Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20071/1995.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CASO JULGADO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
FACTOS CONCLUSIVOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 11/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS
Doutrina: - José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, tomo I, 2ª edição, pp.162/163.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 358.º, 364.º, 393.º. 
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA REDACÇÃO DO DL 44129, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1961: - ARTIGOS 496º, ALÍNEA A), 497º E 498º, NºS1, 2 E 3, 668.º, Nº1, ALÍNEA D).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA REDACÇÃO COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL329-A/95, DE 12-12: - ARTIGOS 3.º, NºS 1, 2 E 3, 264.º, 493º, NºS 1 E 2, 494º, ALÍNEA J), 650.º, N.ºS1 E 2, ALÍNEA F), 655.º, 672.º, 690.º, N.º1, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS 2 E 3.
DL N.º 329-A/95, DE 12 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 16.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-Nº 440/94, IN DR, II SÉRIE DE 1/9/1994, P. 9140.
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16/10/2002, 5/2/2004 E 4/11/2010, TODOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 6/5/2004, 7/4/2005, 18/5/2011, DE 23/2/2012, TODOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 23/4/2009, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 27/1/2004, 13/5/2004 E DE 23/11/2011, TODOS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I A eventual nulidade de um Acórdão por omissão de pronúncia, só poderá ter por base a desconsideração das proposições que levem à conclusão que houve error in judicando ou error in procedendo e não já quaisquer outros argumentos retóricos utilizados, ou mesmo todos os argumentos, desde que se tome posição sobre o núcleo essencial daquelas questões.

II O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº2 do artigo 722º do CPCivil, na redacção aqui aplicável, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 729º, nº2 e 3 do CPCivil.

III Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só pode fazê-lo por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

IV O que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

V Note-se que estão nesse caso, para além das situações já citadas, evidentemente, também aquelas em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de exercer os seus poderes de cognição, sob pena de ficar manietado para a correcta aplicação do direito.

VI A aferição por este Supremo Tribunal se um determinado facto encerra em si uma conclusão faz parte das suas competências, sendo certo que saber se uma determinada realidade física é idêntica a outra – isto é, saber se o prédio em causa nesta acção é ou não o mesmo que esteve em discussão na naqueloutra acção que correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de … com o nº X/94 -, constitui inequivocamente um facto material que pode e deve ser objecto de quesitação, tendo sido assim que o Réu o alegou como deflui do artigo 3º da sua contestação e, do mesmo modo, foi assim que o Tribunal da Relação de …. ordenou a sua elaboração em ordem à dilucidação da problemática jurídica envolvente: tratou-se de facto essencial à decisão da causa, o qual se não vislumbra que pudesse ser indagado de forma diversa, tendo sido dado cabal cumprimento ao ordenado naquele Acórdão, como resulta aliás do dispositivo dele constante, inexistindo, desta feita, qualquer violação do caso julgado formal então formado.

VI O Tribunal em sede de audiência de discussão e julgamento, se entender existir insuficiência da base instrutória, face ao alegado pelas partes em sede de articulados, pode e deve proceder à formulação de novos quesitos nos termos dos artigos 650º, nºs1 e 2, alínea f) e 264º do CPCivil.

VII Tendo em atenção o preceituado nos artigos 496º, alínea a), 497º e 498º, nºs1, 2 e 3 do CPCivil (na versão então aplicável), o caso julgado constituía uma excepção peremptória, tendo sido todavia alterada a sua designação por efeito das alterações introduzidas ao CPCivil pelo DL329-A/95, de 12 de Dezembro, passando a mesma a dilatória, sendo certo que, quer a sentença de primeira instância, quer o Acórdão sob recurso a qualificaram deste modo, subsumindo-a assim ao disposto nos artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º, alínea j) na redacção dada por aquele diploma, não se dando conta que era aquela a legislação a aplicar ao caso.

VIII Face aos requisitos legais da sobredita excepção de caso julgado - corrigindo-se a sua qualificação jurídica para peremptória -,  a tríplice identidade de sujeitos de pedido e de causa de pedir, cfr artigos 496º, alínea a), 497º e 498º do mesmo compêndio processual na redacção então aplicável, que se verificam no caso sub judice, posto que dúvidas não subsistem que o prédio em causa nesta acção é o mesmo que se reivindicava naqueloutra.

[A.P.B.]

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M, A, C, J e M F, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra P pedindo a sua condenação a reconhecer o direito de propriedade dos Autores relativamente ao prédio urbano e rústico, com casa abarracada para habitação, terras de semeadura, cultura arvense, pinhal, olival e sobreiros, com a área de 22.000 m2, confrontando do norte com A Q e outros, do sul e poente com P e do nascente com caminho público, sito na …, freguesia do…, Sesimbra  e abster-se de praticar actos que ofendam a sua posse e a dali retirar os marcos ou, caso não o faça, os Autores poderem fazê-lo a expensas daqueles, invocando para o efeito, em síntese, a posse pacífica, pública e de boa fé exercida ao longo dos anos pelos seus antepassados e em que fundamentam a aquisição por usucapião.

