Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | DOCUMENTO ESCRITO ASSINATURA IMPUGNAÇÃO ÓNUS DA PROVA QUESTÃO NOVA CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO DE REVISTA | ||
Decisão: | NEGADO O RECURSO DE REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / MODO DE CONTRARIAR A PROVA LEGAL PLENA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, p. 514; - José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, p. 271;. - Lebre de Freitas, Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 463; - Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p. 384; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 258-259. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 347.º, N.º 2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | 1. A aplicabilidade do n.º 2 do art. 347.º do CC depende de um único requisito alternativo: ou a parte contra quem o documento é apresentado impugna a veracidade da letra ou da assinatura ou, não sendo a letra ou a assinatura imputadas a ela, a parte contra quem o documento é apresentado declara que não sabe se são verdadeiras. 2. Sendo a veracidade da assinatura aposta em certos contratos impugnada pelas autoras, cabe aos réus, em conformidade como o disposto no n.º 2 do artigo 347.º do CC, o ónus da prova da veracidade da assinatura. 3. Quando existe uma questão de conhecimento oficioso pelo tribunal, é irrelevante que ela seja suscitada ex novo por uma das partes.
| ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrentes: AA e Herança aberta e indivisa por óbito de BB Recorridos: CC e DD
AA instaurou a acção declarativa contra CC e DD, formulando os seguintes pedidos: "1)- Declarar e reconhecer que a A. AA é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, BB; 2)- Declarar a anulabilidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I.; 3)- A título subsidiário, declarar a nulidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I., sendo nula a doação, por constituir disposição com efeitos mortis causa, sem constar de disposição testamentária válida e na forma prescrita por lei; 4)- Condenar os RR. a reconhecerem os pedidos formulados em 1) a 3) para todos os efeitos e consequências legais; 5)- Condenar os RR., a entregarem e restituírem à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de 821.585,76 € (…), acrescida de juros vencidos e vincendos até à sua efectiva entrega e restituição.". Alegou a autora, em síntese, que os contratos de seguro de vida não foram subscritos pela sua irmã BB, falecida a 24 de Novembro de 2009, de quem é herdeira. Para além disso, a indicação do réu CC como beneficiário em tais contratos não corresponde à vontade desta, havendo, nessa parte, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real. Os réus CC e DD apoderaram-se dos valores aí aplicados e frutos dos gerados, devendo, portanto, restituí-los ao "acervo e património da sua Herança, aberta e indivisa, com o seu óbito". Os réus contestaram afirmando, em suma, que os contratos foram subscritos pela falecida BB, que os celebrou conscientemente e neles expressou a sua efectiva vontade. Foi proferida sentença em que se decidiu: "Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e prejudicado o conhecimento da excepção de caducidade e, em consequência Declaro que a autora AA é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, BB; e condeno o réu CC a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição. Absolvo os réus do demais peticionado; e a autora e os réus do pedidos de condenação como litigantes de má fé”. Inconformado com esta decisão, o réu CC interpôs dela recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, pugnando pela sua alteração e pela sua absolvição da totalidade do pedido. As autoras contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso e requerendo também "a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636.º,n.º 1 e 2 do C.P.C.”. O teor da decisão do Acórdão o Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2018 foi o seguinte: “a) revoga-se a decisão recorrida no segmento em que condenou "o réu CC a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição"; b) absolve-se os réus dos pedidos formulados na petição inicial sob 2 a 5; c) mantém-se no mais a sentença recorrida”. Tendo sido notificadas do Douto Acórdão e não se conformando com o mesmo, vêm agora as Autoras interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1 e 671.º do CPC. Nas suas alegações, pugnam pelo provimento da revista, concluindo assim: CC vem também apresentar contra-alegações, pugnando, essencialmente pela confirmação do Acórdão recorrido. Estão provados os seguintes factos: 1.º - BB faleceu no dia ... de 2009, no estado de viúva. 2.º - E não deixou descendentes, nem ascendentes, vivos. 3.º - AA é irmã única de BB. 4.º - A autora AA requereu Inventário por óbito de sua Irmã, que se encontra pendente no Tribunal de ..., sob o n.º 309/11.8TBMCD. 5.º - No âmbito do qual foi nomeado Cabeça-de-casal o réu CC, como Testamenteiro, nomeado no Testamento supra referido. 6.º - Nele, a Autora AA reclamou os activos financeiros, aplicações, dinheiros e seguros financeiros, que integram o remanescente da Herança de BB. 7.