Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA BARROS | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO EXTINTIVA PRAZOS ABUSO DE DIREITO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO PRAZO DE CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200412020038287 | ||
Data do Acordão: | 12/02/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1304/02 | ||
Data: | 04/27/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.482º C.Civ. conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado. II - Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição. III - Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 29/1/2001, "A" intentou na comarca do Peso da Régua acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra o ex-marido, B. Pediu, em via principal, a condenação do demandado a reconhecer que o regime matrimonial a ter em conta para a partilha de bens do casal que com ele formou é o que constava do assento de casamento com o nº 299-D da Conservatória dos Registos Centrais até à data em que foi corrigido, ou seja, o da comunhão de adquiridos, e que são bens comuns do casal todos os referidos na petição inicial, e, nessa conformidade, que fossem mandadas cancelar quaisquer inscrições registrais a favor do R., ou posteriores adquirentes, que tenham esses bens por objecto, e, finalmente, a conde nação, ainda, do demandado a pagar-lhe metade dos rendimentos líquidos que esses bens hajam gerado desde a data do apossamento exclusivo dos mesmos pelo R. e até encabeçamento da A. na sua meação, de montante a determinar em execução de sentença. Subsidiariamente, pediu a condenação do R. a reconhecer que os bens em referência foram adquiridos em idêntica proporção pela A.; que, apossando-se em exclusivo desses bens, o R. está a enriquecer à custa da A. e a empobrecê-la em igual medida, correspondente a metade do valor e dos rendimentos dos mesmos; que os bens aludidos valem, no seu conjunto, 200.000.000$00, e que, por isso, o empobrecimento da A. se traduz em metade desse valor; e, finalmente, a condenação do R. a indemnizá-la no valor de 100.000.000$00, acrescido de juros desde a citação até efectivo pagamento. Alegou para tanto, em síntese, que demandante e demandado casaram civilmente em 23/7/70, em Angola; que, à data do casamento, ela era viúva e tinha dois filhos, mas desconhecia que, por esse facto, a lei impunha que o regime de bens do seu casamento fosse o da separação de bens; que A. e R. estiveram desde sempre convencidos de que se encontravam casados no regime da comunhão de bens adquiridos; que construíram, ambos, um património comum; que, de início, foi a A. quem sustentou o agregado familiar; que foi com dinheiro dela que o R. adquiriu para o casal a quota da sociedade C; que todos os bens adquiridos durante o casamento, que especifica e descreve, foram adquiridos com dinheiro de ambos os cônjuges, independentemente de quem outorgava as escrituras públicas de compra e venda ou arrendamento, na convicção de que eram bens comuns do casal; que sempre ambos declararam em todos os actos públicos em que intervinham estar casados sob o regime da comunhão de adquiridos; que essa convicção era reforçada por do assento de casamento de ambos, emitida pela Conservatória dos Registos Centrais, constar que o mesmo foi celebrado sem convenção antenupcial, sem qualquer menção ao regime imperativo da separação de bens; que as relações entre o casal se deterioraram, tendo o R. saído de casa em Março de 1994; que só no âmbito de providência cautelar preliminar à acção de divórcio entre a A. e o R. este invocou, pela primeira vez, que o regime de bens do casamento de ambos era o de separação de bens; que A. e R. ficaram divorciados por sentença transitada em julgado em 21/11/96; que em 16/3/98, o R. outorgou, como comprador, escritura de bens que já constavam de contrato-promessa anterior à dissolução do casamento; que a maior parte do preço dos bens foi pago na constância do matrimónio com dinheiro de ambos os cônjuges, e que a parte paga posteriormente proveio dos rendimentos da quota de sociedade comum; que o R. inscreveu esses bens exclusivamente em seu nome; e que o regime de bens do