Deduziram ainda os Autores o pedido de intervenção principal provocada de C S.

O Réu, P, contestou. Em sede de defesa directa, propugnou a improcedência do pedido invocando que, o prédio em causa e a casa de habitação nele implantada, sempre pertenceu à sua família, desde há várias gerações e que tal sempre foi conhecido de todos os habitantes do lugar, inclusivamente dos próprios antepassados dos Autores, que ali viveram por mera tolerância do pai do Réu. Mais alegou que o pai dos Autores foi trabalhador da Casa de ... e que, por este facto o local em questão lhes foi arrendado, tendo no entanto deixado de pagar as rendas na década de cinquenta, por razões de caridade e que a cortiça daquele terreno sempre foi retirada e fruída pela Casa de ..., à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

Em sede de defesa indirecta, arguiu a excepção de litispendência relativamente à acção que corria então termos sob o nº …. do Tribunal da Relação de …, concluindo pela absolvição da instância.

Foi proferida sentença de habilitação de herdeiros por morte de C S, tendo sido habilitados a intervir nos autos, em sua substituição, os ora Autores.

Em 20 de Janeiro de 2005, foi produzido despacho saneador no qual foi declarada a absolvição do Réu da instância por via da procedência da excepção do caso julgado.

Esta decisão viria a ser revogada por Acórdão proferido pela Relação de Évora, no âmbito da qual foi ordenada a elaboração de (novo) saneador com vista a apurar se o prédio destes autos é o mesmo da acção que correu termos sob o nº…, no Tribunal da Relação de ….

A fls. 1503 e 1504 foi proferido despacho sobre o requerimento dos Autores apresentado a fls 1434, tendo sido indeferido o mesmo no que tange às diligências probatórias sugeridas, bem como quanto ao aditamento de um novo ponto da base instrutória com o seguinte teor: “Os  prédios circundantes pagavam foros à Casa de ...?”, do qual, inconformados, aqueles agravaram.

A fls. 1556 foi proferido despacho a indeferir a arguição de uso anormal do processo por banda do Réu, despacho esse que foi objecto de recurso de Agravo pelos Autores.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu declarar-se procedente a excepção dilatória do caso julgado e, em consequência, absolver-se o Réu da instância e condenarem-se os Autores como litigantes de má fé no pagamento de pagamento de uma multa de cinco Ucs bem como numa indemnização ao Réu, consistente no reembolso das despesas e nos honorários dos Ilustres Mandatários do mesmo, a fixar oportunamente, nos termos do art. 457º, nº2 do CPCivil.

Os Autores recorreram de Apelação, a qual veio a ser julgada improcedente, tendo-se negado provimento ao primeiro dos Agravos interpostos e relegado para sede de recurso de Apelação o conhecimento do objecto do segundo Agravo (uso anormal do processo) com a sua improcedência, mas mantendo-se a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

De novo inconformados os Autores recorrem agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O acórdão recorrido é nulo por ter omitido o conhecimento das conclusões formuladas nas alíneas .... da apelação.

- O acórdão em recurso é nulo por não ter ordenado a repetição do julgamento em 1ª instância ao reconhecer que é deficiente a gravação da prova testemunhal.

- Além de que, a Relação não formulou um juízo crítico próprio sobre toda a matéria de facto em julgamento, em especial no confronto com a escritura do foro do T S e o que resulta do registo predial da descrição do prédio nº … da Conservatória de …, anterior a dita escritura, em especial com o prova pericial que refere que uma parcela triangular do prédio detido pelos Recorrentes, faz parte do art° 3 da matriz rústica do prédio que pertenceu ao S J e ao antepassado comum, o M J, pai da bisavó dos Recorrentes, a M J que foi casada com J F, mencionado como confinante com o prédio do S J, (alíneas uu a www da apelação).

- A prova documental apresentada e admitida na apelação impõe que o tribunal dê resposta diferente e em conformidade à matéria alegada pelos Recorrentes, pois que o Réu e seus antepassados como resulta do registo predial do prédio nº… da Conservatória de … nunca tiveram a posse do mesmo, nem lhes pertenceu ou foi integrado no prédio do Réu.

- Mais ainda não supriu a nulidade da falta de conhecimento no despacho relativo à apreciação da matéria de facto de duas testemunhas, M C e R D, o que levaria à alteração das respostas aos quesitos da matéria alegada pelos Recorrentes, nulidade invocada nas conclusões anteriores.

