Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO SENTENÇA TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES CASO JULGADO INTERPRETAÇÃO VIOLAÇÃO DE SEGREDO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/27/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO | ||
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Sumário : | I - O fundamento de revisão de sentença previsto na al. g) do n.º 1 do art. 449.º do CPP foi introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal pelas alterações processuais operadas em 2007, concretamente pela Lei 48/2007, de 29-08, fundamento que o legislador estendeu, também, ao processo civil (art. 771.º, al. f), do CPC, na redacção dada pelo art. 1.º do DL 303/2007, de 24-08. II - O legislador de 2007, na estrita literalidade da lei, foi bem mais longe do que a Recomendação R (2000) 2 [adoptada na reunião do Comité de Ministros do Conselho da Europa ocorrida em 19-01-2000] dirigida aos Estados membros, relativa ao reexame e reabertura de determinados processos ao nível interno na sequência de acórdãos do TEDH. III - Não só considerou admissível a revisão de sentença (condenatória) perante sentença proveniente de qualquer instância internacional, obviamente desde que vinculativa do Estado Português, como se limitou a exigir, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.IV - Verdadeiramente, o legislador de 2007, ao permitir a revisão de sentença em termos tão latos, instituiu, indirectamente, um novo grau de recurso, quer em matéria criminal, quer em matéria civil, grau de recurso manifestamente inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado. Tenha-se em vista que a própria CEDH prevê como excepções ao caso julgado, em processo penal, a descoberta de factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior. V - Por isso, é mister proceder a uma interpretação restritiva da lei no que concerne ao fundamento de revisão recentemente criado, interpretação que deverá ser claramente assumida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal designadamente nos casos em que se revele intoleravelmente postergado o princípio non bis in idem, obviamente na sua dimensão objectiva, ou outros direitos e princípios de matriz constitucional. VI- Tal interpretação restritiva deve orientar-se no sentido dos princípios consignados na referida Recomendação, concretamente do princípio segundo o qual a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum. VII - É esta, aliás, a solução legislativa consagrada na lei processual penal francesa que permite, também, a revisão de sentença penal condenatória perante decisão proferida pelo TEDH. VIII - Trata-se de limitações razoáveis que visam a harmonização entre o princípio non bis in idem, na sua dimensão objectiva (exceptio judicati), princípio inerente ao Estado de Direito, e a necessidade de reposição da verdade e da justiça, designadamente quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, limitações impostas, também, pela necessidade de garantir, minimamente, a soberania nacional em matéria judicial. IX - Para além destas limitações, decorrentes da própria Recomendação, há que ter em consideração, ainda, a partir de uma interpretação histórica e teleológica, o desejo e a intenção do Comité de Ministros do CE que aprovou a Recomendação, desejo e intenção expressos na respectiva exposição de motivos, através da indicação das situações em que se justifica a revisão, quais sejam: a) pessoas condenadas a longas penas de prisão e que continuam presas quando o seu caso é examinado pelo TEDH; b) pessoas injustamente privadas dos seus direitos civis e políticos; c) pessoas expulsas com violação do seu direito ao respeito da sua vida familiar; d) crianças interditas injustamente de todo o contacto com os pais; e) condenações penais que violem os arts. 10.º ou 9.º, porque as declarações que as autoridades nacionais qualificam de criminais constituem o exercício legítimo da liberdade de expressão da parte lesada ou exercício legítimo da sua liberdade religiosa; f) nos casos em que a parte não teve tempo ou as facilidades para preparar a sua defesa nos processos penais; g) nos casos em que a condenação se baseia em declarações extorquidas sob tortura ou sobre meios que a parte lesada nunca teve a possibilidade de verificar; h) nos processos civis, nos casos em que as partes não foram tratadas com o respeito do princípio da igualdade de armas. X - No caso vertente estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a sentença condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra o recorrente violou o art. 10.º da CEDH, por se haver entendido que a sua condenação não correspondia a uma necessidade social imperiosa, atenta a necessidade de tutela do segredo de justiça no caso concreto, constituindo uma ingerência desproporcionada no direito à liberdade de expressão, razão pela qual foi decidido condenar o Estado Português a pagar ao recorrente a quantia pedida de € 1750, a título de danos materiais, acrescida de € 7500, a título de reembolso de custas e outras despesas, e considerar que a confirmação da violação ocorrida por parte do TEDH constitui por si reparação equitativa suficiente pelos danos morais sofridos, nos termos do art. 41.º da CEDH. XI - Tendo o TEDH considerado violado o art. 10.º da CEDH há que conceder provimento ao recurso, autorizando a revisão de sentença. XII - Já a peticionada revogação da sentença terá de improceder, consabido que o ordenamento jurídico nacional permite, apenas, a revisão de sentença e não também recurso de revogação ou anulação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença que o condenou como autor material de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punível pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 25 - (1). No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões (2) 1. O presente recurso visa a revisão, nos termos dos artigos 449º a 456º, do CPP, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24 de Janeiro de 2005, no processo n.º 1686/04-2, que confirmou a condenação do ora recorrente AA pela prática de crime de violação de segredo de justiça do artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, e a sua substituição por outra que absolva o ora recorrente. 2. O recurso de revisão inscreve-se nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa: “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos”. 