Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO RAPTO VIOLAÇÃO CO-AUTORIA REINCIDÊNCIA REJEIÇÃO PARCIAL DUPLA CONFORME MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA CASAMENTO PUTATIVO | ||
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Data do Acordão: | 09/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | FERNANDES, CATARINA - O CRIME DE CASAMENTO FORÇADO: IN: REVISTA DE CIÊNCIA CRIMINAL, A. 32, N,º 2 (MAIO-AGO. 2022), P. 377-429. | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADOS IMPROCEDENTES OS RECURSOS DOS ARGUIDOS AA, HH E BB, E PARCIALMENTE PROCEDENTES OS RESTANTES. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | P. 4199/17.9JAPRT.C1.S1
1. – Na 1ª instância foram julgados AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH sendo decidido o seguinte: - absolver AA e HH dos crimes de casamento forçado e de violação; - absolver BB do crime de casamento forçado; - absolver DD, EE e CC, FF e GG da prática dos crimes de rapto, de casamento forçado e de violação que lhes eram imputados no presente processo; - condenar AA pela prática, em co-autoria material, e como reincidente, de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158º, n° 2, al. a), 75° e 76, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva; - condenar BB pela prática em concurso real, como reincidente: 1- em co-autoria material, de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, al. a), 75° e 76°, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; 2 - em autoria singular, de um crime de violação, dos artigos 26°, 164°, n° 1, al. a), na pena de 6 anos de prisão; 3 - condenar BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão; - condenar HH pela prática, em co-autoria material, de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, al. a), 75° e 76°, na pena de 4 anos de prisão efectiva. Desta decisão interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra o Ministério Público, HH e BB. No acórdão daquele Tribunal de 2019.11.27 foi decidido: - Julgar improcedentes os recursos de HH e BB. - Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público assim condenando: AA pela prática, em co-autoria material, em concurso real e como reincidente: - de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, al. a), 75° e 76° na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; - de um crime de casamento forçado do artigo 154°-B na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - pela prática em autoria material de um crime de violação do artigo 164° n° 1 al. a) na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão. BB pela prática como co-autor material, em concurso real e como reincidente: - de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, al. a), 75° e 76°, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - pela prática de um crime de casamento forçado do artigo 154°-B na pena de 3 anos de prisão; - pela prática em autoria singular, também em concurso real, de um crime de violação, dos artigos 26°, 164°, n° 1, al. a), na pena de 6 anos de prisão; Em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos de prisão. HH pela prática, em concurso real e em co-autoria material: - de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, al. a), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - de um crime de violação dos artigos 26°, 164°, n° 1, al. a), na pena de 4 anos de prisão; - de um crime de casamento forçado do artigo 154°-B na pena de 3 anos de prisão; Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão. EE pela prática em co-autoria material e em concurso real: - de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, al. a), por referência ao artigo 158°, n° 2, alínea a), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - de um crime de violação, dos artigos 26°, 164°, n° 1, al. a), na pena de 4 anos de prisão; - de um crime de casamento forçado do art°154°-B na pena de 3 anos de prisão; Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão. CC pela prática em concurso real e em co-autoria material: - de um crime de rapto, dos artigos 26°, 161°, n° 1, al. b) e n° 2, alínea a), por referência ao artigo l58°, n° 2, alínea a), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - de um crime de violação, dos artigos 26°, 164°, n° 1, al. a), na pena de 4 anos de prisão; - de um crime de casamento forçado do artigo 154°-B na pena de 3 anos de prisão; Em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos de prisão. Todas as disposições atrás citadas são do Código Penal.
Todos estes arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. AA concluiu a sua motivação da forma seguinte (transcrição): I – A matéria fáctica dada como provada não permite concluir que o recorrente praticou o crime de casamento forçado. Na verdade, II – Para o preenchimento dos elementos do tipo deste ilícito é necessário que ocorra um casamento ou uma união equiparável, sendo que esta tem que se revestir de algum formalismo que sedimente a equiparação dessa união de facto ao casamento. III - Esse formalismo tem que se traduzir na celebração de actos que, de acordo com os “usos” e “convenções sociais” da comunidade onde os agentes estão inseridos e a que pertencem, tenham o valor de “casamento”. IV – O que não foi manifestamente o caso, já que ocorreu apenas uma “junção” de duas pessoas. Por outro lado, V - A matéria fáctica dada como provada não permite, também, concluir que o recorrente praticou o crime de violação. VI - Não vem provado que foi querido pelo recorrente, nem que era previsível ou seria razoável supor que o co-arguido BB constrangesse e obrigasse a ofendida à prática de acto sexual de relevo, contra a vontade desta. VII – Não tendo praticado qualquer acto material, não tendo previsto sequer que o co-arguido praticasse actos sexuais de relevo com a ofendida, nem lhe sendo exigível que os tivesse previsto e, neste caso, se tivesse conformado com esse resultado, deveria ter sido mantida a absolvição proferida em 1ª instância relativa ao crime de violação. Sem conceder, VIII. As penas parcelares ora aplicadas e a pena resultante do cúmulo jurídico operado entre estas e aqueloutra que foi aplicada em 1ª instância correspondente ao crime de rapto – 5 anos e 6 meses de prisão - acham-se manifestamente exageradas. De facto, IX. Face a todo o circunstancialismo dado como provado, os critérios legais ínsitos nos artgsº. 70º. e 71º. do CPenal impunham que fossem aplicadas penas, como reincidente - cfr. Artigos 75º e 76º do mesmo diploma – de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de casamento forçado p. e p. pelo artº. 154º-B do CPenal e de 4 anos de prisão pela prática do crime de violação, p. e p. pelo artº 164º, nº 1, al. a) do Código Penal. XI. Resultando, em cúmulo jurídico, uma pena não superior a sete anos de prisão, nos termos do disposto no artº. 77º. do mesmo diploma legal. XII. Ao assim não decidir, violou o acórdão de que se recorre, o disposto nos referidos preceitos, artºs. 70º., 71º. e 77º. do CPenal, bem como interpretou incorrectamente os comandos legais ínsitos nos artºs. 154º-B e 164º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal. XIII. Deverá, assim, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que aplique, em substituição daquelas penas, as ora propugnadas.
EE, CC e BB concluíram a sua motivação conjunta da forma seguinte (transcrição): 1ª) O arguido BB sente-se defraudado por o seu recurso não ter obtido provimento quanto às injustas e inadmissíveis condenações pelos crimes de rapto e violação. 2ª) Face às declarações prestadas pela ofendida II em relação ao sucedido entre ambos, impunha-se que o arguido fosse absolvido do crime de violação porquanto, as relações sexuais mantidas resultaram de um consenso entre ambos e foram consentidas pelos dois. 3ª) Já no que respeita à comissão por parte do arguido, em co-autoria, de um crime de rapto praticado na pessoa da ofendida, não só o arguido, como resulta das mesmas declarações, não esteve presente no momento inicial em que supostamente a II contra a sua vontade, foi compelida a entrar numa viatura automóvel com outros arguidos, como não participou na elaboração de um plano para o efeito, plano esse que desconhecia em absoluto. 4ª) Ficou provado que o recorrente BB em momento algum usou de violência e, ou ameaça em relação à II. 5ª) Outrossim, interpôs-se entre a mesma e um co-arguido para obstar a que este a agredisse. 6ª) Como corolário destas evidências, não restava outra alternativa ao tribunal a quo senão dar provimento à pretensão do arguido e revogar o acórdão do tribunal da 1ª instancia em relação a estes sectores. 7ª) Em sede de acórdão foram os arguidos BB, EE (seu pai) e CC (sua mãe) absolvidos da pratica de um crime de casamento forçado. 8ª) Na medida em que nem sequer um casamento existiu, nem tão pouco uma união de facto, equiparável ao casamento, na exacta medida em que estamos tão só perante uma junção de duas pessoas sem qualquer formalismo, sem obedecer a qualquer rito ou tradição, justo seria concluir que as absolvições em relação a estes três arguidos, quanto a este ilícito, por óbvias já deviam estar mais do que cristalizadas. 9ª) Assim sendo, impõe-se a revogação do acórdão ora recorrido no tocante às condenações dos arguidos como autores materiais da prática deste ilícito. 10ª) No que concerne às condenações de que foram alvo, os arguidos EE e CC como autores de um crime de violação, quando em sede de julgamento tinham sido obviamente absolvidos, digamos que estas condenações nos "põem os pelos em pé" pelo absurdo que representam. 11ª) Os arguidos em causa não só não mantiveram qualquer relação sexual com a ofendida, como desconheciam em absoluto os moldes em que aquelas relações sexuais foram tidas ou mantidas entre o co-arguido BB, filho de ambos, e a ofendida. 12ª) A que acresce que, face ao comportamento por esta adoptado, nos dias subsequentes a essas relações, contribuiu de uma forma decisiva para que ambos os arguidos não pudessem pressentir ou adivinhar algo de menos próprio ou menos consensual na pendência daquelas. 13ª) O mesmo comportamento estriba, por maioria de razão, o convencimento por parte destes arguidos de que a ofendida aquando da permanência na companhia dos mesmos nesta cidade de ..., decorria num clima de paz e felicidade para aquela, não sendo legítimo assacar responsabilidades a estes dois arguidos pelo facto de em 25 de Dezembro a II ter saído da cidade de ..., ido na companhia de outras pessoas até à cidade de ... e mais tarde desaguar na casa dos recorrentes, nesta cidade. 14ª) Na perspectiva destas, não ficou minimamente demonstrada a existência de um plano para um rapto, a existência sequer desse mesmo rapto, e a ter existido este rapto, para os recorrentes tal é algo de perfeitamente alheio. 15ª) Atribuindo-se efeitos repristinatórios ao acórdão de primeira instância no que tange à justeza das absolvições que em relação a estes dois arguidos tinham ocorrido antes do terramoto judicial que foi o acórdão de que ora se recorre. 16º) Sem prescindir do exposto, e caso não procedam os recursos ora interpostos, sempre se dirá que as penas cominadas aos arguidos, quer a nível de penas parcelares, quer no que respeita às penas únicas se manifestam exageradas, ultrapassando a culpa dos mesmos, devendo optar-se por penas que se aproximem mais dos seus mínimos legais. Normas violadas: art. 40º, 71º, 77º, 154º-B e 164º todos do Cód Penal.
HH concluiu a sua motivação da forma seguinte (transcrição): 1. O ora Recorrente HH foi condenado por douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo da Instância Central Criminal de ..., na co-autoria material, e na forma consumada e como reincidente, de um Crime de Rapto, previsto e punido pelos artigos 26º, 161º, n.º 1 al. b) e n.º 2, al. a), por referência ao artigo 158º, n.º 2 al. a), 75º e 76º, todos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão efectiva. 2. Não se conformando, recorreu do douto Acórdão proferido para o venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual veio a manter a anterior condenação pelo crime de rapto, mais condenando, também, o arguido pela prática dos crimes de violação e de casamento forçado, p. e p. pelos artigos 26.º, 164.º, n.º 1, al. a) e artigo 154.º-B do Código Penal, respectivamente, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão. 3. Sucede, porém, que o Recorrente não pode conformar-se -se com a douta decisão proferida, quer quanto à qualificação jurídico-criminal, quer quanto à medida das penas concretas e da pena única aplicada, considerando-as manifestamente excessivas e desproporcionais. 4. Antes de mais, mantém o arguido, a sua argumentação, no que se refere à NULIDADE arguida, a qual o Tribunal a quo entendeu não se verificar. 5. Com efeito, em cumprimento do disposto no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal, em sede de audiência, foi comunicada aos arguidos a possibilidade de se verificarem diversas alterações não substanciais de factos, nomeadamente a seguinte: I. Os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos. (…) 6. Na sequência de tal comunicação, o arguido HH veio reclamar quanto à inserção desse facto, arguindo a sua NULIDADE, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal que determina a nulidade da decisão judicial em que ocorra a inclusão de factos não descritos na acusação. 7. Em sede do acórdão proferido foi a arguida nulidade indeferida porquanto “a possibilidade de alteração de factos comunicada corresponde a uma diminuição da intensidade dos factos imputados na acusação. A leitura dos factos comunicados integrada no conjunto dos factos provados mostra que nada de novo foi acrescentado, antes pelo contrário, corresponde a um menor âmbito de actuação relativamente ao imputado na acusação.” 8. Salvo o devido respeito, porém, continua a considerar o arguido que tal nulidade ocorre, requerendo-se, desde já, a este venerando Tribunal Superior a reanálise da nulidade invocada, desde já se reiterando os argumentos expendidos na reclamação antecedente. 9. Com efeito, tal facto bule com a intencionalidade criminosa, integrando o dolo e não encontra o mínimo de correspondência na factualidade narrada na acusação, para que se possa considerar como uma sua simples concretização, ou seja, uma mera alteração de factos. 10. Pelo contrário, verifica-se que a inserção deste facto ex novo, vem antes colmatar uma omissão da acusação quanto à descrição do mesmo, sendo este um facto decisivo para o preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal de crime. 11. Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo AUJ nº 1/2015, do Supremo Tribunal de Justiça, «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.». 12. Está assim vedado ao Tribunal lançar mão do mecanismo da alteração não substancial dos factos para colmatar as lacunas da acusação, designadamente nos casos em que ela é omissa quanto aos factos integradores do elemento subjectivo típico. 13. Ora, o artº 379º, 1, b) do CPP determina a nulidade da decisão judicial em que ocorra a inclusão de factos não descritos na acusação fora dos casos e das condições previstos nos artºs 358º e 359º do CPP, tal sendo o caso do douto Despacho sub judice, conforme analisado. 14. Pelo que, a inclusão do facto acima elencado, na matéria de facto provada, deve ser considerado nulo, por extravasar a delimitação temática do objecto do processo tal como demarcada pela Acusação (art, 283.º, n.º 3 do CPP), bem como por ferir o princípio constitucional do acusatório plasmado no artigo 32.º, n.º 5 da CRP. 15. Nestes termos, considera o arguido dever o facto acima enunciado ser considerado como não escrito, porquanto encontrar-se ferido de NULIDADE, nos termos dos artigos 379.º, 1, b) e 120.º, n.º 2 do CPP, por violação dos artigos 283.º, n.º 3, 358.º e 359.º do CPP, bem como do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição, não podendo o mesmo vira integrar matéria de facto e a fundar, por conseguinte, um juízo decisório acerca do arguido. 16. A não inclusão deste facto na matéria de facto provada, determinará, por conseguinte, s.m.o., a impossibilidade prática de condenação do arguido HH pelo Crime de Rapto pelo qual é condenado, porquanto não ocorrer a enunciação factual do elemento respeitante ao dolo do arguido, o qual, s.m.o., não se encontra reflectido em mais nenhum outro facto dado como provado (aliás, se o tivesse sido, não teria o douto Tribunal, considerado indispensável a sua posterior inserção. 17. Assim, deve o ponto da matéria de facto provada, elencado sob n.º 34, deve ser considerado não escrito, daí se devendo extrair todas as demais legais consequências em termos da absolvição do arguido pelo crime em causa, dada a manifesta insuficiência da prova, desde logo, em face da omissão da imputação do elemento subjectivo do DOLO, essencial ao preenchimento do tipo legal de crime, o que se requer. Sem prescindir, 18. II. DO NÃO COMETIMENTO DOS CRIMES DE CASAMENTO FORÇADO E CRIME DE VIOLAÇÃO: Considera o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, além do crime de rapto, cometeu, ainda, o arguido HH, também o crime de casamento forçado, p. e p. no artigo 154.