- O que se pergunta no quesito 10° - o prédio identificado no quesito 1º é o mesmo que o referido na acção em B) - é matéria conclusiva pelo que DEVE ser considerado não escrito e anulada a resposta dada, pois saber o que se pergunta é questão que não cabe ser respondida.

- O quesito enuncia uma contradição na sua formulação, uma vez que o prédio mencionado no Quesito 1° é misto e o referido na acção em B) da especificação é uma casa térrea na …, pelo que a resposta dada é contrária ao decidido pela Relação de … no acórdão de 21.06.2006.

- A matéria do artigo 10° do questionário deve ser considerada conclusiva e, com tal, não escrita, ou ordenar-se às instâncias que procedam em tal conformidade.

- Sobre esta questão não foi cumprido o decidido pelo acórdão da Relação de … de fls ... , que anulou o saneador sentença anterior e determinou o modo como tal questão devia ser apreciada pelas instâncias, pelo que a este respeito, há violação do caso julgado formal, constituído pelo sobredito acórdão.

- A matéria aditada ao questionário em julgamento deve ser considerada não escrita uma vez que o despacho que determinou tal aditamento viola o anterior despacho de fls ... , que indeferiu a alteração da causa de pedir apresentada pelo Réu.

- O Réu não alegou a aquisição originária do direito de propriedade do seu prédio, pelo que não pode proceder a alegada posse precária por ele atribuída aos Recorrentes e seus antepassados, de mera tolerância ou favor por parte de seu pai.

- Quando não se entenda que os factos alegados e provados pelos Recorrentes, em conjugação com a prova documental apresentada na apelação, não são suficientes para que seja julgado procedente o pedido por eles formulados na acção, deve ser ordenada a baixa do processo às instâncias para que sejam corrigidos os apontado erros processuais, em ordem ao bom julgamento da causa.

- Há prova no registo predial e documental no sentido do titular do prédio foreiro confinante com o do S J ser o J F, pois tal confrontação/confinância foi lavrada no inventário por morte da M J, no qual o M J Z, foi cabeça de casal, na escritura de partilhas entre os herdeiros do S J e consta do foro do T S, que este confronta com o de M J Z.

- Não deve concluir-se, nem tal pode admitir-se, como faz a Relação, que pode ter havido lapso na indicação das confrontações do prédio de S J, com o confinante J F, seu cunhado e marido da M perante a evidência da abundante prova documental da conclusão anterior.

-Face ao tempo decorrido - pelo menos 112 anos - temos de considerar que o direito ao domínio útil da courela reivindicada na acção foi adquirido e mantido por usucapião, pelo J F e M B, e posteriormente transmitido aos seus descendentes, filho (J F ou J G J, que viveu com M) e neto, J C que foi casado com C S, pais dos Autores.

- Deve ser anulado o decidido nas instâncias quanto à litigância da má fé processual, pois foi resolvida com base na resposta à redacção do quesito 10º (matéria conclusiva, como acima alegado e que deve ser considerada não escrita), pois o tribunal não teve na devida conta as transformações operadas na casa (ou casas - vide relatório pericial) e no prédio rústico ao longo dos tempos, como decidiu a este respeito a Relação de Évora, e, por isso, tais transformações não nos permitem concluir que o pedido seja o mesmo da anterior reconvenção da mãe dos Recorrentes.

- Tal decisão viola a doutrina constante do acórdão do Tribunal constitucional nº 440/94 (in DR, II Série de 1 de Setembro de 1994, pag.9140 e constitui uma decisão surpresa, que deve ser revogada.

- Os Recorrentes alegaram na petição a posse, detenção, uso e fruição pelos seus antepassados, desde pelo menos 1897 e até ao presente, de um prédio misto, foreiro da “Casa …” «, como fundamento da aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, derivada da posse ser pública, pacífica e de boa fé, beneficiando da invocação das presunções legais e judiciais, que lhe conferem melhor posse que a do Réu, relativamente ao registo predial do prédio em que se encontra integrado, e do qual foi pedido, em consequência disso, o respectivo destaque.

- Mostram-se violados os preceitos legais supra mencionados e o disposto no art°. 1311° do CC e, bem assim, o disposto nos art°s. 653°, 660º e 663°, alíneas c) e d) do nº1 do art° 668° e 672°, 712° nº 1 a) e c) e nº 3 do CPC.

Nas contra alegações o Réu pugna pela manutenção do Acórdão impugnado.