3. São fundamento e condição de admissibilidade da revisão, na versão dada pela alteração legislativa contemplada na Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, entre outros, “uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – artigo 449º, n.º 1, alínea g), do CPP. 4. No acórdão de 24 de Abril de 2008, proferido na Queixa n.º 17107/05, o Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos (TEDH), concluiu que a condenação do requerente no processo n.º 1686/04-2 constitui uma ingerência desproporcionada no seu direito à sua liberdade de expressão, que não corresponde a qualquer “necessidade social premente”, pelo que no caso concreto foi violado o artigo 10º, da C.E.D.H, assim tendo condenado o Estado Português. 5. A decisão do TEDH constitui fundamento legal de revisão de sentença condenatória nos termos do artigo 449º, n.º 1, alínea g), do CPP, pelo que deverá, assim, ser revogada a decisão condenatória e substituída por outra que absolva o recorrente, devendo a mesma ser comunicada aos Serviços do Registo Criminal para ser eliminada do cadastro do recorrente a condenação em causa. O requerente, após notificação, juntou aos autos cópia autenticada da decisão proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo sido ordenada a sua tradução. Em seguida, o Exm.º Juiz prestou informação sobre o mérito do recurso, na qual, sucintamente, se pronuncia no sentido do seu provimento. Neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual entende, em síntese, dever ser autorizada a revisão requerida, sob a alegação de que a decisão prolatada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que concluiu não corresponder a condenação do requerente a uma necessidade social imperiosa, constituindo uma incongruência desproporcionada no seu direito à liberdade de expressão, em violação do artigo 10º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por isso condenando o Estado Português a pagar ao requerente a importância de € 1.750,00 por danos materiais, e € 7.500,00 a título de custas e despesas, é vinculativa e inconciliável com as decisões objecto do pedido de revisão, suscitando sérias dúvidas quanto à justiça da condenação, o que constitui fundamento de revisão de sentença nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, cumpre agora decidir. *** O recorrente AA sustenta o seu pedido de revisão da sentença que o condenou como autor material do crime de violação do segredo de justiça no fundamento previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal (3), invocando a prolação de sentença pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cujo teor é o seguinte: «No caso AA vs. Portugal, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (23. Secção), reunindo -em formação constituída por: BB, Presidente, CC, DD, EE, FF, GG, HH, juízes, e por II, escrivã de secção, Depois de ter deliberado em conferência a 27 de Março de 2008, Profere a presente acórdão, adoptado nesta data: PROCESSO 1. Na origem do caso está a queixa (n.º 17107/05) apresentada contra a República Portuguesa por um cidadão deste Estado, AA («o requerente»), a 4 de Maio de 2005, nos termos do artigo 34.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais («a Convenção»). 2. O requerente é representado pelo Dr. JJ, advogado em Lisboa. O Governo Português («o Governo») é representado pelo seu funcionário, Dr. LL, Procurador-Geral Adjunto. 3. O requerente alega, em particular, que a condenação que lhe foi imposta por violação do segredo de justiça viola o artigo10. ° da Convenção. 4. Em 24 de Novembro de 2006, o Tribunal decidiu comunicar a queixa ao Governo. Valendo-se do disposto no artigo 29. °, n.º 3, decidiu que a admissibilidade e o mérito do caso seriam examinados em simultâneo. OS FACTOS I. AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO 5. O requerente nasceu em 1962 e reside em Lisboa. À data dos factos era jornalista do quotidiano de grande tiragem O P.... 6. Nas edições do Público de 26, 27 e 28 de Janeiro de 1995, o requerente assinou, com mais dois jornalistas do mesmo jornal, vários artigos visando uma personalidade política, N.D., então vice-presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD) à época no poder. N.D. era suspeito de ter implementado, através de uma sociedade X. na qual era, de acordo com esses artigos, o principal accionista, um sistema de facturas falsas a fim de não pagar à Fazenda Pública determinadas quantias normalmente devidas em sede de IVA e de obter, por outro lado, subvenções no âmbito do PEDIP, um programa de modernização da indústria portuguesa financiado pelas Comunidades Europeias. Por último, N.D. teria beneficiado de um tratamento de favor aquando da compra do terreno onde fora construída a sua vivenda. 7. Após a publicação desses artigos, o Gabinete do Procurador-Geral da República anunciou a instauração de um inquérito contra N.D. Este, por outro lado, renunciou a todos os cargos que exercia no PSD. 8. Na edição de 4 de Novembro de 1998,o Público anunciou na 1a página «N.D. acusado de burla e fraude fiscal». Este título remetia para um artigo, assinado pelo requerente, no qual este indicava que o Ministério Público junto do Tribunal de Esposende tinha deduzido acusação contra N.D. 9. Na edição do Público de 5 de Novembro de 1998, o requerente assinou, com outro jornalista, um novo artigo voltando a tratar mais em detalhe os factos imputados a N.D. O artigo continha nomeadamente partes integrantes da acusação do Ministério Público e precisava que a notificação já tinha sido dirigida ao arguido. 10. Em data não especificada, o Ministério Público de Esposende instaurou um inquérito contra o requerente e dois outros jornalistas. Na sequência, foi deduzida acusação contra o requerente por violação de segredo de justiça (noção próxima da correntemente designada pela expressão francesa «secret de l'instruction»). 11. Por sentença de 25 de Maio de 2004, o Tribunal de Esposende condenou o requerente pela infracção em causa, na pena de 25 dias de multa, no montante total de 1.750 euros, e no pagamento das custas. O Tribunal absolveu os dois outros jornalistas por não terem tido participação relevante na preparação dos artigos em causa nem agido com dolo. O Tribunal sublinhou que só o artigo publicado no dia 5 de Novembro de 1998 suscitava problema, na medida em que o requerente nele descrevia, por vezes reproduzindo, o conteúdo da acusação. Para o Tribunal, embora não tivesse sido possível estabelecer as circunstâncias exactas em que o requerente tivera acesso ao acto processual em causa, resultava necessariamente da prova à disposição do Tribunal que ele tinha tido acesso à acusação num momento em que o processo ainda se encontrava em segredo de justiça. Contudo, o Tribunal reconhecia que a publicação do artigo não tinha prejudicado o inquérito, o que justificava a "leveza da sanção. 