º-B do Código Penal, porquanto, “perante os factos provados os arguidos AA, HH, BB, EE e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto”. 19. Porém, não resulta da matéria de facto provada, nem foi produzida prova de que tenha existido da parte do recorrente HH qualquer colaboração na prática quer de um crime de violação, quer de um crime de casamento forçado, que tenha ido além do crime em que este já fora condenado e de cuja condenação em si, não recorremos, mas, tão somente da medida da pena que concretamente lhe fora aplicada. 20. Consideramos totalmente excessivo, em face da matéria que resultou provada, que se conclua, conforme concluiu o douto Acórdão a quo, que “Todos os arguidos contribuíram para tirarem a ofendida do colégio, depois levarem-na contra a sua vontade para ... e obrigaram-na a entrar no quarto e a ter relações com o arguido BB e a começar a partilhar a cama, a mesa e a habitação”, porquanto em nenhum momento ficou provada quer a elaboração conjunta de um plano do qual tivesse participado o recorrente HH, quer a sua intervenção directa na prática dos actos sexuais de que a II (JJ) tenha sido vítima por parte do BB, da mesma forma que tal não ficou provado relativamente ao “ajuntamento” que teve lugar na residência dos Pais deste, em .... 21. Quer quanto à prática de actos sexuais, quer quanto ao “ajuntamento” ocorrido (partilha de cama, mesa e habitação) a intervenção do Recorrente é nula e, s.d.r, seria demasiado conceber que alguém, situado a meia centena de kms de distância pudesse ter qualquer intervenção e participação nos factos ocorridos, os quais são de jaez tão pessoal e subjectivo…sendo, sd.r., forçado o entendimento que o possa conceber. 22. Tal como bem se refere no Ac. STJ de 27-09-1995, “são requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria a existência de decisão e de execução conjunta (…)”. Ora, como é de liminar evidência, o Recorrente HH não executou conjuntamente com o arguido BB os actos sexuais por aquele, e somente por aquele, praticados com a ofendida; nem sequer praticou actos de comunhão de cama, mesa e habitação com a ofendida II, porquanto nem sequer a distância a que se encontrava lhe permitiria a comissão de tais actos, os quais não se bastam com a mera intencionalidade… pois, se assim fosse, in limine, teríamos que admitir a possibilidade de os crimes serem cometidos até por um simples desejo íntimo de que certos actos aconteçam, o que seria irrealista e, em ultima análise, mesmo desumano. 23. Com feito, conforme provado, o Recorrente é patriarca da comunidade de ... o que, em teoria, se admite que possa suscitar sobre os demais co-arguidos uma espécie de temor reverencial relativamente à sua pessoa. Todavia, ainda que assim fosse, o Recorrente não é responsável por esse sentimento subjectivo, que ocorrerá no íntimo dos demais, nem pode ser punido pelos actos que estes possam cometer com um senso íntimo de obediência para com as tradições ..., e a pessoa que tem a responsabilidade maior de as fazer respeitar, neste caso, o patriarca da comunidade, o ora recorrente. 24. E, para mais injustamente, pois trata-se de crimes que este não cometeu, mas pelos quais vem condenado por recurso a um conceito jurídico – o de comparticipação – que, salvo o devido respeito, é, neste caso particular, uma “ficção” jurídica a que se recorre, tendo em vista estender a condenação a todos os co-arguidos sem excepção, distorcendo-se, assim, o verdadeiro e próprio sentido da “comparticipação criminosa” que, de todo, não se verifica no caso concreto, obtendo-se um resultado injusto. 25. Ainda assim, sem prescindir, no que ao crime de casamento forçado diz respeito: cremos, efectivamente, assistir razão ao douto Ministério Público e ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra na sua discordância quanto à forma como, na Primeira Instância, foi doutamente densificado o conceito de “casamento forçado” por referência aos ritos tradicionais matrimoniais de uma certa comunidade étnica que, no caso, seria a comunidade .... 26. Efectivamente, como refere o DMMP, “No crime de casamento forçado, o legislador penal não densificou os conceitos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento”, mas, se não o fez, foi por pura e simples desnecessidade, na medida em que esses conceitos estão desde há muito fixados no Ordenamento Jurídico Português globalmente considerado e no âmbito do direito penal, sendo a “união equiparável à do casamento”, ou “união de facto” uma relação entre duas pessoas com comunhão de cama, mesa e habitação. Nunca o legislador penal poderia permitir que, no crime de casamento forçado ou em qualquer outra incriminação, os conceitos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento” fossem deixadas em branco e pudessem ser densificados, não mediante interpretação e aplicação do Direito e da Lei vigente na República Portuguesa, mas, através de “leis” (melhor dizendo, usos e costumes) de cada grupo etno-cultural”. Consideramos que assim é. 27. Sucede, porém, que quer o Ministério Público, quer o venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que anuiu nesta conclusão, salvo o devido respeito, não assumiram o raciocínio até às suas últimas consequências…, pois, se tal tivesse ocorrido, ver-se-ia que a conclusão não poderia ser senão a de que também por esta via se não verifica o preenchimento do tipo legal do crime de casamento forçado. 28. Os conceitos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento” encontram-se inscritas no Código Civil e na denominada “Lei da União de Facto”. 29. Nos termos do Código Civil, dispões o artigo 1577.º que “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”. 30. Claramente, do que decorre da matéria de facto, não estamos perante um “casamento” à luz da Lei civil Portuguesa, já que entre as partes não se celebrou qualquer contrato, nem mesmo forçadamente. 31. Por outro lado, nos termos da Lei da União de Facto, Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio, dispõe o seu artigo 1.º, n.º 2 que “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.” 32. Ora, tomando por certo que a Lei Criminal, no artigo 154-B do CP, por uma questão de coerência do ordenamento jurídico, não poderia reportar-se senão aos conceitos civilísticos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento”, a qual é, nos termos do ordenamento jurídico português, a união de facto, definida e regulada na lei n.º 7/2001 de 11 de Maio, alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, é à esta definição de “união de facto” que haveremos de nos reportar para nela procurar subsumir a conduta pretensamente criminal. 33. Claramente, as condutas que resultam da matéria de facto provada, não se subsumem ao conceito de união de facto, já que, desde logo, não se observa o prazo fixado na lei para que se forme a figura jurídica da “união de facto”. 34. Com efeito, é indiscutível que o dito “ajuntamento” ocorrido entre ambos BB e II não durou 2 anos; que seria o tempo necessário para que se pudesse afirmar, indubitavelmente, ter a ofendida II vivido forçadamente em união de facto, ou seja, em “união equiparável à do casamento” (conforme determinado no tipo legal de crime em questão), pois aquele é o período sem o decurso do qual o legislador Português não considera existir uma união equiparável à do casamento, ou seja, a união de facto. 35. Por conseguinte, não estando presente o elemento de duração previsto na lei – 02 anos – uma vez que o “ajuntamento” terá ocorrido durante menos de 1 mês, ou seja, entre 26 de Dezembro de 2017 e 06 de Janeiro de 2018, não se poderá, honestamente, e admitindo as mesmas premissas de raciocínio admitidas quer pelo Ministério Público, quer pelo venerando Tribunal da Relação de Coimbra, concluir pelo perfeito preenchimento do tipo legal do crime em questão, o crime de casamento forçado, assim, o cremos, modesta, mas convictamente. 36. Efectivamente, não se verifica, in casu, o preenchimento do tipo objectivo do ilícito criminal de casamento forçado, atenta a sua construção jurídica e os conceitos jurídico-legais que lhe subjazem, conforme vimos de procurar demonstrar. 37. Consequentemente, não poderá o Recorrente HH ser condenado pela prática de tal crime, nem os demais co-autores, antes sendo de plena justiça a sua absolvição. 38. Resta considerar que, a conduta em causa, não é, necessariamente, isenta de punibilidade pois, continuará a poder subsumir-se aos tipos legais de crime de violação e /ou de rapto entre possíveis, outros, porém, não o é no crime de casamento forçado e, mal seria, que assim fosse, ou seja que, qualquer “ajuntamento”, ainda que forçado, entre duas pessoas pudesse ser punido pelo figurino criminal de elevada gravidade, sendo um crime público, que é o crime de casamento forçado. Não se pode, assim, considerar que a sua construção jurídica admita menos do que permite o legislado Português ao fixar os conceitos a que aquele artigo da lei criminal se reporta – os conceitos de casamento e de união de facto (união equiparável à do casamento). 39. Nestes termos, deve o arguido HH ser absolvido do cometimento do crime de casamento forçado, bem como do crime de violação pelas razões que vimos de expor até aqui. Sem conceder, 40. II) DA MEDIDA CONCRETA DA PENA: na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para tal, em consideração os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade. 41. Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal. 42. Ora, na operação de determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas" cfr. art. 71º, n.º 3. 43. O Recorrente, modesta mas convictamente, entende que o Tribunal a quo violou, como segundo se demonstrará, o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação do mesmo. 44. Considerando os escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, no que ao arguido HH diz respeito, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram - quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social difícil será dosear e determinar uma pena concreta. 45. Tal como não fundamentou, na perspectiva da defesa, a culpa do arguido, também descurou, o Tribunal a quo a determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial. 46. Ao condenar o arguido em 4 anos de prisão efectiva, pela prática do crime de rapto, o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se as penas aplicadas em penas demasiado severas, atenta a factualidade considerada e a escassa fundamentação da douta decisão no que ao arguido HH se refere. 47. Quanto aos antecedentes criminais e personalidade do arguido, se é certo que este tem alguns antecedentes criminais, o certo é também que, nunca antes fora condenado pela prática desta espécie de crime – o crime de rapto -, além de apenas ter sido condenado em pena de prisão efectiva em 1996 (cfr certificado de registo criminal), tendo saído em liberdade definitiva em 2006 e, desde então, para cá, tem tido alguns contactos com o sistema de justiça que, porém, na sua maioria resultaram em condenações em Multa, tendo as penas sido extintas pelo pagamento. A última condenação ocorreu em 2012, pelo crime de condução sem habilitação legal e, desde então para cá, o arguido tem procurado levar uma vida mais conforme ao Direito. 48. Por outro lado, é facto assente que o arguido padece de graves problemas de saúde (cfr. Ponto 102 da matéria de facto provada), nomeadamente, doenças crónicas como ..., ..., perda de ... e de ..., com necessidade de supervisão clínica regular e com consequências físicas limitantes; frequenta um curso de qualificação escolar e profissional na área de ..., sendo a frequência desta formação condição para a manutenção do apoio do Rendimento Social de Inserção (cfr. Ponto 103 matéria de facto provada) e encontra-se inactivo, sendo que a sua ocupação do tempo se circunscreve ao meio familiar, na partilha de tarefas domésticas e educação da filha (Cfr. Ponto 104), para o que não poderá deixar de contribuir o seu estado de saúde extremamente debilitado. Recebe cerca de 450,00 euros de Rendimento Social de Inserção e do abono da filha menor; tem encargos fixos mensais de cerca 30 euros, com medicação e compensação do vizinho pelo fornecimento de água e electricidade (Cfr. Ponto 105 da matéria de facto provada). 49. Ou seja, nada na factualidade atrás transcrita permite afirmar um prognóstico desfavorável acerca da futura vida do arguido em situação de liberdade, mas, tão somente, a manutenção da sua situação actual, ou seja, cuidar do seu débil estado de saúde, auferir o RSI e frequentar acções de formação…passar o restante tempo em casa com os respectivos familiares. Sendo certo que não é um projecto de vida dos mais promissores, certo é que em nada contende, todavia, com o Direito…, mais não representado, em si mesmo, um modo de vida que represente um perigo para a sociedade. 50. Pelo que, s.d.r, o arguido não pode concordar com a afirmação do douto Acórdão quando nele se refere que “A situação do arguido HH, desde a prática dos factos em apreço, nada apresenta que possa suportar um prognóstico favorável, não se justificando a suspensão da execução da pena de prisão.” , pois pugnamos pelo contrário, ou seja, que as condições pessoais e de vida do arguido, conforme atrás descritas, permitem suportar um prognóstico favorável, justificando-se a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado. 51. Ora, ainda quanto à pena em que o arguido foi concretamente condenado, acresce o seguinte, que reiteramos: refere-se na sentença condenatória que o arguido é condenado como REINCIDENTE (pg. 72 do Acórdão). 52. Tal é de todo incorrecto e desprovido de fundamento legal, desde logo, não tendo sido requerida a sua condenação enquanto reincidente pelo próprio DMMP que apenas a requereu relativamente aos arguidos AA e BB. 53. Como facilmente se constata, in casu, é omisso, desde logo, o requisito do não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime, já que a condenação anterior transitou em julgado em 08.10.2012, nos autos de processo comum singular n.º 81/12.4TAVVD, Tribunal Judicial da Comarca de ..., ou seja, estando já transcorridos mais de 5 anos. 54. Assim, não é lícito ao douto Tribunal considerar o agravamento do limite mínimo de pena aplicável, elevando-a de 1/3, caso em que, no que se refere ao crime de rapto, este limite mínimo passaria de 3 para 4 anos, medida concreta da pena em que o arguido foi, afinal, condenado... 55. Nestes termos, deve a medida concreta da pena ser doseada de acordo com o limite mínimo normal da moldura penal para o crime de rapto, ou seja, de acordo com o limite mínimo de 3 anos, e não de 4, como terá sido o caso. 56. Com efeito, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, independentemente das necessidades de prevenção geral positiva, o que impõe uma verdadeira proibição do excesso, sob pena de se ferir o âmago da dignidade humana do arguido, sendo este Princípio da Dignidade Humana, consagrado no artigo 1º da Constituição, o fundamento axiológico estruturante de toda a nossa ordem jurídica. 57. No caso sub judice, o recorrente, além de todas as considerações já expendidas, não pode deixar de considerar que esse limite foi manifestamente ultrapassado, ao ter sido aplicada ao ora Recorrente a pena de prisão efectiva de 4 anos. 58. Assim, e tendo em consideração tudo quanto se vem de expor, o arguido, modesta mas convictamente considera ter o direito a ser -lhe aplicada uma pena justa e proporcional, tendo em conta a medida da sua culpa e o seu grau de participação nos factos, sendo que, relativamente ao arguido HH, a sua intervenção foi meramente circunstancial, não se tendo demonstrado a existência de uma qualquer premeditação por parte do mesmo relativamente aos acontecimentos, mais ou menos, arbitrários que se vieram a desenrolar no contexto do iter criminal em causa, sendo absolutamente excessivo e demasiado severo condenar o arguido a uma pena de prisão efectiva, pena única de 8 anos. 59. Assim, o Arguido, ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e grau de participação nos factos, esta deverá ser unicamente pelo crime de rapto, não podendo ser em caso algum superior a 3 ANOS de prisão, devendo ser SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, nos termos previstos no artigo 50º-1 e sgs do CP, ainda que sujeito a um regime de prova ou à subordinação ao cumprimento de deveres e regras de conduta que assegurem a promoção da sua reintegração na sociedade e da sua recuperação como pessoa no encetar de uma nova vida, conforme ao Direito. 60. Assim o impõe, desde logo, e quanto mais não seja, a obediência devida ao princípio fundamental da Dignidade Humana consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.