II Põem-se como problemas a resolver no presente recurso os de saber: i) se o Acórdão é nulo por omissão de pronuncia; ii) se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa; iii) se houve violação do caso julgado formal formado pelo  anterior Acórdão da Relação  que anulou o julgamento e ordenou o prosseguimento dos autos para se apurar se o prédio em causa nestes autos era o mesmo que havia sido objecto da acção aludida na alínea B) dos factos assentes; iv) se inexiste o caso julgado material e se verificam os requisitos aludidos no artigo 1311º do CCivil em ordem em declarar os Autores/Recorrentes, proprietários do prédio por si reivindicado; v) se não há lugar à condenação dos Recorrentes como litigantes de má fé, por ausência dos respectivos pressupostos legais e se aquela condenação constituiu uma decisão surpresa.

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade

- Os autores são filhos e únicos herdeiros de J C, falecido em 25.10.84 e de C S, falecida na pendência da presente acção; (A))

- Na acção com o nº … que correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de …., o ora réu P, que aí era autor pediu contra C S (nesta acção interveniente) que se reconhecesse o seu direito de propriedade sobre a casa térrea sita na …., com base na usucapião; (B))

- A aí Ré contestou e deduziu reconvenção dizendo que a dita casa faz parte de um prédio que pertence à ré e seus filhos e filhas, pedindo que se condene o autor a reconhecer que a ré e seus antepassados adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio descrito na contestação, a saber: prédio misto composto de cultura arvense, olival, pinhal, figueira e sobreiros com a área de 22,200 m2; casa térrea com três compartimentos para habitação, com a área coberta de 52,44 m2; a confrontar do norte, sul e poente com A Q e outros, do sul com M Z e P e do nascente com caminho público, sito na …; (C))

- Nessa acção foi julgado procedente o pedido do autor e improcedente o pedido da Ré; (D))

- O prédio identificado em C) é o mesmo que o referido na acção identificada em B); (resposta ao ponto 10.)

- Encontrava-se inscrita a propriedade a favor de D, relativamente ao prédio descrito na C.R.Predial de …, sobre o nº…

- Por óbito de D, o prédio em causa no ponto 3º) foi adjudicado ao ora Réu e aos seus irmãos M e A H, conforme inscrição nº 17364 a fls. 160 v do livro G-42; (E))

- Por divisão entre o ora Réu e os seus irmãos M e A H, foi desanexado do prédio supra descrito, o prédio descrito na mesma CR.Predial de … da freguesia do …, que ficou registada a favor do ora R, nos termos da inscrição 0-1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, cfr. Doc 2; (G))

- O prédio descrito em 8º) foi integrado na totalidade do descrito na mesma CR. Predial de …, sob o n°… da freguesia do …; (H))

- Foi desanexado do prédio descrito em H) e integrado na totalidade do prédio actualmente descrito na C.R. Predial de … sob o n°… da freguesia do …., o prédio descrito em G); (I))

- Encontra-se registado em nome da Sociedade ‘X -Investimentos Imobiliários e Turísticos, SA’ o prédio descrito sob o n°…. da freguesia do … por realização de quota social efectuada na sociedade em causa pelo ora R; (J))

- Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … em nome de C S, sob o artigo …, com o valor tributável de 612.000$00, um prédio em alvenaria coberto a telha cerâmica composto por R/ch, destinado a habitação com três assoalhadas, cozinha e arrecadação, confrontando a norte com A Q, sul com P, nascente com caminho público e poente com P (vide fis. 356, Doc. 1, II Vol); (L))

- Os AA encontram-se registados nos respectivos assentos de nascimento como sendo filhos de J C e de C S (docs 1 a 5 do I Vol.); (M))

- Na escritura pública de habilitação de herdeiros junta aos autos a fis. 41 e ss e cujo teor se dá por integralmente reproduzido nesta sede, os AA foram habilitados como únicos e universais herdeiros da C S; (N))

- O prédio descrito na al.b) do art. 7° da douta p.i (e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) foi averbado com as características descritas no art. 8° daquele articulado para cujo conteúdo se remete. (O))

- O R foi multado pelo Parque Natural da Arrábida em 10.000$00, conforme resulta dos docs n°s 5 e 6 juntos com a contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido; (P))

- O fundamento da aplicação da multa foi a realização não autorizada pela CM de Sesimbra de obras na casa referenciada nos autos.

- Encontra-se averbada na certidão de nascimento de J e de M F a avoenga paterna com o nome de J F e M A C (Docs. N°s 4 e 5 juntos com a petição inicial) e cujo teor se dá por reproduzido; (Q))

- Encontra-se averbada na certidão de nascimento de J e de M F a avoenga paterna com o nome de J F e M A C (Does. N°s 4 e 5 juntos com a petição inicial) e cujo teor se dá por reproduzido; (R))

- Aquele J referido em R) era filho de J F e de M C C J, casados entre si (Doc. Apresentados com a reclamação da base instrutória e numerados como Doc N°1 ); (R))

- A M C era irmã de S J (doc. N°s 5 e 6 juntos com a reclamação). (T))

- No prédio reivindicado nos autos existe actualmente, pinhal, mato, sobreiros e silvados; (resposta ao ponto 19.)