casamento só foi rectificado no assento de casamento em 19/5/99. Contestando, o R., para além de deduzir defesa por impugnação, excepcionou a prescrição de eventual direito da A. a ser indemnizada pelas quantias com que terá entrado para aquisição de bens durante o casamento, dado saber pelo menos desde 9/10/95 que o regime de bens do seu casamento com o R. era o da separação de bens. Houve réplica. O pedido principal formulado pela Autora foi, logo no saneador, julgado improcedente; mas essa decisão foi objecto de recurso de apelação, admitido para subir a final. De imediato indicada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória, as reclamações contra esta foram decididas pela forma constante da acta da audiência de discussão e julgamento. A final deste, foi, com data de 15/7/2003, proferida sentença do Tribunal de Círculo de Lamego que julgou procedente a excepção peremptória oposta na contestação, e, consequentemente, improcedente a acção, absolvendo o R. dos pedidos nela deduzidos. E também dessa sentença houve recurso de apelação. A Relação do Porto julgou improcedentes ambos os recursos da assim vencida, que pede, agora, revista dessa decisão, formulando, em remate da alegação respectiva, as conclusões que seguem (1): 1ª - A rejeição do pedido principal no saneador com fundamento em que a recorrente pretende (com esse pedido) a alteração do regime de bens legalmente estatuído envolve pronúncia sobre questão não submetida à consideração do tribunal, pois só almejava que este considerasse o regime de bens do seu casamento como de comunhão de adquiridos para efeitos de partilha até à data do averbamento correctivo do assento de casamento constante da Conservatória dos Registos Centrais. 2ª e 3ª - Se por erro de transcrição não se fez constar desse assento que o casamento da recorrente com o recorrido fora celebrado segundo o regime imperativo da separação de bens, de menção obrigatória nos termos do art.209º, nº7º, por remissão do art.217º, nº3º, do DL 51/78, de 30/3, então vigente, o regime de bens invocável até à data da correcção desse lapso, por averbamento, é o supletivo da comunhão de adquiridos. Assim o impõe a boa fé da recorrente. 4ª - Essa solução justifica-se ainda porque, até à data do averbamento correctivo, recorrente e recorrido outorgaram em vários actos públicos, declarando espontaneamente estarem casados segundo o regime da comunhão de adquiridos. 5ª - Ao arrogar-se dono exclusivo dos bens adquiridos na constância do matrimónio com a recorrente, a actuação do recorrido é ilegítima, por abusiva, pois excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e, contrariando toda a sua anterior conduta, representa injustificada violação da confiança gerada na recorrente, que a levou a não se acautelar, permitindo que só o recorrido figurasse na titularidade formal da aquisição desses bens. 6 ª - Deve, por isso, decidir-se que todos os bens adquiridos enquanto o regime da separação de bens não passou a constar do assento de casamento o foram, para efeito de partilhas, segundo o regime da comunhão de adquiridos. 7ª e 8ª - Consequentemente, concedendo revista, o acórdão recorrido deve ser revogado, decidindo-se que o casamento das partes seja considerado como celebrado no regime da comunhão de adquiridos até à data do averbamento correctivo do assento respectivo na Conservatória dos Registos Centrais, com pronúncia ainda sobre o mais pedido a título principal. 9ª - As instâncias fizeram erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts.334º, 1669º e 1670º, nº2º, C.Civ., e 3º, 209º, nº7º, e 217º, nº3º, do Cód. Reg.Civil aprovado pelo DL 51/78, de 30/3, aqui aplicável, e 668º, al. e), CPC. 10ª - Porque a recorrente, empobrecida, dispõe e está a usar nesta mesma acção de um meio para se ver indemnizada pelo recorrido diferente da acção de enriquecimento sem causa, que é o pedido principal de que se declare que a partilha dos bens do casal para cuja aquisição contribuiu na constância do seu casamento com o recorrido se faça de acordo com o regime da comunhão de adquiridos, o prazo de 3 anos para, sob pena de prescrição, instaurar acção com base no seu empobrecimento e correspondente enriquecimento do recorrido só se inicia após o trânsito em julgado da eventual improcedência daquele pedido principal. 11ª - Pelo que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, esse prazo não só não se esgotou como o seu curso ainda não se iniciou. 12ª - Assim o impõe o art.474º C.Civ., atendendo à natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. 13ª - Por outro lado, mesmo que não existisse - mas existe - outro meio legal de se ver indemnizada ou restituída, a recorrente, no caso, só teve conhecimento do seu empobrecimento a partir do momento em que, em Maio de 1999, foi corrigido o seu assento de casamento na Conservatória dos Registos Centrais, passando, ali, a ser de separação absoluta de bens, o que, anteriormente figurava como de comunhão de adquiridos. 14ª - E mais vincadamente quando, já após a correcção referida na conclusão anterior, o recorrido, escriturou em seu exclusivo nome, bens, que haviam sido adquiridos na constância do seu casamento com a recorrente. 15ª - Consequentemente, e tão só para a hipótese de não procedência do pedido deduzido a título principal, o acórdão revidendo, e com ele a sentença da 1ª instância, devem ser revogados. 16ª - E, em sua substituição, deve ser declarado que a recorrente deve ser indemnizada pelo recorrido por forma correspondente a metade do valor dos bens adquiridos por ambos na constância do matrimónio, a determinar mais precisamente em execução de sentença. 17ª - As instâncias incorreram em erro de interpretação e aplicação dos arts.323º, 382º, e 474º CCiv. Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir. Convenientemente ordenada (2), a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue: - A. e R. casaram civilmente um com o outro na Conservatória do Registo Civil de Luanda, Angola, em 20/6/70. - Do assento de casamento de Autora e Réu, junto a fls. 326, consta que o teor do mesmo foi lido aos nubentes. - Do boletim de casamento para averbamento ao nascimento, com data de 12/8/70, junto a fls. 97, consta:"Este casamento foi realizado sob o regime de separação de bens ....". - Na altura em que casou com o R., a A. estava convencida de que o regime de bens do seu casamento era o da comunhão de adquiridos. - A. e R. residiram em Angola desde a data do casamento até 1975, ano em que regressaram a Portugal, estabelecendo o seu lar na Rua dos Camilos, na cidade do Peso da Régua. - O R. trouxe um veiculo ligeiro, tendo um outro já em Portugal. - Quando regressou a Portugal, vindo de Angola, o R. começou a trabalhar para os irmãos, sem remuneração, no ramo da venda de mobiliário doméstico. - Dos documentos de fls. 98 a 101 dos autos constam recibos de pagamento datados de 13/8, 2 e 25/9, e 10/10/75. - Já em Portugal, e no ano de 1976, a A. montou na cidade do Peso da Régua um salão de cabeleireiro e estética. - Em 20/5/76, no Cartório Notarial do Peso da Régua, foi constituída, por escritura pública, a sociedade comercial por quotas C, entre o R. e D, E e F, sendo a quota do R. de 250.000$00. - Nesse contrato consta que o R. é casado com a A. no regime de comunhão de adquiridos. - No registo e inscrição da referida sociedade na Conservatória do Registo Comercial consta igualmente que o R. é casado com a A. no regime de comunhão de adquiridos. - A situação económica da A. e do R. começou a prosperar, o que lhes permitiu fazer vários investimentos com as poupanças do casal. - O R. foi citado como interessado no inventário por óbito da mãe da A. que correu termos sob o nº 103/85, no Tribunal Judicial da Comarca de Valpaços. - Em 15/5/89, a Conservatória dos Registos Centrais fez constar do assento de casamento respectivo :" casamento civil, sem convenção antenupcial". - Em 17/12/90, no Cartório Notarial de Peso da Régua, em escritura de compra e venda, o R. declarou comprar ao Dr. G, na qualidade de procurador de H e mulher, pelo preço de 300.000$00, um prédio rústico composto de vinha da região demarcada do Douro, oliveiras e pereiras, denominado Lobata, sito na freguesia e concelho de Peso da Régua, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 19-B e descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho, sob o nº 00060/040685. - Dessa escritura consta que o R. é casado com a A. no regime de comunhão de adquiridos. - Igual inscrição consta da certidão da Conservatória do Registo Predial referente a tal prédio. - Por acordo escrito (com data de 9/11/91 e subordinado à epígrafe contrato de arrendamento rural) junto a fls.37 e 38 dos autos, foi concedido ao R. o gozo de cinco prédios rústicos aí descritos, mediante o pagamento, por este, da quantia anual de 400.000$00. - Desde Novembro de 1991, A. e R. passaram a explorar em conjunto a Quinta da Lobata. - Com o esforço económico dos dois, A. e R. mandaram construir nesse prédio um prédio urbano de 3 pisos, hoje descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00948/151299. - O Réu celebrou o contrato-promessa (de compra e venda, com data de 5/1/93) junto a fls.39, como documento nº 7. - Na data da celebração do contrato-promessa, (as partes no mesmo) não podiam formalizar a aquisição por escritura pública de compra e venda, por serem comproprietários desses prédios os concepturos de I. - O R. abandonou o lar conjugal em Março de 1994. - Em 9/10/95, a A., por intermédio do seu mandatário, fez dar entrada no Tribunal de Chaves de uma contestação a uns embargos a um arrolamento em que o R. era embargante, onde se lê: "E não obstante conceder-se que embargante e embargada casaram sob o regime imperativo de separação de bens", "Só aquando da leitura da petição de embargos a embargada e o seu patrono tomaram conhecimento daquele regime de bens". - O casamento da A. com o R. foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 31/10/96, transitada em julgado em 21/11/96. - Por escritura pública lavrada em 16/3/98 no Cartório Notarial de Peso da Régua, o Réu declarou comprar os cinco prédios rústicos referidos pelo preço global de 5.430.000$00. - Os imóveis referidos nessa escritura encontram-se inscritos na Conservatória do Registo Predial a favor do Réu. - Em 19/5/99, o assento de casamento foi rectificado no sentido de que o casamento foi celebrado sob o regime imperativo da separação de bens. Nenhuns outros factos há a considerar. Apreciando e decidindo, cumpre, antes de mais, deixar claro que as instâncias cuidaram exacta e precisamente do que lhes vinha proposto e pedido, sendo por isso mesmo manifesta a improcedência da arguição de congeminado excesso de pronúncia sancionado pela al.e) do nº1º do art.668º CPC. São do C.Civ. os preceitos citados ao diante sem outra indicação. Celebrado o casamento das partes nestes autos sob o regime imperativo da separação de bens, consoante al.c) do n.º1º do art.1720º então vigente (3), bem, na verdade, não se vê que possa efectiva mente atribuir-se qualquer efeito ao equívoco da ora recorrente a esse respeito, face, inclusivamente, ao disposto no(s) art(s.) 252º (e 295º) no respeitante à(s) sua(s) contribuição(ões) para inexistente património comum. Não pode, por outro lado, conferir-se ao assento lavrado por transcrição imposta pelo DL 294/ 77, de 14/6 (relativo aos actos sujeitos a registo praticados nas ex-colónias) na Conservatória dos Registos Centrais outra função que não seja a de comprovar o nele mencionado, nem extrair-se da deficiência, que não propriamente inexactidão, da transcrição naquela Conservatória do assento do casamento das partes nestes autos outra consequência que não seja a de haver realmente lugar à correcção, mesmo oficiosa, desse vício do registo (subordinado, este, num processo em que não há terceiros a considerar, ao princípio da retroactividade de que o nº1º do art.1670º dá conta). Não é, de todo o modo, lícito atribuir ao registo o condão de contrariar disposição de ordem pública, como era o caso do predito art.1720º, nº1º, al.c) (cfr. também art.1714º). Era, assim, a nosso ver, clara, à partida, a inviabilidade do pedido principal deduzido, posto que, como notado no acórdão sob recurso, mais em derradeira análise não traduzia que a pretensão de que, em derrogação do regime legal imperativo da separação de bens, a partilha de bens do casal que a A. formou com o R. se efectuasse como se o regime matrimonial respectivo fosse o da comunhão de adquiridos. Por outro lado: Só agora invocado, vem sendo, em