O magistrado do Ministério Público respondeu aos recursos concluindo quanto a todos (transcrição): 1. Os recursos dos arguidos EE, CC, BB, AA e HH devem improceder relativamente aos crimes pelos quais foi cada um deles condenado face aos factos dados por provados pelo douto acórdão recorrido, na sequência do recurso do Ministério Público que impugnou os pontos 66 a 70 dos factos dados por provados e os pontos I, XVI, XVIII, XIX, XX, XXI, dados por não provados, que levou, conforme páginas 88 e 89, ao aditamento dos pontos 109 a 113 à matéria de facto provada do douto acórdão e à alteração dos factos não provados conforme páginas 89 a 92 do mesmo acórdão, confirmando-se a condenação decidida pelo douto acórdão recorrido; 2. Perante esta decisão sobre a matéria de facto, resulta claramente que os recorrentes praticaram os crimes pelos quais foram condenados, encontrando-se, devidamente efectuada a qualificação jurídica desses factos, subsumida à prática dos crimes pelos quais foram condenados; 3. A dosimetria quer das penas parcelares quer da pena única aplicadas a estes recorrentes encontram-se bem determinadas face à culpa de cada um deles e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir em relação a cada um, e considerando, também, em conjunto os factos e a personalidade cada um deles, pelos fundamentos invocados pelo douto acórdão recorrido, que se encontra em linha com o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal; 4. Labora em erro o arguido HH quando refere que no ponto 34 foi dado como provado que os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos; 5. Na verdade, nesse ponto foi dado como provado que “Então, os arguidos AA e HH decidiram que II e BB iriam passar a noite em casa deste”, que mais não é do que mais um passo meramente circunstancial daquilo que já haviam planeado e decidido anteriormente os arguidos AA, HH e BB nas decisões que haviam tomado e dadas por provadas nos pontos 6, 7 e 8, da matéria de facto dada por provada, que não é decisivo para o preenchimento do elemento subjectivo do crime, uma vez que já tinham decidido anteriormente que II e BB passariam a viver juntos, daí terem decidido que iriam passar a noite em ..., ..., que era a casa dos pais de BB e dele próprio; 6. Portanto, a nulidade invocada pelo recorrente, prevista no art.º 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, não se verifica, pois a comunicação dos novos factos comunicados aos arguidos, e que constam no início da decisão da 1.ª instância, os mesmos correspondem a uma diminuição da intensidade dos factos imputados pela acusação e a um menor âmbito de actuação daquela que lhes foi imputada na acusação, que foi precisamente o argumento utilizado pelo tribunal para indeferir a pretensão deste recorrente, que teve acolhimento por parte da decisão ora recorrida; 7. O crime de casamento forçado encontra-se previsto no artigo 154.º-B do Código Penal, que dispõe: “Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável à do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos.”; 8. Pune-se neste artigo o casamento ou união equiparável ao casamento em que não há o consentimento livre de uma ou de ambas as pessoas. 9. É o caso dos autos em que arguidos/familiares decidem, contra a vontade de II que “case”, se “una de facto” com BB, passando com ela a manter relações sexuais contra a sua vontade, raptando-a com a ajuda de outros familiares/arguidos por meio de violência, ou ameaça, com a intenção de que este cometa crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima; 10. O direito das minorias etnoculturais a agirem segundo as suas tradições, rituais e crenças, não se pode sobrepor ao dever dos Estados de legislar e de garantir o cumprimento do Direito e da Lei, de forma geral e abstracta, nem aos direitos fundamentais, de que todas as pessoas gozam, independentemente das suas condições pessoais, desde logo os direitos à dignidade, à autodeterminação e à liberdade, onde se inclui o direito a não ficar preso às tradições, rituais e crenças do grupo etnocultural em que se nasceu; 11. No crime de casamento forçado, o legislador penal não densificou os conceitos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento”, mas, se não o fez, foi por pura e simples desnecessidade, na medida em que esses conceitos estão desde há muito fixados, no Ordenamento Jurídico Português globalmente considerado e no âmbito do direito penal, sendo a “união equiparável à do casamento”, ou “união de facto” uma relação entre duas pessoas com comunhão de cama, mesa e habitação. 12. Nunca o legislador penal poderia permitir que, no crime de casamento forçado ou em qualquer outra incriminação, os conceitos de “casamento” e de “união equiparável à do casamento” fossem deixados em branco e pudessem ser densificados, não mediante a interpretação e aplicação do Direito e da lei vigente na República Portuguesa, mas através das “leis” (melhor dizendo, usos e costumes) de cada grupo etnocultural; 13. Desde logo, é sabida a repugnância do nosso Ordenamento Jurídico pelas normas penais em branco e as limitações aos usos e costumes enquanto forma de criação do Direito e da lei; 14. Para além disso não se pode esquecer que ao crime de casamento forçado são subsumíveis condutas praticadas em contextos muito diversificados, sendo que nunca a justiça penal poderia ficar sujeita à indefinição e às dificuldades probatórias que acarretaria a necessidade de se apurar, em cada caso concreto, quais os rituais de casamento dos diferentes grupos etnoculturais, sem esquecer que esses rituais e essas tradições poderiam, eventualmente, colidir com valores fundamentais da nossa Ordem Jurídica; 15. Assim, no caso, o que importa é saber se, no caso concreto, os arguidos AA, HH, BB e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto, sendo indiferente se essa união de facto foi ou não estabelecida de acordo com os rituais do “casamento ...”; 16. E não há dúvida que, perante os factos provados, os arguidos AA, HH, BB, EE e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto, praticando, assim, em co-autoria, um crime de casamento forçado, não sendo para aqui chamada a Lei n.º 7/2001, de 11/05, que visa um fim diferente -a protecção das uniões de facto¬, entendida como a situação jurídica de duas pessoas que, de comum acordo, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de 2 anos, e não proteger condutas censuráveis e criminosas; 17. A penalização do casamento forçado decorre da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, resultando nos artigos 154º-B e 154º-C do Código Penal; 18. Antes dos artigos 154º-B e 154º-C do Código Penal, o fenómeno do casamento forçado já estava disciplinado no crime geral da coação. Mas uma maior censura ética e um crescendo das situações verificadas justificou a sua autonomização do crime de coação, que passou pela agravação da moldura penal e por prescindir do meio violento e ameaça com mal importante, característicos da coação; 19. Assim, não assistindo razão aos recorrentes, deve ser negado provimento a qualquer dos recursos, confirmando-se, consequentemente, a douta decisão recorrida.
Neste Supremo Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta deu o seguinte parecer (transcrição, com excepção do breve relatório): 4. Do parecer 4. 1.Recurso do arguido AA Em sede de tribunal de 1ª instância o arguido AA foi absolvido da prática dos crimes de casamento forçado e de violação. E foi condenado em co-autoria material e como reincidente pela prática de um crime de rapto, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Em sede de TRC veio, inovadoramente, a ser condenado, em co-autoria e como reincidente, pela prática do crime casamento forçado, pp pelo art 154ºB do CP , na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão. E pela prática de um crime de violação, pp pelo art. 164º nº1-a), na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão. E foi mantida a condenação pela prática de um crime de rapto pp pelo art. 161º nº1-b) e nº2-a) por referência ao art. 158º nº2-a), do CP na pena parcelar de 5 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 9 anos de prisão. 4.1.No que tange ao crime de rapto, verifica-se ter ocorrido situação de dupla conforme - foi mantida integralmente a matéria de facto, a incriminação jurídica e a medida da pena parcelar. Assim, tal condenação mostra-se irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça. De conhecimento deste STJ resta a apreciação em sede de matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º nº2 e 3 do CPP, da condenação operada no TRC quanto aos crimes de casamento forçado e de violação, em face do teor do Acórdão do TC nº 595/2018 (no âmbito do qual se declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP)- art. 400º nº1-e) e f) do CPP. E importa a apreciação da medida da pena única fixada em 9 anos de prisão. 4.1.1. O arguido AA, conforme conclusões do recurso alega , em síntese: - que a matéria fáctica dada como provada não permite concluir que o recorrente praticou o crime de casamento forçado, nem o crime de violação. - Sem conceder, alega serem excessivas as medidas de pena aplicadas, impondo-se a aplicação, como reincidente, de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de casamento forçado (artº. 154º-B do CP ) e de 4 anos de prisão pela prática do crime de violação, ( artº 164º nº 1 al. a) doCP) e, em cúmulo jurídico, uma pena não superior a sete anos de prisão. O arguido AA alega que a “matéria fáctica dada como provada não permite concluir que o recorrente praticou o crime de casamento forçado, porquanto para o preenchimento dos elementos do tipo deste ilícito é necessário que ocorra um casamento ou uma união equiparável, sendo que esta tem que se revestir de algum formalismo que sedimente a equiparação dessa união de facto ao casamento. E que “esse formalismo tem que se traduzir na celebração de actos que, de acordo com os “usos” e “convenções sociais” da comunidade onde os agentes estão inseridos e a que pertencem, tenham o valor de “casamento”, o que não foi manifestamente o caso, já que ocorreu apenas uma “junção” de duas pessoas. No que tange há existência dos elementos típicos do crime de casamento forçado , p. e p. pelo art 154ºB do CP, considerações extensíveis a todos os recorrentes, fundamentou o acórdão do TRC nos seguintes termos: “No que respeita ao crime de casamento forçado dispõe o art° 154° B :Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável á do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos. O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa. "O tipo objectivo consiste no constrangimento de outra pessoa a contrair, com o próprio agente ou com terceiro, casamento ou união equiparável á do casamento. O constrangimento inclui qualquer forma de violência física ou psíquica, ameaça ou abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar, mas não inclui o ardil, o engano, ou a manobra fraudulenta. O tipo subjectivo é preenchido com qualquer uma das formas de dolo". (Comentários do Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque) Ora, o Tribunal entendeu que não havia casamento forçado, na medida em que não existiu um "casamento ...", ou seja, um casamento celebrado de acordo com as regras .... Entendeu o Tribunal que para se verificar uma "união equiparável à do casamento" não basta uma simples união de facto entre duas pessoas, sendo exigível algum formalismo que sedimente a equiparação dessa união de facto ao casamento, traduzindo-se esse formalismo na celebração de actos que, de acordo com as convenções sociais da comunidade a que pertencem, tenham o valor de "casamento". Para o Tribunal, tal não existiria no caso concreto, pois, "ao nível dos costumes da etnia ..., só o "casamento", celebrado segundo os rituais estabelecidos pela"lei ...", é susceptível de preencher o elemento típico, deste crime, correspondendo a "união equiparável à do casamento". O Tribunal deu como apurado que os arguidos AA, BB e HH elaboraram, em conjunto, um plano que visava retirar II do Colégio onde residia e obrigá-la a juntar-se com o arguido BB e a residir com este (Ponto 8), sendo que a este plano aderiram posteriormente os arguidos EE e CC. Em conjugação de esforços e intentos, transportaram a ofendida II, contra a sua vontade, até ... e daí para ..., local onde ajuntaram com o arguido BB, após o que ambos passaram a viver na habitação deste: "entre 26 de Dezembro de 2017 e 06 de Janeiro de 2018, II, contra a sua vontade, viu-se obrigada a partilhar cama, mesa e habitação com o arguido BB" e que "nesse período, uma vez por dia, sem usar preservativo, o arguido BB introduzia o seu pénis erecto na vagina de II, contra a vontade desta, onde o friccionava até ejacular dentro da vagina" (Pontos 46 e 47). O tribunal deu, ainda, como provado que os arguidos, contra a vontade da ofendida, sob a ameaça de contra ela usarem violência física e impedindo-a de pedir auxílio, a constrangeram a juntar-se ao arguido BB, passando a viver com ele em união de cama, mesa e habitação e a manter relações sexuais de cópula com ele. Como refere o Ministério Público, "No crime de casamento forçado, o legislador penal não densificou os conceitos de "casamento" e de "união equiparável à do casamento", mas, se não o fez, foi por pura e simples desnecessidade, na medida em que esses conceitos estão desde há muito fixados, no Ordenamento Jurídico Português globalmente considerado e no âmbito do direito penal, sendo a "união equiparável à do casamento", ou "união de facto" uma relação entre duas pessoas com comunhão de cama, mesa e habitação. Nunca o legislador penal poderia permitir que, no crime de casamento forçado ou em qualquer outra incriminação, os conceitos de "casamento" e de "união equiparável à do casamento" fossem deixados em branco e pudessem ser densificados, não mediante a interpretação e aplicação do Direito e da lei vigente na República Portuguesa, mas através das "leis" (melhor dizendo, usos e costumes) de cada grupo etnocultural. De acordo com o art° 154°-B o crime de casamento forçado nunca é justificado, nem sequer pelo costume cultural, religioso, social ou tradicional (art° 42 da Convenção de Istambul). Portanto, perante os factos provados os arguidos AA, HH, BB, EE e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto, Assim, praticaram um crime de casamento forçado.” E como salienta o Magistrado do MP junto do TRC: Para além disso não se pode esquecer que ao crime de casamento forçado são subsumíveis condutas praticadas em contextos muito diversificados, sendo que nunca a justiça penal poderia ficar sujeita à indefinição e às dificuldades probatórias que acarretaria a necessidade de se apurar, em cada caso concreto, quais os rituais de casamento dos diferentes grupos etnoculturais, sem esquecer que esses rituais e essas tradições poderiam, eventualmente, colidir com valores fundamentais da nossa Ordem Jurídica. Assim, aqui o que importa é saber se, no caso concreto, os arguidos AA, HH, BB e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto, sendo indiferente se essa união de facto foi ou não estabelecida de acordo com os rituais do “casamento ...”. E não há dúvida que, perante os factos provados, os arguidos AA, HH, BB, EE e CC constrangeram a ofendida a estabelecer e manter com o arguido BB uma união de facto, praticando, assim, em co-autoria, um crime de casamento forçado, bem assim outros crimes, não sendo para aqui chamada a Lei n.º 7/2001, de 11/05, que visa um fim diferente - a protecção das uniões de facto -, entendida como a situação jurídica de duas pessoas que, de comum acordo, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de 2 anos, e não proteger condutas censuráveis e criminosas. A penalização do casamento forçado decorre da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, resultando nos artigos 154º-B e 154º-C do Código Penal.” Em face da matéria de facto dada como provada pelo TRC, e não se descortinando a existência de qualquer dos vícios de decisão previstos no nº2 do art. 410º do CPP, considera-se verificarem-se todos os elementos constitutivos do crime de casamento forçado, pelo qual todos os arguidos/recorrente vieram a ser condenados . Alega ainda o recorrente AA que "a matéria fáctica dada como provada não permite concluir que o recorrente praticou o crime de violação, não vindo provado que foi querido pelo recorrente, nem que era previsível ou seria razoável supor que o co-arguido BB constrangesse e obrigasse a ofendida à prática de acto sexual de relevo, contra a vontade desta”. E alega que “não tendo praticado qualquer acto material, não tendo previsto sequer que o co- arguido praticasse actos sexuais de relevo com a ofendida, nem lhe sendo exigível que os tivesse previsto e, neste caso, se tivesse conformado com esse resultado, deveria ter sido mantida a absolvição proferida em 1ª instância relativa ao crime de violação”. No que tange à verificação do crime de violação, fundamentou o acórdão do TRC nos seguintes termos: “O Tribunal absolveu os arguidos AA, HH, EE e CC, da prática do crime de violação que lhes era imputado, no entanto e atendendo aos factos provados temos de concluir que efectivamente estes arguidos não praticaram quaisquer actos sexuais com a ofendida II mas recorreram ao uso da força física e de ameaças à sua vida, que a mesma entendeu como credíveis e que eram aptas, como o foram, a constrangê-la a praticá-los com o arguido BB. Dispõe o art°164° n° 1 - a) do Código Penal que "Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de para esse fim a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos " Dispõe o art° 26° do C.Penal que "é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução ". Este preceito indica quem é punível como autor, referindo-se ao autor imediato, mediato, à co-autoria e ao instigador. Os elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são os seguintes: a) o objectivo, que consiste na intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto); b) subjectivo, isto é, o acordo para a realização conjunta do facto, que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor; c) o domínio funcional do facto, no sentido "de ter e exercer o domínio positivo do facto típico" ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada. Como se refere no Ac. STJ de 27-9-1995, CJIII, tomo 3, 197: "São requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria a existência de decisão e de execução conjunta. O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime. No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, o que importa é que actuação da cada um embora parcial, se integre no todo e conduza á produção do objectivo em vista. A essência da co-autoria consiste em que cada um dos comparticipantes quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. Como refere Jorge de Figueiredo Dias, na sua anotação ao artigo 163.°, do Código Penal, no Comentário Conimbricense do Código Penal - Tomo I, Ia Edição, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 458 e segs (por remissão na anotação ao artigo 164.°, do Código Penal): "(•••) co-autor é -como o prova a circunstância de o acto sexual de relevo poder ter lugar "com outrem" - tanto aquele que se limita a usar o meio de coacção e não participa no acto sexual, como inversamente aquele que participa no acto sexual mas não no acto de coacção. Porém neste último caso - no do co-autor que leva a cabo apenas o acto sexual - será necessário que a coacção exercidas por outrem lhe possa ser pessoalmente imputada, seja através do acordo, seja por outra forma (...)". O Tribunal deu como provado que os arguidos AA, BB e HH elaboraram, em conjunto, um plano que visava retirar II do Colégio onde residia e obrigá-la a juntar-se com o arguido BB a residir com este (Ponto 8), sendo que a este plano aderiram posteriormente os arguidos EE e CC. Em conjugação de esforços e intentos, transportaram a ofendida II, contra a sua vontade, até ... e daí para ..., local onde a juntaram com o arguido BB, após o que ambos passaram a viver na habitação deste: "entre 26 de Dezembro de 2017 e 06 de Janeiro de 2018, II, contra a sua vontade, viu-se obrigada a partilhar cama, mesa e habitação com o arguido BB" e que "nesse período, uma vez por dia, sem usar preservativo, o arguido BB introduzia o seu pénis erecto na vagina de II, contra a vontade desta, onde o friccionava até ejacular dentro da vagina" (Pontos 46 e 47). Portanto, o Tribunal a quo deu como provado, que os arguidos, contra a vontade da ofendida, sob a ameaça de contra ela usarem violência física e impedindo-a de pedir auxílio, a constrangeram a juntar-se ao arguido BB, passando a viver com ele em união de cama, mesa e habitação e a com ele manter, diariamente, relações sexuais de cópula. Sem dúvida que a actuação conjunta dos arguidos foi relevante para constranger a ofendida a viver com o arguido BB, a manter com ele, mesmo não querendo relações sexuais. Todos os arguidos contribuíram para tirarem a ofendida do Colégio, depois levarem-na contra a sua vontade para ... e obrigaram-na a entrar no quarto e a ter relações com o arguido BB e a começar a partilhar a cama, a mesa e a habitação. Portanto, entendemos que os factos provados permitem imputar a prática de um crime de violação não apenas ao arguido BB, mas também aos co-arguidos AA, HH, EE e CC.” (sublinhados nossos) Em conformidade, procedeu o TRC ao aditamento dos articulados 109 a 113 da matéria de facto provada e à alteração dos factos tidos como não provados em 1ª instância, conforme páginas 89 a 92 do acórdão do TRC. Destacam-se os factos dados como provados pelo TRC de 111 a 113, que se transcrevem: Em face da matéria de facto dada como provada pelo TRC , e não se descortinando a existência de qualquer dos vícios de decisão previstos no nº2 do art. 410º do CPP, considera-se verificarem-se os elementos constitutivos do crime de violação, p. e p. pelo art. 164º nº1-a) do CP, pelo qual os arguidos/recorrentes AA, HH, EE e CC vieram, inovadoramente, a ser condenados em sede do acórdão do TRC . 4.2.Arguido HH Em sede de tribunal de 1ª instância, o arguido HH foi condenado, em co-autoria material “e como reincidente” (na parte decisória do acórdão), pela prática do crime de rapto, na pena de 4 anos de prisão, efetiva. E foi absolvido da prática dos crimes de casamento forçado e de violação. Em sede de TRC veio o arguido HH a ser condenado, inovatoriamente, na forma de co-autoria material, pela prática dos citados crimes de casamento forçado e de violação, nas penas parcelares de 4 anos de prisão e de 3 anos de prisão, respetivamente. E veio a ser agravada a medida da pena parcelar pela prática do crime de rapto para 4 anos e 6 meses de prisão, praticado igualmente na forma de co-autoria material. Em cúmulo foi o arguido condenado na pena única de 8 anos de prisão.