- O aludido J F era conhecido por J G e ela por M B; (resposta ao ponto 20.)

- O J C sempre foi conhecido por todos como filho de J F; (resposta ao ponto 21.)

- O prédio do S J aludido no art. 7º al.b) da douta petição inicial pagava foro à Casa de …; (resposta ao ponto 23.)

- Até à morte de D, a courela de terreno e a dita casa sempre foram reconhecidos por todos como sendo sua; (resposta ao ponto 28.)

- Por divisão entre o R e os seus irmãos M e A H a casa e a courela ficaram inseridas no prédio descrito em C); (resposta ao ponto 31.)

- O pai e o avô dos AA trabalhavam por conta própria dentro do prédio denominado C… (registado sob o n°…); (resposta ao ponto 35.)

- Apanhavam os desperdícios do corte do Pinhal (cabeças e tocos de pinheiro) para fazerem carvão; (resposta ao ponto 36.)

- As reparações na casa de habitação foram feitas e continuam a sê-lo, primeiro pelo pai do ora R; (resposta ao ponto 42.)

- E depois, pelos herdeiros (e agora pelo R); (resposta ao ponto 43.)

- Existe um forno junto à casa; (resposta ao ponto 44.)

- E tal era utilizado pela C S; (resposta ao ponto 45.)

- Nunca o pai ou a mãe dos AA plantaram ou cortaram qualquer árvore sem a autorização do pai do R e deste; (resposta ao ponto 47.)

- No ano de 1990, o ora R vendeu a cortiça de todo o prédio (inscrito na ficha n° 1030), a A V A; (resposta ao ponto 48.)

- O qual retirou dali a cortiça existente nos sobreiros; (resposta ao ponto 49.)

- A mãe dos AA assistiu a tal operação; (resposta ao ponto 50.)

- E não se lhe opôs; (resposta ao ponto 51.)

- O pai do R e este sempre fruíram a courela de terreno sempre como donos; (resposta ao ponto 52.)

- Sem oposição de ninguém, mormente dos pais e avós dos AA; (resposta aos pontos 53. e 54.)

- A casa de habitação em causa nos autos está inscrita na Repartição de Finanças de …. em nome do ora R sob o art. … da freguesia do …; (resposta ao ponto 55.)

- Provindo do art. 61°; (resposta ao ponto 56.)

- A courela em questão nos presentes autos está inscrita na Repartição de Finanças de … em nome do ora R sob o art…., da secção … da freguesia do …; (resposta ao ponto 57.)

- Provindo do artigo rústico…da secção …. da mesma freguesia; (resposta ao ponto 58.)

- É o R quem paga a contribuição autárquica da referida casa e da courela em questão; (resposta ao ponto 59.)

- E antes dele o seu pai; (resposta ao ponto 60.)

- Em finais de Agosto de 1990, a mãe dos AA iniciou obras na referida casa; (resposta ao ponto 61.)

- Nomeadamente, substituiu o telhado antigo por um novo, construiu uma parede interior, derrubou parcialmente a parede exterior do lado norte, edificou nova divisão com uma área de 12 m2, acoplada à casa pelo norte; (resposta ao ponto 62.)

- Sem autorização do Réu; (resposta ao ponto 63.)

- O R só teve conhecimento de tais factos quando a nova divisão já tinha as paredes levantadas, o telhado colocado, duas aberturas (uma a norte e outra a poente); (resposta ao ponto 64.)

- C S realizou as obras sem licença camarária. (resposta ao ponto 65.)

1.Da nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia.

Insurgem-se as Recorrentes contra o Acórdão recorrido, uma vez que na sua tese o mesmo enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 668º, nº1, alínea d) do CPCivil, por duas ordens de razões: por um lado omitiu o conhecimento de conclusões formuladas; e por outro lado, é igualmente nulo porque não ordenou a repetição do julgamento em 1ª instância ao reconhecer que é deficiente a gravação da prova testemunhal.

Analisemos, então.

Dispõe o normativo inserto no artigo 668º, nº1, alínea d) do CPCivil (na versão aprovada pelo DL 44129, de 28 de Dezembro de 1961, com

as excepções aludidas no artigo 16º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, atenta a data de entrada da presente acção em juízo), que a sentença (in casu o Acórdão) é nula quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Na espécie, entendem as Recorrentes que o Acórdão omitiu o conhecimento de conclusões por si formuladas nas alegações que produziram em sede de recurso de Apelação e que não identificam, agora, na conclusão 1ª das suas alegações de Revista, como deflui inequivocamente de fls 2789.

