamente da necessidade do julgamento na ausência do arguido não ignorou as ocorrências atinentes à pessoa do arguido espelhadas nos autos e acima referidas, daí que não podendo permitir-se ao arguido a sua total desresponsabilização em relação ao andamento processual, tenha deliberado por forma não arbitrária mas sim equilibrada e ajustada da prossecução da audiência na ausência do arguido não determinando este facto que a decisão recorrida seja afectada por qualquer nulidade, nomeadamente a da alínea f) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, o que aqui se declara. Improcede este segmento do recurso.» Quer dizer: Não só não foi cometida arguida nulidade pelo acórdão recorrido, pois na interpretação que fez dos artigos 330.º n.º 1, 332.º n.º 1, e 333.º, n.º 1, do CPP, conheceu à exaustão daquela arguição, como, por outro lado, dali se alcança que não foi levada a cabo qualquer interpretação em violação da Constituição, mormente do seu artigo 32.º n.º 3, já que, ao invés do que ora sustenta nas alegações, onde, ao que se viu, por forma processualmente descabida, pretende aditar nova questão ao objecto do recurso já delimitado nas conclusões da motivação, não foi ali validada a interpretação segundo a qual «verificada a ausência do arguido e do seu defensor na audiência de julgamento, o juiz presidente é livre de tomar, ou não, as medidas necessárias para obter a comparência do arguido, podendo abster-se de fundamentar quais os motivos que tornam a presença deste dispensável para a descoberta da verdade material. Sendo a ausência de defensor suprida através da imediata nomeação ao arguido, também ausente, de um defensor oficioso ad hoc». Na verdade, ao invés do defendido, o tribunal a quo não fixou interpretação segundo a qual «o juiz presidente é livre de tomar, ou não, as medidas necessárias para obter a comparência do arguido, podendo abster-se de fundamentar quais os motivos que tornam a presença deste dispensável para a descoberta da verdade material», pois o que foi entendido foi que o tribunal ponderou a necessidade do julgamento na ausência do arguido sem ignorar as ocorrências processuais que aquele já então protagonizara num ponderado juízo de (cor) responsabilização do mesmo arguido pelo seu comprovado alheamento processual em violação das obrigações processuais assumidas, mormente emergentes do TIR. Por outro lado, ainda, o acórdão recorrido não firmou qualquer interpretação no sentido de que o tribunal pode «abster-se de fundamentar quais os motivos que tornam a presença do arguido dispensável para a descoberta da verdade material». Pelo contrário: o que deixou dito foi que tal justificação estava já lá, ante as vicissitudes processuais até então verificadas, tornando-se inútil qualquer aditamento de fundamentação: «Efectivamente o arguido foi notificado para a última morada que comunicou ao processo, algumas das cartas para notificação foram depois reenviadas ao tribunal com indicação de que se mudou e havia notícia de que o mesmo estaria na altura em Angola. Ora é sabido que estão proibidos por lei a prática de actos inúteis (cf. art.º 137.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 4. do Código de Processo Penal) e no caso em apreço, face aos dados fornecidos pelos autos previsivelmente revelar-se-iam inúteis quaisquer novas diligências nomeadamente no sentido da detenção do arguido para assegurar a sua presença em audiência.» A referência no caso à substituição do defensor não foi colocada no recurso para a Relação, que por isso dela não teve que conhecer, do mesmo passo que o Supremo Tribunal de Justiça sobre ela não tem que se pronunciar sabido como é que os recursos como remédios jurídicos que são, visam corrigir decisões incorrectas já tomadas, não, conseguir decisões novas. Finalmente, para que dúvidas não sobrassem, a Relação afirmou claramente que: «a decisão relativa à prossecução da audiência é para toda a audiência não tendo que ser reproduzida em cada uma das sessões através das quais a mesma se desdobra. Carece, pois, de sentido e de qualquer fundamento com força legal bastante, a aparente pretensão do arguido de que em cada sessão o tribunal se voltasse a pronunciar sobre essa matéria.» Enfim, não se vislumbram resquícios da arguida versão da nulidade. b) O segundo aspecto da nulidade do acórdão recorrido estaria em que tal acórdão «considera não ser exigível nem obrigatório por lei que o que determina o artigo 355.º do Código de Processo Penal, acolhendo a posição assumida pelo tribunal de 1.ª instância, donde e pelas mesmas razões violou também, este último, os mencionados preceitos legais». Ora não se vê em parte alguma do acórdão semelhante posicionamento jurídico, ou seja, o de que não seria «exigível nem obrigatório por lei o que determina o artigo 355.º do Código de Processo Penal». Na verdade, discorrendo proficientemente sobre esse ponto afirmou o acórdão recorrido: «b) Da nulidade da prova documental que serviu para alicerçar a convicção do tribunal em sede de acórdão recorrido Salvo o devido respeito por opinião em contrário, desde já podemos afirmar com a necessária segurança que não assiste razão ao recorrente quando afirma que o Tribunal Colectivo baseou a sua convicção na prova documental constante dos autos e enunciada na decisão instrutória, sem que tenha procedido à análise e exame da mesma em audiência de julgamento, em violação do disposto nos artigos 355.º n.º 1 e 2 e 379.º n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, o que acarretaria a nulidade do acórdão recorrido. Com efeito, os documentos em causa foram vistos em audiência de julgamento e ali objecto de análise contraditória, sendo a assistente e as testemunhas confrontadas com tais provas, e disso dão conta as respectivas actas, conforme salta aos olhos da leitura atenta de fls. 970, 971 e 976. Trata-se de meios de prova que constam do processo e que poderiam ser, como foram, objecto de análise contraditória na audiência. Ora, este documentos foram apontados como meios de prova na acusação e na pronúncia e se o arguido tinha algumas dúvidas sobre o teor dos mesmos poderia tê-las suscitado na contestação e na própria audiência, o que na realidade não levou a efeito. Contudo, essa análise ao contrário do que pretende o recorrente não é obrigatória. Nesse sentido vai a melhor doutrina: Maia Gonçalves (4), esclarece que: “…Nos termos deste dispositivo há, por exemplo que deixar bem claro que os documentos juntos ao processo não têm, em regra, que ser lidos na audiência. (…) Há portanto que esclarecer, pois tem reinado alguma confusão sobre este ponto, que os documentos constantes do processo se consideram produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, desde que se trate de caso em que esta leitura não seja proibida.” Simas Santos e Leal Henriques (5) referem, “ (...) os documentos constantes do processo podem e devem ser valorados pelo tribunal em audiência, independentemente da sua leitura.” Na verdade, a leitura efectiva dos documentos em audiência não é obrigatória, para efeitos de cumprimento do estabelecido no art. 355.º n.º 1, do Código de Processo Penal, bastando a junção aos autos com a inerente possibilidade de leitura (6). Com efeito, o tribunal examina os documentos em sede de deliberação se neles fundar a sua convicção, não sendo obrigado a ordenar a sua leitura em audiência de julgamento, pese embora possa consenti-la (7). Resulta da ligação das normas dos arts. 355.º, n.º 2, 356.º e 362.º do Código de Processo Penal que a lei não obriga a que se proceda, em julgamento, à leitura da prova documental contida nos autos quando o arguido dela teve prévio conhecimento e na hipótese do Tribunal dela se socorrer, não constitui nulidade a falta da sua menção em acta (8) Não se vê assim a decisão recorrida afectada de qualquer nulidade, nomeadamente a da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.» Trata-se, ademais, como bem se demonstra do texto transcrito, de jurisprudência pacífica, nomeadamente deste Supremo Tribunal que não merece qualquer reserva ao ser subscrita. Improcede a arguição também sobre este aspecto. c) Outra versão da nulidade do acórdão residiria em que «a apreensão da facturação detalhada do telefone móvel do arguido, feita em 23/03/2001 foi validade por despacho judicial em 30/03/2005, portanto fora do prazo aludido no artigo 178.º, n.ºs 3 e 5, do CPP, sendo portanto nula assim como proibidos os meios de prova que validou nos termos dos artigos 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, o que determina a nulidade do acórdão recorrido face ao disposto no artigo 379.º, n.º 1, c), do mesmo Código.» Admitindo, como hipótese de raciocínio, que a validação da apreensão daquela facturação detalhada era nula, não se vê como, por via disso, o acórdão recorrido estaria incurso na nulidade da alínea c) do artigo 379.º do Código de Processo Penal, como quer o recorrente. Ali se dispõe com efeito que «[É nula a sentença]: c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Ora, o tribunal da Relação conheceu, mais uma vez com profusão, desta questão: Assim: «Opina o recorrente que os documentos que constam de fls. 83 a 92 dos autos (lista de facturação detalhada do telefone móvel do arguido) foram apreendidos pelo Órgão de Polícia Criminal (OPC) em 23MAR2001 e juntos aos autos, e que a apreensão de tais documentos apenas foi validada pelo despacho judicial de 30MAR2005, ou seja muito para além do prazo de 72 horas previsto no artigo 178.º n.º 5 do Código de Processo Penal e que tal circunstância determina a nulidade dessa apreensão, não podendo aqueles documentos ser considerados em audiência de julgamento porque constituem meios de prova proibidos, afectando, assim, de nulidade a decisão recorrida, nos termos do artigo 379.º n.º1, alínea c) do Código de Processo Penal. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não assiste razão ao recorrente, por duas ordens de razões: 1.ª A busca e apreensão tiveram subjacente um despacho judicial; e 2.