i)- a existência, de novo, da nulidade do acórdão prevista no art. 379º nº1-b) do CPP. ii)- contesta a sua condenação como reincidente iii)- que a matéria de facto não permite a sua condenação pelos crimes de violação e de casamento forçado. iv)- impugna a medida da pena aplicada pelo crime de rapto, alegando que a mesma deve fixar-se nos 3 anos de prisão, suspensa na sua execução. i) Alega o recorrente que deve ser dado como não escrito o ponto 34. da matéria de facto dada como provada no acórdão de 1ª instância, que os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos, por ser um facto decisivo para o elemento subjetivo do crime de rapto, que não constava da acusação e foi comunicado aos arguidos, incorrendo a decisão na nulidade prevista no art. 379º nº1-b) do CPP. Como fundamentou o acórdão do TRC, lapidarmente, ”ao contrário do sustentado pelo recorrente o Tribunal não deu como provado que os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos. O Tribunal deu como provado que: "Então, os arguidos AA e HH decidiram que II e BB iriam passar a noite em casa deste". Tais factos foram trazidos ao conhecimento do Tribunal através das declarações prestadas em audiência de julgamento e, tais factos traduzem-se em meros factos concretizantes da actividade criminosa dos arguidos sem repercussões agravativas e sem pôr em causa a defesa dos arguidos e reflectem o que os arguidos já haviam planeado e decidido anteriormente como se verifica dos factos provados nos pontos 6, 7, e 8 e que não é decisivo para o preenchimento do elemento subjectivo do crime, uma vez que já tinham decidido anteriormente que II e BB passariam a viver juntos, daí terem decidido que iriam [passar] a noite em ..., que era a casa dos pais do recorrente e dele próprio. O Tribunal cumpriu a comunicação prevista no art 358º n° 1 do CPP tendo em vista salvaguardar os direitos de defesa dos arguidos. Ora, dos autos não resulta que o arguido tenha sido condenado por infração diversa da que constava da acusação, ou que tenha visto agravados os limites máximos das sanções aplicáveis, como efeito de o tribunal ter considerado provados factos diversos dos descritos naquela peça processual. Assim sendo não se verifica a nulidade da al c) n° 1 do art. 379º do CPP. Aliás, perante os factos "novos" verificamos, apenas, e como já foi referido uma melhor concretização dos factos imputados ao arguido.” Pelos fundamentos expendidos no acórdão do TRC considera-se igualmente não ocorrer a nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 379º do CPP. ii) Contesta ainda, e de novo, o recorrente a sua condenação como reincidente no âmbito do acórdão de 1ª instância. Retomando os fundamentos aduzidos no acórdão do TRC, “o recorrente HH foi condenado pela prática de um crime de rapto, p. e p. pelo artº 161°, n° 1 al b) e n° 2, al a) por referência ao artº 158° n° 2 - a) do Cod Penal na pena de 4 anos de prisão. Entende, o recorrente que a pena é excessiva e que não podia ser condenado como reincidente. “Basta ler atentamente o acórdão recorrido para perceber que se trata de um lapso no dispositivo decisório quando se refere que se condena o arguido "....como reincidente, de um crime de rapto...". Ao condenar o recorrente em 4 anos de prisão o Tribunal partiu de uma moldura penal abstracta de 3 a 15 anos de prisão e não de 4 a 15 anos de prisão. Relativamente à impugnação de inexistência dos elementos constitutivos dos tipos legais de crimes de casamento forçado e de violação, dão-se aqui por reproduzidos os fundamentos aduzidos quanto ao recurso do arguido AA em 4.1.1 do presente parecer. No que tange ao crime de rapto, impugna o recorrente a medida da pena parcelar aplicada, que diz ser de 4 anos de prisão. Contudo, essa foi a pena aplicada em sede de tribunal de 1ª instância, vindo o TRL agravar a mesma para 4 Anos e 6 Meses de prisão. Pugna o recorrente pela aplicação de pena de 3 anos de prisão, pela prática do crime de rapto, suspensa na sua execução. Fundamenta o acórdão do TRC nos seguintes termos: “No que respeita à medida da pena a ilicitude é acentuada, o dolo é intenso. O recorrente HH nunca trabalhou, continua sem inserção laboral, não apresenta qualquer projecto de vida credível e não manifesta arrependimento. Além disso, o arguido HH já cumpriu prisão (processo 131/97 - crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida), já foi condenado em penas de multa (processos 139/09.7GBVVD- crime de condução de veículo sem habilitação legal e 82/05.9TAWD - crimes de detenção de arma proibida), já foi condenado em pena de prisão suspensa na execução (processo 518/06.1GCBRG -crime de furto na forma tentada) e bem assim em pena de prisão substituída por multa (processos 377/08.OTA WD - crime de descaminho de objectos colocados sob poder público, 379/10.6GAWD- crime de condução de veículo sem habilitação legal e 81/12.4TAWD - crime de condução de veículo sem habilitação legal), sendo que nenhuma dessas penas foi suficiente para o afastar da criminalidade. Por outro lado o recorrente era o patriarca da comunidade de etnia ... de ..., actuou motivado pelo empenho em afastar II do namorado e reconduzi-la a um companheiro e modo de vida da sua etnia, sabendo que tal não era a opção nem a vontade desta, disponibilizou a sua casa em ... para onde, também decidiu que a mesma iria viver com o recorrente BB. Portanto, a pena aplicada e no que se refere ao crime de rapto atento os factos apurados mostra-se justa e equilibrada encontra adequada e suficiente justificação na culpa do arguido, na ilicitude dos factos e nas necessidades de prevenção geral e especial.” Há que reconhecer não ter o acórdão do TRC fundamentado o agravamento da pena parcelar de 4 para 4 anos e 6 meses de prisão, questão sobre a qual tomaremos posição na parte final do presente parecer. 4.3 Recursos dos arguidos EE e CC Em sede de tribunal de 1ª instância os arguidos EE e CC foram absolvidos da prática dos crimes de rapto, de casamento forçado e de violação que lhes eram imputados Por acórdão do TRC, mercê do provimento concedido ao recurso interposto pelo MºPº em 1ª instância, tais arguidos foram condenados nas seguintes penas: i) arguido EE, pela prática na forma consumada e em concurso real, em co-autoria: - um crime de rapto p.p. pelos art. 26º, 161º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a) por referencia ao art. 158º n.º 2 alínea a) , do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de violação p.p. pelos art. 26º, 164º n.o 1 alínea a) do Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão; - um crime de casamento forçado, p.p. pelo art 154º-B do Cód. Penal na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 8 anos de prisão. ii)- a arguida CC, pela prática na forma consumada e em concurso real, em co-autoria: - um crime de rapto p.p. pelos art. 26º, 161º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a) por referencia ao art. 158º n.º 2 alínea a) , do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de violação p.p. pelos art. 26º, 164º n.º 1 alínea a) do CP, na pena de 4 anos de prisão; - um crime de casamento forçado, p.p. pelo art 154º-B do Cód. Penal na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico nos termos do art. 77º n.º 1 e 2 foi a arguida condenada na pena única de 8 anos de prisão. 4.1.3.1. Mostrando-se tempestivamente interpostos, em face do teor do Acórdão do TC nº 595/2018, são suscetíveis de recurso para o STJ as condenações sofridas pelos arguidos EE e CC por cada um dos crimes de rapto, violação e casamento forçado, bem assim a medida da pena única fixada em 8 anos de prisão. 4.1.3.2. No que tange à impugnação dos recorrentes quanto à condenação pela prática dos crimes de casamento forçado e de violação, dão-se por reproduzidos os fundamentos aduzidos em 4.1.1 do presente parecer. No que tange à condenação pela prática do crime de rapto, fundamentou o acórdão do TRC: “No que respeita ao crime de rapto dispõe o art° 161° n° 1 ai b) que quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vitima é punido... Dos factos apurados não temos dúvidas que os arguidos EE e CC não tiveram qualquer intervenção no rapto da ofendida II, desde ... até á sua chegada a ..., sendo esses factos apenas praticados pelos arguidos HH e BB. No entanto, a partir dessa altura e até ser encontrada em ..., em 24/01/2018, os arguidos EE e CC associaram a sua conduta á daqueles arguidos. A partir da chegada a ... e até ser libertada a ofendida II foi sempre coartada na sua liberdade, foi obrigada a permanecer junto do arguido BB e dos arguidos EE e CC (pais do arguido BB) e a viver em união de cama, mesa e habitação com o arguido BB e a manter relações sexuais de cópula com medo de todos os arguidos, principalmente dos arguidos AA e HH. Depois do arguido BB ter regressado à prisão, em 06/01/2018, a ofendida II ficou a residir com os arguidos EE e CC, em ..., onde eles a mantinham sempre acompanhada, nunca a deixavam sozinha, vigiavam-na quando ela falava ao telefone, davam-lhe instruções sobre o que deveria dizer, obrigaram-na a pintar o cabelo para não ser reconhecida, obrigaram-na a mendigar, obrigaram-na a renovar o seu Cartão de Cidadão, conduziram-na ao Estabelecimento Prisional de ... para visitar o arguido BB, mais a tendo obrigado a agir como se fosse mulher do seu filho arguido BB. Chamando aqui as presunções que são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - art 349 do C.Civil. As presunções naturais mais não são de que o produto das regras de experiência. O julgador a partir de um certo facto e socorrendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. Retomando ao caso vertente e socorrendo-nos das presunções podemos afirmar que os arguidos EE e CC, agiram nas descritas circunstâncias, de forma concertada com os arguidos AA, BB e HH, com o propósito concretizado de manter a ofendida II em situação de rapto, mantendo-a privada da sua liberdade, usando para tal força física e ameaças contra a sua vida que a ofendida II entendeu como credíveis, considerando o comportamento que aqueles vinham mantendo e que eram aptas, como o foram, a constrangê-la, com a finalidade de obrigar a ofendida II a viver juntamente com o arguido BB, em união de cama, mesa e habitação e a manter actos de natureza sexual, de cópula completa, com o mesmo arguido, contra a vontade expressa daquela. No caso vertente e como é referido pelo Ministério Público estamos perante uma co-autoria sucessiva, ou seja, os arguidos EE e CC, inteiraram-se do plano urdido pelos arguidos AA e HH e com o mesmo concordaram e decidiram participar do mesmo após a execução do plano, ou seja, os arguidos EE e CC foram informados pelos AA, HH e BB das suas anteriores condutas e, embora não tenham tomada a iniciativa de raptar a ofendida para a juntar ao seu filho BB, aprovaram essa decisão e, desde então, associaram as suas condutas às daqueles, dando o seu contributo à finalidade comum de raptar a ofendida II, para a constranger a viver em união de cama, mesa e habitação e a ter relações sexuais com o arguido BB. Portanto, os arguidos EE e CC praticaram, também, um crime de rapto.” (sublinhados nossos) Subscrevendo tais fundamentos, pronunciamo-nos pela improcedência do referido recurso conjunto, pronunciando-nos, a final, quanto à medida das penas parcelar e única. 4.1.4. Recurso do arguido BB Em sede de tribunal de 1ª instância, o arguido BB foi condenado pela prática, na forma consumada e em concurso real, como reincidente: - em co- autoria material, de um crime de rapto, p e p pelos artigos 26º, 161º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), por referência ao artigo 158º, no 2, alínea a), 75º e 76º,do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; -em autoria singular, de um crime de violação, p. e p. pelos artigos 26º, 164º, nos 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão. Por acórdão do TRC veio o arguido BB a ser condenado pela prática em concurso real, pela prática de: - um crime de rapto p.p. pelos art. 26º, 161º n.º 1 alínea b) e n.o 2 alínea a) por referência ao art. 158º n.º 2 alínea a) , 75º e 76º do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de violação p.p. pelos art. 26º, 164º n.º 1 alínea a) do Cód. Penal, na pena de 6 anos de prisão; - um crime de casamento forçado, p.p. pelo art 154º-B do CP na pena de 3 anos de prisão. Efectuado cúmulo jurídico nos termos do art. 77º n.º 1 e 2 do Cód. Penal, foi o arguido condenado na pena única de 10 anos de prisão. Foi inovadoramente condenado, pelo TRC, pela prática do crime de casamento forçado, na pena parcelar de 3 anos de prisão, vindo a pena única a ser agravada para os 10 anos de prisão. Relativamente aos crimes de rapto e de violação, tendo havido confirmação da decisão proferida em 1ª instância, sem alteração da matéria de facto, incriminação jurídica e medida das penas parcelares, ocorrendo situação de dupla conforme , não são passíveis de recurso para o STJ as condenações sofridas por tais crimes. sendo recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça-. nos termos do art. 400º nº1 -f) e -e) do CPP. Resta assim, quanto ao arguido BB, a recorribilidade pela inovadora condenação , no TRC, pelo crime de casamento forçado, tendo sido condenado na pena parcelar de 3 anos de prisão, e a medida da pena única fixada em 10 anos de prisão. No que tange à condenação pela prática do crime de casamento forçado, damos por reproduzidos os fundamentos aduzidos em 4.1.1. do presente parecer, considerando encontrarem-se reunidos os elementos típicos do crime em análise, devendo manter-se a condenação do arguido BB pela prática de tal crime, na forma de co-autoria e como reincidente, afigurando-se ajustada ao grau de culpa com que agiu a aplicação da pena parcelar de 3 Anos de prisão 5. No que tange à aplicação da medida das penas parcelares e da pena única, afigura-se ser de ponderar o seguinte: Relativamente ao crime de casamento forçado, pp pelo art. 154º B do CP, punível com pena até 5 anos de prisão, os arguidos foram condenados nas seguintes penas parcelares de prisão: *AA, como reincidente ------ -- 2 Anos e 6 meses HH ------- 3 Anos *BB, como reincidente ----- 3 Anos EE e CC ------ 3 Anos Não assumindo os arguidos HH, EE e CC a qualidade de reincidentes, afigura-se que as respetivas penas parcelares deverão ser diminuídas para 2 Anos e 4 meses de prisão. Relativamente à prática do crime de rapto, pp art. 161º do CP, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, os arguidos foram condenados nas seguintes penas: *AA, como reincidente ------ 5 Anos e 6 meses HH ------- 4 Anos e 6 Meses *BB, como reincidente ----- 4 Anos e 6Meses EE e CC ------ 4anos e 6 meses Não assumindo os arguidos HH, EE e CC a qualidade de reincidentes, afigura-se que as respetivas penas parcelares deverão ser diminuídas para 4 Anos de prisão. Em face da redução de medida das penas parcelares promovida, propugna-se que a medida da pena única aplicada aos arguidos HH, EE e CC seja reduzida para 7 anos de prisão. Em face do exposto, pronunciamo-nos pela improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos, excepção feita à propugnada alteração da medida das penas parcelares e pena única aplicadas aos arguidos HH, EE e CC, conforme ponto 5 ., e pela rejeição do segmento do recurso do arguido BB quanto às condenações pelos crimes de rapto e de violação.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP sem que houvesse respostas.
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2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados foi o seguinte (transcrição):
1- O arguido AA é pai de II, nascida em 00 de … de 0000, sendo ambos de etnia .... 2- O arguido HH é o patriarca da comunidade ... de ... e é casado segundo os costumes e tradição ..., com a arguida DD, pais de KK, companheira do arguido AA. 3- Desde Novembro de 2015 e por decisão judicial proferida no Processo de Promoção e Protecção n° 4680/15.4T8BRG-A, que II se encontrava a viver no Colégio ..., em ..., aí permanecendo, a seu pedido, após ter completado os 18 anos de idade. 4- Desde que foi para o referido Colégio que II manifestou vontade de se afastar dos costumes da sua etnia. 5- II namorava com LL desde Novembro de 2016, com quem já havia mantido relações sexuais de cópula. 6- Os arguidos AA e HH discordavam desse relacionamento e pretendiam que II vivesse, segundo a tradição e costumes ..., com uma pessoa da mesma etnia. 7- Assim, pelo menos, desde o início do ano de 2017, o arguido AA, acompanhado de membros da sua comunidade ..., vinha insistindo com II para que esta aceitasse sair do Colégio onde residia e fosse viver com um homem da sua etnia. 8- Uma vez que II se recusava a aceitar a vontade do pai, os arguidos AA, BB e HH elaboraram, em conjunto, um plano que visava retirar II do Colégio onde residia e obrigá-la a juntar-se com o arguido BB e a residir com este e com os seus pais, os arguidos CC e EE. 9- Em Dezembro de 2017, os arguidos AA e BB encontravam-se a cumprir penas de prisão nos estabelecimentos prisionais de ... e ..., respectivamente. 10- Para concretizarem aquele plano, aproveitaram as saídas precárias de que beneficiaram, por altura do Natal de 2017. 11- Assim, no dia 24 de Dezembro de 2017, o arguido AA ordenou a II que fosse passar o Natal, no acampamento ... de ..., com as suas tias MM e NN. 12- Perante a ordem que lhe foi dada pelo pai, no dia 24 de Dezembro de 2017, II deslocou-se do Colégio, onde residia, para o referido acampamento, ficando de regressar ao mesmo no dia 25 de Dezembro pelas 18:00 horas. 13- Porém, os arguidos AA e BB, em conjugação de esforços e de intentos com o arguido HH, planearam transportar a II, contra a sua vontade, até ao acampamento ..., sito em ..., para nesse local a juntarem com o arguido BB e para com este manter relações sexuais, e após, passarem a viver na habitação deste. 14- Para tanto, pediram ao arguido GG que, no seu veículo automóvel, os levasse a ... para trazerem a II para ... antes de a mesma regressar ao Colégio. 15- Deste modo, no dia 25 de Dezembro de 2017, durante a tarde, na prossecução do desígnio que os referidos arguidos haviam delineado, o arguido AA aproveitou a altura em que a filha II devia regressar do acampamento de ... ao Colégio, acompanhada pela sua tia, MM, pelos filhos desta e por OO. 16- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA ordenou a II que entrasse no veículo conduzido pelo arguido GG, dizendo que a iria transportar, juntamente com OO, com a sua tia MM e os filhos desta, ao Colégio onde II e os seus primos viviam. 17- Chegados à porta do Colégio, em ..., MM e OO entraram no edifício para ali deixarem os filhos daquela. 18- Enquanto isso, o arguido AA impediu II de entrar no Colégio, ao mesmo tempo que lhe dizia, em tom elevado e com foros de seriedade, que lhe batia se aí entrasse. 19- Com tal comportamento, o arguido AA impediu II de regressar ao Colégio, mantendo-a no interior do veículo e transportando-a, de seguida, até ao acampamento de ..., ..., onde MM residia. 20- Após deixarem MM no acampamento de ..., ..., seguiram levando II e continuando no veículo conduzido pelo arguido GG. 21- Assim, o arguido AA, transportando II, seguiu para um posto de abastecimento de combustível, localizado naquelas proximidades, onde os aguardavam os arguidos BB e FF. 22- Aí chegados, os arguidos BB e FF entraram no veículo conduzido pelo arguido GG, seguindo o arguido BB no banco da frente do lado direito enquanto II ia no banco de trás, tendo a seu lado os arguidos AA e FF. 23- Assim seguiram para o acampamento de ..., levando II. 24- Ao longo desse percurso, II chorava e pedia que a levassem de volta para o Colégio, o que lhe foi sempre negado pelo arguido AA. 25- Durante a viagem, II tentou enviar mensagens de telemóvel para o seu namorado LL e para a amiga PP. 26- O arguido AA não a deixou enviar mensagens, agarrou-a e ordenou-lhe para não usar o telemóvel e, apesar de este ter tocado por várias vezes, II foi sempre impedida de o atender pelo arguido seu pai. 27- Uma vez chegados ao acampamento de ..., o arguido AA obrigou II a entrar para a residência do arguido HH, que a aguardava juntamente com outros familiares. 28- A certa altura, como II se mostrava contrariada e a chorar, o arguido HH aproximou-se dela para lhe bater, no que foi impedido pelo arguido BB. 29- Então, o arguido AA tirou o telemóvel a II, destruiu o cartão SIM e entregou o aparelho telefónico ao arguido HH. 30- De seguida, o arguido AA ordenou a II que entrasse no quarto, acompanhada pelo arguido BB, para que os dois falassem, o que aquela recusou. 31- Perante tal comportamento de II, uma das mulheres presentes disse-lhe que seria pior para si se não o fizesse. 32- Nessa sequência e por receio do comportamento daqueles arguidos, II entrou no quarto da residência do arguido HH, acompanhada do arguido BB onde este começou a conversar com ela. 33- Todavia II recusou-se a conversar com o arguido BB. 34- Então, os arguidos AA e HH decidiram que II e BB iriam passar a noite em casa deste. 35- Após, cerca da uma hora do dia 26 de Dezembro de 2017, saíram da casa do arguido HH, na mesma carrinha, conduzida pelo arguido GG, seguindo o arguido HH no banco da frente do lado direito e II nos lugares traseiros do veículo, ladeada pelos arguidos AA e BB, sentando-se mais atrás o arguido FF. 36- Nessas circunstâncias, deslocaram-se para o acampamento sito na Rua ..., em ..., ..., onde moravam os arguidos FF e GG e também estavam os arguidos EE e CC, pais do arguido BB. 37- Então, depois de falarem com os arguidos EE e CC, os arguidos AA e HH foram embora deixando II com aqueles e com o arguido BB. 38- Quando já estavam deitados, no quarto, o arguido BB disse a II para tirar a roupa, ao que esta respondeu que tinha namorado e não mostrava o corpo a ninguém. 39- Perante isso, o arguido BB disse-lhe "tu és minha mulher tens que mostrar o corpo mesmo que não queiras" e tirou a roupa que esta ainda mantinha vestida. 40- Após, o arguido BB colocou-se em cima de II, estando esta de barriga para cima, penetrou-a na vagina com o pénis, contra a sua vontade, causando-lhe dor. 41- Após a penetrar, BB friccionou o pénis na vagina de II até ejacular dentro desta. 42- II aceitou sem reagir a penetração do arguido BB por recear que, se não deixasse, lhe ralhassem ou batessem, tendo em conta as anteriores conversas e actuações dos arguidos AA e HH. 43- No dia seguinte, II ainda pensou em fugir mas acabou por aceitar a sua situação por ter medo e não conhecer ninguém que a pudesse ajudar. 44- Assim, II resignou-se a viver como mulher do arguido BB. 45- No dia 06 de Janeiro de 2018, o arguido BB, que deveria ter regressado ao estabelecimento prisional em 10 de Dezembro de 2017, foi detido pela GNR de ... e conduzido ao estabelecimento Prisional de ... para continuar a cumprir pena de prisão. 46- Entre 26 de Dezembro de 2017 e 06 de Janeiro de 2018, II, contra a sua vontade, viu-se obrigada a partilhar cama, mesa e habitação com o arguido BB. 47- Nesse período, uma vez por dia, sem usar preservativo, o arguido BB introduzia o seu pénis erecto na vagina de II, contra a vontade desta, onde o friccionava até ejacular dentro da vagina. 48- Após a prisão do arguido BB, II, contra a sua vontade e por imposição daquele e de seus pais, foi levada até à residência dos mesmos EE e CC, sita na Rua ..., n°00, …., em .... 49- Em ..., os arguidos CC e EE mantinham II sempre acompanhada, sem a deixar sozinha, levando-a a agir como se fosse mulher do arguido BB. 50- No dia 08 de Janeiro de 2018, os arguidos EE e CC obrigaram II a elaborar e entregar, no estabelecimento Prisional de ..., um requerimento em nome do arguido BB, assinado por este e por II, requerendo que fosse autorizada uma nova visita ao mesmo, alegando que se tratava da ".. .minha esposa QQ, minha companheira actual...". 51 - Nessa mesma data, os arguidos EE e CC acompanharam II à Loja de Cidadão em ..., para que esta renovasse o seu cartão do cidadão, porque tinha deixado o seu no Colégio onde residia, tendo indicado, neste novo documento, a morada da residência daqueles arguidos. 52- Desde então que os arguidos EE e CC mantiveram consigo o documento referente à renovação do cartão de cidadão de II, sem nunca lho entregarem durante o tempo que esta permaneceu na habitação daqueles. 53- Em ..., enquanto viveu com os arguidos EE e CC, II foi, por diversas vezes, visitar o arguido BB ao estabelecimento prisional, obrigada e acompanhada por aqueles arguidos ou a filha deste. 54- Entre 06 de Janeiro de 2018 e 24 de Janeiro de 2018, II quando saía da residência dos arguidos EE e CC ia sempre acompanhada por esta arguida ou pela filha do arguido BB. 55- Nesse período de tempo, II foi obrigada a acompanhar a arguida CC quando esta se deslocava ao estacionamento junto do Hospital de ..., onde pedia dinheiro por ajudar no estacionamento de automóveis. 56- II foi igualmente obrigada a pintar o cabelo de cor escura para não ser reconhecida. 57- Nesse período de tempo, II era vigiada pelos arguidos EE e CC quando falava ao telefone, designadamente com a directora do referido Colégio, sendo obrigada a dizer que estava de livre vontade na residência destes arguidos. 58- No dia 24 de Janeiro de 2018, cerca das 09:05 horas, o arguido EE, conduzindo uma viatura VW, Passat de matrícula 00-BD-00, deixou a arguida CC que levava consigo a II e a filha do arguido BB, na rotunda de acesso ao Hospital .... 59- De seguida, a arguida CC, a II e a filha do arguido BB dirigiram-se para o parque de estacionamento sito na Alameda ..., onde aquela se dirigia aos condutores pedindo dinheiro e estas se dirigem para junto do parcómetro. 60- No mesmo local, cerca das 09:30 horas, a arguida CC foi abordada por inspectores da Polícia Judiciária enquanto a II e a filha do arguido BB eram abordadas por agentes da PSP de .... 61- Na altura, a arguida CC tinha consigo o cartão do cidadão de II. 62- No dia 24 de Janeiro de 2018, pelas 15:00 horas, no DIAP de ..., II foi ouvida, em "auto de inquirição", diligência executada pelo inspector da Polícia Judiciária RR e presidida pelo Sr. Dr. SS, Procurador da República e Dra. TT, Procuradora-Adjunta, estando presentes a Dra UU, assistente social e Dra VV, assistente social e directora técnica do Colégio .... 63- No dia 24 de Janeiro de 2018, cerca das 20:50 horas, o inspector da Polícia Judiciária RR transportou II para o Colégio ..., em .... 64- No dia 16 de Maio de 2018, na sequência das buscas realizadas à residência dos arguidos HH e DD, em Travessa …, ..., ..., foi apreendido o telemóvel que era utilizado por II, de marca e modelo, Huwaey Y52, com o IMEI 0000, que lhe havia sido retirado pelos arguidos no dia 25 de Dezembro de 2017. 65- Nesse mesmo dia 16 de Maio de 2018, na sequência das buscas realizadas à residência dos arguidos EE e CC, na Rua ..., n° 00, …, em ..., foram apreendidos os documentos referentes à renovação do cartão do cidadão de II e o cartão-de-visita no Estabelecimento Prisional de ... emitido em nome da mesma. 66- Os arguidos AA, BB, e HH agiram, nas descritas circunstancias, de forma concertada, com o propósito de privar II da sua liberdade, usando para tal a força física e ameaças contra a sua vida que esta entendeu como credíveis, considerando o comportamento que aqueles vinham mantendo. 67- Ao impedirem II de voltar para o Colégio onde residia e ao obrigá-la a deslocar-se para o acampamento de ... e depois para a zona de ..., aqueles arguidos agiram, em conjugação de esforços e de intentos, com o objectivo de a mesma se juntar com o arguido BB, bem sabendo que aquela não tinha vontade de ir viver juntamente com este nem de com ele manter relações sexuais. 68- O arguido BB sabia que II não queria que o mesmo introduzisse o seu pénis na sua vagina e que só o suportava por ter medo do que lhe poderia acontecer e de se sentir obrigada face às descritas circunstâncias em que se encontrava. 69- Os arguidos AA, BB e HH agiram, em conjugação de esforços e de intentos, até II ficar em ..., de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei. 70- O arguido BB também agiu de forma livre voluntária e consciente quando introduziu o seu pénis na vagina de II contra a vontade desta, bem sabendo que tal era proibido e punido por lei. 71- Os arguidos AA, BB e HH não manifestam arrependimento. 72- O arguido AA foi julgado nos seguintes processos: 72.1- processo comum singular n° 173/97, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 05.02.1998, pela prática do crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 07.05.1996, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos; em 14.07.2000, tal pena foi declarada extinta; 72.2- processo sumário n° 790/98, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 06.10.1998, pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 1998, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 300S00; 72.3- processo comum colectivo n° 86/99-S, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 12.10.1999, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 15.10.1992, na pena de dois anos de prisão; em 02.04.2003 foi-lhe concedida a liberdade condicional durante o período decorrente de 04.04.2003 até ao final da pena; em 21.04.2006 foi revogada a liberdade condicional determinando-se a execução da pena ainda não cumprida; 72.4- processo comum colectivo n° 1065/99.1TBBRG, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 12.10.1999, transitado em julgado em 13.10.2000, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 25.09.1997, na pena de seis anos de prisão efectiva; em 10.12.2015 foi declarada extinta a pena pelo cumprimento por referência a 25.08.2011; 72.5- processo sumário n° 44/04.3GAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 03.03.2004, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 17.02.2004, na pena de seis meses de prisão substituídos por igual número dias de multa à taxa diária de quatro euros; em 05.05.2005, a pena foi julgada extinta pelo cumprimento; 72.6- processo comum colectivo n° 171/03.4GAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por acórdão de 01.05.2003, transitado em julgado em 14.07.2005, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 01.05.2003, na pena de seis anos de prisão efectiva; em 25.10.2016 foi declarada extinta a pena pelo cumprimento por referência a 14.10.2016; 72.7- processo comum singular n° 812/11.0GBWD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 18.06.2012 transitada em julgado em 03.09.2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 17.10.2011, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante o pagamento de 750,00 euros ao B. B. ...; em 4.07.2016 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão; 72.8- processo comum colectivo n° 213/11.OGAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por acórdão de 24.02.2014, transitado em julgado em 11.08.2014, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 20.12.2011, na pena de sete anos de prisão efectiva. 73- O arguido AA nasceu a 00 de … de 0000, em ..., sendo um dos oito filhos de um casal de vendedores .... 74- O arguido AA não concluiu qualquer grau de ensino começando logo a ajudar os pais na venda … em …. 75- Aos 00 anos de idade, o arguido AA passou a viver maritalmente, segundo os rituais da sua etnia, tendo o casal permanecido a residir no mesmo acampamento dos pais do arguido, existindo duas filhas dessa união. 76- O arguido AA residiu num local habitado exclusivamente por elementos de etnia ..., apenas composto por casas abarracadas. 77- Já em reclusão, AA, iniciou uma relação com OO, a qual reside com as filhas ainda menores, ambas estudantes em ...; vivem com o que recebem do rendimento social de inserção. 78- O arguido AA está preso em cumprimento de pena desde 11.10.2012, tendo sido transferido do estabelecimento prisional de ... para o estabelecimento prisional ... em 27.01.2014; actualmente cumpre a pena de 7 anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes à ordem do processo n° 213/11.OGAVVD. 79- O arguido AA tem gozado as suas saídas ao meio livre em casa de OO; no mesmo acampamento habitam a mãe, alguns irmãos, cunhados e demais familiares da sua companheira. 80- O arguido AA trabalha como … na … e frequenta o 0º ciclo; não regista problemas disciplinares; não apresenta problemas de saúde. 81- O arguido BB foi julgado nos seguintes processos: 81.1- processo sumário n° 912/05.5PCCBR, do Io Juízo Criminal de ..., onde foi condenado, por sentença de 28.04.2005, transitada em julgado em 13.05.2005, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 27.04.2005, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 21.10.2005 tal pena foi declarada extinta pelo pagamento; 81.2- processo comum singular n° 153/05.1PBVNO, do 2o Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 05.05.2006, transitada em julgado em 01.04.2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 20.07.2005, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 02.11.2009 tal pena foi declarada extinta pelo pagamento 81.3- processo sumário n° 107/06.6PBLRA, do Io Juízo Criminal de ..., onde foi condenado, por sentença de 29.01.2008, transitada em julgado em 15.04.2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 22.01.2008, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 26.10.2009 tal pena foi declarada extinta pelo pagamento; 81.4- processo sumário n° 51/08.7PFCBR, do 4o Juízo Criminal de ..., onde foi condenado, por sentença de 19.12.2008, transitada em julgado em 19.01.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 14.11.2008, na pena de cinco meses de prisão suspensa pelo período de um ano, com a condição de comprovar em seis meses estar inscrito para a realização de exame teórico; em 12.10.2011 tal pena foi declarada extinta; 81.5- processo comum colectivo n° 165/06.8GBWD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por acórdão de 11.05.2009, transitado em julgado em 01.06.2009, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 30.06.2006, na de pena dez meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 18.03.2015, tal pena foi declarada extinta; 81.6- processo comum colectivo n° 134/09.6TAMMV, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por acórdão de 15.07.2013, transitado em julgado em 01.10.2013, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de detenção ilegal de arma, por factos ocorridos em 09.03.2010, na pena única de três anos de prisão efectiva; em 20.05.2016, foi efectuado cúmulo jurídico com a pena imposta no processo 340/07.8PCCBR sendo o arguido condenado na pena única de quatro anos de prisão efectiva. 81.7- processo comum colectivo n° 1101/09.5JACBR, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 13.03.2004, transitado em julgado em 10.04.2015, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida, por factos ocorridos em 01.03.2011, na pena única de oito anos de prisão efectiva; 81.8- processo comum singular n° 1068/05.9PBCBR, do 4o Juízo Criminal de ..., onde foi condenado, por sentença de 15.09.2009, transitada em julgado em 15.10.2009, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 24.10.2005, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 20.01.2011, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento efectuado em 07.01.2011; 81.9- processo sumário n° 295/09.4PAPLR, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 10.11.2009, transitada em julgado em 10.12.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 20.10.2009, na pena de dezoito meses de prisão suspensa na sua execução por igual período; em 29.11.2011 tal pena foi declarada extinta; 81.10- processo comum colectivo n° 340/07.8PBCBR, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 21.12.2009, transitado em julgado em 25.01.2010, pela prática de dois crimes de roubo, sendo um na forma tentada, por factos ocorridos em 27.02.2007, na pena única de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova; em 16.06.2011, foi revogada a suspensão da pena de prisão; 81.11- processo sumaríssimo n° 410/10.5TACBR, do 4o Juízo Criminal de ..., onde foi condenado, por sentença de 16.04.2010, transitada em julgado em 16.04.2010,pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 06.06.2008, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de seis euros; em 11.04.2011, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento efectuado em 04.04.2011; 81.12- processo comum colectivo n° 25/09.9PVCBR, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 02.05.2011, transitado em julgado em 23.05.2011, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, por factos ocorridos em 25.03.2010, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 20.03.2011, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento. 82- O arguido BB nasceu a 00 de … de 0000, na freguesia de ..., …, numa família constituída pelos pais e mais cinco irmãos. 83- A família residiu no parque ... da Cidade de ... até 2004, altura em que foram habitar para uns terrenos cedidos pela Câmara Municipal, junto à antiga estação de Caminhos de Ferro, na ..., em habitações de "tipo abarracado"; a subsistência era assegurada pela venda … de artigos de … e …, realizada pelos pais e pelo Rendimento Social de Inserção. 84- O arguido BB o 00o ano de escolaridade, após várias retenções devido a absentismo, uma vez que acompanhava a mãe na sua actividade de …. 85- O arguido BB, entre os 00 e os 00 anos, viveu com a mãe enquanto o pai se encontrava a cumprir pena efectiva de prisão. 86- Após a libertação do pai, o arguido BB passou a acompanhá-lo na venda …. 87- Em 2008, o arguido BB começou a viver com a sua companheira, numa habitação pré-fabricada, junto da sua família; em 2010 nasceu a filha de ambos. 88- Neste período, o arguido BB encontrava-se em acompanhamento por parte dos Serviços de Reinserção Social, no âmbito de uma suspensão de execução de pena, sujeita a regime de prova. 89- Uma vez restituído à liberdade, o arguido BB perspectiva voltar a viver com os pais, em cumprimento de medida de permanência obrigatória na habitação, sendo que a sua filha e os irmãos menores se a viver numa instituição. 90- O arguido BB está preso desde 22.07.2011 cumprindo, sucessivamente, uma pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, imposta no processo n° 134/09.6TAMMV e uma pena de 8 anos e 6 meses de prisão, aplicada no processo n° 1101/09.5JACBR. 91-= arguido BB está no estabelecimento Prisional de ... desde 17.12.2014, data em que veio transferido do estabelecimento prisional de ..., onde sofreu duas sanções disciplinares e trabalhou como … da …. 92- No estabelecimento Prisional de ... inscreveu-se na escola - nível B3, no ano lectivo 2014/2015 mas acabou por abandonar, revelando absentismo e desmotivação; em Julho de 2017 começou a trabalhar como … dos … da Ala G e, em Novembro, passou a trabalhar no sector da …; apresenta um comportamento isento de sanções disciplinares, o que lhe permitiu passar a beneficiar de medidas de flexibilização da pena. 93- Em Dezembro de 2017, o arguido BB sofreu oito dias de permanência obrigatória no alojamento por não ter regressado de saída de curta duração; desde então regressou ao regime comum e mantém-se inactivo. 94- O arguido HH foi julgado nos seguintes processos: 94.1- processo comum colectivo n° 131/97 (posteriormente NUÍPC 565/96.0JABRG), do Tribunal de Círculo de ..., onde foi condenado, por acórdão de 26.11.1998, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, na pena única de nove anos de prisão; em 13.10.2006 foi-lhe concedida a liberdade definitiva com efeitos reportados a 30.07.2006; 94.2- processo sumário n° 139/09.7GBWD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 11.03.2009, transitada em julgado em 20.04.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 02.03.2009, na pena de 00 dias de multa à taxa diária de nove euros; em 29.01.2014, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento em 02.02.2010; 94.3 processo comum colectivo n° 518/06.1GCBRG, da Vara Mista de ..., onde foi condenado, por acórdão de 30.06.2008, transitado em julgado em 31.07.2008, pela prática de um crime de furto na forma tentada, na pena de oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 02.06.2010, tal pena foi declarada extinta; 94.4- processo comum singular n° 377/08.OTA WD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 20.07.2009, transitada em julgado em 1.09.2009, pela prática de um crime de descaminho de objectos colocados sob poder público, por factos ocorridos em 19.04.2006, na pena de 100 dias de prisão substituída por 100 dias de multa à taxa diária de quatro euros; em 12.11.2009, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento efectuado em 20.07.2009; 94.5- processo comum colectivo n° 82/05.9TAWD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por acórdão de 18.01.2010, transitado em julgado em 11.02.2010, pela prática dos crimes de detenção de arma proibida (150 dias) e de detenção de armas ou outros dispositivos em locais proibidos (60 dias), por factos ocorridos em 04.02.2004, na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 19.02.2010, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento efectuado em 02.02.2010; 94.6- processo abreviado n° 379/10.6GAWD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 16.11.2010, transitada em julgado em 24.01.2011, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 10.08.2010, na pena de cinco meses de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de seis euros; em 22.03.2011, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento em 09.03.2011; 94.7- processo comum singular n° 81/12.4TAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado, por sentença de 13.09.2012, transitada em julgado em 08.10.2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 14.10.2011, na pena de sete meses de prisão substituída por 210 dias de multa à taxa diária de cinco euros; em 21.10.2013, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento em 15.10.2013. 95- O arguido HH nasceu a 03 de Maio de 1970, em Matosinhos; o pai era negociante de cavalos e a mãe doméstica. 96- O arguido HH não frequentou a escola; não sabe ler nem escrever. 97- Aos 00 anos de idade, o arguido HH casou, segundo as tradições ..., com uma companheira com 00 anos, tendo 4 filhos da relação. 98- O arguido HH nunca teve ocupação profissional vivendo sempre de apoios sociais do Estado. 99- Com cerca de 00 anos de idade, o arguido HH foi condenado a uma pena de 9 anos de prisão por tráfico de estupefacientes, mantendo-se em reclusão durante 7 anos; durante a liberdade condicional viveu junto da família de origem dos pais antes de fixar residência na actual morada, em .... 100- O arguido HH vive com a companheira, DD, de 00 anos, …, e a filha WW, de 00 anos, estudante. 101- O arguido HH e a família residem há cerca de 8 anos na actual morada, numa moradia térrea, "tipologia 2", "ampla e com boas condições de habitabilidade e conforto"; a casa depende de electricidade e água fornecida por um vizinho; a casa insere-se numa área com mais 3 habitações, duas das quais onde residem dois dos filhos do arguido (XX e KK, esta companheira do arguido AA). 102- O arguido HH sofre de doenças crónicas (..., ..., perda de ... e de ...) com necessidade de supervisão clínica regular e com consequências físicas limitantes. 103- À data da detenção, o arguido HH frequentava há cerca de 3 meses um curso de qualificação escolar e profissional na área de ..., sendo a frequência desta formação condição para a manutenção do apoio do Rendimento Social de Inserção. 104- O arguido HH encontra-se inactivo, sendo que a sua ocupação do tempo se circunscreve ao meio familiar, na partilha de tarefas domésticas e educação da filha. 105- O arguido HH recebe cerca de 450,00 euros de Rendimento Social de Inserção e do abono da filha menor; tem encargos fixos mensais de cerca 30 euros, com medicação e compensação do vizinho pelo fornecimento de água e electricidade. 106- O arguido HH esteve preso preventivamente desde 18 de maio de 2018 até 14 de Julho de 2018, passando a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, situação em que se manteve até 20 de Fevereiro de 2019. 107- O arguido HH assume uma posição de liderança junto dos elementos da família que residem na sua proximidade (incluindo KK, companheira do arguido AA). 108- II declarou expressamente que renunciava ao arbitramento oficioso de indemnização. Aditados à matéria de facto pelo TR Coimbra (cfr fls 2326/v- 2327 que no acórdão fazem pags. 88-89) 109 - A arguida CC já foi julgada e condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de seis (6) anos de prisão (proa 25/09.0PFCBR). 110- O arguido EE já foi julgado e condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de seis (6) anos de prisão (proa PGLC 576/99) 111- Os arguidos AA, HH, BB, EE e CC actuaram com o propósito concretizado e concertado de obrigar a ofendida II a viver juntamente com o arguido BB, em união de cama, mesa e habitação e a manter actos de natureza sexual, de cópula completa, com o mesmo arguido, contra a vontade expressa daquela, o que conseguiram, assim limitando a sua liberdade de decisão, nomeadamente através de ameaças à sua vida, que a ofendida II entendeu como credíveis e que eram aptas, como o foram, a constrangê-la; 112- Os arguidos EE e CC, agiram nas descritas circunstâncias, de forma concertada com os arguidos AA, BB e HH, com o propósito concretizado de manter a ofendida II em situação de rapto, mantendo-a privada da sua liberdade, usando para tal força física e ameaças contra a sua vida que a ofendida II entendeu como credíveis, considerando o comportamento que aqueles vinham mantendo e que eram aptas, como o foram, a constrangê-la, com a finalidade de obrigar a ofendida II a viver juntamente com o arguido BB, em união de cama, mesa e habitação e a manter actos de natureza sexual, de cópula completa, com o mesmo arguido, contra a vontade expressa daquela. 113- Os arguidos AA, BB, HH, EE e CC agiram sempre em conjugação de esforços e de intentos, de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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3. – Como questão prévia impõe-se definir o que, no âmbito dos recursos interpostos, é irrecorrível. 3.1 - Como se mencionou supra a decisão recorrida é o acórdão (de 2019.11.27) do Tribunal da Relação de Coimbra. Nela se confirmou parcialmente a decisão da 1ª instância e, mercê do recurso interposto pelo Ministério público, se condenaram os recorrentes por crimes de cuja prática tinham sido absolvidos, como também já exposto supra no relatório, havendo ainda uma situação em que uma pena parcelar – a que foi imposta ao recorrente HH pelo crime de rapto – foi agravada. Há, pois, uma parte da decisão ora recorrida que se configura como confirmatória daquela outra decisão da 1ª instância e que, sintetizando, é a seguinte: - condenação do recorrente AA pelo crime de rapto na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; - condenação do recorrente BB pelo crime de rapto na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e pelo crime de violação na pena de 6 anos de prisão. Impõe-se, assim, convocar a este respeito o quadro legal aplicável que é o das disposições conjugadas dos arts. 432º, nº 1 al. b) e 400º, nº 1, al. f) do Código de Processo Penal (diploma a que pertencem as normas adiante indicadas sem menção de origem). A primeira daquelas normas determina: 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: …………………………………………………………………………………… Por seu turno determina o citado art. 400º 1 – Não é admissível recurso: …………………………………………………………………………….. f) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Nesse sentido, já se pronunciou também o Tribunal Constitucional, por exemplo, no Ac. nº 659/2011 decidindo “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido em recurso pela relação que confirme a decisão da 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão”[3]. Ora, nos casos assinalados as penas parcelares aplicadas são inferiores a 8 anos de prisão não o sendo apenas a pena única resultante do cúmulo jurídico a que se procedeu. A situação é, pois, de patente dupla conforme impondo-se, consequentemente, a rejeição dos recursos nesta parte nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b) em tudo o que tenha a ver com questões colocadas a propósito dos mencionados crimes pelos quais foram condenados AA (rapto) e BB (rapto e violação). 3.2 – Além disso, relativamente a uma outra situação também a decisão do TR Coimbra é irrecorrível. O recorrente HH foi condenado pelo crime de rapto, em recurso, na pena de 4 anos e 6 meses. Ora, o art. 400º já citado, com a epígrafe «Decisões que não admitem recurso» tem a alínea e) do nº 1, aqui aplicável e que dispõe sobre a inadmissibilidade de recurso o seguinte: «De acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos». Assim sendo também esta parte da decisão é irrecorrível sendo igualmente de rejeitar o recurso nessa parte. Como está bem de ver não é cabido chamar à colação a jurisprudência constitucional obrigatória fixada no Acórdão nº 595/2018 que estabeleceu a inconstitucionalidade daquela norma quando prescreve a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição. Isto porque o mencionado recorrente tinha já sido condenado pelo referido crime de rapto na pena de 4 anos de prisão.
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4. – A questão que se imporia analisar seguidamente, em razão da sua eventual procedibilidade e subsequente consequência processual é a da nulidade invocada pelo recorrente HH, que seria a prevista no art. 379º, nº 1, al. b) decorrente da inclusão na decisão proferida na 1ª instância de matéria de facto não descrita na acusação fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358º e 359º Na 1ª instância foi decidido comunicar aos arguidos, ao abrigo do art. 358º, nº 1, que haveria a possibilidade de se verificarem alterações não substanciais da matéria de facto. Entre outras, a seguinte que é aquela que o recorrente põe em causa (cfr conclusão 5 e seguintes): «I – Os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos». O arguido, ora recorrente arguiu a nulidade relativa à inserção de tal facto alegando que se trataria de uma “alteração substancial” tal como ela está definida no art. 1º, al. f) dizendo que se trataria de um facto novo relativo ao dolo sem o mínimo de correspondência com a acusação e invocando a “proibição” determinada pelo Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº 1/2015. Essa nulidade foi indeferida com o seguinte fundamento (transcrição): «Salvo o devido respeito por diferente entendimento não se verifica a invocada nulidade porquanto a possibilidade de alteração dos factos comunicada corresponde a uma diminuição da intensidade dos factos imputados na acusação. A leitura dos factos integrada no conjunto dos factos provados mostra que nada de novo foi acrescentado, antes pelo contrário corresponde a um menor âmbito de actuação relativamente ao imputado na acusação». No recurso interposto para o TR Coimbra o arguido pediu a reapreciação da questão alegando designadamente que esse aludido facto «encontra reflexo» no facto provado 34 que, recorde-se, tem a seguinte redacção «Então os arguidos AA e HH decidiram que II e BB iriam passar a noite a casa deste» argumentando que «tal facto bule com a intencionalidade criminosa, integrando o dolo» e reiterando que não encontra o mínimo de correspondência na factualidade narrada na acusação. O acórdão ora recorrido pronunciou-se a este respeito nos seguintes termos (transcrição): «Sustenta o recorrente que deve ser dado como não escrito o ponto 34 da matéria de facto dada por provada pela decisão recorrida, que os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos, por ser um facto decisivo para o preenchimento do elemento subjectivo do crime de rapto, que não constava da acusação e foi comunicado aos arguidos, incorrendo a decisão na nulidade prevista no art° 379°, n° 1 al, b) do CPP . Dispõe o art 339, n° 4 do CPP: "Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os arts 368°e 369º". Este normativo veio definir o objecto do processo, no que diz respeito aos factos da seguinte forma: Objecto da discussão da causa: - factos alegados pela acusação ou constantes da pronúncia; - factos alegados pela defesa; - factos que resultarem da discussão da causa; sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos. O art 1º, al f) do CPP define alteração substancial dos factos como aquele que tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso, ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Por contraposição, a alteração não substancial que é aquela que, representa embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Dispõem o art 358 do CPP: 1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 – ------------------------------------------------------------------------------------------------------ Da análise da decisão temos de concluir que não há qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos. Ao contrário do sustentado pelo recorrente o Tribunal não deu como provado que os arguidos AA e HH decidiram que II e BB passariam a viver juntos. O Tribunal deu como provado que: "Então, os arguidos AA e HH decidiram que II e BB iriam passar a noite em casa deste" Tais factos foram trazidos ao conhecimento do Tribunal através das declarações prestadas em audiência de julgamento e, tais factos traduzem-se em meros factos concretizantes da actividade criminosa dos arguidos sem repercussões agravativas e sem pôr em causa a defesa dos arguidos e reflectem o que os arguidos já haviam planeado e decidido anteriormente como se verifica dos factos provados nos pontos 6, 7, e 8 e que não é decisivo para o preenchimento para o preenchimento do elemento subjectivo do crime, uma vez que já tinham decidido anteriormente que II e BB passariam a viver juntos, daí terem decidido que iriam a noite em ..., que era a casa dos pais do recorrente e dele próprio. O Tribunal cumpriu a comunicação prevista no art 358, n° 1 do CPP tendo em vista salvaguardar os direitos de defesa dos arguidos. Ora, dos autos não resulta que o arguido tenha sido condenado por infracção diversa da que constava da acusação, ou que tenha visto agravados os limites máximos das sanções aplicáveis, como efeito de o tribunal ter considerado provados factos diversos dos descritos naquela peça processual. Assim sendo não se verifica a nulidade da ai c) n° 1 do art 379 do CPP. Aliás, perante os factos "novos" verificamos, apenas, e como já foi referido uma melhor concretização dos factos imputados ao arguido.» Antes de mais importa sublinhar que o recorrente não identifica o crime cujos elementos subjectivos, em sua opinião, ficaram “completos” com a alteração dos factos que designa como substancial levada a cabo na decisão da 1ª instância. Não o fez aquando da arguição de nulidade perante esse tribunal estando então ainda em aberto a possibilidade de vir a ser condenado quer pelo crime de rapto quer ainda pelos crimes de casamento forçado e de violação que a acusação lhe imputou. E como foi absolvido da prática destes dois crimes, sendo condenado somente pelo crime de rapto, e como reiterou no seu recurso a arguição de nulidade depreende-se – é o que apenas se torna possível – que essa alteração factual que reputa de substancial se reportará ao crime de rapto pelo qual foi então condenado. Dito isto importa retirar a conclusão de que tal invocação de nulidade não é susceptível de apreciação uma vez que como já exposto supra em 3.2 a decisão do TR Coimbra, no tocante a esse crime de rapto é irrecorrível.
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5. – Todos os recorrentes questionam com abordagens algo semelhantes as condenações impostas pelos crimes de rapto, casamento forçado e violação. Far-se-á notar, contudo, que além da limitação do âmbito dos recursos já assinalada por ocorrer dupla conforme quanto ao crime de rapto pelo qual foram condenados os recorrentes AA e BB e de violação pelo qual foi condenado o recorrente BB bem como a limitação decorrente da irrecorribilidade da decisão quanto à condenação de HH em virtude de ter sido condenado em pena inferior a cinco anos de prisão, uma outra sobrevém decorrente da circunstância de estar fixada a matéria de facto dada como provada. Como determina o art. 434º o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente matéria de direito sem prejuízo, somente, do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º. Isto significa que afirmações como as que constam da conclusão 2ª da motivação conjunta dos recorrentes EE CC sobre o consentimento por parte de II para manter relações sexuais com BB são irrelevantes não só por força da dupla conforme como também por estarem em divergência com a matéria de facto assente. O mesmo se diga da conclusão 3ª a respeito da prática do crime de rapto pelo recorrente BB quando faz apelo ao conteúdo de «declarações» prestadas. Ou ainda quanto a outras conclusões como as 13ª ou 14ª desta motivação ou a 19ª e a 20ª da motivação do recorrente HH também elas questionando a matéria de facto. Dito isto.
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6. – Em face das conclusões com que os recorrentes remataram as suas motivações e que como é por demais sabido delimitam, por servirem de guião, o âmbito dos recursos não haverá muito a dizer sobre o crime de rapto pelo qual os recorrentes foram condenados. Por um lado, porque, como referido já, existe dupla conforme no tocante a tal crime em relação aos recorrentes AA e BB. Por outro, porque também o recorrente HH tem excluída a possibilidade de recurso quanto a este crime. De resto, como o próprio reconhece (cfr conclusão 19ª da respectiva motivação), não questiona sequer que o haja praticado. E, finalmente, porque quanto aos recorrentes EE e CC estes mais se limitam, em derradeira análise, a questionar a matéria de facto quando nas conclusões 13ª e 14º da sua motivação alegam não ser legítimo assacar-lhes responsabilidades pela circunstância de a II ter saído da cidade de ... e ter vindo «desaguar» (sic) em sua casa, acrescentado ainda que «não ficou minimamente demonstrada a existência de um plano para um rapto, a existência sequer desse mesmo rapto, e a ter existido este rapto, para os recorrentes tal é algo de perfeitamente alheio». Tudo contra o que a matéria de facto deu por assente. É, porém, patente que a sua intervenção se enquadra, como se consigna no acórdão recorrido, na noção de co-autoria sucessiva em que a «consumação material, terminação ou conclusão» que se dá «apenas com a realização completa do ilícito em vista do qual foi erigida a incriminação desde que o agente tenha actuado com o dolo de o realizar; dá-se, por outras palavras, com a verificação do resultado que interessa ainda à valoração do ilícito por directamente atinente aos bens jurídicos tutelados e à função de protecção da norma»[4] como um “alongue” – passe a expressão em benefício da clarificação da ideia – relativamente à designada «consumação típica ou formal» e que assume relevância nos chamados crimes duradouros ou permanentes, aqueles em que o estado antijurídico típico se prolonga no tempo enquanto tal for a vontade do agente[5]. Fazendo apelo à jurisprudência do Tribunal Supremo de Espanha[6] dir-se-á que há co-autoria sucessiva sempre (i) que alguém haja dado início à execução de um delito; (ii) que posteriormente outro ou outros juntem a sua actividade à do primeiro para lograr a consumação do delito cuja execução haja sido iniciada por aquele outro; (iii) que quem intervém à posteriori ratifique (expressa ou tacitamente) o que foi realizado por quem começou a execução, aproveitando-se da situação previamente criada por aquele não bastando o simples conhecimento; (iv) que quando intervenham aquele que não hajam participado nos actos iniciais não se tivesse produzido a consumação, de tal modo que não possa dizer-se que quem intervém depois tomou parte na execução do facto. Ora, a este propósito o acórdão recorrido argumenta de forma clara e, crê-se, que irrefutável: «Dos factos apurados não temos dúvidas que os arguidos EE e CC não tiveram qualquer intervenção no rapto da ofendida II, desde ... até á sua chegada a ..., sendo esses factos apenas praticados pelos arguidos HH e BB. No entanto, a partir dessa altura e até ser encontrada em ..., em 24/01/2018, os arguidos EE e CC associaram a sua conduta à daqueles arguidos. A partir da chegada a ... e até ser libertada a ofendida II foi sempre coartada na sua liberdade, foi obrigada a permanecer junto do arguido BB e dos arguidos EE e CC (pais do arguido BB) e a viver em união de cama, mesa e habitação com o arguido BB e a manter relações sexuais de cópula com medo de todos os arguidos, principalmente dos arguidos AA e HH. Depois do arguido BB ter regressado à prisão, em 06/01/2018, a ofendida II ficou a residir com os arguidos EE e CC, em ..., onde eles a mantinham sempre acompanhada, nunca a deixavam sozinha, vigiavam-na quando ela falava ao telefone, davam-lhe instruções sobre o que deveria dizer, obrigaram-na a pintar o cabelo para não ser reconhecida, obrigaram-na a mendigar, obrigaram-na a renovar o seu Cartão de Cidadão, conduziram-na ao Estabelecimento Prisional de ... para visitar o arguido BB, mais a tendo obrigado a agir como se fosse mulher do seu filho arguido BB. Chamando aqui as presunções que são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - art 349 do C.Civil. As presunções naturais mais não são de que o produto das regras de experiência. O julgador a partir de um certo facto e socorrendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. Retomando ao caso vertente e socorrendo-nos das presunções podemos afirmar que os arguidos EE e CC, agiram nas descritas circunstâncias, de forma concertada com os arguidos AA, BB e HH, com o propósito concretizado de manter a ofendida II em situação de rapto, mantendo-a privada da sua liberdade, usando para tal força física e ameaças contra a sua vida que a ofendida II entendeu como credíveis, considerando o comportamento que aqueles vinham mantendo e que eram aptas, como o foram, a constrangê-la, com a finalidade de obrigar a ofendida II a viver juntamente com o arguido BB, em união de cama, mesa e habitação e a manter actos de natureza sexual, de cópula completa, com o mesmo arguido, contra a vontade expressa daquela. No caso vertente e como é referido pelo Ministério Público estamos perante uma co-autoria sucessiva, ou seja, os arguidos EE e CC, inteiraram-se do plano urdido pelos arguidos AA e HH e com o mesmo concordaram e decidiram participar do mesmo após a execução do plano, ou seja, os arguidos EE e CC foram informados pelos AA, HH e BB das suas anteriores condutas e, embora não tenham tomada a iniciativa de raptar a ofendida para a juntar ao seu filho BB, aprovaram essa decisão e, desde então, associaram as suas condutas às daqueles, dando o seu contributo à finalidade comum de raptar a ofendida II, para a constranger a viver em união de cama, mesa e habitação e a ter relações sexuais com o arguido BB. Portanto, os arguidos EE e CC praticaram, também, um crime de rapto.» Improcede, pois, o recurso no tocante ao pedido de absolvição dos recorrentes EE e CC.
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7. – Todos os recorrentes põem em causa a sua condenação pelo crime de casamento forçado do art. 154º-B C. Penal. É simples na aparência a sua redacção: «Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável à do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos.» O excurso sobre a inclusão deste crime no Código Penal está feito com detalhe na decisão da 1ª instância não sendo necessário retomá-lo. Mas virá a propósito recordar que, como é sabido, esta disposição legal tem a sua origem no art. 37º, nº 1 da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, designada abreviadamente por “Convenção de Istambul” e que dispõe o seguinte: «As Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente forçar um adulto ou uma criança a contrair matrimónio.» Na referida “Convenção …”, para acautelar certo tipo de justificação que possa ter estado, esteja ou venha a estar em voga ou ser dominante em certos círculos, inseriu-se o art. 42º com a elucidativa epígrafe «Justificações inaceitáveis para crimes, incluindo praticados em nome de uma pretensa “honra”» em que a redacção do seu nº 1 é a seguinte: «As Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para garantir que nos procedimentos penais iniciados em consequência da prática de qualquer um dos actos de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa “honra” não sirvam de causa de justificação para esses actos. Isto abrange especialmente as alegações segundo as quais a vítima teria transgredido regras ou hábitos culturais, religiosos, sociais ou tradicionais de conduta apropriada.»[7] Ensina a comentarística que «o constrangimento inclui qualquer forma de violência física ou psíquica, ameaça ou abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica de trabalho ou familiar»[8] e como reconhece a decisão da 1ª instância «não apresenta especificidades relevantes relativamente a outros crimes contra a liberdade». A controvérsia centra-se nem sequer na questão de saber se houve casamento mas na de precisar se houve ou não uma união equiparada à do casamento. Diz também a mesma comentarística[9] que o crime se consuma «quando o casamento ou a união equiparável se celebra». Falta explicar como se “celebra” uma união de facto. Seria pertinente. O caminho seguido pela decisão da 1ª instância que absolveu os recorrentes da prática deste crime foi o seguinte: não houve casamento à luz da lei civil, designadamente do art. 1577º do Código Civil mas também não houve “celebração” da união de facto porque uma tal “celebração” segundo o ritualismo do grupo étnico a que os recorrentes pertencem não ocorreu. Partindo-se da afirmação de que «as convenções sociais da comunidade a que pertencem os arguidos e II serão determinantes para definir se a situação se enquadra na previsão legal não bastando o facto de os mesmos terem passado a viver juntos como se fossem marido e mulher»[10] procurou-se demonstrar mediante a descrição do cerimonial do que se designa como “casamento ...”, a que não são alheias constrições da liberdade individual e exigências de humilhação da condição feminina como a da “virgindade” da mulher e o modo como ela é verificada, que, como esse cerimonial não ocorreu, não houve união de facto equiparável ao casamento pois na forma como se celebra esse “casamento ...” que «tem uma importância fulcral para os que pretendem manter-se ligados ao grupo tradicional de pertença», «se joga a honra e estatuto das famílias dos noivos». Ora, salvo melhor opinião, esta posição faz tábua rasa da intenção manifestada pelo art. 42º da Convenção de Istambul cujo objectivo claro é o de obstar ao abaixamento do limiar de dignidade da mulher a coberto de tradições humilhantes e anacrónicas. E, sobretudo, faz tábua rasa da matéria de facto dada como provada. Em primeiro lugar, é de frisar que II estava afastada da sua família de origem a partir de uma decisão judicial e que mesmo depois de ter completado 18 anos não se quis aproximar desta, manifestando vontade de se distanciar dos costumes da sua etnia e mantendo relação de namoro com alguém estranho à comunidade, assumidamente contra a vontade do progenitor (cfr factos provados 3 a 8). Em segundo lugar, é também de frisar que contra a vontade de II diversos foram os passos dados pelos recorrentes para a manter na proximidade de BB e que foi este a assumir que II seria sua “mulher” apesar de esta dizer que tinha namorado (cfr factos provados 30 e ss, designadamente 39). Além disso, II, como está provado, por não ter alternativa resignou-se a viver como mulher do BB partilhando com ele cama, mesa e habitação (cfr factos 43, 44 e 46). E após a prisão do BB foi II coagida a assumir-se como “companheira” daquele para que o pudesse visitar no Estabelecimento Prisional, visitas essas também levadas a cabo sem qualquer liberdade de acção sua e por causa daquela condição (cfr factos provados 49 a 53). As expressões “junção” ou “ajuntamento” usadas pelos recorrentes para definir a relação que II foi constrangida a manter fazem parte de uma retórica falaz, pobres eufemismos, que procuram disfarçar a realidade que os factos evidenciam e que, no caso, conferem determinabilidade bastante à noção de “união equiparável à do casamento”. Dito de modo mais claro e preciso: II foi obrigada a suportar uma relação de “união equiparável à do casamento” com BB. O crime de casamento forçado consumou-se. Uma nota breve para deixar consignado que se não pode conceder razoabilidade ao argumento do recorrente HH quando faz apelo ao conceito civilista de “união de facto” aludindo ao art. 1º, nº 2 da “Lei da União de Facto” (Lei nº 7/2001, de 11 de Maio) segundo o qual a “união de facto” é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos. Desde logo porque esta definição teve apenas um propósito claro e definido: o de adoptar medidas de protecção das uniões de facto estabelecidas de comum acordo, como faz notar o magistrado do Ministério Público na sua resposta aos recursos e tal como está referido no nº 1 do artigo citado. E depois porque a ser aceite a aplicação desta noção à “união equiparável à do casamento” a que se reporta o art. 154º-B haveria de se aguardar dois anos de união forçada para que o crime se consumasse. Estaria iludida a intenção do art. 37º da Convenção de Istambul que não visou seguramente atribuir à expressão “casamento” putativos efeitos civis.
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8. – Os recorrentes AA, EE, CC e HH insurgem-se também contra a sua condenação pelo crime de violação (cfr as conclusões V a VII, 10ª a 12ª e 19ª a 21ª das respectivas motivações) que o TR Coimbra levou a cabo após a alteração da matéria de facto a que procedeu. Insurgência essa que é singela na argumentação usada podendo sintetizar-se do seguinte modo: - não praticaram qualquer acto material, não colaborando na prática do crime; - não sabiam nem podiam prever como e se haveria acto sexual de relevo praticado entre BB e II. Em rigor, esta argumentação não rebate a que o acórdão recorrido levou a cabo (acima transcrita no “parecer” da Sra. Procuradora-Geral Adjunta, a pags 18-19). As disposições pertinentes são, como é referido os arts. 164º, nº 1, al. a) e 26º do C. Penal. O primeiro dispõe: «Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de para esse fim a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos». E o segundo determina que «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução». O acórdão recorrido deixou claro que naturalmente «estes arguidos não praticaram quaisquer actos sexuais com a ofendida II» mas concluiu pertinentemente, aliás, tudo em consonância com os factos provados, «que os arguidos, contra a vontade da ofendida, sob a ameaça de contra ela usarem violência física e impedindo-a de pedir auxílio, a constrangeram a juntar-se ao arguido BB, passando a viver com ele em união de cama, mesa e habitação e a com ele manter, diariamente, relações sexuais de cópula. Sem dúvida que a actuação conjunta dos arguidos foi relevante para constranger a ofendida a viver com o arguido BB, a manter com ele, mesmo não querendo relações sexuais. Todos os arguidos contribuíram para tirarem a ofendida do Colégio, depois levarem-na contra a sua vontade para ... e obrigaram-na a entrar no quarto e a ter relações com o arguido BB e a começar a partilhar a cama, a mesa e a habitação» (sublinhado acrescentado). Por conseguinte, houve uma decisão conjunta e uma execução também conjunta no que toca ao constrangimento de que foi alvo II para consumar uma união com BB equiparável à do casamento com materialização de relações sexuais de relevo. Como ensina desde há muito a doutrina[11] para definir uma decisão conjunta bastará a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime o que numa forma nítida pressupõe um verdadeiro acordo prévio, ainda que possa ser tácito ou concludente, que tem de se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. O núcleo central está, pois na “decisão conjunta” mas também no do chamado «domínio funcional do facto», ou seja, a capacidade que o co-autor tenha de domínio sobre o seu contributo pessoal para a concretização da acção típica. Só esse é relevante. Como também refere a doutrina «tudo acaba por recair, em suma, no significado externo de a realização acordada se reveste, nomeadamente nas características do papel ou da função que a cada co-autor é distribuído na execução total do facto. Este deve surgir por forma que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte da actividade total e, correspondentemente, as acções dos outros se revelem como um complemento da sua participação própria. Nesta medida, não ficará a priori excluído que o referido acordo possa ser “implícito” – sempre que a situação externo-objectiva só possa ser interpretada como ajuste espontâneo num comportamento comum.»[12] Por isso se ensina também[13] que «co-autor é tanto aquele que se limita a usar o meio de coacção e renuncia a participar no acto sexual; como inversamente aquele que participa no acto sexual mas não no acto do que exerce a coacção (...) O aproveitamento, por quem participa no acto sexual, da situação para ele criada por acordo basta para fundar a co-autoria». De resto, já no longínquo Acórdão STJ de 1989[14] se consignava «A essência da co-autoria consiste em que cada participante quer o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. (...) Nestes termos, cada co-autor tem de colaborar de algum modo na execução, mas basta que o faça através da actividade mediata dos seus companheiros, enquanto ele limita a sua própria actividade a actos preparatórios ou actos de cumplicidade». Nesta perspectiva, torna-se evidente o acerto da argumentação do acórdão recorrido, provado como está, repete-se, que houve uma decisão conjunta e uma execução também conjunta no que toca ao constrangimento de que foi alvo II para consumar uma união com BB equiparável à do casamento com a sobredita materialização de relações sexuais de relevo.
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9. – Todos os recorrentes questionam a dimensão das penas parcelares em que foram condenados havendo a este respeito que começar que recordar o seguinte: As penas imposta ao recorrente BB pelos crimes de rapto e violação, de 4 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão estão cobertas pela dupla conforme do que resulta não ser passível de considerar a sua eventual modificação. O mesmo se diga relativamente à pena imposta aos recorrentes AA e HH no tocante às penas impostas pelo crime de rapto, penas essa de 5 anos e 6 meses de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão, como já frisado. Sempre se dirá ainda assim, sobre a contestação do recorrente HH ao que diz ser a sua condenação indevida como reincidente (cfr as conclusões 51ª a 55ª da sua motivação), que se trata de uma falsa questão. Não corresponde à realidade que o cálculo da pena em que foi condenado haja partido do pressuposto da verificação da circunstância agravante modificativa (uma das designações possíveis, segundo a doutrina) da reincidência. Isso mesmo foi salientado pelo acórdão recorrido em termos que tornam até incompreensível que o recorrente procurasse reiterar este argumento e a menção à página 72 do acórdão da 1ª instância. Como consta do acórdão recorrido «Basta ler atentamente o acórdão recorrido para perceber que se trata de um lapso no dispositivo decisório quando se refere que se condena o arguido "....como reincidente, de um crime de rapto...". Ao condenar o recorrente em 4 anos de prisão o Tribunal partiu de uma moldura penal abstracta de 3 a 15 anos de prisão e não de 4 a 15 anos de prisão». E realmente assim é pois da dita página 72 do acórdão recorrido (que nos autos faz fls 2149/v) está consignado o seguinte: «O arguido HH era o patriarca da comunidade de ..., também actuou motivado ppelo empenho em afastar II do namorado e reconduzi-la a um companheiro e modo de vida da sua etnia, sabendo que tal não era a opção nem vontade desta , disponibilizou a sua casa de ... e deslocou-se a ... para onde, também decidiu que a mesma iria viver com o arguido BB; em termos pessoais, apresenta diversas condenações, nunca trabalhou e não manifesta arrependimento. Neste contexto factual, o arguido HH, pela prática do crime de rapto com a moldura de três a quinze anos, deve ser condenado na pena de quatro anos de prisão». (sublinhado e negrito acrescentados). É, pois, evidente, que a referência à reincidência feita na parte decisória do acórdão é fruto de erro de escrita que se revela no contexto do que foi declarado e que, de acordo com o princípio geral do art. 249º C. Civil apenas dá direito à sua rectificação. Nem para definir a pena imposta imposta na 1ª instância nem para a sua alteração pelo TR Coimbra, no acórdão recorrido, foi ponderada, para definir a moldura abstracta da pena, a mencionada circunstância. Quanto às demais penas parcelares não será curial repetir as considerações teóricas com reporte à doutrina dominante já tecidas no acórdão recorrido sobre as finalidades das penas tais com estão definidas nos arts 40º, nº 1 e 71º, nº 1 do C. Penal. Para elas se remete. Importará mais, isso sim, atentar nas circunstâncias que o acórdão ponderou para fixar essas penas. Consta do acórdão recorrido: «Assim, valorando a matéria fáctica provada nos termos do art. 71° n°s 1 e 2 do CP, há que ter em conta: O grau de ilicitude do facto e o modo de execução são elevados: (o grau de ilicitude é bastante elevado, considerando o modo operandi dos arguidos, desde que foram buscar a ofendida ao colégio, forçando-a a viver com o arguido BB e a manter com o mesmo relações sexuais). O grau (elevado) de intensidade do dolo (estamos, obviamente, a falar sempre de dolo directo); A conduta anterior e posterior ao facto: os arguidos já sofreram outras condenações - Não mostraram arrependimento. No caso concreto, as exigências de prevenção geral são elevadas atenta ao modo de execução dos crimes em análise, que acarretam efeitos negativos na sociedade, nomeadamente um sentimento de insegurança na comunidade. As exigências de prevenção especial são muito elevadas, pois verifica-se da análise do seu certificado do registo criminal que os arguidos já foram julgados diversas vezes, O acima exposto denota que os arguidos não assimilaram os alertas que lhes têm sido feitos e demonstram uma personalidade que tem algumas dificuldades em orientar o seu comportamento em conformidade com o Direito e as regras de convivência em sociedade, mostrando que as condenações anteriores não são suficientes e adequadas para realizar as finalidades da punição.» Não se dirá que a fundamentação a esse respeito é exaustiva mas menos se dirá que é insuficiente. É sucinta mas clara quanto baste para justificar a posição assumida. Se factos há que não foram levados em conta de modo particularizado na análise feita na decisão recorrida eles não são, em geral, abonatórios para os recorrentes. Desde logo a circunstância de os recorrentes AA e BB terem aproveitado as saídas precárias do Estabelecimento Prisional para praticarem novos e graves crime o que mostra bem a indiferença ética e social perante as condenações que lhes haviam sido impostas e que não obstou ao cometimento desses ditos crimes. Depois a conjugação de esforços entre estes e os demais que sabiam naturalmente a condição daqueles (em cumprimento de penas) para concretizar os crimes com um processo que evidencia a preparação e o cuidado postos na concretização dos ditos crimes, designadamente após a nova detenção do recorrente BB. Também a atitude do recorrente HH que avocando a sua condição de “patriarca” da comunidade (cfr facto provado 2) se absteve de exercer uma atitude influente, de responsabilidade, que obstasse à prática dos factos, antes pelo contrário (cfr factos 6, 8 e 13, v.g.). Dir-se-á que somente se justifica alguma diminuição das penas parcelares dos recorrentes EE e CC em razão da sua objectiva intervenção, de menor repercussão na fase inicial de todo o processo criminoso, em particular do rapto (cfr factos a partir do 36) e em razão ainda, conjugadamente, do menor detalhe dos factos provados relativamente à sua condição pessoal. Diminuição essa que se afigura ser adequada nos seguintes termos: - no tocante ao crime de rapto fixando a pena de cada um em 4 anos de prisão; - no tocante ao crime de violação fixando a pena de cada um em 3 anos e 6 meses de prisão; - no tocante ao crime de casamento forçado fixando a pena de cada um em 2 anos e 6 meses de prisão.
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10 – Resta, finalmente, analisar o pedido de redução das penas únicas. A medida concreta da pena no âmbito do concurso obedece a um critério específico que é o da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente, como prevê o nº 1 do art. 77º do C. Penal. Mas também neste domínio da fixação de uma pena única se impõe ter presente o critério geral estabelecido no art. 40º do diploma citado: com a imposição da pena procura-se alcançar uma tanto quanto possível eficaz protecção dos bens jurídicos bem como a reintegração do agente. E, para tanto, ponderar as exigências de prevenção, quer geral quer especial, que, conjugadas, hão-de ter a aptidão necessária e suficiente para impedir a prática de novos crimes. Tendo ainda como critério adjuvante a culpa do agente. O caminho a seguir é o da “fixação” de uma imagem global do facto como reiteradamente tem vincado a jurisprudência que dê a medida da sua dimensão no plano da ilicitude e da culpa, mas também do seu pano de fundo, digamos, a personalidade do agente. Para tanto se substituindo a visão atomística subjacente à determinação das penas singulares «como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global»[15] com referência à personalidade unitária do agente. Tendo ainda como parâmetro imprescindível o respeito pela proporcionalidade (em sentido amplo), ou seja, a pena terá de ser aferida e ponderada em função da sua idoneidade, necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito) para proteger os bens jurídico-penais lesionados levando aqui em linha de conta a importância desses bens a exigir essa protecção. Naturalmente, para este efeito não estão no mesmo plano bens fundamentais como a vida ou a liberdade e auto-determinação sexual e bens de natureza patrimonial, por exemplo. Assim, tomando em consideração todos os factos praticados analisar-se-á a «gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique»[16]. E incluir-se-á nessa análise a avaliação da personalidade do agente para tanto se ponderando se desse conjunto de factos se pode retirar a conclusão de que ele tem alguma tendência para o crime ou se tudo decorre das circunstâncias concretas que hajam potenciado uma situação de pluriocasionalidade com vista a conferir à pena única um sentido agravante ou, pelo contrário, atenuante. No caso, houve por parte dos recorrentes um reiterado e consistente ataque às várias facetas da liberdade individual com uso persistente de violência psicológica, principalmente, mas também física. E uma conduta alargada no tempo. Sendo que a repressão de inadequados comportamentos pregressos, expressa nos certificados de registo criminal, não obviou a prática de novos e graves crimes. As necessidades de prevenção geral são consistentes relativamente a comportamentos ditados por “leis”, costumes ou tradições que não são compagináveis com valores universalmente aceiteis e que entroncam, no essencial, no respeito pela liberdade individual, como já referido, seja ao nível das escolhas de orientação de vida, de locomoção, de decisão e acção ou de determinação sexual. Sem arriscar a conclusão de que os recorrentes têm alguma tendência para o crime, mormente com a ponderação integrada dos seus antecedentes criminais, há-de convir-se que as circunstâncias concretas que potenciaram a situação de pluriocasionalidade não são de molde a criar expectativas fundadas sobre um juízo de prognose favorável acerca da plena reintegração dos recorrentes e, por essa via, o esbatimento das necessidades de prevenção especial que, desse modo, se entende terem premente consistência. Eis porque, no conjunto se entende que a decisão recorrida não merece censura no tocante à fixação das penas únicas. Excepção feita ao ajustamento da medida das que foram impostas aos recorrentes EE e CC em função da diminuição das penas parcelares nos termos supra expostos. Pelo que se crê adequado fixar a pena única a impor a cada um destes recorrentes em 7 anos de prisão mantendo, no mais, as penas impostas na decisão recorrida.
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11. – Em face do exposto decide-se: A) Rejeitar os recursos de AA e HH no tocante ao crime de rapto e de BB no tocante aos crimes de rapto e violação. B) Negar provimento à parte restante dos recursos interpostos por estes recorrentes mantendo a decisão recorrida. C) Conceder provimento parcial aos recursos de EE e CC condenando cada um nos termos seguintes: - pela prática do crime de rapto na pena de quatro (4) anos de prisão; - pela prática do crime de violação na pena três (3) anos e seis (6) meses de prisão; - pela prática do crime de casamento forçado na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão. D) Condenar cada um dos recorrentes EE e CC na pena única de sete (7) anos de prisão. E) Fixar em 6 UC a taxa de justiça a pagar pelos recorrentes AA, BB e HH. Não é devida tributação pelos demais recorrentes (art. 513º, nº 1 CPP).
Feito e revisto pelo 1º signatário.
2020/09/24 Nuno Gomes da Silva Francisco Caetano
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No recurso interposto para o STJ, o arguido , em síntese, alega: |