Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA INQUÉRITO DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO INTERVENÇÃO HIERÁRQUICA DESPACHO MINISTÉRIO PÚBLICO INADMISSIBILIDADE DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO RECLAMAÇÃO OPOSIÇÃO DE JULGADOS PLURALIDADE DE ACÓRDÃOS FUNDAMENTO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 03/11/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DEJURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I – AA, assistente nos autos de inquérito com o n.º 3672/3T9LSB, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2 e seguintes do Código de Processo Penal, da decisão de indeferimento proferida pela Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida a 11-12-2019, no processo de reclamação por aquela apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do CPP, do despacho que não admitiu, com fundamento na sua irrecorribilidade, o recurso que interpusera da decisão do Exmo. Procurador da República que, em sede de intervenção hierárquica por si suscitada, manteve o despacho de arquivamento daquele inquérito. II – Alega que aquela decisão, ao considerar que o despacho de que pretende recorrer é irrecorrível com o fundamento de que apenas os despachos judiciais são susceptíveis de recurso, está em oposição com o decidido por este Supremo Tribunal nos acórdãos proferidos nos processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1 e n.º 06P4597. III – Extrai-se do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de Dezembro de 2012, no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, desta 3.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente”. IV – Referindo igualmente o presente recurso como recurso categorialmente designado como “normativo”, que não tem por objecto a decisão de uma questão ou de uma causa, mas apenas a definição do sentido de uma norma – no rigor, a construção jurisprudencial de uma norma ou quase-norma perante divergências de interpretação – veja-se o acórdão de 21 de Março de 2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD.S1, desta 3.ª Secção. V – A uniformização de jurisprudência fixa uma das várias interpretações possíveis da lei, cria a norma correspondente, para depois fazer aplicação dela ao caso concreto. Assim, a uniformização traduz a existência de uma norma jurídica elegendo uma determinada interpretação que, em princípio, se impõe genericamente, o que implica, quanto a ela, seja possível o accionamento do processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade. VI – O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. VII – Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários. VIII – O “Assento” n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Maio de 2000, fixou jurisprudência no sentido de que, no requerimento de interposição de recurso deveria constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 438.º, o sentido em que deveria fixar-se a jurisprudência cuja fixação era pretendida. IX – O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006, que reputou ultrapassada a jurisprudência assim fixada, procedeu ao seu reexame, e fixou-a no sentido de que no requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência. X – Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1989, in AJ, n.º 2, «É indispensável para se verificar a oposição de julgados: a) – que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito; b) – que as decisões em oposição sejam expressas (e não implícitas); c) – que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. XI – A decisão recorrida foi proferida pela Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de Dezembro de 2019, apreciando reclamação feita pela assistente nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 405.° do CPP, do despacho proferido em 2/10/2019, que não lhe admitiu o recurso por si interposto da decisão do Sr. Procurador da República, que manteve o despacho de arquivamento dos autos, com fundamento na sua irrecorribilidade. Concluiu que tal decisão não era admissível de recurso, por não se tratar de uma decisão judicial, sendo o recurso inadmissível, tal como considerado pela 1.ª instância, indeferindo a reclamação. XII – Em vez de um acórdão recorrido vem no presente caso impugnado um despacho judicial proferido em sede de reclamação nos termos do artigo 405.º do CPP. XIII – A decisão que, ao decidir reclamação interposta de despacho que não admite recurso, confirma o não recebimento de recurso, é inimpugnável, porque definitiva. E não pode ser impugnada por via de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, porque se trata de um despacho judicial, de uma decisão singular, e não de um acórdão, como o exige o artigo 437.º do CPP. XIV – Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2013, processo n.º 2717/08.2TASTB.E1-A.S1 - 3.ª Secção, versando os requisitos deste recurso, são requisitos de ordem substancial: a existência de oposição entre dois acórdãos do STJ ou entre dois acórdãos da Relação ou entre um acórdão do STJ e outro da Relação; a oposição referir-se a matéria de direito no domínio da mesma legislação; as decisões em oposição serem expressas e não meramente implícitas; a oposição referir-se à própria decisão e não aos seus fundamentos; a identidade fundamental da matéria de facto. XV – Está vedado o uso deste recurso extraordinário relativamente a: Decisões singulares – Acórdão de 22-10-2015, processo n.º 789/12.4PFPRT-B.P1-A.S1 5.ª Secção - O artigo 437.º do CPP exige como pressuposto para o recurso para fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito, pelo que, estando em causa duas decisões singulares, não é o mesmo admissível. A este propósito o TC, no seu acórdão 168/2003, considerou resultar claramente que a lei, no citado preceito legal, só permite o recurso para fixação de jurisprudência quando se encontrem em oposição acórdãos do STJ ou da Relação. Decisões sumárias – Acórdão de 29-10-2015, processo n.º 4/07.2GCOVR-A.S1 5.ª Secção – Impõe-se rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido (art. 441.º, n.º 1, por referência ao art. 437.º, n.º 1, ambos do CPP), por via da sua inadmissibilidade, consubstanciada no não preenchimento do pressuposto atinente à necessidade de as decisões, alegadamente em oposição, tratarem-se de acórdãos (na acepção decorrente do disposto no art. 97.º, n.º 2, daquele diploma), logo de decisões colegiais, no caso do STJ, e não de decisões singulares, como sucede com a decisão recorrida, que, constitui uma decisão sumária proferida pelo Relator nos termos do art. 417.º, n.º 6, do CPP. Acórdãos proferidos em 1.ª instância – Acórdão de 20-11-2013, proferido no processo n.º 432/06.0JDLSB-Q.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: “A lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial – arts. 437.º, n.ºs 1 a 3, e 438.º, n.º s 1 e 2, do CPP. Entre os requisitos de natureza substancial, conta-se a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. Os acórdãos proferidos em 1.ª instância não constituem pressuposto do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência”. XVI – A recorrente funda o presente recurso na oposição entre o despacho da Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, indicados como acórdãos fundamento, a saber acórdãos de 17-01-2007, proferido no processo n.º 4597/06 e de 21-12-2011, proferido no processo n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1, ambos da 3.ª Secção. XVII – Este Supremo Tribunal tem entendido, no quadro da já assinalada excepcionalidade deste recurso extraordinário, a necessidade de indicar-se um único acórdão fundamento. XVIII – É jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal deste recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão fundamento conduz à rejeição do recurso. XIX – Desde o primeiro Assento proferido por este Supremo Tribunal (Assento de 16 de Dezembro de 1927, no Diário do Governo, II série, de Janeiro de 1928), tem sido uniforme o entendimento de que, para formulação de um Assento, quer de natureza civil, quer de natureza penal, nos termos do Código do Processo Penal de 1929 e da legislação anterior que o antecedeu e o preparou, e relativamente ao concreto ponto de direito que se diz ter sido decidido em sentidos opostos, é indispensável que se indiquem o acórdão recorrido e um só acórdão que com ele esteja em oposição, uma vez que, se assim não for feito, se não poderá considerar como válida e processualmente relevante, a indicação de vários acórdãos fundamento sobre o mesmo ponto de direito, e, em consequência, não poderá ter adequado andamento o recurso para fixação de jurisprudência”. XX – No caso sujeito a apreciação a recorrente indica os apontados dois acórdãos fundamento, sendo de rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP. XXI – Nestes casos, como tem decidido igualmente de forma uniforme o Supremo Tribunal, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque como se diz de forma clara no acórdão de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª Secção, já referido, a lei não contempla a hipótese, de resto, numa atitude de rigor, típica dos interesses específicos do processo penal, associada à ideia reinante no nosso ordenamento jurídico-processual de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com as atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso do esforço que lhes é pedido, com as quais se não condescende. XXII – Não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade – assim, acórdão de 23-01-2003, processo n.º 1775/02-5.ª Secção. XXIII – O recurso sempre seria, pois, neste prisma, de rejeitar. Ademais, sempre se dirá que nenhum dos dois acórdãos invocados aborda a questão de recorribilidade de despacho proferido pelo Ministério Público, como facilmente se alcança pela leitura dos respectivos sumários. | ||
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Decisão Texto Integral: |
AA, assistente nos autos de inquérito com o n.º 3672/3T9LSB, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2 e seguintes do Código de Processo Penal, da decisão de indeferimento proferida pela Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida a ..-..-2019, no processo de reclamação por aquela apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do CPP, do despacho que não admitiu, com fundamento na sua irrecorribilidade, o recurso que interpusera da decisão do Exmo. Procurador da República que, em sede de intervenção hierárquica por si suscitada, manteve o despacho de arquivamento daquele inquérito. Alega que aquela decisão, ao considerar que o despacho de que pretende recorrer é irrecorrível com o fundamento de que apenas os despachos judiciais são susceptíveis de recurso, está em oposição com o decidido por este Supremo Tribunal nos acórdãos proferidos nos processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1 e n.º 06P4597. Para tanto, alegou, nos termos e com os fundamentos seguintes (Realces do texto): “I – DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL: 1 – Inicialmente é de grande valia esclarecer que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem a finalidade precípua de coibir eventuais contradições entre acórdãos proferidos pelos tribunais, em prol de existir um entendimento pacífico sobre determinada matéria. 2 – Assim sendo, obtempera Paula Marques Carvalho[1]: Os recursos extraordinários para a fixação de jurisprudência pretendem evitar contradições entre acórdãos dos tribunais superiores, assegurando assim a uniformização da jurisprudência. (…). 3 – Esclarece-se que não somente as decisões contraditórias proferidas pelo STJ são impugnáveis por recurso extraordinário, mas também, os acórdãos em conflito de entendimento entre o retro citado tribunal e o Tribunal da Relação, são passíveis de serem reformados pelo instrumento processual alhures. 4 – Deste modo, preconiza o artigo 437º, n.º 2 do Código de Processo Penal: Artigo 437.º Fundamento do recurso 2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 5 – De acordo com o que iremos explorar mais adiante, o acórdão do Tribunal da Relação confita com a axiologia do entendimento predominante deste Egrégio Supremo Tribunal de Justiça. 6 – Nesta toada a respeitável decisão proferida pelo juízo a quo deve ser reformada in totum. 7 – Entretanto, antes do mais, é relevante salientar alguns aspectos processuais que ilustram a admissibilidade deste recurso e do recurso ordinário anteriormente indeferido, pelo que, em face de tal decisão os direitos fundamentais da recorrentes estão a ser massacrados. 8 – Neste seguimento e consoante o disposto no artigo 399º do Código de Processo Penal, é permitido recorrer de todas as decisões, sejam elas despachos, acórdãos ou sentenças, desde que a sua irrecorribilidade não esteja positivada no pergaminho legal, senão vejamos: Artigo 399.º É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. 9 – Assim sendo, fora das hipóteses consignadas no artigo 400º do Código de Processo Penal o recurso é plenamente admissível. 10 – Por último, destacamos o artigo 97º, nº. 3º do CPP: Artigo 97.º 3 - Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos. 11 – Analisando o conteúdo do supracitado dispositivo legal e combinando-o com o artigo 399º do CPP é notório concluir que do despacho do Procurador Geral da República em sede de intervenção hierárquica cabe recurso ordinário para o Tribunal da Relação. 12 – Chega-se a tal interpretação, na medida em que, se os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despacho e o artigo 399º do Código Penal, permite recorrer dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, bem como, inexiste a hipótese de não admissão do recurso nos termos do artigo 400º no caso de despacho proferido em intervenção hierárquica. 13 – Além dos dispositivos processuais assinalados, a Constituição da República Portuguesa, positiva o princípio do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, pelo que o povo pode clamar a intervenção do Poder Judiciário, quando direitos e interesses forem transgredidos – que é o caso em questão -. 14 – Desse modo, prevê a primeira parte do artigo 20º e o artigo 32º, n.º1, ambos da Constituição da República Portuguesa: Artigo 20.º 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. – grifo nosso. Artigo 32.º (Garantias de processo criminal) 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 15 – Com base nesses fundamentos é pertinente salientar que o direito de recorrer em favor da Recorrente não é somente um direito processual, mas sim e sobretudo, constitucional. 16 – Nesta dogmática sob o indissociável princípio da legalidade e inexistindo obstáculo na ritualística processual, o recurso é admissível em quaisquer circunstâncias, a fim de garantir o acesso ao direito e o duplo grau de jurisdição. 17 – A ilustre jurista Paula Marques de Carvalho[2], consubstancia tal entendimento: “assim, não obstante poder existir disposição legal que determine o contrário, a regra é a da recorribilidade das decisões judiciais”. 18 – José da Consta Pimenta[3], explica para não deixar qualquer margem de dúvida, acerca da possibilidade recursal ou não, a lei preconizou o princípio da legalidade como triagem no que concerne à admissibilidade do recurso, onde, se a situação não for irrecorrível a mesma é contestável pela via recursal: Vigora o princípio da legalidade, ou seja, onde a irrecorribilidade não se encontrar expressamente prevista na lei, a decisão é impugnável mediante recurso. Em certas situações, aliás, para que não houvesse dúvidas, a lei prescreve a possibilidade de recurso. 19 – Por último, além de o recurso ser perfeitamente cabível, a Recorrente tem legitimidade para o interpor nos moldes do artigo 401º, n.º 1º, al b) do C.P.P.. 20 – Diante das razões alegadas, entendemos de forma irrefutável que o presente recurso e o recurso ordinário anteriormente indeferido são cabíveis, pelas razões abaixo sintetizadas: 20.1 – O artigo 437º, n.º 2 do CPP, positiva que cabe recurso extraordinário com base em contradição de decisões entre o Tribunal da Relação e o STJ; 20.2 – O artigo 399º do Código de Processo Penal prevê, que a decisão, acórdão ou despacho, cuja irrecorribilidade não for expressamente prevista, cabe recurso; 20.3 – Neste seguimento, o artigo 400º, o qual arremata as hipóteses de irrecorribilidade, não prescreve a impossibilidade de recorrer das decisões proferidas em sede de intervenção hierárquica; 20.4 – Portanto, agregando o artigo 399º ao 97º, n.º 3, ambos do C.P.P., concluímos que à luz do princípio da legalidade e do duplo grau de jurisdição, em conjunto com o direito ao acesso à justiça, do despacho proferido pelo Procurador Geral, em via de intervenção hierárquica, cabe recurso ordinário. 21 – A manutenção da decisão que indefere o Recurso Ordinário é antagônica aos princípios constitucionais instalados nos artigos 20º e 32º, n.º 1, ambos da CRP e persistir no indeferimento do recurso extraordinário é persistir no mesmo equivoco. 22 – Neste sentido, proceder pela inadmissibilidade do presente recurso é prestar serviço ao desprezo pela legalidade, sobretudo, violar o direito fundamental inalienável de acesso à justiça, considerando que todos os pressupostos recursais para o conhecimento deste instrumento processual estão preenchidos. II – DA MOTIVAÇÃO: 23 – A Recorrente foi condenada injustamente à prisão efectiva de 03 (três) anos, pena que cumpriu no Estabelecimento Prisional de Tires. 24 – Sucede que no decorrer do cumprimento da sua pena (injusta, ratifica-se), factos insólitos – por razões alheias à sua vontade - passaram a ocorrer contra a Recorrente, pelo que, a sua integridade física e psicológica foram lesadas e sua vida colocada em eminente perigo. 25 – Neste sentido, a Recorrente formalizou uma QUEIXA (fls.2 a 19) em conjunto com outros diversos elementos probatórios que constam nos autos, a fim de narrar pormenorizadamente toda violência empenhada contra si. 26– A prova efectiva de que a Recorrente teve a sua integridade física e por via de consequência psicológica transgredida, encontram-se nos RELATÓRIOS MÉDICOS (fls. 45 a 51), atribuindo materialidade - fumus commissi delicti - aos crimes em que a mesma traz aos autos. 27 – Com efeito, os factos denunciados pelo Recorrente configuram os crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos143º e 145º, números 1 al. a) e 2, ex vi, do art. 132º, n.º 2 al m), todos do Código Penal, denegação de justiça e prevaricação, p.p. e p.p. pelo art. 369º, n.º1 do Código Penal e de abuso de poder, p.p. pelo art. 382º do mesmo diploma legal. 28 – Entretanto, em que pese o robusto bojo probatório acostado aos autos – corroborado com o facto de que as diligências essenciais à descoberta da verdade real e que foram requeridas pela Recorrente, não foram produzidas – o Ministério Público arquivou o inquérito, de acordo com DESPACHO (fls.414 a 417). 29 – Chama-nos atenção o seguinte trecho referido despacho: “As diligências realizadas nos presentes autos não permitiram recolher provas suficientes que sustentem a prática por qualquer dos denunciados factos em investigação. A prova dos autos resume-se à versão dos factos apresentada pela denunciante”. 30 – Em que pese o inabalável respeito que temos pelo órgão ministerial, data maxima venia, discordamos da sua posição. 31 – Assim sendo, é de grande valia esclarecer que nem todas as diligências imprescindíveis à descoberta da verdade real foram realizadas, embora a Recorrente as tenha requerido. 32 – Por conseguinte, as provas dos autos não se resumem somente à versão dos factos narrados pela Recorrente, mas sim, os documentos periciais elucidam que a mesma de facto foi vítima de violência, o que, de modo algum se pode desprezar. 33 – Afinal, sob a nossa ótica jurídica, diante da materialidade delitiva, com fulcro no princípio do in dubio pro societate – dúvida em favor da sociedade -, o processo deveria ir à fase judicial, após a realização das diligências adiante solicitadas, a fim de ser evidenciada a credibilidade das queixas apresentadas pela Recorrente. 34 – Em prol de impugnar o supracitado DESPACHO (fls.414 a 417), a Recorrente apresentou INTERVENÇÃO HIERÁRQUICA (fls.425 a 426) ao abrigo do artigo 278º[4] do Código de Processo Penal, com o objectivo de quem fossem realizadas determinadas diligências, com o objectivo de comprovar o alegado e que o processo prosseguisse, a fim de que fosse feita a justiça. 35 – Entretanto, no DESPACHO (fls.432 a 436) o Procurador Geral da República, indeferiu a intervenção hierárquica confeccionada pela Recorrente, sob o mesmo argumento do representante do Ministério Público; ou seja, falta de prova indiciária. 36 – De outro ângulo, convém sublinhar que as diligências ora solicitas são justamente com a finalidade de colher mais prova judiciária e, consequentemente, para que a acusação fosse ofertada. 37 – É interessante notar que o próprio Procurador Geral da República reconhece que a Recorrente foi agredida, senão vejamos no 4º parágrafo da pág. 434 do DESPACHO: “É certo que, pelo menos por duas vezes, a queixosa foi observada nos serviços médicos do E.P de Tires e apresentava algumas lesões na face. No entanto, não se mostrou possível apurar a origem de tais lesões”. 38 – Diante desses factos é inadmissível – ou até mesmo surreal -, que dentro de um estabelecimento prisional, onde alguém está sob custódia do Estado seja vítima de agressão e não se tenha encontrado seus reais autores delituosos. 39 – Aliás, até onde se sabe, dentro das instituições do Estado – a exemplo, os estabelecimentos prisionais -, deve ter-se dois pressupostos indissociáveis: organização e fiscalização, e deve ainda, ter-se a atenção redobrada em casos de violação à integridade física e a dignidade humana, como é flagrante caso em questão. 40 – Portanto, a realização das diligências ora solicitadas são imprescindíveis à busca da verdade real e, por conseguinte, lograr a identificação dos responsáveis pelas agressões sofridas pela Recorrente. 41 – Por conseguinte, a fim de conseguir tal objectivo a Recorrente apresentou recurso ordinário para o Tribunal da Relação, o qual foi indeferido pelo juízo a quo. 42 – Entretanto, a Recorrente interpôs reclamação, cujo instrumento processual foi apreciado, porém, indeferido no seu meritum causae. 43 – Conforme o teor do ACÓRDÃO o Tribunal da Relação indeferiu a reclamação fulcrado nos seguintes fundamentos: (…) No que concerne aos despachos do Ministério Público, consagrou a possibilidade de reclamação hierárquica (quando entendeu que tal deveria ocorrer), de que são exemplos as situações enquadráveis nos arts. 278.º e 279.º, do Código de Processo Penal; no que respeita aos despachos judiciais, estipulou o recurso como forma de impugnação dos mesmos, dentro de determinados condicionalismos – arts. 399º. Assim, quando este preceito fala em despachos reportar-se exclusivamente aos que integram a previsão da alínea b), do n.º 1, do art. 97.º do Código de Processo Penal, ou seja, despachos judiciais. 44 – Com efeito, data maxima venia, ao ver desta defesa técnica, tal entendimento encontra-se plenamente equivocado, defasado e antagónico ao que permeia o entendimento soberano deste Supremo Tribunal de Justiça – de acordo com o que se explicará em tópico próprio. 45 – Preliminarmente pelo facto de que as normas processuais penais devem ser interpretadas à luz da Constituição da República Portuguesa. 46 – Neste cenário, consubstanciando os artigos 20º e 32º, n.º1, todos da CRP é notório que as decisões ou despachos são passíveis de recurso, tendo em vista o princípio do acesso à justiça e ao contraditório, do contrário, as normas processuais estariam a agir em conflito com a Carta Magna e, portanto, devendo ser reformadas. 47 – Ao abrigo do princípio da legalidade e com alicerce no artigo 399º do CPP, as decisões, sentenças, despachos e acórdãos, cuja irrecorribilidade não estiver prevista em lei, são passíveis de recurso. 48 – Por derradeiro, considerando que os actos decisórios do Ministério Público tomam forma de despacho, nos termos do artigo 97º, n.º 3 do CPP e da decisão da intervenção hierárquica, não existe proibição de recorrer, consoante a redação do artigo 400º do mesmo diploma legal, logo, não há proibição legal de recorrer da decisão que indeferiu o recurso hierárquico, sendo tal despacho impugnável por recurso ordinário. 49 – Portanto, a decisão que indeferiu a reclamação é manifestamente inconstitucional e, sobretudo, contrária ao entendimento do STJ, nomeadamente pelo facto de data maxima venia, transgredir princípios fundamentais que deveriam ser intangíveis. III – DA CONTRADIÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA ENTRE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: 50 – O ACÓRDÃO proferido no âmbito do processo n.º 3672/17.3T9LSB-A.L1, negou o provimento da reclamação com o argumento de que o despacho é impugnável pelo facto de que foi proferido pelo Ministério Público e não por via judicial. 51 – De outra sorte, em que pese as razões pormenorizadamente esboçadas, não existe óbice jurídico para o deferimento da reclamação que tem o objectivo de destravar o Recurso Ordinário. 52 – Portanto, de acordo com o que asseveramos anteriormente, os fundamentos que embasam a admissibilidade do recurso ora indeferido são: 52.1 – Os actos decisórios do Ministério Público tomam forma de despachos; 52.2 – Os despachos podem ser impugnados por via de recurso; 52.3 – A axiologia do Código de Processo Penal prevê que as decisões cuja irrecorribilidade não estiverem previstas em lei, logo, são recorríveis; 52.4 – Portanto, com fulcro no princípio da legalidade, os despachos que indeferem a intervenção hierárquica não estão previstos no rol de irrecorribilidade, sendo perfeitamente recorríveis. 53 – Neste cenário é importante concluir que o despacho que indefere a reclamação hierárquica é impugnável por via de recurso ordinário. 54 – Portanto, o acórdão ora confrontado violou os princípio do acesso à justiça e do contraditório, concatenados respetivamente nos artigo 20º, n.º 1 da e 32º, n.º1, ambos da CRP, posto que não aceitou o recurso da Requerente, no qual satisfaz todos os pressupostos de admissibilidade. 55 – Uma vez transgredido tal postulado constitucional, o Tribunal da Relação de Lisboa, data maxima venia, portou-se de forma conflitante com o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça[5]: (…) VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa (…). 56 – E ainda, permeia o STJ[6]: (…) VIII - Esta interpretação do art. 278.º do CPP não afronta o disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 7, da CRP, dado que se entende que o assistente tem ao seu dispor a possibilidade de, por meio rápido e eficiente, impugnar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito, e, se não tiver usado desse direito, pode ainda eventualmente ver consagrada a sua pretensão de acusação por via da intervenção do imediato superior hierárquico do autor do despacho. 57 – Portanto, há manifesta contradição entre a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e o STJ, devendo preponderar o entendimento deste último. IV – CONCLUSÕES: 58 – Diante do exposto, conclui-se: a) Estão preenchidos os pressupostos de admissão do presente recurso extraordinário; b) O recurso ordinário intentado contra a decisão de arquivamento do inquérito é perfeitamente admissível, nos termos dos artigos 97º, n.º 3, 399º, 401º, n.º1, al. b), 414º, n.º1, todos do Código de Processo Penal e artigo 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser admitido e ao final procedente; c) Trata-se de um direito constitucional da recorrente, nos termos do artigo 32, n.1 do CRP e de acesso à justiça, nos termos do artigo 20º, n.º 1 do mesmo diploma legal; d) A falta de previsão legal não é obstáculo para sua não admissão, nos moldes da legislação vigente; e) A decisão do Tribunal da Relação que indeferiu a Reclamação é conflitante que o entendimento do STJ, nomeadamente, no que concerne ao direito de recorrer das decisões, acórdãos e despachos, sob a égide do artigo 32º, n.º 1, 20º, n.º1, ambos da CRP. V – DOS PEDIDOS: 59 – Diante do exposto, requer-se a Vossas Excelências: a) A admissão do presente recurso, nos termos dos artigos 437º, n.º1, 97º, n.º 3, 399º, 401º, n.º1, al. b), 414º, n.º1, todos do Código de Processo Penal e artigo 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, com subida imediata ao Superior Tribunal de Justiça; b) A procedência do presente recurso, no sentido de admitir o Recurso Ordinário interposto contra a decisão que arquivou o inquérito no processo principal, em homenagem aos preceitos constitucionais ora delineados. *** A fls. 13, em 21-01-2020, foi proferido despacho a solicitar os autos de reclamação à 1.ª instância, a título devolutivo, ordenando-se o cumprimento do disposto no artigo 439.º do CPP. *** Mostra-se junta certidão do despacho da Exma. Vice-Presidente da Relação de Lisboa, proferido em reclamação nos termos do artigo 405.º do CPP, ora decisão recorrida, de fls. 3 a 4. *** Notificada nos termos do artigo 439.º, n.º 1, do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa, veio apresentar douta resposta, de fls. 15 a 18, que se transcreve: “Questão Prévia: O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência vem interposto pelo recorrente, invocando verificar-se oposição de uma Decisão proferida nos autos de reclamação n.º 3672/17.3T9LSB-A.L1-A, como Decisão recorrida proferida a 11.12.2019, transitada em julgado e como Acórdão fundamento os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no Proc.º n.º130/10.0GCVIS.Cl.S e no Proc.º nº 06P4597. “I- Nos termos do art. 437° do CPP, são pressupostos da interposição do recurso para fixação de jurisprudência que: i) os dois acórdãos em conflito do STJ do da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, "quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida" (n.º 3 do preceito citado); ii) os dois acórdãos em conflito do STJ ou da Relação se refiram à mesma questão de direito; iii) haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas” (n.º 1 do art. 437° do CPP). II - Para que a interposição de recurso seja aceite é ainda necessário que: iv) o recorrente identifique “o acórdão (fundamento) com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição”, bem como, no caso de aquele estar publicado, o lugar da publicação (art.438°, n.° 1 do CPP); v) haja trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito (art. 437°, n .°s 1 e 4, do CPP) e vi) a interposição do recurso seja realizada no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão (recorrido) proferido em último lugar (arts. 438°, n.º 1, do CPP); vii) haja justificação da oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência (art. 438°, n.º 2, in fine, do CPP). III - A estes pressupostos a jurisprudência do STJ tem acrescentado outros dois: viii) identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito (dado que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas) e ix) necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objecto de decisão expressa (ou seja, as soluções em oposição têm que ser expressamente proferidas em cada uma das decisões).”. Ainda, de acordo com o Ac. do S.T.J. proferido no Proc.ºn.°272/03.9TASX-3.ª secção. I - Da conjugação dos arts. 437.° e 438.°, ambos do CPP decorre que a lei processual penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos formais e substanciais. Resulta expressamente do art. 438.°, n.°2, do CPP (norma excepcional que impõe, define e delimita os termos da motivação), que a verificação da oposição de julgados só pode ter por objecto duas decisões precisas e concretas - o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – que permitam a comparação dos pressupostos de facto através da identificação da mesma situação que constitua a base da decisão da mesma questão de direito. II - A jurisprudência do STJ vem afirmando, desde há muito, de forma unânime, que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal do recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão de fundamento conduz à rejeição do recurso, não havendo lugar ao convite para correcção. III - Constatando-se que no requerimento de interposição de recurso de fixação de jurisprudência, o requerente indicou sobre a mesma matéria de direito dois acórdãos fundamento, quando é certo constituir condição necessária a indicação de um só, o requerimento de interposição de recurso não se encontra motivado de harmonia com as exigências expressas no n.° 2 do art. 438.° do CPP, o que implica a sua rejeição, por inadmissibilidade, nos termos do art. 441.°, n.° 1, do CPP, não sendo caso de convite. Ora, um dos pressupostos para a fixação é haver oposição entre dois Acórdãos, o que não se verifica no caso, pois estamos perante uma Decisão proferida no âmbito de uma reclamação de um despacho que não admitiu o recurso de uma decisão de um Procurador da República que manteve o despacho de arquivamento dos autos, proferido pelo M.ºP.º e não de um Acórdão. Por outro lado não pode indicar dois Acórdãos para servir de fundamento, mas apenas um. De qualquer forma sempre se dirá que não estão reunidos os pressupostos para a fixação requerida. Para além de não haver dois Acórdãos não existe qualquer oposição entre a decisão recorrida e os Acórdãos indicados como fundamento Desde logo, a matéria de facto não é a mesma nem idêntica, antes oposta. Não há, pois, uma mesma questão, analisada de forma contraditória. Existem sim, duas situações de facto diferentes, apreciadas e valoradas pelos tribunais, de acordo com a realidade objectiva de que cada um. Resulta, pois, claro, que os Acórdãos Fundamento (13/10 e 06P4597) e a Decisão Recorrida não se pronunciam sobre a mesma situação fáctica. Termos em que se conclui pela não verificação dos requisitos legais previstos nos art.s 437° 438.° do C. de Processo Penal, por não existir dois acórdãos, mas sim uma decisão e um acórdão, por não existir identidade das situações de facto subjacentes a cada uma das (decisão recorrida e acórdãos fundamentos). Não estamos, pois, perante dois Acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas e também por terem sido indicados dois Acórdãos como fundamento. O que determina a rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos arts. 414º n.º 2, 420° n.º 1 al. b), 437º n.º 1, e 438.º n.º 2 do C. de Processo Penal. Termos em que se tem de concluir pela não verificação dos requisitos legais previstos no art. 437° e 438.° do C. de Processo Penal, por não estarmos perante dois Acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas e por terem sido indicados dois Acórdãos fundamento, o que constitui causa de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos arts. 414º n.º 2 e 420º n.º 1 al. b), do C. de Processo Penal. *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, na vista a que alude o artigo 440.º, n.º 1, do CPP, emitiu douto parecer de fls. 22 a 28, afirmando ocorrerem obstáculos de ordem legal a que o recurso possa ser admitido para ser apreciado, concretizando: “6- Com efeito: a) A decisão recorrida não é um acórdão – decisão colegial – mas uma decisão singular da Senhora Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa proferida em sede de apreciação de reclamação prevista no art. 405, do CPP, que manteve a decisão de não admissibilidade do recurso interposto. b) A recorrente indica que aquela decisão está em contradição com dois acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal. c) Identifica esses acórdãos indicando apenas o nº do processo em que os mesmos terão sido proferidos. d) E transcreve dois pequenos extractos, aparentemente dos respectivos sumários - “(…) VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa (…)” e “(…) VIII - Esta interpretação do art. 278.º do CPP não afronta o disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 7, da CRP, dado que se entende que o assistente tem ao seu dispor a possibilidade de, por meio rápido e eficiente, impugnar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito, e, se não tiver usado desse direito, pode ainda eventualmente ver consagrada a sua pretensão de acusação por via da intervenção do imediato superior hierárquico do autor do despacho”, respectivamente - concluindo que “há manifesta contradição entre a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e o STJ, devendo preponderar o entendimento deste último”. 7 - Assim, não pode deixar de se concluir que o recurso não observa os pressupostos para que possa ser admitido e apreciado. Desde logo, porque não estamos perante dois acórdãos em oposição – o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – mas entre uma decisão singular e dois acórdãos fundamento. Segue sumário do ac de 23-11- 2008 processo 07P4722 8 - Por outro lado, dos excertos transcritos pela recorrente na motivação do recurso não é possível extrair qual a questão de direito que em concreto esteve em causa em cada um dos arestos. Mas basta ler a totalidade do sumário de cada um dos acórdãos indicados como fundamento para concluir que a questão colocada na decisão recorrida não é objecto de nenhum deles. (…) A questão da recorribilidade ou irrecorribilidade dos despachos do Mº Pº, questão fulcral da decisão recorrida, não constitui objecto de nenhum dos acórdãos indicados como fundamento, pelo que não se verifica «oposição de julgados». (…) Ora, como se disse atrás, a questão que constitui objecto da decisão recorrida não é sequer abordada, nem tinha que ser porque não faz parte do objecto dos respectivos recursos, nos acórdãos fundamento, não podendo, por isso, afirmar-se, sequer, como faz a recorrente, que aquelas decisões são «conflituantes» e que «há manifesta contradição» entre elas. * Em conformidade com o exposto, consideramos não estarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 437.º do CPP, pelo que somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”. *** Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** Apreciando. Extrai-se do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de Dezembro de 2012, no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, desta 3.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente”. Referindo igualmente o presente recurso como recurso categorialmente designado como “normativo”, que não tem por objecto a decisão de uma questão ou de uma causa, mas apenas a definição do sentido de uma norma – no rigor, a construção jurisprudencial de uma norma ou quase-norma perante divergências de interpretação – veja-se o acórdão de 21 de Março de 2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD.S1, desta 3.ª Secção. Nesta perspectiva tinha-se já pronunciado o acórdão de 14 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 1421/10.6PBSTB.S1, desta 3.ª Secção, nestes termos: “Ao atribuir uma determinada interpretação à norma, e essa interpretação reveste uma natureza geral e abstracta, o acórdão de uniformização de jurisprudência assume uma leitura normativa como adequada. Essa interpretação tem por objecto uma norma, sendo certo que, como de modo constante e uniforme tem entendido o TC, para tal efeito há-de operar-se com um conceito funcional de norma, um conceito funcionalmente adequado àquele sistema fiscalizador e consonante com a sua justificação e sentido. O que ali se tem em vista «é o controle dos actos do poder normativo do Estado (lato sensu) –, e em especial do poder legislativo – ou seja, daqueles actos que contêm uma “regra de conduta” ou um “critério de decisão” para os particulares, para a Administração e para os tribunais. A uniformização de jurisprudência fixa uma das várias interpretações possíveis da lei, cria a norma correspondente, para depois fazer aplicação dela ao caso concreto. Assim, a uniformização traduz a existência de uma norma jurídica elegendo uma determinada interpretação que, em princípio, se impõe genericamente, o que implica, quanto a ela, seja possível o accionamento do processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade. No caso, a invocação de uma pretensa inconstitucionalidade deveria ter-se concretizado através do meio processual adequado, que não é o presente recurso”. *** O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários. Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1996, proferido no processo n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143, face à natureza excepcional do recurso, a interpretação das normas que o regulam deve fazer-se apertis verbis, ou seja, com o rigor bastante para o conter no seu carácter extraordinário e não o transformar em mais um recurso ordinário na prática. Ou, como se refere no acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2003, proferido no processo n.º 1775/02, da 5.ª Secção, que citámos no acórdão de 12 de Março de 2008, no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253 (5) e no acórdão de 19 de Março de 2009, processo n.º 306/09-3.ª Secção, sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras deste recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade. Como referia o acórdão de 8 de Março de 2007, proferido no processo n.º 325/07, da 5.ª Secção “Quando se entra no domínio dos recursos extraordinários todos estarão cientes de que o trilho é excepcional, não apenas quanto à sua emergência e tramitação, como no rigor das suas exigências formais para com todos os sujeitos processuais”. No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 604/07-5.ª Secção; de 05-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2566/07-3.ª Secção; de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção; de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª Secção; de 12-03-2008, por nós relatado no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, processo n.º 804/08-3.ª Secção; de 19-03-2009, por nós relatado no processo n.º 306/09; de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª Secção; de 11-05-2011, processo n.º 89/09.7GCGMR-A.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento deste STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes por essa excepcionalidade); de 20-10-2011, processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S1, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade); de 30-01-2013, por nós relatado no processo n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª Secção; de 21-10-2015, por nós relatado no processo n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª Secção; de 20-04-2016, processo n.º 22/03.0TELSB.L1-A.S1-3.ª Secção; de 21-09-2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª Secção; de 9-11-2016, no processo n.º 196/14.4JELSB-G-L1.S1; de 19-04-2017, no processo n.º 175/14.1GTBRG.G1-A.S1; de 27-04-2017, no processo n.º 559/14.5TABRG.G1-A.S1; de 15-11-2017, no processo n.º 3737/09.5TDLSB.L2.E1-B.S1; de 11-04-2018, no processo n.º 324/14.0TELSB-V.L1-A.S1; de 13-09-2018, no processo n.º 833/03.6TAVFR.P4.S1-B; de 12-12-2018, no processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1; de 2-10-2019, no processo n.º 3773/12.4TBPTM.E1-A.S1; de 30-10-2019, processo n.º 324/14.0TELSB-N.L1-D.S1 e n.º 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1; de 11-12-2019, processo n.º 224/19.7SILSB.L1-A.S1, sendo os últimos onze por nós relatados. *** Os pressupostos de prosseguimento do presente recurso decorrem, no essencial, do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP. Estabelece o artigo 437.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela 15.ª alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29-08, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor em 15-09-2007, e intocado nas subsequentes alterações: 1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. *** Nos termos do n.º 1 do artigo 438.º do mesmo Código, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. O n.º 2 do mesmo preceito contempla a necessidade de observância de determinados requisitos, como o recorrente identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, devendo justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência. O “Assento” n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Maio de 2000, fixou jurisprudência no sentido de que, no requerimento de interposição de recurso deveria constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 438.º, o sentido em que deveria fixar-se a jurisprudência cuja fixação era pretendida. O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006, que reputou ultrapassada a jurisprudência assim fixada, procedeu ao seu reexame, e fixou-a no sentido de que no requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência. Sendo basicamente necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas, o artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso. *** Da legitimidade Verifica-se no caso em apreciação, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, a legitimidade da recorrente, assistente que pretende impugnar despacho de arquivamento de inquérito por si promovido. Da tempestividade Vejamos se é tempestivo o recurso. O requerimento de interposição do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência foi entregue na Relação de Lisboa em 20 de Janeiro de 2020, conforme certidão de fls. 2. Apenas certifica que o despacho recorrido de 11-12-2019, foi notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo electrónico em 13-12-2019 e por via electrónica em 12-12-2019 ao Mandatário da recorrente. A decisão considerou-se notificada em 16 de Dezembro de 2019, de acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 12, do CPP. Não admitindo o despacho recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, poderia a recorrente arguir nulidade, ou pedir esclarecimento ou correcção, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CPP, ou recorrer para o Tribunal Constitucional, para o que teria o prazo geral de 10 dias – artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Setembro. Presumindo-se notificado o acórdão em 16-12-2019, começando a correr o prazo de 10 dias, a partir de 17-12-2019, com termo final em 8-01-2020, nesta data verificou-se o trânsito em julgado, de acordo com o disposto nos artigos 104.º e 105.º do Código de Processo Penal e artigo 138.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no n.º 1 daquele artigo 104.º. O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa, como já se viu, em 20 de Janeiro de 2020. Sendo fundamento do prosseguimento dos autos a interposição nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido (ora despacho), tal requisito mostra-se preenchido, pois o recurso deu entrada com observância daquele período temporal. Há que concluir, portanto, que o recurso é tempestivo. Oposição de julgados Para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão - fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos, que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1989, in AJ, n.º 2, «É indispensável para se verificar a oposição de julgados: a) – que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito; b) – que as decisões em oposição sejam expressas (e não implícitas); c) – que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.
Apreciando. A decisão recorrida A decisão recorrida proferida pela Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de Dezembro de 2019, é do seguinte teor: “AA, assistente nos autos, reclama, ao abrigo do disposto no art. 405°, do CPP, do despacho proferido em 2/10/2019, que não lhe admitiu o recurso por si interposto da decisão do Sr. Procurador da República, que manteve o despacho de arquivamento dos autos, com fundamento na sua irrecorribilidade, por se tratar de despacho não judicial. Conhecendo. Pretende a reclamante recorrer da decisão do Sr. Procurador da República, de 15/7/2019, que manteve o despacho de arquivamento dos autos, proferido pelo MP em 14/5/2019. Porém, como bem refere o tribunal a quo, de tal decisão não é admissível recurso, por não se tratar de uma decisão judicial. Dos despachos proferidos pelo MP apenas cabe reclamação hierárquica ou requerimento de abertura de instrução, nos casos expressamente previstos na lei. Conforme foi decidido por esta Relação nos autos de Reclamação com o n.° 720/09, da 5.ª Secção, “(...) recorríveis são apenas os despachos judiciais e não os proferidos pelo Ministério Público, relativamente aos quais a lei consagrou um sistema diverso de impugnação, por via hierárquica. A razão de ser de tal diferença de tratamento assenta desde logo na diferente concepção constitucional que o legislador constituinte deu às duas magistraturas (como resulta da leitura dos artgs. 202.º a 224. °, da CRP), sendo que enquanto a judicatura se caracteriza fundamentalmente pela sua independência, o Ministério Público tem a sua “pedra de toque” na sua autonomia. Com efeito, o Ministério Público é um órgão autónomo de administração da justiça, caracterizado pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade, estando contudo os Magistrados que o integram sujeitos a forte hierarquia, o que implica, a um tempo, que as suas decisões (que em sede penal assumem a forma de despachos — art.° 97. °, n.° 3, do CPP) sejam, por um lado, passíveis de reclamação hierárquica e, por outro, insusceptíveis de recurso para os tribunais, dado que a permitir-se tal isso representaria uma intromissão do poder judicial na aludida autonomia do Ministério Público. Como refere, e bem, Paulo Pinto de Albuquerque “O CPP prevê, em várias disposições, o poder do imediato superior hierárquico de fiscalização, controlo e revisão das decisões do inferior hierárquico, quer oficiosamente quer a requerimento do interessado (art ° 162. º n.º 3, directamente aplicável aos peritos e aos intérpretes ex vi do art. ° 92.º. n.º 8, bem como artgs. 278.º, n.º 1, e 279. °, n.° 2, todos do CPP). Estas disposições reflectem um poder funcional genérico inerente à posição do superior hierárquico (artgs. 56. °, n.º 1, al. b), 58. °, n.º 1, al a), 61. °, 63. °, n.°1, al c), EMP). Este poder funcional genérico tem duas vertentes: uma processual e outra estatutária. As referidas previsões normativas do CPP constituem a vertente “processual” do poder funcional genérico inerente à posição do superior hierárquico, isto é, prevêem a intervenção hierárquica nos termos da lei de processo. Mas o poder do superior hierárquico não se esgota nesta vertente. (...).“ Do que se deixa dito decorre a seguinte conclusão: pese embora o legislador processual penal tenha, num caso, dado a mesma designação aos actos decisórios dos juízes (al. b), do n°1, do art.°97.°do Código de Processo Penal) que deu aos actos decisórios do Ministério Público (n.º 3 do mesmo preceito legal) despachos -, o que é certo é que previu formas distintas de sindicar tais decisões. No que concerne aos despachos do Ministério Público, consagrou a possibilidade de reclamação hierárquica (quando entendeu que tal deveria ocorrer), de que são exemplos as situações enquadráveis nos arts. 278.º e 279.º, do Código de Processo Penal; no que respeita aos despachos judiciais, estipulou o recurso como forma de impugnação dos mesmos, dentro de determinados condicionalismos — arts. 399.º. Assim, quando este preceito fala em despachos reporta-se exclusivamente aos que integram a previsão da alínea b), do n.° 1, do art.° 97.° do Código de Processo Penal, ou seja, despachos judiciais.” Assim sendo, o recurso é inadmissível, tal como considerado pela 1.ª instância. Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 405.°, n.° 4, do CPP. Custas a cargo da reclamante. Notifique-se”. Analisando. Desde logo há que dizer que estando em causa como fundamento do presente recurso a recorribilidade de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, há que olhar os seguintes preceitos do Código de Processo Penal. Artigo 97.º Actos decisórios 1 – Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior. 2 – Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial. 3 – Os actos decisórios do Ministério Público tomam aforma de despachos. Artigo 399.º Princípio geral É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Artigo 405.º Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso 1 – Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige. 4 – A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso. Em vez de um acórdão recorrido vem no presente caso impugnado um despacho judicial proferido em sede de reclamação nos termos do artigo 405.º do CPP. A decisão que, ao decidir reclamação interposta de despacho que não admite recurso confirma o não recebimento de recurso, é inimpugnável, porque definitiva. E não pode ser impugnada por via de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, porque se trata de um despacho judicial, de uma decisão singular, e não de um acórdão, como o exige o artigo 437.º do CPP. Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2013, processo n.º 2717/08.2TASTB.E1-A.S1 - 3.ª Secção, versando os requisitos deste recurso, são requisitos de ordem substancial: a existência de oposição entre dois acórdãos do STJ ou entre dois acórdãos da Relação ou entre um acórdão do STJ e outro da Relação; a oposição referir-se a matéria de direito no domínio da mesma legislação; as decisões em oposição serem expressas e não meramente implícitas; a oposição referir-se à própria decisão e não aos seus fundamentos; a identidade fundamental da matéria de facto.
Está vedado o uso deste recurso extraordinário relativamente a: Decisões singulares – Acórdão de 22-10-2015, processo n.º 789/12.4PFPRT-B.P1-A.S1 5.ª Secção - O artigo 437.º do CPP exige como pressuposto para o recurso para fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito, pelo que, estando em causa duas decisões singulares, não é o mesmo admissível. A este propósito o TC, no seu acórdão 168/2003, considerou resultar claramente que a lei, no citado preceito legal, só permite o recurso para fixação de jurisprudência quando se encontrem em oposição acórdãos do STJ ou da Relação. Decisões sumárias – Acórdão de 29-10-2015, processo n.º 4/07.2GCOVR-A.S1 5.ª Secção – Impõe-se rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido (art. 441.º, n.º 1, por referência ao art. 437.º, n.º 1, ambos do CPP), por via da sua inadmissibilidade, consubstanciada no não preenchimento do pressuposto atinente à necessidade de as decisões, alegadamente em oposição, tratarem-se de acórdãos (na acepção decorrente do disposto no art. 97.º, n.º 2, daquele diploma), logo de decisões colegiais, no caso do STJ, e não de decisões singulares, como sucede com a decisão recorrida, que, constitui uma decisão sumária proferida pelo Relator nos termos do art. 417.º, n.º 6, do CPP. Acórdãos proferidos em 1.ª instância – Acórdão de 20-11-2013, proferido no processo n.º 432/06.0JDLSB-Q.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: “A lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial – arts. 437.º, n.ºs 1 a 3, e 438.º, n.º s 1 e 2, do CPP. Entre os requisitos de natureza substancial, conta-se a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. Os acórdãos proferidos em 1.ª instância não constituem pressuposto do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência”. O Tribunal Constitucional abordou um caso similar ao presente no Acórdão n.º 168/2003, de 28 de Março de 2003, proferido no processo n.º 695/02, da 3.ª Secção, em que estava em causa um recurso interposto por uma Câmara Municipal para o Tribunal da Relação de Lisboa de uma sentença proferida em processo crime, onde se constituiu assistente, sendo o recurso objecto de despacho judicial de não admissão, tido por manifestamente extemporâneo. Inconformada, reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 405.º do CPP, tendo sido negado provimento. Deste despacho foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que o julgou manifestamente infundado pelo acórdão n.º 239/2002, de 29-05-2002. Notificada, a assistente dirigiu-se ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, e do despacho que o não admitiu, foi deduzida reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação. Dessa decisão a Câmara Municipal interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 437.º do CPP, quando interpretada como foi no despacho recorrido, ou seja, no sentido da inadmissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando a oposição de julgados se materializa, não entre acórdãos, nos termos nela previstos, mas entre um acórdão da Relação e um despacho do Presidente da Relação, proferido, nos termos do n.º 4 do artigo 405.º do CPP. O “conflito jurisprudencial” relevante sempre foi, no nosso ordenamento jurídico – quer em processo penal, quer em processo civil – um conflito de acórdãos e não uma mera colisão entre soluções constantes de quaisquer outras decisões judiciais, ainda que processualmente definitivas, por inatacáveis em via de recurso ordinário (v.g., a sentença proferida em 1.ª instância e insusceptível de recurso ordinário). Foi então ponderado que, na especificidade do concreto caso, há a considerar que se está perante um recurso interposto pelo assistente, o que, desde logo, não coloca o problema das garantias de defesa, mas sim o do direito de acesso à justiça pelo assistente, como recorrente. E ainda: “A solução acolhida não viola, na realidade, nem o direito de acesso à justiça – que não comporta um irrestrito direito de aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, muito menos por via de recurso extraordinário – nem o princípio da igualdade, já que não se recorta como solução legislativa arbitrária ou discricionária condicionar o acesso aos meios de uniformização de jurisprudência a uma efectiva colisão de acórdãos, e não (também) de outras decisões judiciais, mesmo que definitivas, por insusceptíveis de impugnação ordinária”. E invocando a anterior orientação jurisprudencial, que é considerada correcta (Acórdão n.º 247/97, publicado no Diário da República, II Série, de17-05-1997), negou provimento ao recurso. Do acórdão fundamento único A recorrente funda o presente recurso na oposição entre o despacho da Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, indicados como acórdãos fundamento, a saber acórdãos de 17-01-2007, proferido no processo n.º 4597/06 e de 21-12-2011, proferido no processo n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1, ambos da 3.ª Secção. Este Supremo Tribunal tem entendido, no quadro da já assinalada excepcionalidade deste recurso extraordinário, a necessidade de indicar-se um único acórdão fundamento, como já defendemos nos acórdãos por nós relatados de 5 de Setembro de 2007, processo n.º 2566/07, de 12 de Março de 2008, processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254, de 20 de Abril de 2016, processo n.º 22/13.0TELSB.L1-A.S1, de 21 de Setembro de 2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1, de 12 de Dezembro de 2018, processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1, e mais recentemente, de 30-10-2019, processo n.º 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1 e de 11-12-2019, processo n.º 224/19.7SILSB.L1-A.S1, cujos textos ora se seguirão. Como se refere nos acórdãos de 20-01-2005, processo n.º 3659/04-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 175 (convocando acórdão de 10-10-2002, relatado pelo mesmo Relator no processo n.º 2354/02) e de 08-03-2007, processo n.º 325/07-5.ª Secção, “a exigência de confrontar apenas dois acórdãos - o recorrido e o fundamento - assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando são apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença”. É jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal deste recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão fundamento conduz à rejeição do recurso – acórdãos de 17-11-1994, proferido no processo n.º 41.783, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254; de 16-10-1996, processo n.º 47.957-3.ª Secção, em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Gabinete de Assessoria, n.º 4, Outubro de 1996, pág. 81/2 (O facto de o recorrente haver indicado dois acórdãos contendo soluções opostas sobre a mesma questão de direito em confronto com o acórdão recorrido, impede que possa considerar-se como verificada qualquer oposição de acórdãos, em virtude de não se saber qual dos indicados acórdão deverá ser escolhido para servir de fundamento, já que não compete a este Supremo Tribunal a sua escolha. Ocorrendo esta hipótese, o recurso terá de ser rejeitado, em obediência ao disposto no art. 441.º, n.º 1, do CPP); de 12-03-2003, processo 4623/02-3.ª Secção; de 27-11-2003, processo 465/02-5.ª Secção; de 03-12-2003, processo 3161/03-3.ª; de 27-04-2005, processo n.º 3657/04-3.ª; de 05-05-2005, processo n.º 1552/05-5.ª; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 14-12-2005, processo n.º 3602/05-3.ª; de 04-01-2006, processo n.º 3786/05-3.ª; de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª; de 30-11-2006, processo n.º 4334/06-5.ª Secção e de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção. Tal doutrina sempre foi uniforme, como dá conta o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 41.783, publicado na CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254, de que se passa a citar o seguinte trecho: “… desde o primeiro Assento proferido por este Supremo Tribunal (Assento de 16 de Dezembro de 1927, no Diário do Governo, II série, de Janeiro de 1928), tem sido uniforme o entendimento de que, para formulação de um Assento, quer de natureza civil, quer de natureza penal, nos termos do Código do Processo Penal de 1929 e da legislação anterior que o antecedeu e o preparou, e relativamente ao concreto ponto de direito que se diz ter sido decidido em sentidos opostos, é indispensável que se indiquem o acórdão recorrido e um só acórdão que com ele esteja em oposição, uma vez que, se assim não for feito, se não poderá considerar como válida e processualmente relevante, a indicação de vários acórdãos fundamento sobre o mesmo ponto de direito, e, em consequência, não poderá ter adequado andamento o recurso para fixação de jurisprudência”. Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, págs. 1439-1440, comentando o artigo 437.º, aduz: “Não sendo cumpridas as exigências previstas no artigo, não há lugar a «convite» aos recorrentes, para suprir a falha. Por um lado, porque o processo penal não alberga, muito menos em termos genéricos, um qualquer princípio geral de «convite» à correcção ou aperfeiçoamento das peças processuais defeituosas. Tal como se expressam Simas Santos e Leal – Henriques (Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., págs. 180), o requerimento de interposição do recurso extraordinário de que se fala há-de satisfazer imperativamente as exigências formais referidas, nomeadamente do artigo 438.º, n.º 2, citado. Sem hipóteses de emenda por via de convite. «(…) O que leva a concluir que a ideia do convite para colmatar omissões não flua claro do diploma, como sucede em processo civil. Muito pelo contrário: há até neste novo ordenamento processual penal uma linha de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso de esforço que lhes é pedido. Ora, o requerimento tem como único escopo o estabelecimento da oposição relevante dos dois acórdãos (fundamento e recorrido), pelo que o incumprimento das regras da sua elaboração não se traduz numa falha menor, mas na sua falência total». Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Abril 2011, pág. 1193, indica que não pode ser invocado mais do que um acórdão fundamento, citando o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994 e o acórdão por nós relatado em 12-03-2008 no processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254. No caso sujeito a apreciação a recorrente indica os apontados dois acórdãos fundamento, sendo de rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP. Nestes casos, como tem decidido igualmente de forma uniforme o Supremo Tribunal, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque como se diz de forma clara no acórdão de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª Secção, já referido, a lei não contempla a hipótese, de resto, numa atitude de rigor, típica dos interesses específicos do processo penal, associada à ideia reinante no nosso ordenamento jurídico-processual de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com as atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso do esforço que lhes é pedido, com as quais se não condescende - cfr. os acórdãos supra referidos e ainda de 13-01-2005, processo n.º 2809/04-5.ª Secção, o já citado acórdão de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178, onde se refere que a indicação de um (único) acórdão fundamento, transitado em julgado, constitui um pressuposto fundamental do recurso extraordinário, que devendo constar do requerimento de interposição (art. 438.º, n.º 2, do CPP), não poderá ser corrigido. No caso, o requerente não indicara qualquer acórdão que estivesse em divergência com o acórdão recorrido (acórdão fundamento), não podendo valer como indicação a simples remissão para o texto e para as indicações jurisprudenciais constantes do acórdão recorrido. Foi ponderado: “A possibilidade de completar as conclusões, quando contenham deficiências, não abrange a superação de deficiências ou omissões do próprio requerimento ou da motivação”, pelo que, a referida deficiência, insusceptível de correcção por afectar o requerimento (e a motivação) e não só as conclusões, determina a rejeição do recurso, nos termos dos arts. 411.º, n.º 3, 412.º, n.º 1, 414.º, n.º 2, 437.º, 438.º e 448.º, todos do CPP, aqui convocando o acórdão do STJ de 27 de Abril de 2005, processo n.º 3657/04; de 26-04-2007, processo n.º 604/07-5.ª Secção, de 05-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2566/07-3.ª, e já no domínio da nova redacção de 2007, o acórdão de 14-11-2007, processo 3854/07-3.ª Secção e de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª Secção. Como se referiu no acórdão de 12-03-2008, por nós relatado no processo n.º 407/08, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade – assim, acórdão de 23-01-2003, processo n.º 1775/02-5.ª Secção. Extrai-se do acórdão de 15-06-2011, proferido no processo n.º 344/04.2GTSTR.S1.A-3.ª Secção, com um voto de vencido: A norma do artigo 440.º do CPP, que estrutura este recurso extraordinário, não prevê o recurso à correcção consentido no art. 417.º, n.º 3, do mesmo diploma (ainda que com a limitação do n.º 4 que restringe a possibilidade de correcção ao texto da própria motivação do recurso). Ao não indicar um acórdão que se encontre em oposição com o recorrido, mas nove, o recorrente não observa os requisitos a que está sujeito o requerimento de interposição do recurso para fixação de jurisprudência, o que determina a sua rejeição liminar. Essa rejeição liminar, sempre que é excedida a unidade de acórdão-fundamento, tem plena conformidade constitucional, não violando o princípio de acesso ao Direito e à Justiça plasmado no art. 20.º da CRP (cf. Ac. do TC n.º 502/96, de 20-03-96, in DR II Série, de 27-02-1997). Segundo o acórdão de 29-06-2011, proferido no processo n.º 372/07.6TAALB.C1.A.S1, da 3.ª Secção: “Sempre que o recorrente indica, não um, mas três acórdãos, como fundamento de oposição viola o disposto no art. 437.º, n.º 1, do CPP, inviabiliza a análise, em concreto, da oposição de julgados, que terá de fazer-se a partir da apreciação da matéria de facto, da sua motivação de direito e do próprio teor de cada decisão. Sendo ónus do recorrente indicar o acórdão fundamento, não cabe ao STJ «escolher» um dos indicados, nem «convidar» o recorrente a corrigir ou aperfeiçoar a sua petição de recurso. Com efeito, a lei prevê apenas a possibilidade de tal «convite» no caso de a petição de recurso não conter conclusões ou não fazer as indicações referidas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º do CPP, conforme dispõe o art. 417.º, n.º 3, do mesmo diploma. A omissão pura e simples ou a indicação de várias decisões não identificam o acórdão escolhido para sustentar a oposição. Trata-se, pois, de falta de um requisito de admissibilidade do recurso e, como tal, insusceptível de suprimento através de «convite» endereçado pelo Tribunal, que, a efectivar-se, redundaria numa frontal violação do princípio da imparcialidade. Nesta conformidade, a não verificação de um requisito de admissibilidade do recurso (identificação do acórdão-fundamento), determina a sua rejeição liminar”. Neste sentido, pode ver-se o acórdão de 6-07-2011, proferido no processo n.º 127/08.0ECLSB.L1-A.S1, da 5.ª Secção. Refere o acórdão de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1-3.ª Secção: “Constitui infracção dos pressupostos legais deste recurso a invocação pelo recorrente de não apenas um acórdão, mas de dois acórdãos do STJ, pois não cabe a este Supremo Tribunal seleccionar qual o acórdão-fundamento que melhor serve os interesses do recorrente na demonstração da oposição de julgados. Extrai-se do acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD-3.ª Secção - Dos requisitos exigidos pelos artigos 437.º e 438.º do CPP resulta inequivocamente não ser possível invocar-se mais do que um acórdão fundamento e, muito menos, conhecer-se e decidir-se sobre questões plúrimas e diversas. Como acentua o acórdão de 12-06-2013, proferido no processo n.º 4629/07.8TDLSB.L1-B.S1-5.ª Secção, só pode ser indicado um acórdão - fundamento. Ponderou o acórdão de 19-06-2013, proferido no processo n.º 11197/10.1TDLSB.L1-A.S1-3.ª Secção, “Como resulta expressamente do art. 438.º, n.º 2, do CPP, a verificação da oposição de julgados só pode ter por objecto duas decisões precisas e concretas – o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – que permitam a comparação dos pressupostos de facto através da identificação da mesma situação que constitua a base da decisão da mesma questão de direito. Por isso, a indicação tem de ser (apenas) de um acórdão fundamento e não de uma pluralidade”. Segundo os acórdãos de 10-04-2014, processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1-3.ª Secção, e de 26-11-2014, processo n.º 742/11.5TACTX-B.S1, seguindo de perto os acórdãos de 19-06-2013 e de 27-11-2013, proferidos pelo mesmo Relator no processo n.º 140/08.8TAGVA.L1-A.S1 e no processo n.º 432/06.0JDLSB-P.S1, o recurso de fixação de jurisprudência exige a indicação de um só acórdão fundamento. “A norma do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é mais precisa do que a norma do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sendo norma excepcional que impõe, define e delimita os termos da motivação, que consta de requerimento de interposição de recurso, ao estabelecer que neste o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. Diferentemente do disposto no artigo 417.º, n.º 3 e 4, o artigo 440.º do CPP, que se refere ao exame preliminar, não prevê o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso – apenas prevê que o relator possa determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição –, nem consente tal aperfeiçoamento. Extrai-se do acórdão de 10-04-2014, processo n.º 1917/11.2TBVRL-B.S1 - 5.ª Secção: A indicação pelo recorrente (a quem cabe o ónus exclusivo de indicar o acórdão fundamento), não de um mas, de dois acórdãos fundamento, constitui deficiência que, atingindo, não apenas as conclusões mas também o próprio requerimento e até a motivação, tem feito determinada jurisprudência do STJ entender não ser susceptível de correcção ou aperfeiçoamento, através de convite, dirigido, com esse fim, ao recorrente e, como assim, constituir motivo de rejeição, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 441.º, n.º 1, e 437.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. Acresce que a expressão “soluções opostas” (requisito indispensável do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência – art. 437.º do CPP) pressupõe, não apenas que nos dois acórdãos, o recorrido e o fundamento, as situações de facto sejam idênticas mas, ainda que, em ambos, haja expressa resolução de direito, o que vale por dizer que os julgados antagónicos sejam, não meramente implícitos mas, expressos ou explícitos. Não se verificando aquele requisito no caso dos autos, temos ainda que as situações de facto desenhadas no acórdão recorrido e nos acórdãos fundamento não só não são idênticas como até resultam substancialmente diferentes. Do que decorre que, sendo distintas as situações de facto que estão na base das decisões prolatadas no acórdão recorrido e nos acórdãos indicados como fundamento, em igual perspectiva não foi, nestes, apreciada e resolvida, de forma expressa e explícita, a questão jurídica que, colocando-se directamente naqueloutro, a recorrente pretendia submeter a fixação de jurisprudência, o que vale por dizer a questão que, relativa ao exacto campo de aplicação da norma do art. 39.º da Lei 50/06, de 29-08, se prende com a suspensão da execução de coimas, das quais uma grave e outra muito grave, da responsabilidade de uma pessoa colectiva. Ora, a ser assim, inexistindo oposição de julgados, o recurso não pode prosseguir (art. 441.º, n.º 1, por referência aos arts. 437.º, n.ºs 1 e 2, e 438.º, n.º 2, todos do CPP). Consta do acórdão de 23-04-2014, processo n.º 828/11.6IDLSB.I1-A.S1 - 3.ª Secção, proferido pelo Relator do acórdão de 10-04-2014, no processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1: “É jurisprudência uniforme do STJ e do TC que o texto da motivação constitui um limite intransponível ao convite à correcção: sujeita como está a apresentação da motivação a um prazo peremptório, apresentada a mesma, esta não pode ser aditada, ser substituída por outra (mesmo parcialmente), através da correcção das conclusões, de matéria que o seu texto não contenha. Tal equivale a dizer que, se o texto da motivação de recurso não contém os elementos, tidos em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite para correcção, por não poderem nesse caso, ser aditados. A norma do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é mais precisa do que a norma do art. 412.º, n.º 1, do CPP. Enquanto que o art. 412.º, n.º 1, do CPP, determina que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, o n.º 2 do art. 438.º é uma norma excepcional que impõe, define e delimita os termos da motivação, que consta de requerimento de interposição do recurso, ao estabelecer que: no requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. Nesta sequência e, diferentemente do disposto no art. 417.º, n.ºs 3 e 4, o art. 440.º do CPP, que se refere ao exame preliminar, não prevê o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso – apenas prevê que o relator possa determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição –, nem consente tal aperfeiçoamento. No caso vertente, o requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência, não se encontra motivado de harmonia com as exigências expressas da lei o que, desde logo, resulta do facto de deduzir pretensão de que seja fixada jurisprudência em relação a duas questões de direito autónomas, o que não é admissível processualmente. De tal patologia deriva a circunstância de o recorrente se referir a dois acórdãos fundamento sendo certo que o recurso de fixação de jurisprudência exige a indicação de um só acórdão fundamento. A indicação de mais do que um acórdão fundamento, convergentemente com a duplicação do pedido de uniformização, implica a rejeição do recurso por inadmissibilidade do mesmo, não sendo caso de convite ao aperfeiçoamento.”. Diz o acórdão de 16-10-2014, proferido no processo n.º 113/07.8IDMGR.C1-B.S1, da 5.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência assenta numa divergência de acórdãos relativamente a uma mesma questão de direito, tendo cada um deles decidido, de forma expressa, contraditoriamente, essa questão, com base em situações de facto idênticas e tendo aplicado as mesmas (inalteradas) disposições legais, ou seja, tendo as decisões sido proferidas no âmbito da mesma legislação. O recorrente formulou duas questões para as quais indicou dois acórdãos-fundamento de diferentes tribunais. É manifesto, com base na lei e segundo a jurisprudência do STJ, que o recurso para fixação de jurisprudência só pode enunciar uma questão e não várias (de modo unitário e não múltiplo ou complexo), delimitando com rigor essa questão e indicando um único acórdão-fundamento, que tenha decidido essa questão de forma divergente do acórdão recorrido. O recorrente estava obrigado a justificar a oposição originadora do conflito de jurisprudência, como decorre do n.º 2 do art. 438.º do CPP. O recorrente indicou a sua posição, mas não mencionou como é que os acórdãos decidiram a mesma ou as mesmas questões, em que é que divergiram em concreto nas soluções que deram às referidas questões, que deviam ter sido identificadas com a delineação dos casos que estiveram na sua base. O recorrente motiva o recurso como se estivesse a impugnar a decisão recorrida, em vez de circunscrever a exacta questão de direito, tal como decorre dos acórdãos pretensamente em oposição e não como ele as vê, e as situações de facto subjacentes em cada um deles. Assim falham os pressupostos em que deve assentar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Não é exigível o convite para reformulação de conclusões, que aliás, não foram formuladas, e muito menos da motivação do recurso, como tem sido jurisprudência do STJ e do TC. O convite ao aperfeiçoamento nunca poderia ser para a modificação essencial da motivação de recurso, como sucederia no caso da identificação de uma única questão controvertida e da justificação da oposição de acórdãos” (Sublinhados nossos). Concluindo. O recurso sempre seria, pois, neste prisma, de rejeitar. Ademais, sempre se dirá que nenhum dos dois acórdãos invocados aborda a questão de recorribilidade de despacho proferido pelo Ministério Público, como facilmente se alcança pela leitura dos respectivos sumários. Senão vejamos. Acórdão de 17-01-2007, proferido no processo n.º 4597/06 - 3.ª Secção, Relator Sousa Fonte, versando arquivamento de inquérito, reclamação hierárquica e abertura de instrução, consta do respectivo sumário: I - A intervenção do MP no domínio do processo penal é multifacetada, em função das suas diferentes fases. Na fase do inquérito, de que é o dominus (art. 263.° do CPP), actua como autoridade judiciária; exerce poderes de decisão e de conformação processual, vinculado, como sempre, a critérios de legalidade e objectividade (art. 2.° do EMP), dos quais decorre, naturalmente, o dever de imparcialidade e de objectividade. Já nas fases posteriores, da competência do juiz, não tem poderes decisórios; tem, antes, a posição de parte, enquanto se tomar o conceito num sentido puramente formal, já que o MP nunca prossegue no processo penal interesses particulares. II - A possibilidade de o mesmo magistrado do MP participar nas diferentes fases de um mesmo processo é admissível porque, funcionalmente, esse magistrado está sempre vinculado a critérios de legalidade e de objectividade, cuja observância poderá conduzir à tomada de atitudes processuais de contornos diferentes das anteriormente desenvolvidas. III - Sintomático desta vinculação é o próprio art. 401.° n.º 1, al. a), do CPP, que confere ao MP legitimidade para a interposição de recursos no próprio interesse do arguido. IV - Por isso mesmo, relativamente ao MP, uma das «adaptações» impostas pelo art. 53.°, n.º 1, do CPP ao regime de recusas e escusas é a de o fundamento de recusa e escusa previsto no n.º 2 do art. 43.° não ser aplicável ao magistrado do MP por ter intervindo no inquérito: se nesta fase tem a posição de dominus, com os inerentes poderes de decisão e de conformação processual, compreendendo-se a cautela e a garantia da imparcialidade e da objectividade de quem tem a responsabilidade pela sua condução, nas fases posteriores a garantia de actuação imparcial coloca-se em termos diferentes, porque não decide e porque a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos intervenientes processuais está, nessas fases, a coberto da garantia judicial. V - Não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório se o assistente, requerente da abertura de instrução, não é notificado da promoção do MP que sobre o requerimento respectivo recai – no caso, no sentido da rejeição. VI - Arquivado o inquérito nos termos do art. 277.º do CPP, o respectivo despacho pode ser sindicado nos seguintes termos: - no caso de processo por crime que não admita a constituição de assistente, exclusivamente por via hierárquica, nos termos do art. 278.º, contando-se o prazo aí previsto da data daquele despacho; - no caso de processo por crime que admita a constituição de assistente: a) por via judicial, através de requerimento de abertura da instrução; b) não tendo esta sido requerida, por intervenção hierárquica, a exercer apenas depois de decorrido o prazo para aquele requerimento; c) no caso de renúncia à abertura da instrução, por intervenção hierárquica eventualmente suscitada pelo interessado, sem possibilidade, naturalmente, de posteriormente se confrontar esta decisão com a abertura da instrução. VII - O pedido de intervenção dirigido ao imediato superior hierárquico do titular do processo, no decurso do prazo para requerer a abertura da instrução, significa necessariamente renúncia a essa faculdade; não pode o recorrente, não tendo ali obtido ganho de causa, vir depois requerer a instrução a que renunciara, e cujo prazo para o efeito há muito estava esgotado. VIII - Esta interpretação do art. 278.º do CPP não afronta o disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 7, da CRP, dado que se entende que o assistente tem ao seu dispor a possibilidade de, por meio rápido e eficiente, impugnar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito, e, se não tiver usado desse direito, pode ainda eventualmente ver consagrada a sua pretensão de acusação por via da intervenção do imediato superior hierárquico do autor do despacho. Acórdão de 21-12-2011, proferido no processo n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª Secção de que foi Relator Henriques Gaspar, versando admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos por tribunal colectivo, competência da Relação, direito ao recurso e constitucionalidade, versando em especial a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, lendo-se no sumário o seguinte: “I - A referência essencial para a leitura integrada do regime decorrente das als. a), b), c) e d) do n.º 1 do art. 432.º do CPP e do n.º 1 do art. 400.º do CPP – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. II - Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do art. 427.º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao Tribunal da Relação. V - A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do art. 432.º, e especialmente do seu n.º 1, al. c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, de acordo com o princípio base do art. 432.º, n.º 1, al. c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ. VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa: mas a garantia constitucional, como é assente, fica assegurada na substância com a previsão e o direito ao recurso em um grau, não exigindo um segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição.” Resulta do exposto que também por esta via soçobraria o recurso, que é, assim, de rejeitar. Decisão Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso interposto pela recorrente AA, por inadmissibilidade. Custas pela recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, fixando, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 5 e Tabela III, a taxa de justiça em 3 UC. Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 11 de Março de 2020 Raul Borges (Relator) Manuel Augusto de Matos Santos Cabral _________
[2] Manual Prático de Processo Penal, pág. 791, 11ª Ed. [3] In Código de Processo Penal, pág. 1061, anot. N,º 2. [4] Artigo 278.º Intervenção hierárquica 1 - No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento. 2 - O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem, se optarem por não requerer a abertura da instrução, suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento. [5] Processo n.º: 130/10.0GCVIS.C1.S1 [6] Processo n.º: 06P4597 |