ª A ultrapassagem do prazo configura uma mera irregularidade, que deverá ser arguida nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal. Ora, se bem vemos, parece-nos que o recorrente assarapanta nulidades com irregularidades e métodos proibidos de prova. Efectivamente flui dos autos que os documentos em causa foram apreendidos em 23MAR2001 no decurso de uma busca à residência do arguido ordenada por despacho judicial de 02MAR2001 e tendo em vista a apreensão de objectos e documentos relacionados com os factos em investigação (cf. fls. 58 e 73). Todavia a 30MAR2001 foi proferido despacho no inquérito que genericamente validou e manteve a apreensão de todos os objectos e documentos descritos no auto de apreensão e busca (cf. despacho de fls. 104). Contudo, a validação referida no n.º 5 do artigo 178.º do Código de Processo Penal é relativa a apreensões levadas a cabo por iniciativa da autoridade policial, o que se não verifica in casu porquanto as mesmas decorrem do despacho que ordenou a busca. Mas, ainda que assim se não entenda, o prazo referido naquele normativo é a nosso ver um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões levadas a cabo. Com efeito, se bem vemos tal prazo tem tão-somente por escopo controlar os actos processuais com reflexos sobre direitos, nomeadamente sobre o direito de propriedade, impondo-se à autoridade que tome posição sobre o motivo das apreensões levadas a cabo de forma a evitar que se conservem apreendidos bens cuja apreensão já se não legitime. Parece-nos que deste normativo não advém de forma directa quaisquer direitos para os titulares dos bens apreendidos. Com efeito, no n.º 6 do mesmo artigo 178.º do Código de Processo Penal, prevê-se que os titulares de bens apreendidos possam requerer ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida, o que se revelaria despiciendo se o efeito da ultrapassagem do prazo fosse a nulidade da apreensão. É consabido que para que se verifique uma nulidade processual necessário se torna que a mesma esteja prevista na lei (cf. artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Não o estando, “ (…) o acto ilegal é irregular” (cf. n.º 2 do artigo 118.º do referido corpo de leis). Contudo, lido cuidadosamente o artigo 178.º do Código de Processo Penal, verifica-se que a violação de quaisquer dos seus ditames não envolve a nulidade do acto, pelo que, à luz do artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal o acto ilegal seria somente irregular. É isso que se verifica com a situação do prazo das 72 horas, cominado no n.º 5 do referido artigo 178.º do Código de Processo Penal. Assim sendo, restaria ao recorrente invocar a invalidade do acto com fundamento em irregularidade, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal, o que, a acontecer, sempre seria manifestamente extemporâneo, atento o regime da arguição em 3 dias, tal como resulta do seu n.º 1. Por outra banda, cabe referir que o caso sub judice não configura um método proibido de prova. Na verdade, o n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal faz uma ressalva no regime da nulidade por intromissão na correspondência para os casos previstos na lei, ou seja, por exemplo fora dos casos em que não há mandado judicial que autoriza a busca ou apreensão, a prova obtida mediante aquele método é proibida. Como vimos e resulta dos autos não é esta a situação em apreço, pelo que não há motivo para a existência de quaisquer nulidades previstas ou sui generis. Acresce que o recorrente teve várias oportunidades para discorrer e argumentar no sentido da existência de um vício processual: no momento em que dispunha de prazo para requerer a abertura de instrução, bem assim para contestar, momentos em que teve a possibilidade de consultar os autos e arguir os vícios que entendesse existirem. Parece-nos patente a falta de fundamento, bem como a extemporaneidade dos argumentos invocados pelo recorrente.» Não se descortina a nulidade. d) Outra coloração de nulidade do acórdão da Relação residiria em que: «A apreensão e validação da facturação e registo das chamadas telefónicas (fls. 83 a 92 dos autos) deveria obedecer aos requisitos e formalismos dos artigos 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, b) e c), sempre pelo juiz de instrução, pelo que, não o tendo sido, foram violados os artigos 34.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 26.º da Constituição; artigos 1.º, n.º 2 da Lei 91/97, de 1/8 e n.º 5 da Lei n.º 69/98, de 28/10, 187.º, 190.º, 269.º, n.º 1, a) e c), e 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que o acórdão recorrido, não acolhendo este entendimento e secundando a decisão de 1.ª instância viola estas disposições sendo nulo por isso.» Como flui do artigo 379.º do Código de Processo Penal já citado, as causas de nulidade da sentença são apenas as ali enunciadas: falta das menções aludidas no artigo 374.º, n.ºs 2 e 3, alínea b); condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º; omissão ou excesso de pronúncia. A ser como afirma o recorrente o tribunal teria errado na aplicação do direito. Mas o erro de direito, podendo porventura fundar o recurso, não seria fundamento de nulidade do acórdão recorrido. Não há assim também esta outra versão da nulidade do acórdão. Aliás, o tribunal recorrido encarregou-se de demonstrar suficientemente que aquela tese do recorrente carece de fundamento legal. «…o recorrente não tem razão no que concerne à pretensão que formula de que a apreensão daqueles documentos deveria estar sujeita ao regime das escutas telefónicas, por alcançar que tal facturação constitui correspondência sua relativa a conversações telefónicas, por isso confidenciais, e que a sua apreensão deveria ter obedecido aos requisitos e formalismos previstos nos artigos 187.º, 190.º e 269.º n.º 1 alínea b) e c) do Código de Processo Penal e que também, por via disso, constituem prova proibida. Ora, a facturação de um telefone não contém os elementos que a identifiquem com o conteúdo das comunicações telefónicas, que consubstanciam o fundamento do regime das escutas telefónicas. Os elementos resultantes daquele documento têm a mesma natureza das facturações pedidas aos operadores no âmbito da instrução dos processos e não estão sujeitos aos formalismos das escutas telefónicas. Cremos que a apreensão daqueles elementos não constitui uma lesão de direitos com a intensidade da que está subjacente à intercepção das telecomunicações. Todavia, neste particular cabe não olvidar que a facturação em causa foi apreendida no contexto de uma busca domiciliária, judicialmente autorizada, decorrendo essa apreensão da decisão judicial que autorizou a busca. E sendo assim, como facilmente se alcança a apreensão era a única forma de atalhar a obliteração daquele documento como meio de prova.» e) Um outro aspecto de arguição de nulidade do acórdão recorrido estaria em que «Quanto ao crime de extorsão agravado na forma tentada e porque também aí o tribunal se baseou apenas nas declarações da assistente em audiência, o tribunal recorrido ao não absolver o arguido violou o princípio da presunção de inocência, da descoberta da verdade material e do contraditório, «razões pelas quais padece nesta parte do vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) e n.º 3; artigo 333.º ambos do CPP, e ainda contende com o preceituado pelos artigos 223.º, a), com referência ao artigo 204.º, a), e artigos 22.º e 23.º, todos do CP, o que determina em semelhança a anulação da decisão impugnada». Aqui, a nulidade do acórdão parece resultar, para além dos já arredados vícios da matéria de facto a que alude o artigo 410.º do Código de Processo Penal, da alegada circunstância de o tribunal se haver baseado apenas nas declarações da assistente em audiência para condenar o arguido pela indicada tentativa de crime de extorsão agravado, com violação dos princípios da presunção de inocência, descoberta da verdade material e do contraditório. A verdade, porém é que, como resulta da leitura da decisão recorrida, não é verdade que a mesma se tenha baseado apenas nos fundamentos de facto, nas declarações da assistente em audiência. Com efeito lê-se ali em matéria de fundamentação: «Para a apreciação da matéria de facto, o Tribunal fundou na sua convicção com base na apreciação conjunta e crítica das declarações da Assistente, que falou de forma clara, objectiva e credível, relatando os factos tal como foram julgados provados, no depoimento das testemunhas inquiridas, as quais falaram de forma clara, objectiva e coerente, em si e entre si e, consequentemente, reforçando a credibilidade das declarações da Assistente e nos documentos juntos aos autos, ou seja, carta de fls. 39, cópias de cheques de fls. 31 a 33, reproduções de fotografias de fls. 34 a 34, 40 a 42 e 117 a 142, onde é perfeitamente visível o rosto da Assistente e impossível identificar o arguido, registo de chamadas de fls. 83 a 92, auto de busca e apreensão de fls. 73 e 103, autos de exame de objectos de fls. 145 e 150 a 152, outros juntos pelas Assistente/demandante a fls. 423 a 429 e 498 a 501 e certificado de registo criminal de fls. 887.» Tanto basta para deitar por terra mais esta vertente de arguição de nulidade. De resto, o tribunal a quo rechaçou inteiramente aquela alegação de violação de princípios processuais: Assim: «Terá a decisão posta em crise violado o princípio da presunção da inocência? Trata-se de um direito fundamental de todo o pronunciado (cf. art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), o qual além do mais preside às regras sobre a prova. Na verdade, a nosso ver o princípio da livre valoração (em consciência) estabelecido no art.º 127.