Prima facie, diremos que conforme decorre do artigo 690º, nº1 do CPCivil «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.», o que nos inculca desde logo a ideia de que as conclusões deverão encerrar as razões jurídicas da discordância do Recorrente, pois é sobre tais razões que o Tribunal ad quem se irá pronunciar sobre a bondade do decidido.

Daqui resulta que a eventual nulidade de um Acórdão por omissão de pronúncia, só poderá ter por base a desconsideração das proposições que levem à conclusão que houve error in judicando ou error in procedendo e não já quaisquer outros argumentos retóricos utilizados, ou mesmo todos os argumentos, desde que se tome posição sobre o núcleo essencial daquelas questões, ver inter alia os Ac STJ de 16 de Outubro de 2002 (Relator Mário Torres), 5 de Fevereiro de 2004 (Relator Salvador da Costa) e 4 de Novembro de 2010 (Relator Cunha Barbosa), in www.dgsi.pt.

Ora, não se vislumbra onde é que houve falha do Tribunal recorrido no conhecimento das questões objecto do recurso de Apelação, sendo certo que, além do mais, as Recorrentes nem sequer as identificam na sua impugnação limitando-se a dizer que «(…) o acórdão recorrido é nulo por ter omitido o conhecimento das conclusões formuladas nas alíneas .... da apelação».

Improcede, nesta parte, a arguida nulidade.

1.1.Da nulidade do Acórdão por não ter ordenado a repetição do julgamento

No que tange à nulidade do Acórdão por não ter ordenado a repetição do julgamento em 1ª instância ao reconhecer que é deficiente a gravação da prova testemunhal, falecem as razões das Recorrentes, desde logo porque o aresto em apreço em parte alguma considerou ser deficiente o registo de prova.

O que ficou consignado no Acórdão foi coisa diversa.

Como preliminar da análise da impugnação da matéria de facto efectuada pelas Recorrentes, o Acórdão recorrido teceu as seguintes considerações sobre o nosso regime de reapreciação da prova em registo áudio sic «Em primeiro lugar convém sublinhar que o sistema de registo áudio da prova produzida em audiência de julgamento na 1ª Instância, apesar de permitir ao Tribunal da Relação uma reapreciação dos depoimentos, tem a limitação atinente ao facto de não haver uma percepção completa dos depoimentos e de todo o ambiente que os rodeou, pois, para além da audição da voz do depoente, o Tribunal da Relação não tem acesso a um elemento tão importante para avaliar tal depoimento, como é o da expressão do depoente e da sua inter-relação com todo o ambiente e intervenientes no julgamento.».

Como é bom de ver, a decisão recorrida apenas se limitou a constatar o óbvio, ou seja, que a mera audição dos depoimentos gravados não permite uma verdadeira e cabal reapreciação da prova produzida uma vez que ao Tribunal da Relação lhe faltam todos os elementos logísticos e sensoriais, apanágio de uma audiência de discussão e julgamento em 1ª instância, escapando-lhe, assim, por vezes, a percepção comportamental dos depoentes tão importante para discernir a verdade da mentira, a certeza da incerteza, o concreto do vago, que nem sempre pelo tom de voz se consegue alcançar.

O Acórdão recorrido, efectuou um comentário sobre as limitações que se apresentam ao Tribunal da Relação com este sistema de reapreciação da prova ao qual é sonegado o mediatismo, mas de modo algum ali se concluiu que os depoimentos das testemunhas estavam inaudíveis. Aliás, nem as Recorrentes nas suas alegações de recurso de Apelação suscitaram, sequer, tal problemática.

Improcedem pois as conclusões, também, quanto a este particular.

  

2. Do erro na apreciação das provas.

É às instâncias, e designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº2 do artigo 722º do CPCivil, na redacção aqui aplicável, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, aquelas situações excepcionais, ou seja  quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 729º, nº2 e 3 do CPCivil.

             

As Recorrentes insurgem-se contra o Acórdão recorrido, uma vez que na sua tese o Tribunal da Relação face à prova documental apresentada e admitida impunha resposta diferente e em conformidade à matéria alegada pelos Recorrentes, pois que o Réu e seus antepassados como resulta do registo predial do prédio nº … da Conservatória de Almada nunca tiveram a posse do mesmo, nem lhes pertenceu ou foi integrado no prédio do Réu e ao não suprir a nulidade da falta de conhecimento no despacho relativo à apreciação da matéria de facto de duas testemunhas, AA e BB, o que levaria à alteração das respostas aos quesitos da matéria alegada pelos Recorrentes.

Decorre do disposto no artigo 655º do CPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Mas o princípio da livre apreciação da prova cede em determinadas situações, perante o princípio da prova legal, designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil. 

Assim, enquanto segundo o princípio da prova livre o julgador tem plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória.

Ora, os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só pode fazê-lo por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por outras palavras, e em termos práticos, pode dizer-se que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto é daqueles efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça.