12. O requerente interpôs recurso da sentença, alegando designadamente violação do artigo 10.° da Convenção. 13. Por Acórdão de 24 de Janeiro de 2005, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso. Tratando-se em particular do artigo 10. ° da Convenção, bem como das disposições equivalentes da Constituição Portuguesa, o Tribunal da Relação sublinhou que a ingerência na liberdade de comunicar informações do arguido não era desproporcionada: não estando o teor da acusação submetido a segredo de justiça senão por certo período, o requerente podia ter esperado pelo início da fase pública do processo. Para o Tribunal da Relação, mesmo a dimensão pública da pessoa acusada não justificava a violação do segredo de justiça. O Tribunal da Relação concluiu, por isso, pela não violação desta disposição da Convenção. 11.O DIREITO E A PRÁTICA PERTINENTES A. O direito e a prática internos 14. Preliminarmente, convém relembrar que no direito processual português, o termo «instrução» designa especificamente a fase contraditória que ocorre após o inquérito, nalguns casos. Nos termos do artigo 86. ° do Código de Processo Penal, aplicável ao tempo dos factos, o processo não é público senão a partir da «decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida» (artigo 86.°, nº 1). Até lá, aplica-se o segredo de justiça, ao qual ficam submetidos todos os participantes processuais, bem como todas as pessoas que, a qualquer título, tenham estado em contacto com os documentos dos autos (artigo 86. °, n.º 4). 15. Este sistema foi substancialmente alterado pela Lei no 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro seguinte, que introduziu alterações no processo penal. Doravante, o segredo de justiça não mais se aplicará de modo automático, mas apenas por decisão expressa do Ministério Público, sujeita a validação do juiz de instrução, ou do próprio juiz de instrução. 16. O artigo 371. ° do Código Penal punia, então como hoje, a violação do segredo de justiça com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. B. Os textos do Conselho da Europa 17. A Recomendação Rec (2003) 13 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-membros, sobre a difusão pelos meios de comunicação social de informações relativas a processos penais, lê-se como segue: " (…) Lembrando que os meios de comunicação social têm o direito de informar o público e este o direito de receber informações, inclusive sobre questões de interesse público, nos termos do artigo 10.° da Convenção, e que aqueles têm o dever profissional de o fazer; Lembrando que o direito à presunção de inocência, a um processo equitativo e ao respeito da vida privada e familiar, garantidos pelos artigos 6.° e 8.° da Convenção, constituem exigências fundamentais que devem ser respeitadas em toda a sociedade democrática; Sublinhando a importância das reportagens realizadas pelos meios de comunicação social sobre processos penais no sentido de informar o público, tomar visível a função dissuasora do direito penal e permitir ao público exercer um direito de controlo (droit de regard) sobre o funcionamento do sistema judicial penal; Considerando os interesses eventualmente conflituantes protegidos pelos artigos 6.°, 8.° e 10.° da Convenção e a necessidade de assegurar um equilíbrio entre eles em face das circunstâncias de cada caso, tendo devidamente em conta o papel do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de garante do respeito pelos compromissos contratados no âmbito da Convenção; (…) Desejoso de promover um debate esclarecido sobre a protecção dos direitos e interesses em jogo no quadro das reportagens efectuadas pelos meios de comunicação social sobre processos penais, assim como de favorecer as boas práticas através da Europa, assegurando-se o acesso dos meios de comunicação social aos processos penais; (…) Recomenda, reconhecendo a diversidade de sistemas jurídicos nacionais no que respeita aos processos penais, aos Governos dos Estados-membros: 1. que adoptem ou reforcem, conforme os casos, todas as medidas que considerem necessárias para pôr em prática os princípios anexos à presente recomendação, nos limites das respectivas disposições constitucionais, 2. que difundam amplamente esta recomendação e os princípios anexos, fazendo-os acompanhar de tradução, se for caso disso, e 3. que os transmitam, nomeadamente, às autoridades judiciárias e aos serviços policiais, e os coloquem à disposição das organizações representativas dos aplicadores do direito e dos profissionais dos meios de comunicação social. Anexo à Recomendação Rec (2003) 13 -Princípios sobre a difusão pelos meios de comunicação social de informações relativas a processos penais Princípio I - Informação do público pelos meios de comunicação social O público deve poder receber informações sobre a actividade das autoridades judiciárias e dos serviços policiais através dos meios de comunicação social. Os jornalistas devem, em consequência, poder livremente efectuar reportagens e fazer comentários sobre o funcionamento do sistema judiciário penal, ressalvadas as limitações previstas nos princípios seguintes. Princípio 2 - Presunção de inocência O respeito pelo princípio da presunção de inocência faz parte integrante do direito a um processo equitativo. Por conseguinte, as opiniões e informações relativas a processos penais em curso, não devem ser comunicadas ou difundidas através dos meios de comunicação social, senão quando isso não cause prejuízo à presunção de inocência do suspeito ou arguido. (...) Princípio 6 - Informação regular durante os processos penais No quadro de processos penais de interesse público ou de outros processos penais que suscitem particularmente a atenção do público, as autoridades judiciárias e os serviços policiais devem informar os meios de comunicação social dos seus actos essenciais, desde que isso não prejudique o segredo de justiça e as investigações e não dificulte os resultados dos processos. No caso de processos penais que se prolonguem durante um longo período, a informação deve ser prestada regularmente. (...)" O DIREITO I. SOBRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 10.º DA CONVENÇÃO 18. O requerente alega que a condenação imposta atentou contra o seu direito à liberdade de expressão, previsto pelo artigo 10.º da Convenção, assim redigido nas partes relevantes: «1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (...) 