º do Código de Processo Penal continua vigente mas todavia complementado pela necessidade de existência de autêntica prova incriminatória, validamente obtida, regularmente praticada e razoavelmente apreciada, sobre a realidade dos factos, participação que neles teve o pronunciado e seu grau de culpa. Como é consabido o princípio in dubio pro reo é um princípio natural de prova, imposto pela lógica, pelo senso, pela probidade processual. Para Cavaleiro Ferreira (9) este princípio é equivalente ao da presunção de inocência, traduzindo-se tais princípios na opção de absolver um condenado e não condenar um inocente quando subsistam dúvidas quanto à prática dos factos pelos quais o arguido se encontra acusado (pronunciado), vigorando sempre a presunção de inocência, independentemente da natureza dos factos probandos a que se refira a falta ou insuficiência de prova. Aplica-se pois, aos factos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos, vigorando, em qualquer caso, a necessidade de prova plena em desfavor do arguido. Castanheira Neves (10) distingue o princípio da presunção da inocência do princípio in dubio pro reo. Com efeito, este autor aponta ao in dubio pro reo o objectivo de responder à questão de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez chegado ao momento de se pronunciar, seja em que situação for, não adquira a certeza sobre os factos que constituem a acusação (pronúncia) e em relação aos quais não adquira o convencimento real e efectivo de que o arguido é responsável, concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida. Tal como Souto de Moura (11) entendemos que o in dubio pro reo está directamente ligado à questão da produção da prova e da distribuição do ónus de prova, por um lado, e que, por outro lado, uma das mais importantes consequências da presunção de inocência se revela na não necessidade do arguido provar a sua inocência para ser absolvido, concluindo-se que ambos os referidos princípios actuam sobre o mesmo campo, neste caso o da prova. Na verdade, se bem entendemos, o princípio da presunção de inocência cria a favor do arguido acusado um verdadeiro direito subjectivo, justamente o direito de ser considerado inocente até que se produza prova do contrário, enquanto o in dubio se afirma como princípio geral de direito, como um quid de interpretação que se dirige ao juiz quando, pese embora se ter realizado uma actividade probatória mínima, essa prova não é suficiente para dissipar o estado de dúvida em que o Tribunal se encontra quanto à culpabilidade do acusado. Na apreciação da prova, o tribunal deve acatamento ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal: a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, a não ser que a lei disponha diferentemente (prova vinculada). A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz dentro duma discricionariedade que, de uma parte, há-de ser conformada pela observância dos deveres de prossecução da verdade material (id quod est) e de objectivação — vale dizer, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e imponha aos outros — mas que, de outra parte, não poderá deixar de ser enformada “por uma convicção pessoal”. Super omnia, o apotegma de que “só a verdade material obtida de forma processualmente válida, interessa ao Estado de Direito”. É neste quadro objectivo-normativo e subjectivo — aqui feito daquelas certezas do saber (morais, que não metafísicas), segundo id quod plerumque accidit e que nenhuma liberdade pode contrariar —, que o julgador, dentro da prova produzida formula o seu juízo quanto aos factos provados e não provados. Quanto a nós as notas que definem a presunção de inocência são as seguintes: a) No processo penal não existe ónus de prova formal, na medida em que todo o dever probatório recai sobre a acusação. O acusado/ pronunciado protegido como está pela blindagem que representa o direito fundamental à presunção de inocência, nada tem que provar bastando com que guarde silêncio ou se limite a negar a imputação; b) A prova validamente produzida é a que se pratica em juízo oral. Excepcionalmente se permite a prova pré-constituída (a que surge antes do próprio processo) e a antecipada [que surge antes do juízo oral praticada com as devidas garantias e para quando não é possível a reprodução no referido acto (v.g. declaração de testemunha em perigo de morte)]. c) O conteúdo dos autos de notícia policiais tem valor de mera denúncia e as diligências por estes praticados devem ser rectificadas em juízo oral pelo funcionário que a realizou. d) Nulidade da prova ilicitamente obtida com violação de direitos fundamentais. Ora existindo prova válida a sua valoração incumbe efectuá-la livremente ao Tribunal sentenciador, sem que o seu critério valorativo seja susceptível de revisão em recurso para a 2.ª instância, Supremo Tribunal ou Tribunal Constitucional, salvo quando os critérios utilizados sejam manifestamente erróneos ou o processo intelectual seguido seja ilógico, arbitrário, irracional ou absurdo ou as conclusões obtidas devam considerar-se inverosímeis. A nosso ver não deve confundir-se o direito fundamental que supõe a situação de vazio probatório a respeito de factos com relevância penal, com o princípio in dubio pro reo que espelha mera regra processual sobre a valoração da prova, segundo a qual nos casos de dúvida o Tribunal deve optar pela solução absolutória evitando a formação de conjecturas e suposições contra o arguido. Portanto, se bem vemos, a invocação do in dubio pressupõe a existência de alguma prova pelo sujeito acusador/pronunciador ainda que insuficiente para sustentar um condenação, daí que resulte a nosso ver incompatível a invocação de ambos. No caso sub judice, pelo que se mostra transcrito na motivação da matéria de facto na decisão recorrida e que acima fixámos parece-nos transparecer, de modo claro, o processo lógico-dedutivo que subjaz à decisão recorrida, numa apreciação global e crítica da prova, temperada pelo princípio da razoabilidade e com os ditames da experiência comum de vida, não resultando um non liquet na questão da prova, não fluindo minimamente para o tribunal a quo qualquer dúvida a final. Daí não existindo a final da produção da prova dúvida importante séria sobre acto externo e nem a culpabilidade do arguido recorrente o princípio invocado não se mostram minimamente beliscado pelo tribunal de primeira instância. A alegada violação do princípio da verdade material Este princípio significa que o juiz criminal é livre de investigar em busca da verdade substancial, que deve inquirir acerca da realidade não estando limitado pela prova que lhe é trazida. Na verdade, o processo deve tender à reconstituição da verdade histórica dos factos e da sua situação jurídica tal como efectivamente se verificaram ou verificam. In casu em face do que já anteriormente expusemos facilmente se vislumbra que o tribunal a quo apreciou livremente toda a prova para os autos carreada e produzida em audiência, procurando através dela tingir a verdade material, observando as regras da experiência comum, utilizando um método de avaliação e aquisição de conhecimento adoptando critérios objectivos adequadamente motivados e susceptíveis controlo, bastando para tal uma leitura cuidadosa da decisão recorrida. Isto basta para que se espelhe a sem razão do recorrente quanto à alegada violação do princípio da verdade material A alegada violação do princípio do contraditório Significa este princípio que o Tribunal deve ouvir a acusação (o Ministério Público, o assistente e seu representante) e a defesa (arguido e respectivo defensor) e produzir as provas requeridas, antes de tomar decisões (cf. n.º 5 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa). Traduz este princípio em suma a possibilidade de participação actual e contraposta dos sujeitos e intervenientes processuais no progresso do processo e no sentido, peso e medida das decisões que os possam atingir. No caso em apreço sendo apostos pedidos e argumentos contra o recorrente a ele se deu ao longo de todo o processo oportunidade de se pronunciar sobre os pedidos e sobre os argumentos não se decidindo antes de tal oportunidade. Na verdade, os presentes autos mostram-se presididos pelo princípio do contraditório uma vez que pronunciado-recorrente e a “parte acusadora” e assistente tiveram a possibilidade efectiva de comparecer e aceder à Jurisdição a fim de fazer valer as suas respectivas pretensões mediante a introdução dos factos que as fundamentam e a sua correspondente prática da prova». Assim sendo, como na realidade é, improcede a alegada violação do princípio do contraditório.» De resto, ainda que fosse verdade que a convicção do tribunal assentara apenas no depoimento da assistente, tal não determinaria a priori a existência de qualquer nulidade. Já lá vai o tempo de vigência do aforismo processual testis unus testis nullus, como se sabe, destronado pelo o princípio da livre convicção do tribunal assente numa interpretação correcta e já adiantada do artigo 127.º do Código de Processo Penal. Improcede assim mais esta arguição de nulidade. Vícios da matéria de facto O tribunal da Relação, confrontado justamente com o mesmo tipo de objecções que o arguido lhe opôs quanto a tal ponto, decidiu pela inexistência de tais vícios: «Ocorrerá in casu insuficiência para a decisão de matéria de facto provada? Pelo que já apontámos, facilmente se antolha que não. De uma leitura atenta da decisão ora posta em crise pelo recorrente indubitavelmente se enxerga que na mesma existe: motivação, a análise crítica da prova e a aplicação do direito, bem como o respectivo dispositivo, não existindo de modo real e efectivo os erros e vícios indicados pelo recorrente. Pugna o recorrente no sentido de que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão. Todavia, salvo o devido respeito por opinião em contrário duma leitura cuidada e sem necessidade de alcance metafísico facilmente se vislumbra que dos factos dados como provados resultam todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime pelos quais foi condenado o recorrente e dizemos, isto desde já sem prejuízo do que mais abaixo analisaremos. Neste particular cabe ter presente que o vício invocado pelo recorrente não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto que foi proferida. O S.T.J. vem recente e uniformemente decidindo sobre esta matéria: O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa. O erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental (12) Há insuficiência da matéria de facto para a decisão, sempre que dela resulte, através da sua leitura, isolada ou conjugadamente com as regras da experiência, uma lacuna ou hiato factuais que não permitam chegar à solução jurídica adequada à situação em causa – a solução justa do caso –, podendo e devendo o tribunal investigar todos os elementos julgados relevantes para essa decisão (13) A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (14) O vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso (15) A insuficiência a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal), que é insindicável em reexame da matéria de direito (16) À luz destes entendimentos e tendo em mente a letra do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, parece-nos que os vícios previstos no n.º 2, cujo conhecimento pelo tribunal de recurso é oficioso, como fundamento do recurso têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou emparelhada com as regras de experiência comum. Tal vício, configura-se como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de mérito, isto é, quando se chega à conclusão de que, com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher” (17) O nosso mais Alto Tribunal vem entendendo que: “o vício de insuficiência da matéria de facto só existe quando o tribunal recorrido, não tendo esgotado o thema probandum, mesmo assim decide do fundo da causa” (18) Daí que, “a ideia de que a prova que se fez em julgamento é insuficiente para dar como provados determinados factos seja coisa diversa da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. E isto porque, “o Tribunal julga segundo a sua livre convicção assente na prova e aí é inteiramente soberano” (19) Esta constitui a posição uniformemente tomada pelo S.T.J. em múltiplos acórdãos, de entre os quais, por nos parecer ainda de todo paradigmático e in casu aplicável, citamos: “Se o recorrente pretende contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com aqueloutra que o Colectivo teve sobre os mesmos livremente e segundo as regras da experiência (art. 127.º do Código de Processo Penal) está a confundir insuficiência da matéria de facto fixada com a insuficiência da prova para decidir” (20) No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de uma leitura atenta do texto da decisão recorrida não se vislumbra carência de factos (nem hiato factuais) que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. Afigura-se-nos que na decisão recorrida na verdade nada falta para que uma decisão justa do caso, de direito, seja proferida, tendo o tribunal a quo investigado todos os elementos julgados relevantes para essa decisão. Com efeito, do texto da decisão recorrida e da parcimónia dos seus próprios termos, flui com meridiana clareza que o tribunal a quo deu como provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa. Na verdade, da decisão ora posta em crise pelo recorrente constam expressamente todos os factos relevantes à prolação de uma decisão justa Assim sendo, inexiste in casu na decisão posta em crise pelo recorrente qualquer insuficiência da matéria de facto provada, o que aqui se declara.» Mais adiante, quanto ao pretenso vício de erro notório na apreciação da prova: «Existirá erro notório na apreciação de prova? O S.T.J. vem recente e uniformemente decidindo sobre esta matéria que o erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental (21). Será que no caso em apreço os factos dados como provados são contraditórios com os restantes factos dados como provados? Traduzem falha grosseira e ostensiva na análise da prova? Retirou-se dos factos apurados uma conclusão logicamente inconciliável? Desde já, salvo o devido respeito por opinião em contrário afirmamos que não. Vejamos. Efectivamente não se nos afigura ocorrer in casu qualquer erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] o qual teria de ser óbvio e patente de modo a não passar despercebido ao comum observador e nada do que o recorrente indica reveste uma tal categoria. Na verdade, no caso sub judice para o homem médio do texto da decisão recorrida não se vislumbra, por não existir, qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que denuncie que se deram como provados factos inconciliáveis entre si. Por outras palavras, o que a decisão recorrida teve como provado e não provado não está in casu em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou. Na verdade, por uma banda na decisão posta em crise não se mostram provados factos incompatíveis entre si, e as conclusões nesta plasmadas não se revelam por forma alguma ilógicas ou inaceitáveis ou que o Tribunal a quo tenha na decisão recorrida retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Como acentuam Simas Santos e Leal-Henriques (22): “ (…) há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”. Contudo como dizem Simas Santos e Leal-Henriques (23) não podemos incluir no erro notório na apreciação da prova a sindicância que o recorrente possa pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o citado art.º 127.º do Código de Processo Penal. No caso em apreço, a nosso ver na avaliação que o Tribunal de 1.ª instância exerceu das prova documental para os autos carreada, dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento das testemunhas, e o que se encontra plasmado na decisão recorrida, não se lobriga a presença de vício algum, nem este efectivamente existe, na medida em que o Tribunal a quo fez de acordo com o princípio consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal sem que o mesmo se mostre minimamente beliscado. Neste campo cabe não olvidar que o erro na apreciação da prova não se desacomoda com o modo como o recorrente aprecia a prova do seu ponto de vista. No caso vertente este vício invocado pelo recorrente não se verifica. Efectivamente este vício que deverá aferir-se tal como resulta do próprio texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras de experiência comum. Ora, satisfazendo a imposição legal teria aqui o recorrente que ter em linha de conta a matéria de facto tida como provada e não provada e, por esta via, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, enunciar-se os pontos de facto que se considera incorrectamente julgados ou apreciados, bem como as provas que impõem decisão diversa da recorrida. De uma leitura da motivação do recurso apresentado pelo recorrente não é isso que se verifica estar cumprido. Com efeito, não se mostra suficiente indicar que a prova que se impugna consta, v.g., da cassete n.º 1, lado A, remetendo-se para todo o seu conteúdo, sem individualizar especificadamente que parte concreta do depoimento está em contradição com o acórdão. Com efeito, in casu o recorrente limita-se a enviar para a generalidade do depoimento da assistente, sem curar de o especificar, argumentando apenas que o acórdão padece dos vícios enumerados no artigo 410.º do Código de Processo Penal por se ter fundamentado somente nas declarações da assistente, o que quanto a este último aspecto, como vimos, não corresponde à realidade. Ora, de harmonia a jurisprudência dominante, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma óbvia e manifesta, as regras da experiência comum. Como bem se refere no acórdão do Tribunal da Rel. do Porto de 17SET2003 (24),“ (…) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o principio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no artigo 127.º do Código de Processo Penal” Por outro lado, como já acima deixámos expresso a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. O artigo 127.º do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. In casu o Tribunal de 1.ª instância baseou a sua convicção nas declarações da assistente, “que falou de forma clara, objectiva e credível, relatando os factos tal como foram julgados provados”, no depoimento das testemunhas, bem como nos documentos que se encontram junto aos autos. Por outro lado, a insuficiência para a decisão da matéria de facto ocorre, como vimos quando o tribunal, podendo investigar toda a matéria de facto que enforma o processo, deixa de o fazer e não simplesmente como o recorrente argumenta, quando apenas se funda no depoimento de uma pessoa. Por sua vez, o fundamento a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Ora, o recorrente impugna o acórdão condenatório essencialmente pelo facto de, aparentemente, se ter firmado exclusivamente no depoimento da assistente, o que, na sua óptica, seria insuficiente. Contudo, basta ler cuidadosamente a motivação que se encontra na decisão recorrida e que acima se encontra transcrita para ver que tal ilação não é verdadeira. Assim, quanto a este aspecto da matéria de facto dada como provada, nada há a apontar à formação da convicção do julgador inexistindo o vício apontado pelo recorrente.» Pois bem. Como é jurisprudência firme deste Supremo Tribunal, quando o recurso é de acórdão da Relação, o Mais Alto Tribunal só conhece dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal a título residual, ou seja, quando, para além do já decidido a tal respeito pela segunda instância, persista algum resquício daqueles defeitos da matéria de facto que possam fazer correr o risco de o Supremo Tribunal ter de basear a jurisdictio que o artigo 434.º do Código de Processo Penal lhe reserva como poder cognitivo, em bases de facto ostensivamente defeituosas. Só nesses reduzidos casos, e com tal extensão, o decidido, a respeito, pela Relação não vale como caso julgado. Tudo porque, como é de lei, com a ressalva apontada, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, intervém apenas no julgamento da matéria de direito. Como se escreveu no sumário do acórdão de 20/02/2003, proferido no recurso n.