O que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

Note-se que estão nesse caso, para além das situações já citadas, evidentemente, também aquelas em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de exercer os seus poderes de cognição, sob pena de ficar manietado para a correcta aplicação do direito.

Obviamente que dentro destes princípios não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar os depoimentos de parte ou testemunhais a fim de aferir se eles provam, ou não, determinados factos, que não tenham sido objecto de outra prova de valor superior.

Como não cabe averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado, tanto mais estando as instâncias, mormente a 1.ª, em melhores condições de julgamento, atento o princípio da imediação em que determinadas provas são produzidas.

Nestas circunstâncias, extravasa as competências deste Supremo Tribunal sindicar o uso que as instâncias fizeram do preceituado no artigo 655º, nº1 do CPCivil, maxime o Tribunal da Relação, quando formou a sua convicção sobre os elementos de prova produzidos sobre os questionados pontos factuais.

O sancionamento eventual de todas estas respostas transcende a competência decisória deste Supremo Tribunal, limitado como está à apreciação da matéria de direito, posto que se não mostra violada qualquer disposição de direito probatório material, não tendo havido qualquer disposição expressa da Lei a exigir determinado meio de prova, que não tenha sido considerado, ibidem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes.

Ainda neste conspectu, pretendem as Recorrentes que se considere como não escrito o quesito 10° e respectiva resposta afirmativa, do seguinte teor «O prédio identificado no quesito 1º é o mesmo que o referido na acção em B)», por constituir matéria conclusiva, pois saber o que se pergunta é questão que não cabe ser respondida.

Os factos no domínio processual abrangem as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação das pessoas e das coisas, («(…) Dir-se-á ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as actuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno. Neste quadro, pode, grosso modo, considerar-se questão de facto a que visa determinar o que aconteceu, designadamente as ocorrências da vida real, ou seja, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior. (…)», apud Ac STJ de 23 de Abril de 2009 (Relator Salvador da Costa), in www.dgsi.pt.

Como supra se deixou consignado, a aferição por este Supremo Tribunal se um determinado facto encerra em si uma conclusão faz parte das suas competências. Todavia, a pergunta formulada não contem qualquer conclusão, porque saber se uma determinada realidade física é idêntica a outra – isto é, saber se o prédio em causa nesta acção é ou não o mesmo que esteve em discussão na naqueloutra acção que correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Setúbal com o nº 354/94 -, constitui inequivocamente um facto material que pode e deve ser objecto de quesitação, sendo certo que foi assim que o Réu o alegou como deflui do artigo 3º da sua contestação e, do mesmo modo, foi assim que o Tribunal da Relação de Évora ordenou a sua elaboração em ordem à dilucidação da problemática jurídica envolvente: tratou-se de facto essencial à decisão da causa, o qual se não vislumbra que pudesse ser indagado de forma diversa, tendo sido dado cabal cumprimento ao ordenado naquele Acórdão, como resulta aliás do dispositivo dele constante, cfr fls 758, inexistindo, desta feita, qualquer violação do caso julgado formal então formado.

Ainda nesta sede, pretendem as Recorrentes que se considere não escrita a matéria aditada ao questionário em julgamento uma vez que o despacho que determinou tal aditamento viola o anterior despacho de fls 984, proferido em sede de audiência de discussão e julgamento, que indeferiu a alteração da causa de pedir apresentada pelo Réu.

Vejamos.

Em sede de audiência de discussão e julgamento, que teve início em 3 de Março de 2009, cfr acta de fls 982 a 987, foi suscitada pelo Réu, aqui Recorrido, a ampliação da matéria de facto, com a formulação de dois novos quesitos, sendo que as Autoras/Recorrentes a tal se opuseram, tendo o aludido requerimento sido entendido pelo Tribunal como constituindo uma modificação da causa de pedir, o que foi objecto de indeferimento.

Todavia, nessa mesma audiência, o Tribunal, entendendo que existia uma insuficiência da base instrutória, face ao alegado pelo Réu em sede de contestação, nos artigos 33º a 45º e 46º a 57º, procedeu à formulação de novos quesitos nos termos dos normativos insertos nos artigos 650º, nºs1 e 2, alínea f) e 264º do CPCivil, o que lhe era licito fazer, ao abrigo dos poderes conferidos pelos apontados normativos, já que se tratavam de quesitos extraídos da matéria alegada pelo Réu naquela peça processual e em nada contradizem a posição anteriormente expressa no que tange à inadmissibilidade da modificação da causa de pedir, sendo certo que na resposta àquele primeiro requerimento, as ora Recorrentes admitiram desde logo a hipótese de o Tribunal, ao abrigo dos seus poderes de direcção, pudesse vir a ampliar a base instrutória, cfr fls 983 in fine, pelo que se estranha a posição ora expressa em sede de recurso, em manifesta contradição com aqueloutra, acrescendo ainda a circunstância de, na oportunidade, aquele despacho não ter sido objecto de impugnação através do pertinente recurso de Agravo, pelo que se mostra transitado em julgado nos termos do artigo 672º do CPCivil.