todo o caso, ponto assente na jurisprudência que o abuso de direito, prevenido no art.334º, é de conhecimento oficioso (4). Bem, no entanto, não se vê que haja modo de julgar-se configurada essa previsão legal na matéria de facto apurada - só, como já se fez notar, a atrás transcrita. E mesmo a ter cabimento a consideração desse instituto, nem tal também, se bem parece, poderia conduzir à procedência do pedido principal. Admitido na 1ª instância ter a A. direito a ser indemnizada do montante com que contribuiu para a construção do prédio urbano supramencionado - e só isso, dada a resposta negativa dada aos artigos 6º, 9º, 11º a 13º, 16º e 17º da base instrutória -, por ser essa a medida do seu empobrecimento e consequente enriquecimento do R., a liquidar em execução de sentença nos termos do art.661º, nº2º, CPC, julgou-se então, no entanto, extinto esse direito, por prescrição, conforme art.482º. A Relação confirmou esse entendimento. O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.482º conta-se, como nele estabelecido, a partir do momento em que o empobrecido tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, isto é, segundo as instâncias, desde que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa, e a saber também quem assim resultou beneficiado. Fundada a acção no facto de a A. estar convicta de que se encontrava casada com o R. no regime da comunhão de adquiridos e de ser tal que se concluía da transcrição do assento desse casamento efectuada na Conservatória dos Registos Centrais, resultou, no entanto, provado que em 9/10/95 já se sabia na realidade casada no regime imperativo de separação de bens. Tendo contribuído com dinheiro seu para a aquisição de bem que não é comum, inscrito em nome do R., ficou então necessariamente a saber que se encontrava, nessa medida, empobrecida e o R. correlativa ou correspondentemente enriquecido à sua custa - cfr. art.473º. Proposta esta acção em 29 e citado o R. em 31/1/2001, já nessa altura tinham decorrido muito mais de 3 anos sobre o conhecimento desses factos pela A. As instâncias julgaram, em consequência, encontrar-se então já esgotado, e há muito, o prazo de prescrição estabelecido no art.482º. Dada, no entanto, a subsidiariedade, estabelecida no art.474º, do instituto do enriquecimento sem causa, a ora recorrente insiste em que esse prazo ainda nem sequer se iniciou, dado não ter ainda transitado em julgado qualquer decisão a negar-lhe o direito à restituição por outra via, pretendida no pedido principal. Ora bem: Em acórdão deste Tribunal de 27/11/2003, proferido no Proc.nº3091/03-2ª, com sumário no nº75 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, relativo a Novembro de 2003, pág.62, 1ª col.-3º, julgou-se que, uma vez que, consoante art.482º, só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por esse fundamento, o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído. Debatido em Ac.STJ de 28/3/95, BMJ 445/511 se a expressão" conhecimento do direito que lhe compete" constante do art.482º se reporta ao" conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" (5) - entendimento que então prevaleceu -, ou, antes, ao" conhecimento de ter direito à restituição", como sustentado no voto do vencido (6), ter-se-á, parece, perfilhado no sobredito aresto de 27/11/2003, esta segunda tese. Decidiu-se também no sentido atrás destacado em Ac.STJ de 25/6/2002, no Proc.nº1716/02-1ª : precisamente relativo a hipótese de dedução de pedido principal julgado improcedente e subsidiário fundado em enriquecimento sem causa (7). E de igual modo, com abono na natureza subsidiária desse instituto estabelecida no art.474º: Em acórdão desta Secção de 26 de Fevereiro último no Proc. nº3798/03, com sumário no nº78 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores, relativo àquele mês (v. pág. 36, 1ª col.-III), e em que intervieram como adjuntos o relator e o 1º adjunto neste, considerou-se que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. De facto, como em simétrica perspectiva elucida Menezes Cordeiro," Direito das Obrigações", 2º (reimpressão de 1986 da 1ª ed. de 1980), 69, a obrigação de restituir o enriquecimento não prescreve enquanto o empobrecido tiver outro meio de ser restituído ou outra forma de ser indemnizado pelo seu prejuízo. Nesta base, ao menos, não se pode deixar de acompanhar a doutrina dos preditos arestos deste Tribunal. Procede, pois, a nosso ver, este recurso - conquanto apenas na medida do exposto. À determinação da medida da restituição aplica-se o disposto nos arts.479º, nºs 1º e 2º, e 480º, al.a) (com clara explicação em Galvão Telles," Direito das Obrigações", 6ª ed. (1989), 189, nº 48.). Alcança-se, deste modo, a decisão que segue: Concede-se, parcialmente, a revista pretendida, e revoga-se, consequentemente, em parte, o acórdão sob recurso. Assim, mantendo-se a decisão das instâncias quanto ao pedido principal, julga-se, no entanto, em contrário do nelas entendido, improcedente a excepção de prescrição oposta ao pedido subsidiário. Em consequência, julga-se esta acção, no que se refere a esse pedido, parcialmente procedente e provada, e, na conformidade do exposto, condena-se o ora recorrido, por ser essa a medida do empobrecimento da ora recorrente, a restituir à mesma, devidamente actualizado nos termos dos arts.479º, nº2º, e 480º, al.a), C.Civ., o montante com que se apurar ter contribuído para a construção do prédio urbano de 3 pisos, hoje descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua sob o nº 00948/151299, a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 661º, nº2º, CPC. Custas tanto nas instâncias, como deste recurso, por ambas as partes, para já, em igualdade, com eventual correcção para a proporção do decaimento respectivo que venha a determinar-se na liquidação acima referida. Lisboa, 2 de Dezembro de 2004 Oliveira Barros Salvador da Costa Ferreira de Sousa ------------------------------- (1) Abreviou-se onde possível. Quanto às conclusões 7ª, 8ª, 15ª e 16ª, v. Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", III, 299-3. (2) V. a propósito Antunes Varela,RLJ, 129º/51. Sobre constituir técnica deficiente dar por reproduzidos documentos, v. Antunes Varela e outros," Manual de Processo Civil", 2ª ed., 401, nota 2 (1ª ed., 386, nota 2) e, v.g., Ac.STJ de 1/2/95, CJSTJ, III, 1º, 264. (3) Bem assim vigorava ao tempo o Cód.Reg.Civil aprovado pelo DL 47.678, de 5/5/67, depois substituído pelo aprovado pelo DL 51/78, de 30/3, por sua vez substituído pelo aprovado pelo DL 131/95, de 6/6. A obrigatoriedade da menção do regime imperativo da separação de bens resultava dos arts.214º, nº7º, e 222º, CRC 65, e, depois, dos arts. 209º, nº7º, e 217º, nº 3º, CRC 78, como em contra-alegação esclarecido. (4) V., v.g., Acs. STJ de 25/6/86, BMJ 358/470-III, 480 e 482 (anotação ), com apoio na lição de Vaz Serra, e de 25/11/ 99, CJSTJ, VII, 2º, 124-II e 126, com os aí citados. (5) Como, entre parênteses, elucida Antunes Varela, em" Das Obrigações em Geral", I, 10ª ed., 517, com fundamento na aí referida razão de ser do prazo de 3 anos estabelecido nesse preceito. O trecho em referência adianta, na verdade, que a ratio do prazo excepcional fixado no art.482º C.Civ. reside na pressão que a lei pretende exercer sobre o credor no sentido de usar do seu direito logo que tenha os elementos necessários para agir. Nessa perspectiva, o que releva para este efeito é, na realidade, o conhecimento dos elementos constitutivos do direito de restituição - consoante art. 473º, enriquecimento, empobrecimento, e nexo de causalidade entre ambos -, isto é, o conhecimento dos pressupostos de facto de que advem esse direito. (6) Com, nomeadamente, apoio na lição de Vaz Serra, RLJ 107/299 e 300, que, em relação ao caso paralelo (como esclarece Antunes Varela, ob., vol. e ed. cits, 535) do art.498º, relativo à responsabilidade por factos ilícitos, considerava em desvio do determinado no art.6º, de exigir, para além do conhecimento dos pressupostos de facto de que decorre o direito, o conhecimento do direito que a lei faculta. Em contrário desse entendimento de Vaz Serra, e com apoio no de Antunes Varela, v. Ac.STJ de 12/3/96, BMJ 455/441-IV e 447. (7) Há sumário deste acórdão na Edição Anual de 2002 dos Sumários de Acórdãos Cíveis deste Tribunal organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, pág. 212, 1ª col. |