º 360/03-5, com o mesmo relator (25), no fortalecimento de uma jurisprudência que veio posteriormente a revelar-se firme e una: «I – A «revista alargada» prevista no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, pressupunha a existência de um único grau de recurso – recurso per saltum – e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a não impugnabilidade directa da matéria de facto. II – Essa «revista alargada» para o Supremo Tribunal deixou, por isso, de fazer sentido – em caso de recurso prévio para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998, os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação de facto – e de direito – perante a Relação. III – Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente matéria de direito, pode dirigi-lo directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, de facto e de direito, à Relação, caso em que, da decisão desta, se não for irrecorrível, poderá recorrer para o STJ. IV – Só que, nesta última hipótese, o recurso – agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios da matéria de facto, do julgamento da 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente: - insuficiente; - erradamente apreciada; - assente em premissas contraditórias, o Supremo Tribunal, por sua iniciativa, e quando detecte algum daqueles vícios no acórdão recorrido (da Relação), se abstenha de conhecer do mérito da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. V – Com isto se significa que está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, mormente em tudo o que foi ou devia ter sido objecto de conhecimento pela Relação (….).» No caso dos autos, para além do decidido na Relação, não se vislumbra pela leitura do acórdão recorrido qualquer defeito da matéria de facto que comprometa o conhecimento de direito. Por tal motivo se tem a mesma como definitivamente adquirida. Restam para conhecer a questão da espécie e medida das penas, e a indemnização cível fixada. A qualificação jurídica dos factos levada vante pelas instâncias não vem directamente posta em causa e também aqui se não vislumbram motivos para oficiosamente a alterar. «O crime de burla No tocante ao crime de crime de burla qualificada, da previsão dos arts 217.º e 218.º n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, estes preceitos rezam assim: 217.º “1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.” 218.º “1. Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2. A pena é a de prisão de 2 a 8 anos se: a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;” 202.° b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas o momento da prática do facto; ou seja, no caso dos autos, €13.966,34, equivalente a Esc. 2.800.000$00). São elementos deste crime a) — Uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; b) — Para determinar outrem à prática de actos, que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial; c) — Intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Por outras palavras são elementos objectivos do crime de burla: A agente agir com astúcia; A vítima ter os seus conhecimentos inquinados por erro ou engano; A vítima praticar determinados actos; O prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro. Ora estes elementos objectivos existe nexo de causalidade, sendo cada um deles uma decorrência do anterior. São elementos subjectivos deste crime o dolo do agente em relação a cada elemento objectivo, a que acresce a intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo. Quanto ao primeiro requisito, diz-nos o referido preceito do Código Penal que a burla é cometida por meio de erro ou engano sobre facto que (o agente) astuciosamente provocou. Da análise puramente literal do preceito parece-nos derivar que a simples mentira não é suficiente. Dizer-se que o erro ou engano tenha sido provocado astuciosamente parece exigir algo mais. Contudo, Marques Borges (26) defende que o engano referido no art.º 217.º do Código Penal continua a equivaler à simples mentira: “Acresce que, a não ser assim, dificilmente aparece discernível a distinção entre erro simples e engano. Não são tanto o erro como o engano, falsas representações da realidade que levam o burlado a representar mentalmente os factos que lhe são apresentados por forma diversa, dos que eles têm na realidade? O burlado nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiro por que tem um falso convencimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento, nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão; no caso de erro exige-se, ainda, que o burlão lenha agido de forma a provocar (usando artifícios, ardis ou astúcia) o erro em que o burlado acaba por cair”. Porém, a opinião maioritária não vai nesse sentido, exigindo-se que, tanto no erro como no engano, a actuação do agente vá para além da simples mentira. Neste sentido caminham Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira (27), quando afirmam: “O legislador penal de 1982-95 não pretendeu romper com o passado. Ao prevalecer-se da locução “astúcia”, quis unificar os vários modos de cometimento da burla”. De acordo com esta orientação, que entendemos ser a mais curial, é necessário algo mais do que a simples mentira, a necessária astúcia, a qual expressa uma especial habilidade, de modo que o agente dê à sua actuação especial credibilidade, mas sem que se exija uma verdadeira representação. No caso em apreço, o arguido actuou com astúcia, na medida em que num contexto de promessas de casamento que nunca pretendeu cumprir é que pediu o dinheiro Esc. 12.000.000$00 à assistente. No que tange ao apontado segundo requisito, verificamos que a actuação do arguido fez com que a assistente pensasse estar a ajudar o homem que consigo iria casar e partilhar a vida. Quanto ao terceiro requisito, verificamos que foi tal erro que viciava os conhecimentos da assistente que na realidade levou a que a mesma entregasse ao arguido os referidos Esc. 12.000.000$00. Quanto ao quarto e último elemento objectivo, afigura-se claro que a assistente sofreu prejuízos patrimoniais correspondentes às quantias entregues ao arguido. Igualmente se mostra preenchida a qualificativa atento o montante de que o arguido se apropriou. Por último, acham-se igualmente preenchidos os elementos subjectivos do tipo, uma vez que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a reprovabilidade da sua conduta e com intenção de por essa forma obter vantagem patrimonial que sabia não ter direito. Agiu igualmente com culpa, uma vez que podia e devia ter conformado o seu comportamento de acordo com o ordenamento jurídico e, mesmo assim, não o fez. Incorreu, assim, o arguido, na prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, da previsão do arts. 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, a que corresponde pena de prisão de 2 a 8 anos. Crime de gravação e utilização ilícita de imagens Relativamente ao crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da previsão do art.º 199.º n.º 2, alíneas a) e b), agravado nos termos do art.º 197.º, alínea a), ambos do Código Penal, dispõe o primeiro que: “2. Na mesma pena (de prisão até 1 ano ou de multa até 240 dias) incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos. Como elementos objectivos do tipo de ilícito, é necessário que o agente tenha fotografado ou filmado uma pessoa ou ainda que tenha utilizado ou permitido a utilização de fotografias ou filmes de uma pessoa, contra a vontade desta. Este tipo legal de crime reflecte a vontade legislativa de proteger o Homem na sua personalidade e autonomia própria, contra os perigos decorrentes da sociedade actual, perigos esses que subjacentes se acham à modernidade, designadamente ao progresso tecnológico. Com efeito, como referiu Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal, aquando da discussão do art. 192.º, do Anteprojecto da Parte Especial do Código Penal de 1966 (28): “Na nossa sociedade, a técnica tem feito tais progressos que o homem pode correr o perigo de perder a sua autonomia. Torna-se tecnicamente tão fácil fixar e reproduzir a intimidade de outrem que esta prática se não for posta sob a alçada da lei penal pode conduzir à destruição do princípio da confiança nas relações sociais, o que seria verdadeiramente o fim de toda a segurança”. Não obstante Eduardo Correia ter feito referência à intimidade do Homem, a verdade é que o facto ilícito típico a que vimos de aludir não prevê situações de violação do direito à reserva da intimidade da vida privada “tout court”, sendo que ao invés contempla especificamente situações de violação de um outro direito da personalidade ou bem jurídico pessoal, qual seja o direito à imagem, direito este também constitucionalmente consagrado (art. 26º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). Parece-nos fora de dúvida que o crime de fotografias ilícitas protege o direito à imagem, como bem jurídico eminentemente pessoal (29). O crime de fotografias ilícitas da previsão do art.º 199.º, n.º1 tutela o direito à imagem constitucionalmente consagrado e protegido também no art.º 79.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento. Daí que o legislador de 1995 haja inserido este facto ilícito típico em novo capitulo aberto no título contra as pessoas, qual seja o Capitulo VIII (Dos crimes contra outros bens jurídicos pessoais), quando é certo que o legislador de 1982 o inseriu no Capítulo VI (Dos crimes contra reserva da vida privada). O que aqui se protege se bem vemos é o direito que assiste a toda a pessoa — e só a ela — de decidir quem pode fotografar a sua pessoa, e uma vez registada numa máquina fotográfica, se e perante quem a sua imagem pode ser de novo vista. O que está aqui em causa é pois o direito à imagem enquanto direito autónomo de grandeza constitucional e não o direito à reserva da intimidade da vida privada, direito de igual matriz. Bem se percebe a importância desta distinção, consabido que aqueles dois direitos pessoais (da personalidade) não são sobreponíveis, sendo que ao invés têm um conteúdo diferente. Na verdade, enquanto o direito à reserva da intimidade da vida privada se analisa fundamentalmente no direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar, isto é, àqueles actos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos e afectos familiares, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, bem como no direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre esse sector da vida do Homem que se desenvolve entre as paredes domésticas ou dentro de um espaço privado de um veículo automóvel, e no âmbito familiar, ou quase-familiar (uma vez que in casu a assistente tinha esperança em casar com o arguido e a tal tinha sido convencida por este) direito à imagem revela-se como atributo da personalidade, sendo ilícito sem consentimento da pessoa, registar e divulgar a sua imagem. No caso em apreço os elementos constitutivos deste tipo legal de crime encontram-se preenchidos na medida em que o arguido, sem o conhecimento da assistente, registou imagens da mesma a praticar-lhe sexo oral no banco da frente do veículo, utilizando para o efeito uma câmara de filmar que tinha escondida no local destinado ao rádio do carro. Acresce que de nenhum facto se pode presumir a vontade da assistente em que tais momentos fossem registados, o que bem se compreende desde logo atendendo à sua natureza. Como elemento subjectivo do tipo de ilícito, é necessário que o agente tenha agido com dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no art.º 14.º, do Código Penal, o que também aconteceu aqui, na medida em que o arguido agiu consciente e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era censurável e punida por lei. Agiu também com culpa, uma vez que podia e devia ter conformado o seu comportamento de acordo com o ordenamento jurídico e, mesmo assim, não o fez. No que concerne, quer à utilização das fotografias [alínea b), no supra transcrito n. 2 do art.º 199.º], quer à agravante prevista no art.º 197.º, alínea. a), ambos do Código Penal, relativa à prática do facto para obtenção de recompensa ou enriquecimento, tais factos afigura-se-nos na esteira do decidido em 1.ª instância que, não podem ser considerados a propósito deste crime, sob pena de dupla valoração dos mesmos factos pois, que terão que ser considerados, o primeiro a propósito do crime de devassa da vida privada e o segundo aquando da análise do crime de extorsão na forma tentada. Deste modo a materialidade fáctica provada e fixada supra — verificado em concreto os elementos constitutivos do tipo — preenche a autoria material, de um crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da previsão do art.º 199.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 1 ano ou de multa até 240 dias. O crime de extorsão No que concerne ao um crime de extorsão agravado na forma tentada, da previsão do art.º 223.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) e arts. 22.º e 23.º, todos do Código Penal, dispõe o primeiro que: “1. Quem, com intenção eu conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos.” 3. Se se verificarem os requisitos referidos: a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 204.º ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 210.º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos; Por seu turno, o art.º 204.º, n.º 2, alínea a), alude ao valor consideravelmente elevado de tal disposição patrimonial, isto é, como já vimos, que seja superior a €13.966,34, equivalente a Esc.2.800.000$00. São elementos objectivos Deste tipo legal, a violência ou ameaça com mal importante adequados ao constrangimento do visado, a disposição patrimonial, o prejuízo do visado ou de outrem e o enriquecimento do agente. No caso em apreço, encontra-se preenchido o primeiro dos referidos elementos, na medida em que o arguido pediu por mais do que uma vez Esc. 8.000.000$00, equivalente a €39.903,83 à assistente, ameaçando-a de divulgar, pelos mais diversos meios e locais, a imagem da mesma nele praticando sexo oral. Ora, com estas ameaças, não logrou levar a assistente a fazer-lhe a pretendida disposição patrimonial. Contudo, a ameaça era efectivamente adequada ao seu constrangimento, atendendo a que atingia directa e gravemente a intimidade da assistente. De acordo com o disposto nos referidos arts. 22.º e 23.º, ambos do Código Penal a tentativa é punível, desde que sejam praticados actos de execução do crime, correspondendo-lhe a pena do crime consumado especialmente atenuada (arts. 72.º e 73.º do Código Penal). In casu, o arguido praticou todos os actos necessários à execução do crime, que só não se consumou porque a assistente não se deixou constranger. Também é operante a qualificativa, atento o montante de que o arguido se pretendia apropriar. Finalmente, encontram-se igualmente preenchidos os elementos subjectivos do tipo, uma vez que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a reprovabilidade da sua conduta e com intenção de por essa forma obter vantagem patrimonial que sabia não ter direito. Agiu também com culpa, uma vez que podia e devia ter conformado o seu comportamento de acordo com o ordenamento jurídico e, mesmo assim, não o fez. Incorreu, assim, o arguido, na prática, em autoria material, de um crime de extorsão agravado na forma tentada, da previsão do art. 223.º, n.º 3, alínea a) do Código Penal, com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) e arts 22.º e 23.º, todos do Código Penal, a que corresponde pena de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão. Crime de devassa da vida privada No que diz respeito ao crime de devassa da vida privada, da previsão do art.º 192.º, n.º1, alínea d), agravado nos termos do art.º 197.º, alínea a), ambos do Código Penal, dispõe o primeiro que: 1. Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: d) Divulgar factos relativos à vida privada (…) de outra pessoa; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. São elementos objectivos deste tipo legal de crime, a falta de consentimento e a exposição da intimidade familiar ou sexual de outrem, que no caso em apreço se mostram preenchidos. Com efeito, o arguido não tendo conseguido obter a entrega da quantia que pedira à assistente, espalhou inúmeras fotografias pela rua, junto à residência da mesma, de forma a que qualquer pessoa que passasse as pudesse ver e apanhar, sendo que tais fotografias registavam o momento em que a assistente tinha praticado sexo oral ao arguido e nas quais era perfeitamente identificável o seu rosto. No que concerne à qualificativa a mesma encontra-se consumida pelo crime de extorsão na forma tentada. Contudo já a prática deste crime não consome o crime de gravação ilícita de imagens, na medida que este foi praticado num momento muito anterior, com vista à extorsão, sendo que a divulgação surgiu apenas na sequência do malogro da extorsão, ou seja, o registo das imagens não foi efectuado visando a devassa. Como elemento subjectivo do tipo, é necessária a intenção de devassar a vida privada de outrem, o que era objectivo do arguido. Agiu também com culpa, uma vez que podia e devia ter conformado o seu comportamento de acordo com o ordenamento jurídico e, mesmo assim, não o fez. Incorreu, assim, o arguido, na prática, em autoria material, de um crime de devassa da vida privada, da previsão do art.º 192.º n.º 1, alínea d), do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. Assim sendo, bem andou o Tribunal de 1. instância ao subsumir os factos apurados e acima fixados aos tipo legais de crime acima referidos. De tudo o que fica dito relativamente à subsunção jurídica dos factos podemos assim assentar no seguinte: 1) O facto de o arguido ter pedido dinheiro à assistente, insinuando uma intenção de futuro casamento como justificação desse pedido, e o facto de esta ter acreditado nessas declarações de intenção, e, motivada nas mesmas, ter entregue ao recorrente os quantitativos referidos nos autos, preenchem como bem decidido foi na 1.ª instância todos os elementos do crime de burla em que o arguido foi condenado. Quanto ao preenchimento dos elementos constitutivos do crime de burla consta no acórdão “ (…) o arguido actuou com astúcia na medida em que pediu dinheiro (…) à Assistente, num contexto de promessas de casamento que nunca pretendeu cumprir.” (…) A “actuação do arguido fez com que a Assistente pensasse estar a ajudar o homem que consigo iria casar e partilhar a vida.” 2) O facto de o recorrente empregar a ameaça de divulgação de fotografias atentatórias da imagem social da assistente, obtidas contra a vontade desta, e de forma a coagi-la, por esse meio, à entrega de novos quantitativos monetários, o que só não veio a concretizar-se pela resistência da assistente, integram todos os elementos constitutivos do crime de extorsão, na forma tentada pelo qual o recorrente foi condenado. Assim entendeu o tribunal de 1.ª instância — e a nosso ver bem — que apesar de o arguido através das ameaças que fez à assistente não ter conseguido obter a entrega da quantia em dinheiro que pretendia, tais ameaças eram adequadas “ao seu constrangimento, atendendo a que atingia directa e gravemente a intimidade da assistente”». Espécie e medida da pena A questão da multa em alternativa à prisão Tal como aqui já foi decidido, nomeadamente nos recurso n.ºs 226/02-5, 2154/03-5,3119/06-5, 4334/06-5, entre outros, todos com o mesmo relator, não resta hoje grande possibilidade de aplicação de penas «mistas» como a que, a ser provido o recurso nesta pretensão, seria correspondente ao cúmulo jurídico das duas penas em causa. Discorrendo sobre a bondade de tal chamada pena «mista» de prisão e multa, frequente nos tipos de crime definidos no Código Penal de 1886 e mantida no de 1982, o Prof. Figueiredo Dias (30) considera que tal pena “é, na verdade condenável do ponto de vista político-criminal: quer enquanto patenteia inadmissível desconfiança na eficácia penal da multa simples e vacilação na convicção de que a multa é primordialmente uma alternativa à prisão; quer enquanto implica o pagamento de uma percentagem dos rendimentos do condenado ao mesmo tempo que, privando-o de liberdade, lhe retira a possibilidade de os angariar! Uma pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando, com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!” E se estas considerações do ilustre Mestre de Coimbra foram produzidas noutro contexto e noutro plano – afinal numa visão de política criminal propondo a eliminação do texto do Código, do referido tipo de penas «mistas» – elas não deixam de ter cabimento no momento de decidir em casos como o presente, em que, ao lado de uma pena que importa, necessariamente, a condenação em prisão, outras há que permitiriam, em abstracto, a opção pela de multa alternativa. Mas se os objectivos da pena de multa – em regra aplicável a casos de pequena criminalidade – são aqueles que se mencionam, mormente o de colocar o condenado próximo daquele mínimo existencial, então, também em casos como o presente (31) em que há que cumprir pena de prisão, pouco ou nenhum sentido faria, até por força da concepção de unidade da pena,(32) mesmo em caso de cúmulo, reclamada pela filosofia do Código Penal «quando alguém tiver praticado vários crimes (...) é condenado numa pena única», que, na medida do possível, e até por considerações de pragmatismo na sua execução, aquela não fosse homogénea. Daí que não mereça censura a decisão recorrida quando, num contexto em que alguns dos crimes tinham que ser punidos com penas de prisão, optou por aplicar, pela prática do crime em causa, pena de igual natureza e não, a alternativa proposta pelo recorrente. Improcede mais este aspecto do recurso. A medida das penas parcelares e única conjunta em cúmulo jurídico. Como se viu, as instâncias convergiram nas seguintes penas de prisão a) Pela prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) Em autoria material e em concurso efectivo com o anterior, de um (1) crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da previsão do art.º 199.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; c) Em autoria material e em concurso efectivo com os anteriores, de um crime de extorsão agravado sob a forma tentada, da previsão do art.º 223.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) e arts. 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; d) Em autoria material e em concurso efectivo com os anteriores, de um (1) crime de devassa da vida privada, da previsão do art.º 192.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 7 (sete) anos de prisão. Os fundamentos desta quantificação são assim aduzidos: «Relativamente à culpa: o grau de ilicitude dos factos é elevado atenta a gravidade das consequências dos factos (merece o arguido forte censurabilidade ético-jurídica, pois que podia e devia ter agido por outro modo, nada se vislumbrando no sentido atenuativo de tal censurabilidade para além da ausência de antecedentes judiciários, o que, por si só, tem reduzido valor. Eles evidenciam, em nosso entender, que a assistente sofreu um profundo abalo na sua personalidade moral, do qual ainda se não recompôs. E esta situação não pode ser atribuída a uma anormal sensibilidade do seu espírito, já que a actuação do arguido a atingiu nalguns dos valores mais importantes para uma mulher na sua situação). Na verdade, nomeadamente, a ameaça sobre ela exercida, afectou em alto grau a sua privacidade e pôs em risco a sua reputação, sendo idónea para a fazer recear pela sua boa imagem perante familiares, amigos e conhecidos num plano tão relevante como é o da moral sexual. Avulta ainda a circunstância de esta ameaça ter sido perpetrada por quem tivera com ela um relacionamento assente numa base de confiança e segredo recíprocos grosseiramente traídos, o que mais profundamente abala a segurança e a tranquilidade de espírito da assistente. A intensidade do dolo como tipo-de-ilícito foi elevada (a intensidade do dolo corresponde ao indispensável à existência do dolo directo verificado), na medida em que o arguido agiu com dolo na sua modalidade mais intensa, dolo directo (neste aspecto há ter presente o espelhado nos factos, as consequências nefastas e provocadas sobremaneira na pessoa da assistente, afectando-a no seu bom nome, na reputação e na saúde, sem esquecer a repercussão negativa no meio social nomeadamente a nível da erosão dos valores; o elevado valor quer do montante que a assistente entregou ao arguido, quer da importância que o arguido propendia ainda espoliar à mesma, muito superior ao limite a partir do qual se verifica a agravante “valor consideravelmente elevado”, a elevada gravidade dos factos, atenta a natureza do momento íntimo registado e divulgado, a elevada astúcia do arguido, objectivada em factos praticados ao longo de meses, convencendo a assistente que se iria casar com ela, bem como o sofrimento que os factos provocaram na mesma. Por outro lado, a intensidade como tipo da culpa patenteia um desrespeito pelo dever-ser jurídico-penal. Por seu turno as exigências de prevenção geral positiva são elevadas, na medida em que os crimes cometidos se têm vindo a multiplicar na nossa sociedade, designadamente na área da comarca de Sintra, gerando alguma inquietação, insegurança social, ficando no entanto, aquém da culpa do arguido. Quanto às exigências de prevenção especial, importa salientar que não tem aqui particular relevo dada a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido. A pena abstracta correspondente aos crimes referidos anteriormente é a que já acima ficou expresso. A individualização da pena far-se-á essencialmente pelo que acima apontámos em função da culpa e da ilicitude, das exigências de prevenção geral e demais circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente. Tudo ponderado, e tendo presente o disposto nos arts. 40.º, 70.º, e 71.º, todos do Código Penal, nomeadamente, o grau de ilicitude dos factos perpetrados, o modo de execução destes e gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo (dolo directo e intenso), as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior aos factos, entendemos justas e adequadas as seguintes penas: Pela prática em autoria material de um (1) crime de burla qualificada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, a pena de 5 (cinco) anos de prisão; Pela prática em autoria material de um (1) crime de gravação e utilização ilícita de imagens, da previsão do art.º 199.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, a pena de 8 (oito) meses de prisão; Pela prática em autoria material de um (1) crime de um (1) crime de extorsão agravado sob a forma tentada, da previsão do art.º 223.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) e arts. 22.º e 23.º, todos do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão; Pela prática em autoria material de um (1) crime de devassa da vida privada, da previsão do art.º 192.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, a pena de 10 (dez) meses de prisão; Operando o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de harmonia com o disposto nos art.º 77.º do Código Penal, considerando em conjunto a personalidade do agente revelada nos factos acima fixados (que espelha uma conduta altamente censurável, reveladora de uma personalidade mal formada; revelam um elevado grau de culpa, uma média/alta necessidade de prevenção geral e de prevenção especial, que in casu sendo relevante não se apresenta particularmente relevante dada a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido), este Tribunal entende justa e adequada a pena única de 7 (sete) anos de prisão. Nestes termos, atendendo ao circunstancialismo que rodearam as infracções bem andou o tribunal a quo ao fixar as penas parcelares e única que fixou as quais como apontado fica se revelam justas e adequadas aqui se mantêm na íntegra.» Estas penas mostram-se suficientemente justificadas pela intensidade do dolo e pelo grau de ilicitude, não se lobrigando nelas – quer nas parcelares, quer na pena única, qualquer ofensa aos princípios que norteiam a quantificação previstos no artigo 71.º do Código Penal. Assim sendo, como é, ao Supremo Tribunal de Justiça não incumbe a tarefa de encontrar para o caso a «pena óptima». Não sendo caso de «incorrecção do procedimento ou das operações de determinação», de «desconhecimento pelo tribunal ou errónea aplicação dos princípios gerais de determinação», de «falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis», a questão será, simplesmente, a de saber se a pena encontrada pela 1.ª instância e confirmada na Relação se mostra «de todo desproporcionada», justificando-se – na afirmativa (33) – a intervenção correctiva do tribunal de revista: «Declara expressis verbis o art. 71.3 que “na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida de pena”. Este dever jurídico-substantivo de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo (...) da decisão sobre a determinação da pena. De resto, um pouco por toda a parte se revela a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista. Todos estão de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição é a mais correcta (...). Mas já assim não será se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» Em suma: também aqui o recurso naufraga. Indemnização civil O recorrente, ao que parece, defende que a fixação da indemnização civil deve ser relegada para os tribunais civis ou seja, «limitar-se a sua discussão ao foro cível». Porém, sem razão. Basta atentar no que dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal, que impõe a dedução do pedido no processo respectivo, e só admite a dedução do pedido de indemnização civil em separado do processo penal em casos contados, não sendo à sombra de qualquer deles que o recorrente formula a sua objecção. Importa ainda relevar que o que vem afinal posto em causa é apenas o montante encontrado para a indemnização por danos não patrimoniais, fixada em €25000 e não já o fixado para os patrimoniais. Neste contexto discorreu o tribunal recorrido: «Danos não patrimoniais Consagra o art. 496.º, n.º 1 do Código Civil a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O legislador deixa ao Tribunal a tarefa de, por um lado, aferir o que é a gravidade merecedora da tutela jurídica e, por outro, em caso de verificação desse merecimento, determinar o valor adequado a ressarcir o dano, valor esse que será necessariamente influenciado pela extensão da respectiva gravidade. A medição da gravidade do dano há-de ser feita com a ponderação das circunstâncias do caso concreto, à luz de critérios objectivos e não com base em padrões subjectivos e será apreciada em função da tutela do direito, isto é, o dano deve revelar tal gravidade que justifique a atribuição de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado (34). Para a fixação do montante indemnizatório, manda a lei (cf. n.