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática (...) (...) à protecção da reputação ou dos direitos de outrem (...) ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judiciário» (...).» 19. O Governo contesta esta tese. A. Sobre a admissibilidade 20. O Tribunal nota que esta alegação não é manifestamente infundada nos termos do artigo 35.°, n.º 3, da Convenção. O Tribunal verifica ainda que não ocorre nenhum outro motivo de inadmissibilidade, pelo que importa declará-la admissível. B. Sobre o mérito 1. Argumentação das partes 21. O requerente alega ter sofrido uma ingerência no seu direito à liberdade de comunicar informações, que não era necessária numa sociedade democrática. 22. O requerente sustenta, em primeiro lugar, que a sua condenação não se inseria no quadro da protecção do inquérito policial, por este já estar concluído no momento da publicação do referido artigo. Ele relembra, a este propósito, que a investigação e o próprio processo penal só foram desencadeados devido aos seus artigos publicados em Janeiro de 1995 (cfr. supra n.ºs 6-7). Em segundo lugar, a condenação em causa não poderia destinar-se a garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial, porquanto o processo ia ser julgado por magistrados profissionais, necessariamente chamados a tomar conhecimento da acusação do Ministério Público no quadro do desenvolvimento normal do processo penal em causa. Por último, a protecção dos direitos de outrem também não estava em causa no âmbito desse processo litigioso, por a pessoa visada ter já apresentado queixa contra o requerente, por difamação, que, segundo ele, estaria pendente. 23. O Governo admite que a condenação do requerente constituiu uma ingerência nos direitos deste na perspectiva do artigo 10.°, mas considera que a mesma se justificava face ao n.º 2 da mesma disposição, atendendo aos fins legítimos de proteger a reputação e os direitos de outrem, bem como a autoridade e a imparcialidade do poder judicial. Para o Governo, tanto o sistema português em matéria de segredo de justiça ao tempo em vigor, como o modo como foi aplicado ao caso respeitam integralmente o artigo 10. °da Convenção. 24. A regulamentação em causa visaria, desde logo, proteger o bom desenrolar do inquérito. No caso em apreço, a investigação ainda não estava concluída à data da publicação do artigo, dispondo os arguidos da possibilidade de requerer a abertura de instrução, no decurso da qual podem ser apresentadas novas provas. A condenação justificar-se-ia ainda pela preocupação de proteger o direito à presunção de inocência do arguido, que seria substancialmente reduzido se os meios de comunicação social pudessem exercer sem qualquer controlo uma influência exterior susceptível de perturbar o bom desenrolar das fases ulteriores do processo. Por último, o Governo sublinha que os jornalistas não estão impedidos de modo absoluto de divulgar qualquer informação relativa a um processo judicial, mas apenas durante o período de vigência do segredo de justiça; terminado esse período, os jornalistas têm liberdade de acesso a todos os elementos do processo. 2. Apreciação do Tribunal 25. No presente caso, a condenação litigiosa insere-se claramente numa "ingerência" no direito à liberdade de expressão, no que as partes convêm. Tal intromissão infringe a Convenção no caso de não estarem reunidos os requisitos do n.o 2 do artigo 10. °, isto é "prevista na lei", inspirada pelo ou pelos fins legítimos do aludido número, e "necessária, numa sociedade democrática", para os alcançar. Estando as partes de acordo em reconhecer que o primeiro requisito -"prevista na lei" - se mostra presente no caso, o mesmo não ocorre quanto às outras duas. a) Fim legítimo 26. Para o requerente, os fins legítimos indicados pelo Governo protecção dos direitos de outrem e garantia da autoridade e imparcialidade do poder judicial – não podiam ser aqui invocados. 27. O Tribunal considera que os motivos invocados pelas jurisdições internas harmonizam-se com o fim legítimo de proteger o direito de N.D..a um processo equitativo no respeito da presunção de inocência e da sua vida privada. A ingerência tinha também, sem dúvida, por finalidade uma boa administração da justiça, evitando qualquer influência exterior sobre aquela. Tais fins inscrevem-se no quadro da protecção da "reputação e dos direitos de outrem" e da garantia da "autoridade e [da] imparcialidade do poder judicial", na medida em que esta última garantia foi interpretada como englobando os direitos de que gozam os indivíduos a título de queixosos em geral (Dupuis e outros vs. França, n.º 1914/02, § 32, 7 de Junho de 2007, TEDH de 2007 - ...; Tourancheau e July vs. França, n.º 53886/00, § 63, 24 de Novembro 2005). b) "Necessária numa sociedade democrática" 28. Resta indagar se a ingerência em causa era "necessária numa sociedade democrática". 29. O Tribunal relembra a este propósito que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e que as garantias a conceder à imprensa revestem-se pois de uma importância particular (ver, entre outros, os acórdãos Worm vs. Áustria, de 29 de Agosto de 1997, Recueil des arrêts et décisions 1997-V, págs. 550-1551, § 47; Fressoz e Roire vs. França [GC], n.o 29183/95, § 45, TEDH 1999-1). 30. A imprensa desempenha um papel eminente numa sociedade democrática: se ela não deve ultrapassar certos limites tendentes nomeadamente à protecção da reputação e dos direitos de outrem bem como à necessidade de impedir a divulgação de informações confidenciais, incumbe-lhe, todavia, comunicar, no respeito pelos seus deveres e responsabilidades, informações e ideias sobre qualquer questão de interesse geral (Tourancheau e Ju/y, supra, § 65). 31. Em particular, não seria de pensar que as questões de que os tribunais se ocupam não pudessem, antes ou simultaneamente, dar lugar a discussão noutro local, seja em revistas especializadas, na grande imprensa ou no público em geral. À função dos meios de comunicação social de comunicar informações e ideias acresce o direito, para o público, de as receber. Todavia, importa ter presente o direito de cada um beneficiar de um processo equitativo, como é garantido pelo n.º 1 do artigo 6.° da Convenção, o que compreende, em matéria penal, o direito a um tribunal imparcial (Tourancheau e Ju/y, supra, § 66). Como o Tribunal já sublinhou, «os jornalistas, quando escrevem artigos sobre processos penais pendentes, devem ter presente que os limites do comentário admissível podem não abranger declarações que, intencionalmente ou não, possam por em risco o direito de uma pessoa beneficiar de um processo equitativo ou minar a confiança do público no papel dos tribunais na administração da justiça penal» (ibidem; Worm, supra, § 50). 32. Ao Tribunal compete determinar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa», era proporcional aos fins legítimos prosseguidos e se os motivos invocados pelas autoridades nacionais para a justificar se configuram como «pertinentes e suficientes». No exercício do seu poder de controlo e no balanceamento dos interesses concorrentes que o Tribunal deve observar, este deve ter igualmente em conta o direito reconhecido pelo n.o2 do artigo 6.° da Convenção de que os indivíduos devem presumir-se inocentes até que a sua culpa seja legalmente estabelecida (Dupuis e outros, supra, § 37). 33. Sobre as circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal sublinha, desde logo, que o tema do artigo que determinou a condenação do requerente respeitava sem dúvida uma questão de interesse geral. A imprensa deve, com efeito, informar o público sobre os processos relativos a eventuais infracções, de natureza fiscal ou de desvio de fundos públicos, imputados a políticos. A este papel da imprensa acresce o direito, para o público, de receber este tipo de informações (Worm, supra, § 50), sobretudo quando estão em causa políticos. O Tribunal recorda, a este propósito, que estes, diversamente dos cidadãos em geral, estão expostos inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e feitos tanto pelos jornalistas como pelos cidadãos (Dupuis e outros, supra, § 40). 34. O Comité de Ministros do Conselho da Europa adoptou a Recomendação Rec (2003) 13 relativa à difusão de informações pelos meios de comunicação social em matéria de processos criminais; esta relembra com razão que os meios de comunicação social têm o dever de informar o público, tendo em vista o seu direito de receber informações e sublinha a importância de reportagens realizadas sobre processos criminais para informar o público e para permitir a este o exercício de um direito de controlo sobre o funcionamento do sistema de justiça penal. No anexo a esta recomendação consagra-se, nomeadamente, o direito do público a receber dos meios de comunicação social informações sobre as actividades das autoridades judiciárias e dos serviços policiais, do que decorre, para os jornalistas o direito de poder relatar livremente o funcionamento do sistema de justiça penal (Dupuis e outros, supra, § 42). 35. Por certo, quem, incluindo os jornalistas, exerce a sua liberdade de expressão assume «deveres e responsabilidades» cujos limites dependem da situação concreta (Dupuis e outros, supra, § 43). Importa apurar se, nas circunstâncias específicas do caso, o interesse de informar o público se sobrepunha aos «deveres e responsabilidades», nomeadamente se se impunha ao requerente o de respeitar a presunção de inocência da pessoa visada. A este propósito, o Tribunal constata que se é verdade que o artigo em questão foi publicado num momento crucial do processo criminal – o da dedução de acusação - quando o respeito pela presunção de inocência do arguido reveste uma relevância acrescida, não é menos certo que tal publicação se seguia a outros artigos do mesmo autor sobre idêntico assunto, publicados quase quatro anos antes, que tinham aliás originado a instauração de inquérito contra o visado. Contrariamente aos factos em causa no caso Worm (supra, §§ 51-52), o artigo na origem do presente caso não tomava posição sobre a eventual culpabilidade de N.D., limitando-se a descrever o conteúdo da acusação do Ministério Público. Por último, nenhum magistrado não profissional podia ser chamado a apreciar o caso, o que reduzia igualmente os riscos de que artigos tais como os do caso em apreço afectassem o resultado do processo judicial. 36. Quanto ao interesse legítimo da protecção do inquérito a correr termos destacado pelo Governo, o Tribunal sublinha que o próprio Tribunal de Esposende reconheceu que a publicação do artigo litigioso não causou prejuízo à investigação (ver supra n.º 11). Quanto ao Tribunal da Relação de Guimarães, este limitou-se a notar, em termos gerais, que a fase de investigação pode estender-se para lá da dedução da acusação pelo Ministério Público, para aqueles casos em que o assistente ou o arguido requer a abertura da instrução. Além disso, o Governo não explicou como as investigações em causa poderiam ser afectadas pela publicação do artigo litigioso. Nestas condições, o Tribunal conclui que o fim legítimo de protecção do inquérito não poderia, nas circunstâncias do caso, prevalecer sobre o direito do requerente a divulgar informações sobre o processo criminal. 37. Na medida em que o Governo invoca a natureza limitada no tempo do segredo de justiça, realçada igualmente pelas jurisdições internas, o Tribunal sublinha que o papel dos jornalistas de investigação é, precisamente, o de informar e de alertar o público quanto a fenómenos como os visados pelo artigo litigioso. Não se lhes poderia impedir de publicar tais artigos logo após terem ficado em poder das informações (Cumpãnã e Mazãre vs. Roménia, acórdão de 17 de Dezembro de 2004 [GC], n.º 33348/96, § 96, TEDH 2004-XI). Com efeito, a publicação litigiosa, nomeadamente a parte em que descreve os factos imputados a N.D., representava não só o objecto como também a credibilidade das informações comunicadas, confirmando a sua exactidão e autenticidade (Dupuis e outros, supra, § 46). 38. Tendo em conta os elementos mencionados, o Tribunal concluiu que o interesse da publicação litigiosa prevalecia, no caso, sobre o fim, por mais legítimo que fosse, de preservar o segredo de justiça. 39. Relativamente à natureza e gravidade da pena imposta, que constituem elementos a tomar em conta quando se trata de aferir a proporcionalidade da ingerência, o Tribunal considera que o montante da multa, por moderada que tenha sido no caso, não afecta em nada o efeito dissuasor da condenação quanto ao exercício da liberdade de expressão, dada a gravidade da sanção incorrida (cfr. supra n.º 16; ver, mutatis mutandis, Cumpãnã e Mazãre, cit., § 114). 40. Em conclusão, o Tribunal considera que a condenação do requerente não correspondia a uma «necessidade social imperiosa», constituindo uma ingerência desproporcionada no seu direito à liberdade de expressão. Houve, por conseguinte, violação do artigo 10. °da Convenção. II. SOBRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6.° DA CONVENÇÃO 41. O requerente invoca também o artigo 6.