º - O réu CC negou a sua existência e não os relacionou. 8.º - Na sequência de informações bancárias solicitadas pela Autora AA, através do Tribunal, a FF, juntou aos referidos autos, documentos comprovativos da existência dos valores monetários e seguros financeiros de BB. 9.º - Documentos que foram enviados e notificados à Mandatária Judicial da Autora e foram recebidos no dia 28 de Maio de 2012. 10.º - Nomeadamente, a aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da EE Seguros e da FF, denominada JJ 4% (A 45), datado de 21 de Junho de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, BB, no montante de quinhentos mil euros (€ 500 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de .... 11.º - Bem como a aplicação financeira, seguro de vida, da EE Seguros e da FF, denominada JJ 11,45% (C10), datada de 13 de Setembro de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, BB, no montante de duzentos e oito mil euros (€ 208 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de .... 12.º - E a aplicação financeira, seguro de vida, da EE Seguros e da FF, denominada JJ ..., datada de 16 de Setembro de 2008, onde figura como Tomadora do Seguro, BB, no montante de cinquenta mil euros (€ 50 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de ..... 13.º - Os valores e aplicações financeiras referidos em 10.º, 11.º e 12.º eram propriedade exclusiva de BB, constituídos com valores e dinheiros seus. 14.º - O réu CC nunca depositou qualquer importância sua ou a expensas do seu património e rendimentos nas contas de BB, nomeadamente na conta bancária n.º ..., da FF, com os saldos da qual foram constituídos os seguros e aplicações financeiras de BB. 15.º - Eliminado. 16.º - Eliminado. 17.º - A BB não foi dada, antes de os subscrever, qualquer explicação acerca das condições particulares e/ou gerais dos produtos financeiros com os valores de € 208 000,00 e de € 50 000,00. 18.º - Na data das aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, o réu CC era funcionário bancário, na FF, Agência de .... 19.º - BB autorizou o réu CC a movimentar algumas da suas contas. 20.º e 21.º - BB esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009. 22.º - No dia 22 de Dezembro de 2009, o réu CC procedeu ao levantamento e resgate dos valores relativos às aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, no montante de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos). 23.º - Eliminado. 24.º - foi-lhe dada resposta conjuntamente com o facto 17. 25.º - A co-titularidade das contas de BB com o Réu marido era da vontade desta, do seu conhecimento e consciência. 26.º - BB outorgou testamento em 07-05-2007, dizendo o seguinte: "Lega a GG (…) a casa de habitação com respectivo cabanal anexo, sita (…); Lega à dita GG, e aos irmãos desta, CC, e HH, o recheio da casa atrás referida; a) Lega a o prédio urbano (…) sito (…), da seguinte forma: Lega aos seus afilhados ---, casado, e ---, solteiro (…) o rés-do-chão do prédio identificado na alínea a). Lega a II (…) o primeiro andar lado direito do prédio identificado na alínea a) (…); Lega a LL e MM (…) o primeiro andar lado esquerdo do prédio identificado na alínea a) (…); Lega a NN (…) e CC o segundo andar do prédio identificado na alínea a) (…); Lega a (…) as águas furtadas do prédio identificado na alínea a); Lega a GG, CC, e HH o logradouro do prédio da alínea a) (…); Lega a --- (…) o veículo automóvel ligeiro marca "Peugeot" (…); Lega o jazigo da família (…) aos referidos irmãos GG, CC, e HH (…); Lega a --- (…) a quantia de cinquenta mil euros, da conta n.º ..., na agência da FF em ...; Lega a --- (…) a quantia de cinquenta mil euros da conta n.º ..., na agência da FF em ...; Lega a CC (…) o saldo total existente na conta n.º ..., na agência da FF em ...; Lega a --- (…) o saldo existente na conta n.º... na agência da FF em ...; Ficam ainda os legatários com encargo de mandarem celebrar, cada um, um trintário de missas pela família .... Na eventualidade de os legatários NN e CC, não poderem vir aceitar ou repudiarem os legados, designo-os substitutos, mútua e reciprocamente um do outro. Também, na eventualidade, da legatária II não puder aceitar os legados ou os vier a repudiar, designo, como substitutos os seus ascendentes, em primeiro lugar a sua mãe, e no caso de esta não puder ou quiser aceitar, o seu pai. Nomeio como testamenteiro o legatário CC (…)". 27.º - BB celebrou contratos de aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da EE Seguros e da FF, denominado JJ 4% (A45) datado de 21 de Junho de 2007, onde ela figura como Tomadora de Seguro, no montante de € 500 000,00. 28.º - BB procedeu à aplicação financeira e contrato de seguro de vida da EE Seguros e da FF, denominado JJ, 11,45% (10) datado de 13 de Setembro de 2007, onde figura como tomadora de Seguro BB , no montante de € 208 000,00. 29.º - Celebrou também seguro de vida na EE Seguros e da FF denominado JJ , datado de 16 de Setembro de 2008, onde figura como tomadora do seguro BB , no montante de € 50 000,00. 30.º - A ali tomadora de seguro, livre, consciente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita BB, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o réu CC. 31.º - Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos por BB, livre e conscientemente. 32.º - Nas aplicações de € 500 000,00 e de € 208 000,00 BB apôs a sua assinatura depois dos dizeres: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo da informação fornecida nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto (...)". 33.º - BB percebeu que subscreveu aplicações financeiras, tendo manifestado essa vontade à FF, indicando os valores que pretendia investir e o réu CC como a pessoa que, à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos. O DIREITO Trata-se de saber, em primeiro lugar, se cabia aos réus o ónus da prova da veracidade da assinatura aposta nos contratos referidos nos autos. Quanto ao ónus da prova da veracidade / falsidade da assinatura divergiram as respostas do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal recorrido. Discorrendo à luz do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CC, entendeu o primeiro Tribunal, que "[a] lei faz incidir sobre a parte a quem o documento aproveita, aquela que dele pode retirar vantagem e, por conseguinte, a quem interessa a sua apresentação, o encargo de diligenciar pela obtenção da prova destinada a demonstrar que a assinatura atribuída à contraparte é verdadeira e, consequentemente, a vincula ao cumprimento da obrigação ou das obrigações dele emergentes. E se não lograr alcançar tal prova, se não cumprir o ónus probatório que legalmente lhe está cometido de demonstrar que a assinatura pertence à parte a quem é atribuída - que a assinatura foi feita pelo seu punho -, a pretensão fundada na subscrição do documento pela parte contrária não triunfará. Ora, no presente caso, os réus não lograram fazer prova de que a assinatura fosse verdadeira (…). Ora, não provada, como vimos, a veracidade da assinatura constante dos ditos documentos, estes carecem de força probatória das declarações que deles constam (…)”. Em contrapartida, o Tribunal recorrido, advertindo para que “a assinatura dos documentos em questão não é 'atribuída à contraparte'”, conclui: “[n]ão se imputando aos réus a autoria das assinaturas em causa, fica desde logo afastada a aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil”. E acrescenta: “[E]ste 374.º enuncia os caminhos a seguir face à conduta que for adoptada pela parte a quem é atribuída a autoria de um documento particular. Mas tem que estar em causa uma assinatura de uma das partes; tem que ser a assinatura da 'pessoa contra quem a respectiva autoria se imputa'. Sendo assim, não se pode concluir que este preceito impõe aos réus CC e DD o ónus da prova da autenticidade da assinatura atribuída a BB. “(…) radicando os pedidos das autoras, entre outros factos, na alegação de que "as assinaturas deles constantes não (…) saíram do seu punho [do punho de BB]", é a elas que, à luz do princípio enunciado no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, cabe o ónus da prova da falsidade das assinaturas. Essa prova não foi feita. Não existe qualquer documento ou depoimento que, com o mínimo de rigor e certeza necessários, permita afirmar que as assinaturas não são de BB”. Foi neste raciocínio que o tribunal recorrido estribou a sua decisão de alteração da matéria de facto e, designadamente, de dar como provados os factos 31.º e 32.º: “31.º - Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos por BB, livre e conscientemente. 32.º - Nas aplicações de € 500 000,00 e de € 208 000,00 BB apôs a sua assinatura depois dos dizeres: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo da informação fornecida nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto (...)”. Não há dúvida de que os contratos de seguro juntos aos autos são documentos particulares (cfr. artigo 363.º, n.ºs 2 e 3, a contrario, do CC). Os documentos particulares – determina o artigo 376.º do CC – cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos 373.º e s. do CC fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e da prova da falsidade dos documentos. Sucede que, neste caso, as autoras / recorrentes arguiram a falsidade da assinatura de BB, vindo sustentar que é aos réus que cabe provar a veracidade da assinatura. Havendo no capítulo respeitante às provas regulado no Código Civil disposições especiais sobre a prova documental e, em particular sobre os documentos particulares, é nelas, antes de mais, que se deve procurar a solução. Só se não for possível encontrar aí a norma aplicável é que será adequado procurar noutras disposições. A verdade é que logo se encontra a norma do artigo 374.º do CC, sobre autoria da letra e da assinatura, onde se diz: “1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. 2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”. Exorbitando o caso em apreço da hipótese prevista no n.º 1, uma vez que a assinatura é impugnada, resta verificar se cabe na hipótese prevista no n.º 2. Interpretando o disposto no n.º 2 do art. 374.º do CC, o Tribunal recorrido afirma que, ao contrário do que se diz na sentença do tribunal de 1.ª instância, “a assinatura dos documentos em questão não é ‘atribuída à contraparte’; as assinaturas em causa são atribuídas a BB, não ao réu CC e/ou à ré DD. Não se imputando aos réus a autoria das assinaturas em causa, fica desde logo afastada a aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil. O Tribunal a quo parece, assim, ter considerado que a aplicabilidade da norma dependia de a autoria das assinaturas ser imputada aos réus e que, consequentemente, ela não se aplicava ao caso. Mas, com o devido respeito, não fez a interpretação mais correcta da norma. Na realidade, a aplicabilidade do n.º 2 do art. 347.º do CC depende de um único requisito (alternativo): a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou, não sendo a letra ou a assinatura imputadas a ela, a parte contra quem o documento é apresentado declarar que não sabe se são verdadeiras. Para que não restem dúvidas quanto a isto, veja-se o que afirmam, com relevância reforçada para o caso em apreço, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora: “[s]endo a letra e a assinatura do documento imputadas, não á parte (pessoalmente) mas a terceira pessoa (seu antecessor na relação jurídica em causa, competirá a quem apresenta o documento o ónus de provar a sua autenticidade, no caso de a parte contrária declarar que não sabe se o documento é ou não autêntico”[1]. E veja-se ainda Lebre de Freitas, em anotação à norma do artigo 374.º do CC: “se a parte contrária [a parte confrontada com a apresentação do documento] negar que a assinatura do documento é da pessoa (ela própria ou terceiro] a quem é imputada (…), a prova da autoria constituirá ónus do apresentante (n.º 2)”[2]. Ora, requisito (único) de aplicabilidade da norma verifica-se in casu: a parte contra quem o documento foi apresentado (as autoras) impugnou a veracidade da assinatura. Verificado que está o requisito de aplicabilidade da norma, o ónus da prova da veracidade da assinatura recaía sobre a parte que apresentou o documento (os réus). É verdade que o Tribunal recorrido afastou a aplicação da norma e considerou que “à luz do princípio enunciado no artigo 342.º, n.º 1, do CC”, o ónus da prova da falsidade das assinaturas cabia às autoras. Esse raciocínio não foi, todavia, determinante para a decisão sobre a matéria de facto, designadamente para decisão de dar como demonstrados os factos 31.º e 32.º [antes factos não provados e) e g)], nem, consequentemente, se repercute na decisão final. Como pode ler-se, imediatamente adiante, no Douto Acórdão: “[n]o entanto, independentemente dessa questão, atentos os depoimentos de --, -- e --, deve ter-se por assente que as assinaturas que estão nos documentos das folhas 42 e 43 são de BB”. Ora, como diz José Alberto dos Reis, “[o] problema do ónus da prova, traduz-se (…) n[uma] averiguação: como se reparte, entre os litigantes o encargo de fornecer a prova? E ainda: qual das partes há-de suportar as consequências da falta ou insuficiência de provas? A primeira pergunta exprime o primeiro momento do problema; a segunda corresponde ao segundo. Por outras palavras: o interesse da questão de saber sobre qual das partes pesa o ónus da prova está exactamente na consequência que daí deriva para o sentido da decisão a proferir, para o conteúdo positivo da regra de julgamento, Apurado que o ónus da prova incumbia ao autor, o juiz, no caso de falta ou insuficiência de provas, terá de desatender a pretensão do autor; apurado que o ónus da prova pertencia ao réu, o juiz, perante a incerteza dos factos, terá de desatender a pretensão do réu”[3]. Significa isto, por outras palavras, que o problema do ónus da prova, quanto ao seu segundo momento, se põe apenas quando haja falta ou insuficiência de prova. Sucede que, como se viu, o Tribunal deu como demonstrada a veracidade da assinatura, independentemente da prova dos réus, com base na prova testemunhal produzida. Não se pode, pois, dizer que o Tribunal tivesse considerado que existia insuficiência de prova e que tivesse decidido por essa razão desatender a pretensão das autoras, retirando as consequências da regra de distribuição do ónus da prova que aplicou (o artigo 342.º do CC). Ou, por outras palavras, embora tivesse feito uma leitura incorrecta da norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPC e, ao afastar esta norma, não tivesse admitido que o ónus da prova da veracidade da assinatura cabia, de facto, aos réus, o Tribunal deu como provado que a assinatura era genuína, por outros meios de prova, designadamente a testemunhal. No que toca à prova testemunhal, a respectiva valoração está sujeita à livre apreciação do julgador, como resulta do artigo 396º do CC. Segundo o princípio da livre apreciação das provas, “o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal”[4]. A convicção atingida através destes meios de prova pelo Tribunal não é, justificadamente, objecto de sindicância, a não ser quando ocorra a violação de normas legais no que a estas provas respeita, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, do CPC e, em particular no caso de recurso de revista, do artigo 674.º, n.º 3, do CPC. O Supremo Tribunal de Justiça não pode nem deve, assim, intervir neste conspecto.
Aborde-se agora a 2:º questão – a questão de saber se os contratos são nulos com fundamento no artigo 280.º, n.º 2, do CC. Para fundamentar a sua pretensão, alegam, essencialmente, as autoras que, enquanto funcionário bancário, CC estava sujeito, entre outros, aos deveres de neutralidade e de lealdade, impostos pelo artigo 74.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (que criou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e que, ao preparar os contratos em causa nos autos para serem assinados pela autora, em que figura como único beneficiário, violou as regras da sua profissão e, consequentemente, os valores éticos e morais que informam o ordenamento jurídico. Segundo as autoras, o réu CC teria “teria partido da confiança” que BB em si depositava, “sendo esta uma pessoa idosa e gravemente doente” – em suma: teria “tirado partido da situação de especial fragilidade” de BB –, nisto se configurando a ofensa à ordem jurídica. Recorde-se, então, o teor do artigo 280.º, n.º 2, do CC: “[é] nulo o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bens costumes”. Comentando-a, dizem, por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela que “o negócio ofensivo dos bens costumes é, essencialmente, o que tem por objecto actos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou repugnar à consciência moral apenas pelo nexo que se cria entre eles e a protecção da outra parte (dádiva feita a um juiz para que profira uma sentença justa ou a um funcionário para que defira uma pretensão legal)”[5]. Limitado como está o Supremo Tribunal de Justiça pelos factos dados como provados, é neles que deverá incidir a nossa atenção. Com relevância para esta questão, destacam-se, da factualidade provada, os seguintes os factos: 18.º - Na data das aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, o réu CC era funcionário bancário, na FF, Agência de ... 19.º - BB autorizou o réu CC a movimentar algumas da suas contas. 20.º e 21.º - BB esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009. 25.º - A co-titularidade das contas de BB com o Réu marido era da vontade desta, do seu conhecimento e consciência. 30.º - A ali tomadora de seguro, livre, consciente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita BB, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o réu CC. 31.º - Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos por BB, livre e conscientemente. 33.º - BB percebeu que subscreveu aplicações financeiras, tendo manifestado essa vontade à FF, indicando os valores que pretendia investir e o réu CC como a pessoa que, à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos. O que se retira destes factos? Destes factos retira-se que, apesar de ter estado internada em algumas datas, BB era uma pessoa com capacidade de entender e de querer, não estando a sua vontade afectada. Não há que nos factos provados permita suspeitar que, ao subscrever as aplicações financeiras, BB não exerceu a sua vontade de uma forma livre e independente e, seguramente, ou autoriza a dar como demonstrado que o réu CC agiu, indevidamente, em seu proveito. O facto de, ao subscrever os contratos, BB ter seguido as sugestões que lhe foram dadas por ... não é estranho ou incompreensível, considerando a relação de confiança que entre eles existia e a profissão deste último. Limitado como está pelos factos dados como provados, não existe fundamento para o Supremo Tribunal de Justiça dar razão às autoras / recorrentes relativamente à sua pretensão de que o contrato é nulo por contrariedade à lei ou ofensivo dos bons costumes. .
* III. DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão do Acórdão recorrido.
*
Custas pelas recorrentes.
*
LISBOA, 19 de Março de 2019
Catarina Serra (Relatora)
Fonseca Ramos
Ana Paula Boularot
---------------------- [1] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985 (2.ª edição), p. 514 (nota 2). [4] Cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p. 384 (sublinhados nossos). |