º 3 do mesmo preceito) que se usem juízos de equidade, tendo em consideração, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, não devendo esquecer-se, ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda (35). É consabido que os danos não patrimoniais não são reparáveis — atenta a sua natureza — com a atribuição ao lesado de determinada quantia em dinheiro; todavia, de entre as duas doutrinas que sobre a matéria se perfilavam — ressarcibilidade e não ressarcibilidade deste tipo de danos —, optou a nossa lei pela primeira, no entendimento de que a prestação pecuniária, além de constituir para o lesante uma sanção, tem a virtualidade de contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Ora, face à manifesta impossibilidade de apagar-reparar o dano, visa-se atenuar um mal consumado, possibilitando à lesada, com o recebimento de uma quantia em dinheiro, a satisfação de utilidades e prazeres que de algum modo o compensem do mal sofrido. Esta natureza compensatória da indemnização a arbitrar pressupõe, como acima se disse, que se tenha em conta a gravidade do dano causado — a intensidade e duração da dor física ou psíquica, ou dos sentimentos negativos provocados —, sob pena de se pôr em causa a sua seriedade e o respeito devido a quem o sofreu. Vem a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores afirmando, uniformemente, que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina, a saber, atenuar a dor sofrida pela lesada. Importa, pois, ponderar a importância que em concreto tiveram os danos a ressarcir, que são os que vêm descritos nos factos acima fixados e que por fastidioso não vamos aqui repetir: In casu, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante traduzem-se em que os factos praticados pelo arguido, nomeadamente a divulgação na localidade onde habita de fotografias onde se pode identificar a mesma a praticar sexo oral ao arguido, afectaram a confiança e o prestígio social da assistente, causando-lhe pudor, inibição e insegurança, impedindo-a de sair à rua e de enfrentar as pessoas e de promover a vida social a que estava habituada, causaram-lhe perda de alegria de viver e diversas perturbações psíquicas, designadamente do sono, com necessidade de recurso a fármacos. Sendo pessoa muito conhecida na localidade onde reside, passou a ser alvo de troça, chacota, escárnio, desprezo e murmúrios depreciativos. Os factos apurados traduzem, em nosso entender, que a assistente sofreu um profundo abalo na sua personalidade moral, do qual ainda se não recompôs. E esta situação como já acima deixamos expresso não pode ser atribuída a uma anormal sensibilidade do seu espírito, já que a actuação do arguido a atingiu nalguns dos valores mais importantes para uma mulher na sua situação. Na verdade, a ameaça sobre ela exercida afectou em alto grau a sua privacidade e pôs em risco a sua reputação, sendo idónea para a fazer recear pela sua boa imagem perante familiares, amigos e conhecidos num plano tão relevante como é o da moral sexual. Avulta ainda a circunstância de esta ameaça ter sido perpetrada por quem tivera com ela um relacionamento estabelecido numa base de confiança e segredo recíprocos grosseiramente atraiçoados, o que mais significativamente abala a segurança e a tranquilidade de espírito. À luz do critério legal apontado no art. 496.º, n.º 3 do Código Civil, a equidade, conjugada com as demais circunstâncias mencionadas no art. 494.º do mesmo corpo de leis, há que dar relevo à condição humana da assistente revelada pelos factos apurados e acima fixados os quais por enfadonho não vamos aqui repetir, e à necessidade de levar em conta o grau de culpabilidade do recorrente, o qual, como se disse já, foi muito elevado e censurável. Deste modo o montante arbitrado à assistente relativo aos danos não patrimoniais revela-se equitativo, ancorado no bom senso e teve em mente ajustada ponderação do circunstancialismo subjacente ao caso concreto por isso, bem andou o Tribunal de 1.ª instância ao fixar a este título o quantum de €25.000,00, que aqui se mantém. Por sua vez no que tange aos danos patrimoniais eles alicerçam-se nos montantes apurados dos danos causados à demandante os quais têm que ser reparados por quem os causou (o demandado), uma vez que demonstrados ficaram todos os pressuposto da obrigação de indemnizar por factos ilícitos a saber: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano (36). Deste modo, não se mostram violados os preceitos invocados pelo recorrente ou o quaisquer outros, razão pela qual o recurso interposto pelo arguido “naufraga” em toda a linha.» Fixada, assim sem controvérsia, a indemnização devida pelos danos patrimoniais, o tribunal recorrido, considerando o profundo abalo que os factos causaram na ofendida, o conhecimento de o demandado se tratar de «astrólogo financeiro», e ainda a extensão e importância dos danos no abalo psíquico sofrido, fixou a indemnização por danos não patrimoniais, em €25.000. Ora, «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil» (artigo 129.º do CC), sendo certo que à questão dos danos não patrimoniais referem-se fundamentalmente os artigos 496.º e 494.º (este por remissão do art. 496.3) do Código Civil. Assim, «o montante da indemnização (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente» (art. 496.1 do CC), isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 6.ª ao art. 496.º). Donde que, tal como escapam à admissibilidade do recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (art. °s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção – em caso de julgamento segundo a equidade (em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 1.ª ao art. 494.º) - às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». Daí que a indicação dos elementos disponíveis que se indicaram – no fundo, a culpa, o dano e a condição patrimonial do demandado – não consinta a este tribunal de revista qualquer juízo negativo quanto ao eventual afrontamento pelo tribunal recorrido (que, a ter ocorrido, não seria, ainda assim, manifesta) das «regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». Improcede, assim, manifestamente, estoutra pretensão recursiva. 3. Termos em que: A. Por irrecorribilidade – art.º 400.º, n.º 1, e) e f), do Código de Processo Penal – rejeitam o recurso no que aos crimes de burla qualificada (art.ºs 217.º e 218.º, n.ºs 2, a), do Código Penal), gravação e utilização ilícita de imagens (art.º 199.º, n.º 2, a), do mesmo Código) e devassa da vida privada (art.º 192.º, n.º 1, d), do mesmo Código) diz respeito. B. No mais, negando provimento ao recurso, confirmam inteiramente o acórdão recorrido, incluindo a decisão quanto ao aspecto impugnado do pedido cível. C. Pelo decaimento condenam o arguido nas custas do recurso penal com taxa de justiça que fixa em 10 unidades de conta. Pagará também o recorrente as custas correspondentes ao decaimento no pedido cível. Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Maio de 2007 Pereira Madeira (relator) Simas Santos Santos Carvalho _________________________________ (1) Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, págs. 362 (2) – [Nota do Tribunal da Relação]: Por manifesto lapsus calami no ponto 14) dos factos provados foi referida a data de “22DEZ2003”, quando a verdade é que a data real é 22DEZ2000, o que salta aos olhos do cotejo do facto 14) com os pontos 22) e 25) da matéria de facto provada, razão pela qual se procedeu nesta sede à correcção deste lapso de escrita ao abrigo do disposto no art.º 667.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi 4.º do Código de Processo Penal. (3) In proc. n.º294/04, DR, II série de 13AGO2004. (4)) In Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 15ª edição, Almedina, 2005, pág. 685. (5) In ob. cit. vol. cit. pág. 387. Contra, mas sem acolhimento na jurisprudência por a realidade da vida se ter encarregado de demonstrar ser impraticável tal orientação v.g. nos chamados maga processos, Germano Marques da Silva, Curros de processo Penal, III, pág. 258. (6) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 04JUN2003, proc n.º 518/03-3.ª SASTJ, n.º 72, 56; no mesmo sentido ver entre muitos outros: Ac. S.T.J. de 10NOV1993, CJ. Acs, do STJ, I, t.3, 233; Ac. do S.T.J. de 25FEV1993, B.M.J. 424, 535; Ac. STJ de 23MAR1994, proc. 4600/3.ª; Ac. do S.T.J. de 10JUL1996, C.J. Acs. do S.T.J., IV, tomo2, Ac. S.T.J. de 27JAN1999, proc.359/98 3.ª SASTJ, n.º27, 83; Ac. Trib. Constitucional n.º87/99, de 10FEV, proc. n.º 44/98; DR, II.ª S. de 01JUL1999). (7) Vide neste sentido Ac. do S.T.J. de 02JUN2003, proc. n.º 1802/03-3.ª, SASTJ, n.º 13,119 (8) Assim decidiu o Ac. de 21JAN1998, proc. n.º 1095/97, in Simas Santos e Leal Henriques, Código De Processo Penal Anotado, 2.º Vol., 2.ªed., Ed. Rei dos Livros, 2000, pág. 405. (9) In Curso de processo penal, vol. I, Lisboa, Editorial Danúbio, Ld.ª, 1986, pág. 216 e seg. (10) In Sumários de Processo Penal, Coimbra, 1967-1968, pág. 56. (11) In A questão da presunção de inocência do arguido, Revista do Ministério Público Ano 11.º, n.º 42, pág. 31 a 47. (12) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor) – Proc. n.º 475/06 – 3.ª Secção (13) Cf. Ac. do S.T.J. de 06ABR2006 (Rodrigues da Costa) – Proc. n.º 362/06 – 5.ª Secção. (14) Vide Ac. do S.T.J. de 20ABR2006 (Rodrigues da Costa) Proc. n.º 363/06 – 5.ª Secção. (15) Cf. Ac. do S.T.J. de 01JUN2006 (Pereira Madeira) – Proc. n.º 1614/06 – 5.ª Secção. (16) Ac. do S.T.J. 08JUN2006 (Simas Santos) -Proc. n.º 1923/06 – 5.ª Secção. (17) Vide neste sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., 2002, Rei dos Livros, pág. 62. (18) Vide Ac. STJ de 15JAN2004 in www.dgsi.pt (19) Cf. Ac. do STJ de 08FEV1996, Proc. n.º 48015. (20) Cf. Ac. STJ de 08MAI1996, A.J. n.º 19, Proc. n.º 41824. (21) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor) – Proc. n.º 475/06 – 3.ª Secção (22) In ob cit., págs. 65, 66 e 67. (23) In ob. cit. pág. 67. (24) In Rec. n.º 312082 (25) Cfr. www.stj.pt (26) In Crimes Contra o Património em Geral, pág. 22. (27) In O crime de burla no Código Penal, Revista da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1994, XXXV, 324. (28) Cf. Acta da 7.ª Sessão, realizada no dia 30ABR1966. (29) Cf. Neste sentido o Ac. da Rel. de Coimbra de 12JUL2000, C.J. XXIV, t. 4, 46. (30) Cfr., Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 154 (31) Sem descartar, como é evidente, a possibilidade de, em concreto, se poderem configurar hipóteses em que assim não aconteça necessariamente. Portanto, uma solução que não se defende a priori. (32) Unidade de pena que, como se infere do já exposto, não afasta, em absoluto, a possibilidade de cumular as duas espécies de penas, como, de resto, resulta expresso do n.º 3, do artigo 77.º do Código Penal. (33) Mas já não se justificando na negativa. (34) Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 8.ª edição, vol. 1, pág. 617. (35) Cf.Ac. do S.T.J., de 09FEV1999, revista n.º 1267/98 e Antunes Varela na obra citada, pág. 618. (36) Cf. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 6.ª ed., 1.º vol pág. 495. |