°, n.º 1, da Convenção, em apoio às suas alegações, 42. O Tribunal considera, no entanto, em face da resposta relativa ao artigo 10.° (supra n.º 40), que não se impõe apreciar, no caso, se houve violação desta disposição. III. SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 41. ° DA CONVENÇÃO 43. Nos termos do artigo 41. ° da Convenção, «Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus Protocolos, se o direito interno da Alta Autoridade Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se for necessário.» A. Danos 44. O requerente solicita a título de danos materiais sofridos o reembolso da importância da multa paga devido à condenação, ou seja 1.750 euros. Considera, por outro lado, que o seu prejuízo moral seria suficientemente ressarcido com a constatação da violação da Convenção. 45. O Governo remete-se à prudência do Tribunal. 46. O Tribunal considera que a importância paga pelo requerente em consequência da condenação representa o resultado directo da violação do seu direito à liberdade de expressão. Por isso, concede-lhe o solicitado reembolso. O Tribunal considera, por outro lado, que a confirmação da violação que consta do presente acórdão constitui por si uma reparação equitativa suficiente pelos os danos morais sofridos pelo requerente. B. Custas e Despesas 47. O requerente solicita também, juntando comprovativos, o pagamento da importância relativa a despesas e honorários do seu advogado, mas deixa ao critério do Tribunal a determinação do seu montante. 48. O Governo remete-se, também, à prudência do Tribunal, invocando a prática deste em casos similares. 49. O Tribunal, tendo em conta a natureza e a complexidade do caso, julga razoável atribuir ao requerente, a esse título, a importância de 7.500 euros. C. Juros de mora 50. O Tribunal considera adequado calcular a taxa de juros de mora com base na taxa de juros da facilidade de empréstimo marginal do Banco Central Europeu acrescida de três pontos percentuais. POR ESTES MOTIVOS, O TRIBUNAL, POR UNANIMIDADE, 1. Declara a queixa admissível; 2. Decide que houve violação do artigo 10. ° da Convenção; 3. Decide que não há lugar a apreciar separadamente o pedido fundado no artigo 6.° da Convenção; 4. Decide a) que o Estado requerido deve pagar, no prazo de três meses a contar da data em que a sentença se tomar definitiva, nos termos do artigo 44.°, n.º 2, do Convenção, 1.750 euros (mil setecentos e cinquenta euros) por danos materiais e 7.500 euros (sete mil quinhentos euros) a título de custas e despesas; b) que a contar do termo do referido prazo até ao pagamento, essas importâncias serão acrescidas de um juro simples a uma taxa anual equivalente à taxa de juro simples e uma taxa anual equivalente à taxa de facilidade de empréstimo marginal do Banco Central Europeu aplicável durante este período, acrescida de três pontos percentuais». * O fundamento de revisão de sentença invocado pelo recorrente foi introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal pelas alterações processuais operadas em 2007, concretamente pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, fundamento que o legislador estendeu, também, ao processo civil (4). Como refere o Conselheiro Henriques Gaspar (5), o diálogo entre jurisdições europeias e o pragmatismo de alguns governos, na sequência da importante intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, designadamente em matéria de direitos fundamentais, bem como do reconhecimento do papel desempenhado por aquela instância na criação, construção e sedimentação de um acervo de valores que constituem hoje património comum de uma “sociedade europeia de tribunais” e de uma comunidade de cidadãos, mulheres e homens livres em sociedades abertas e democráticas, conduziram à obtenção de consenso, no seio do Conselho da Europa, no sentido da possibilidade de reabertura de processos internos, nos Estados membros, quando a reapreciação das decisões constituir o meio necessário para reparar o direito afectado nos casos de declaração de violação pelo TEDH (6). O legislador de 2007, porém, na estrita literalidade da lei, foi bem mais longe. Não só considerou admissível a revisão de sentença (condenatória) perante sentença proveniente de qualquer instância internacional, obviamente, desde que vinculativa do Estado Português (7), como se limitou a exigir, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Verdadeiramente, o legislador de 2007, ao permitir a revisão de sentença em termos tão latos, instituiu, indirectamente, um novo grau de recurso, quer em matéria criminal, quer em matéria civil, grau de recurso manifestamente inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado. Tenha-se em vista que a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê como excepções ao caso julgado, em processo penal, a descoberta de factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior (8). Por isso, entendemos que é mister proceder a uma interpretação restritiva da lei no que concerne ao fundamento de revisão recentemente criado e ora em causa no presente recurso, interpretação que deverá ser claramente assumida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos casos em que se revele intoleravelmente postergado o princípio non bis in idem, obviamente na sua dimensão objectiva, ou outros direitos e princípios de matriz constitucional (9). Interpretação restritiva que entendemos dever orientar-se no sentido dos princípios consignados na Recomendação de 19 de Janeiro de 2000, do Conselho de Ministros do Conselho da Europa, atrás transcrita, concretamente o princípio segundo o qual a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum. É esta, aliás, a solução legislativa consagrada na lei processual penal francesa que permite, também, a revisão de sentença penal condenatória perante decisão proferida pelo TEDH (10). Conforme estabelece o n.º 1 do artigo 652º do Código de Processo Penal francês, o reexame só é admissível perante sentença proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que declare que a condenação foi proferida com violação das disposições da convenção para protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ou dos seus protocolos adicionais, desde que pela sua natureza e gravidade, a violação constatada envolva para o condenado consequências que não possam ser compensadas com a reparação razoável atribuída nos termos do artigo 41º da Convenção (11). Trata-se de limitações razoáveis que visam a harmonização entre o princípio non bis in idem, na sua dimensão objectiva (exceptio judicati), princípio inerente ao Estado de direito, e a necessidade de reposição da verdade e da justiça, designadamente quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, limitações impostas, também, pela necessidade de garantir, minimamente, a soberania nacional em matéria judicial (12) . . Para além destas limitações, decorrentes da própria Recomendação, há que ter em consideração, ainda, a partir de uma interpretação histórica e teleológica, o desejo e a intenção do Comité de Ministros do Conselho da Europa que aprovou a Recomendação, desejo e intenção expressos na respectiva exposição de motivos, através da indicação das situações em que se justifica a revisão, quais sejam: a) pessoas condenadas a longas penas de prisão e que continuam presas quando o seu caso é examinado pelo TEDH; b) pessoas injustamente privadas dos seus direitos civis e políticos; c) pessoas expulsas com violação do seu direito ao respeito da sua vida familiar; d) crianças interditas injustamente de todo o contacto com os pais; e) condenações penais que violem os artigos 10º ou 9º, porque as declarações que as autoridades nacionais qualificam de criminais constituem o exercício legítimo da liberdade de expressão da parte lesada ou exercício legítimo da sua liberdade religiosa; f) nos casos em que a parte não teve tempo ou as facilidades para preparar a sua defesa nos processos penais; g) nos casos em que a condenação se baseia em declarações extorquidas sob tortura ou sobre meios que a parte lesada nunca teve a possibilidade de verificar; h) nos processos civis, nos casos em que as partes não foram tratadas com o respeito do princípio da igualdade de armas. No caso vertente estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a sentença condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra o recorrente AA violou o artigo 10º, da CEDH (13), por se haver entendido que a sua condenação não correspondia a uma necessidade social imperiosa, atenta a necessidade de tutela do segredo de justiça no caso concreto, constituindo uma ingerência desproporcionada no direito à liberdade de expressão, razão pela qual foi decidido condenar o Estado português a pagar ao recorrente a quantia pedida de € 1.750, a título de danos materiais, acrescida de € 7.500, a título de reembolso de custas e outras despesas, e considerar que a confirmação da violação ocorrida por parte do TEDH constitui por si reparação equitativa suficiente pelos danos morais sofridos, nos termos do artigo 41º, da CEDH. Nesta conformidade, tendo o TEDH considerado violado o artigo 10º, da CEDH, há que conceder provimento ao recurso autorizando a revisão de sentença. Quanto à peticionada revogação da sentença é evidente que a pretensão do recorrente AA terá que improceder, consabido que o ordenamento jurídico nacional permite, apenas, a revisão de sentença e não também recurso de revogação ou anulação. *** Termos em que se acorda autorizar a revisão requerida. Sem tributação. *** Lisboa, 27 de Maio de 2009 Oliveira Mendes (Relator) Maia Costa Pereira Madeira Declaração de voto Concordando com a decisão de autorizar a revisão, discordo da fundamentação, pelas razões que seguem. Na verdade, entendo que a interpretação restritiva a que foi submetida a al. g) do n° 1 do art. 449° do Código de Processo Penal (CPP) é ilegítima. A interpretação restritiva justifica-se quando se conclui que "o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer" (Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, p.186). No caso em análise nada autoriza a dizer que o legislador, ao aditar a citada al. g) ao n° 1 do art. 449°, com a Lei n° 48/2007, de 29-8, disse mais do que pretendia. É seguro que o legislador teve em vista resolver a questão da inexistência de meios de execução, ao nível interno, das sentenças do TEDH, questão pendente pelo menos desde a Recomendação n° R (2000) 2 do Comité de Ministros do Conselho da Europa. Mas a mesma questão põe-se relativamente às decisões dos tribunais penais internacionais, não sendo lícito concluir que o legislador quis exclui-las do âmbito daquele preceito. Por outro lado, nada legitima também que se interprete a lei portuguesa de acordo com o "patamar mínimo" imposto pela dita Recomendação, podendo obviamente o legislador português ir mais além desse mínimo. Não parece, de forma alguma, que a norma contrarie a Constituição, nomeadamente o princípio do caso julgado, porque é por via do recurso de revisão, que pressupõe precisamente o trânsito da decisão (e cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa), que é admitida a reapreciação do caso. Não se põe também um problema de ofensa de soberania dos tribunais portugueses, uma vez que a vinculatividade das decisões do TEDH foi aceite livremente pelo Estado Português ao ratificar a CEDH, comprometendo-se, à luz do art. 46°, n° 1 da mesma EDH, a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que for parte. As "cedências" de soberania constituem naturalmente o reverso da inserção de Portugal em espaços políticos e institucionais que ultrapassam as fronteiras, e, mais do que "cedências", são partilhas de soberania, uma vez que Portugal integra de pleno direito, a par dos restantes Estados-Membros, a "governação" das instituições internacionais em que se integra, como é precisamente o caso do TEDH. Entendo, pois, que a (nova) al. g) do n° 1 do art. 449° do CPP introduziu um mecanismo de execução das sentenças oriundas de tribunais internacionais cuja vinculatividade o Estado Português reconheceu, devendo o Supremo Tribunal de Justiça, ao apreciar o pedido de revisão, limitar-se a analisar da verificação do requisito formal ali mencionado: existir sentença ("vinculativa") de uma instância judiciária internacional que seja inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça. Ao STJ cabe somente, neste momento processual, repito, verificar se se verifica aquele requisito formal para abertura do processo de revisão. Ao juízo de revisão competirá proferir uma nova sentença (arts. 460° e segs. do CPP), que deverá efectuar a execução da decisão do TEDH. Maia Costa _________________________________________________ 1- O requerente foi condenado em 1ª instância no 1º Juízo da comarca de Esposende, com confirmação da respectiva sentença pelo Tribunal da Relação de Guimarães. 2- As conclusões que a seguir se consignam correspondem integralmente às constantes da petição apresentada pelo recorrente. 3- É do seguinte teor a alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal: «1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: … g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça». 4- É do seguinte teor a alínea f) do artigo 771º do Código de Processo Civil (redacção dada pelo artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto: «A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: … f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa do Estado Português». 5-Intervenção no Colóquio por ocasião da Comemoração do 30º Aniversário da vigência da CEDH em Portugal, ocorrido a 10 de Novembro de 2008, no Supremo Tribunal de Justiça. 6- Na reunião ocorrida em 19 de Janeiro de 2000, o Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptou a seguinte recomendação dirigida aos Estados membros relativa ao reexame e reabertura de determinados processos ao nível interno na sequência de acórdãos do TEDH: «Recomendação R (2000) 2 O Comité de Ministros, nos termos do artigo 15.b do Estatuto do Conselho da Europa. Considerando que a finalidade do Conselho da Europa é o de realizar uma união mais estreita entre os seus membros; Tendo em conta a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir designada “a Convenção”); Constatando que, com base no artigo 46º da Convenção, as Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (“o Tribunal”) nos litígios em que forem partes e que o Comité de Ministros velará pela sua execução; Tendo presente que, em certas circunstâncias, a obrigação acima referida pode implicar a adopção de medidas, independentemente da reparação razoável atribuída pelo Tribunal nos termos do artigo 41º da Convenção e/ou de medidas gerais, a fim de que a parte lesada recupere, na medida do possível, a situação em que se encontrava antes da violação da Convenção (restitutio in integrum); Verificando-se que compete às autoridades competentes do Estado Requerido determinar quais as medidas mais adequadas para aplicar a restitutio in integrum, tendo em consideração os meios disponíveis no sistema jurídico nacional; Tendo contudo presente que – tal como mostra a prática do Comité de Ministros relativa ao controlo da execução dos acórdãos do Tribunal – há circunstâncias excepcionais em que o reexame de um caso ou a reabertura de um processo se revela ser o meio mais eficaz, mesmo único, para aplicar a restitutio in integrum; I. Convida, à luz de tais considerações, as Partes Contratantes a assegurarem-se de que existe ao nível interno possibilidades adequadas para aplicar, na medida do possível, a restitutio in integrum; II. Encoraja, nomeadamente, as Partes Contratantes a examinar os respectivos sistemas jurídicos nacionais com vista a assegurarem-se de que existe possibilidades adequadas para o reexame de um caso, incluindo a reabertura de processos, nos casos em que o Tribunal constate a existência de uma violação da Convenção em particular quando: (i) a parte lesada continua a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura, e (II) decorre do acórdão do Tribunal que - a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à da Convenção, ou - a violação constatada em virtude de erros ou falhas processuais é de uma gravidade tal que suscita fortes dúvidas sobre a decisão final do processo nacional». 7- Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, 1217, enumera as instâncias internacionais que vinculam o Estado Português, indicando, para além do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o Tribunal Internacional de Justiça e os tribunais penais internacionais. 8- É do seguinte teor o artigo 4º, do protocolo n.º 7 da CEDH: «1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado. 2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento. 3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15º da Convenção». 9- Cumpre sublinhar que a aceitação do fundamento de recurso de revisão da alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, na sua estrita literalidade, conduz ao reconhecimento de que as instâncias internacionais passam a constituir, no nosso ordenamento jurídico, conquanto de forma indirecta, uma nova e inovadora instância de recurso, mais concretamente a “última instância”, conduzindo à perda total da soberania nacional em matéria judiciária. 10- Ao que sabemos, de entre os diversos estados que fazem parte do Conselho da Europa (46 estados), por enquanto, só o Luxemburgo, Malta, Noruega, Suécia, França e Portugal permitem a revisão de sentença penal face a sentença proferida pelo TEDH. A Áustria e a Bélgica instituíram um recurso de anulação das decisões internas para garantir o respeito da lei (Convenção) – cf. Ireneu Cabral Barreto, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada 3ª edição), 326/327. 11- É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 626º do Código de Processo Penal francês: «Le réexamen d'une décision pénale définitive peut être demandé au bénéfice de toute personne reconnue coupable d'une infraction lorsqu'il résulte d'un arrêt rendu par la Cour européenne des droits de l'homme que la condamnation a été prononcée en violation des dispositions de la convention de sauvegarde des droits de l'homme et des libertés fondamentales ou de ses protocoles additionnels, dès lors que, par sa nature et sa gravité, la violation constatée entraîne pour le condamné des conséquences dommageables auxquelles la " satisfaction équitable " allouée sur le fondement de l'article 41 de la convention ne pourrait mettre un terme». 12- A propósito desta concreta problemática veja-se a já citada intervenção do Conselheiro Henriques Gaspar, em que, entre outros comentários, salienta: «As relações de mútua influência entre o TEDH e os tribunais nacionais tecem-se dentro de um modelo que não reveste natureza processual, seja hierárquica ou normativa. O sistema convencional de controlo está instituído num quadro de autonomia, sem continuidade processual directa entre as ordens judiciais nacionais e o TEDH; não existe recurso de decisões judiciais internas, nem partilha de decisões no processo com a instância europeia. O pedido pelos interessados para a intervenção do TEDH – a queixa – depende mesmo, como pressuposto processual, da exaustão dos meios internos disponíveis e, por isso, da existência de uma decisão interna definitiva – ou seja, de uma decisão transitada em julgado quando emanada de um tribunal interno – artigo 35º, par. 1º da CEDH…». 13- É do seguinte teor o artigo 10º, da CEDH: «1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este preceito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidade, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial». |