Claudicam, de igual forma, estas conclusões. 

12.Da existência de caso julgado material.

Insurgem-se ainda as Recorrentes contra a decisão impugnada aventando que o Tribunal não teve na devida conta as transformações operadas na casa (ou casas - vide relatório pericial) e no prédio rústico ao longo dos tempos, como decidiu a este respeito a Relação de Évora, e, por isso, tais transformações não permitiriam concluir que o pedido objecto desta acção seja o mesmo da anterior reconvenção da mãe dos Recorrentes, formulada na acção que correu termos com o nº 354/94 no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Setúbal e na qual figurava como Autor o ora Réu/Recorrido.

Defendem as Recorrentes a inexistência de caso julgado, como se concluiu no Acórdão recorrido e já assim se havia decidido na sentença de primeiro grau, sendo certo que toda a sua argumentação se sustenta na procedência da impugnação da redacção do quesito 10º, porque conclusivo o que, como analisamos supra, não ocorre.

Tendo em atenção o preceituado nos artigos 496º, alínea a), 497º e 498º, nºs1, 2 e 3 do CPCivil (na versão então aplicável), o caso julgado constituía uma excepção peremptória, tendo sido todavia alterada a sua designação por efeito das alterações introduzidas ao CPCivil pelo DL329-A/95, de 12 de Dezembro, passando a mesma a dilatória, sendo certo que, quer a sentença de primeira instância, quer o Acórdão sob recurso a qualificaram deste modo, subsumindo-a assim ao disposto nos artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º, alínea j) na redacção dada por aquele diploma, não se dando conta que era aquela a legislação a aplicar ao caso.

 

Face aos requisitos legais da sobredita excepção de caso julgado - corrigindo-se a sua qualificação jurídica para peremptória -,  a tríplice identidade de sujeitos de pedido e de causa de pedir, cfr artigos 496º, alínea a), 497º e 498º do mesmo compêndio processual na redacção então aplicável, que se verificam no caso sub judice, posto que dúvidas não subsistem que o prédio em causa nesta acção é o mesmo que se reivindicava naqueloutra, naufraga a pretensão dos Recorrentes no concernente à improcedência da mesma, cfr Ac STJ de 27 de Janeiro de 2004 (Relator Silva Salazar), 13 de Maio de 2004 (Relator Ferreira Girão) e de 23 de Novembro de 2011 (Relator Pereira da Silva), in www.dgsi.pt.

 

Improcedem as conclusões nesta parte.

4.Da litigância de má fé.

Por último, pretendem as Recorrentes que seja anulado o decidido nas instâncias quanto à litigância da má fé processual, pois foi resolvida com base na resposta à redacção do quesito 10º (matéria conclusiva, como acima alegado e que deve ser considerada não escrita) e ainda por tal decisão violar a doutrina constante do acórdão do Tribunal constitucional nº 440/94, in DR, II Série de 1 de Setembro de 1994, pag. 9140, constituindo uma decisão surpresa, que deve ser revogada.

O primeiro argumento em que se arrimam as Recorrentes para sustentar a alteração do decidido quanto à sua condenação como litigantes de má fé claudica pela base uma vez que, como já se deixou consignado, o quesito 10º não encerra qualquer conclusão, pelo que o mesmo se manteve bem como a resposta afirmativa dada ao mesmo, atenta a sua valência factual inequívoca.

Por outra banda, a condenação das Autoras, aqui Recorrentes, como litigantes de má fé, foi peticionada pelo Réu/Recorrido em sede de contestação, cfr fls 201 a 234 tendo havido lugar a réplica, cfr fls 308 a 317, onde as Autoras/Recorrentes se poderiam ter pronunciado acerca do então peticionado, tendo sido cumprido o principio do contraditório aludido no artigo 3º, nºs 1, 2 e 3 do CPCivil, pelo que a decisão proferida não pode constituir de modo algum uma decisão surpresa: a questão foi posta no processo e as Autoras foram chamadas a pronunciar-se sobre a mesma e se nada disseram a propósito, sibi imputet, não tendo havido a violação daquele supra enunciado normativo, nem tão pouco a doutrina explanada no Acórdão do Tribunal Constitucional citado por aquelas.

Soçobram, deste modo, todas as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista mas altera-se a decisão, face à rectificação efectuada na qualificação da excepção de caso julgado, absolvendo-se o Réu do pedido.

 

Custas pelas Recorrentes.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza