Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
| Relator: | RAUL BORGES | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM ROUBO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA PENA PARCELAR MEDIDA CONCRETA DA PENA BEM JURÍDICO PROTEGIDO VALOR PATRIMONIAL CONDIÇÕES PESSOAIS CONCURSO DE INFRAÇÕES PENA ÚNICA PERDA DE VANTAGENS REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA NATUREZA JURÍDICA INDEMNIZAÇÃO VÍTIMA CRIMINALIDADE VIOLENTA | ||
| Data do Acordão: | 06/03/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIMENTO TOTAL | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I – Uma coisa é definir a competência do tribunal superior para julgar o recurso. A quem compete conhecer? À Relação? Ao Supremo Tribunal de Justiça? Outra, diversa, é, definida aquela, indagar do âmbito dessa competência, saber o que alberga ela, perceber a capacidade cognitiva, se limitada/restrita ou ampla, sem restrições, uma competência plena. Enfim, determinar os contornos da extensão da capacidade de cognição.
II – O recurso interposto pelo arguido foi dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, mas, suscitada pelo Ministério Público a questão de incompetência, foi determinada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para o julgamento do recurso. III – A partir da revisão do Verão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. IV – No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal colectivo, tendo sido aplicada a pena única de 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso, apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita a redução da medida das penas parcelares e única), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso. Conclui-se assim que neste caso o recurso é directo, sendo o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido. V – No caso em apreciação, foi fixada ao ora recorrente, a pena única de 6 anos de prisão, englobando as oito penas parcelares de prisão de 3 anos, 2 anos (por cinco vezes), 2 anos e 2 meses e de 1 ano e 3 meses, todas impugnadas expressamente pelo recorrente, pelo que há que tomar posição sobre a possibilidade de cognição das questões relativas aos crimes assim punidos. VI – Nestes casos o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer das questões relativas aos crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão (in casu, medidas das penas aplicadas pelos oito crimes de roubo em concurso), sendo tal posição correspondente ao que, nos últimos tempos foi assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal de Justiça, culminando com a fixação de jurisprudência operada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 27 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 120, de 23 de Junho de 2017, págs. 3170 a 3187, com um voto de vencida. VII – A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”. VIII – Como enunciou o acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1: “A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”. IX – Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal ora posto em causa, ou seja, no crime de roubo simples (sete consumados e um na forma tentada). X – Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie em causa, a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade, nomeadamente, o direito à integridade pessoal, com tutela constitucional, abrangendo as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa - artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República - o qual consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, sendo o direito à integridade física e psíquica, à partida, um direito pessoal irrenunciável – assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º – Coimbra Editora, 2007, pág. 454. XI – Nesta análise importará reter que o crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo (na expressão de Antolesi «um típico crime pluri-ofensivo»), em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – artigo 70.º do Código Civil –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia. XII – Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal. XIII – No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram: a patrimonial e a pessoal. XIV – No crime de roubo, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, a extensão da lesão, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado, o quantum do prejuízo patrimonial causado, é fundamental ter em conta o valor patrimonial dos bens objecto de apropriação, o que no caso se justifica, atentos os diversos valores em presença, que vão de 4,50 € a 3.049,00 €. XV – O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima. (A este respeito, cfr. os acórdãos por nós relatados, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1; de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1; de 11-05-2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1, de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 e de 9-05-2019, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1, versando convolação de burla para furto). XVI – Actualmente, mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2019, conforme estabelece o artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento do Estado para 2020), publicada no Diário da República, 1.ª série, de 31-03-2020. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais. XVII – No caso de crime de roubo, em que a par de bens jurídicos patrimoniais se protege a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante. Por isso, é que ao contrário do consagrado para os crimes de furto e de abuso de confiança, onde a restituição da coisa ou a reparação integral é susceptível de extinguir a responsabilidade criminal ou suscitar a atenuação especial da pena (cfr. art. 206.º do CP), tais possibilidades não foram estendidas ao crime de roubo. XVIII – O valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo». XIX – O que distingue, essencialmente, o furto do roubo, é a violência. Retira-se do acórdão deste Supremo Tribunal de 5-04-1995, proferido no processo n.º 47.796, BMJ n.º 446, pág. 38: “No crime de roubo a violência contra as pessoas é equiparada à ameaça de um perigo iminente para a integridade física ou para a vida do ofendido, criando no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal. Também é equiparado à violência o meio que proponha o sujeito passivo na impossibilidade de resistir, pressupondo processos físicos ou psíquicos que coloquem a vítima em situação de disponibilidade quanto ao agente pela sua incapacidade de oposição - violência imprópria”. XX – Nos casos analisados não há coincidência entre o titular do património e o titular dos direitos de personalidade afectados com a conduta ameaçadora do arguido; apenas no caso do maço de tabaco no valor de € 4,50 coincide, pois o funcionário FF retirou - o das calças e não de expositor da loja, assim com as chaves da residência, apoderando-se o arguido apenas do tabaco. XXI – Sujeito passivo do crime pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo, o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem, a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física - Conceição Ferreira da Cunha, ibidem, págs. 163 e 179. XXII – Neste particular da vertente da colisão do vector pessoal com violação de direitos de personalidade, como o direito à saúde e integridade física da vítima, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou. A este nível há a considerar o modo de actuação do recorrente, sendo os roubos perpetrados mediante contacto directo do recorrente com os funcionários dos estabelecimentos e com intimidação e concretização de ofensa corporal no primeiro caso. Nos sete roubos consumados o arguido dirigiu-se a postos de abastecimento de combustível de …, por quatro vezes, e de ..., por três vezes (da Galp, por três vezes, da Repsol, da Cepsa, e da BP, por duas vezes), na maioria dos casos à noite, sendo pelas 17h50, no dia 26-10-2018, dirigindo-se encapuzado aos funcionários que se encontravam nessas instalações, sozinhos, e dando a entender, quando se lhes dirigia, que seria detentor de arma, quedando-se na maioria dos casos por ameaças. XXIII – Nesta componente pessoal de agressão a direitos de personalidade releva justamente o primeiro caso, em 27-09-2018, em que o recorrente se fazia acompanhar de outro indivíduo, com agressão ao funcionário BB, com golpes na face e na cabeça, de que resultou edema do lábio superior, quando se encontravam no chão, lesão que demandou para sua cura/consolidação 15 dias, sem afectação da capacidade geral ou profissional. Nas restantes situações, ocorridas em 17-10-2018, em 21-10-2018, 25-10-2018, 5-11-2018 e em 28-11-2018, os funcionários cederam, por recearem pela sua vida ou integridade física, sendo que no caso do dia 26-10-2018, NN, tendo entregue o maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €, que retirara do bolso das calças, face a esse receio, a verdade é que conseguiu empurrar o arguido para fora da loja, onde se envolveram fisicamente. No caso da tentativa no “………….”, no dia 26-10-2018, face à ameaça, a funcionária disse ao arguido que não lhe dava a caixa registadora e fechou-a, afastando-se do local em fuga. XXIV – O arguido confessou os factos que lhe eram imputados, prescindindo da leitura da acusação, levando a que o Ministério Público tenha prescindido de sete testemunhas. XXV – Ponderando todos estes elementos, para os crimes de roubo consumados, tendo em conta a moldura penal de 1 ano a 8 anos de prisão, sopesando o peso relativo das vertentes patrimoniais e pessoais em cada um dos casos, afigura-se-nos justificar-se intervenção correctiva em três casos. XXVI – As penas agora alteradas estão conformes com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostram-se ajustadas à culpa do recorrente pelos factos praticados e respondem às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa do recorrente. XXVII – O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas). XXVIII – A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal. XXIX – Nesta abordagem há que ter em atenção o período temporal de actuação do recorrente situado entre 27 de Setembro e 28 de Novembro de 2018, ou seja, dois meses, agindo o arguido do mesmo modo, com vista à obtenção de dinheiro e maços de tabaco, sendo evidente a conexão entre as condutas. E estando-se perante um caso de pluriocasionalidade e não de tendência criminosa, anotando-se a ausência de confronto com o sistema penal de justiça nos anos de 2012, 2013, 2015, 2016 e 2017. XXX – Tendo em conta a imagem global do facto, entende-se ser de fixar a pena única em cinco anos de prisão, que será efectiva, pois o recorrente nem abordou a possibilidade de suspensão da execução da pena, nem se justificava, face a anteriores condenações e outra solução não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. XXXI – A Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 30-05-2017, entrada em vigor em 31-05-2017, conforme artigo 24.º), transpondo para a ordem jurídica interna, a Directiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e perda dos instrumentos do crime na União Europeia, pelo artigo 10.º, introduziu a 43.ª alteração ao Código Penal, alterando os artigos 109.º, 110.º, 111.º, 112.º, 127.º, 128.º e 130.º e, pelo artigo 11.º. foi aditado o artigo 112.º-A relativo a pagamento de valor declarado perdido a favor do Estado. Alterou e republicou a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e para além de outros diplomas, a Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho, que criou, na dependência da Polícia Judiciária, o Gabinete de Recuperação de Activos (GRA). XXXII – Não obstante o acórdão recorrido reconhecer ser débil a situação económica do arguido, a decisão foi no sentido de condenar o arguido a pagar o montante global do numerário e bens (telemóvel, raspadinhas, maços de tabaco) apropriados. XXXIII – Trata-se de um caso extremo, a convocar o princípio da proporcionalidade, a impor redução ou mesmo isenção, atento o quadro de vida do arguido, toxicodependente, a viver da caridade do irmão, entretanto falecido nos finais de 2019 e a sobreviver, a partir de um subsídio de sobrevivência no valor de € 180,00. (Para completar duas UC ficam a faltar 24,00 €). XXXIV – Inactivo laboralmente e em dependência financeira, recebendo apenas o apoio dos filhos mais novos com 19 e 11 anos, privado de liberdade desde 14 de Março de 2019, como perspectivar a possibilidade de pagamento da quantia de 5.456,00 €, valor elevado, na definição legal, por parte de quem aufere mensalmente 180,00 €? XXXV – O valor disponível é tão baixo que nem se pode com propriedade convocar uma espécie de cláusula de salvaguarda da disponibilidade do rendimento mínimo, de resguardo do mínimo de dignidade, do que seja razoavelmente necessário, senão imprescindível ao sustento minimamente digno do devedor. XXXVI – A solução só pode ser isentar o arguido de tal pagamento, revogando-se a condenação em causa, assim procedendo a pretensão sintetizada peço recorrente nas conclusões 35.ª a 40.ª. XXXVII – Cabendo o crime de roubo no conceito de criminalidade violenta, a automaticidade da consideração das vítimas de criminalidade violenta serem tidas, ou ficcionadas como vítimas especialmente vulneráveis, é questão mais problemática. XXXVIII – O Código Penal de 1982 – artigo 128.º – remeteu a disciplina da responsabilidade por perdas e danos para a lei civil, afastando desse modo o entendimento de que essa responsabilidade tinha natureza diversa da meramente civil, solução que foi mantida na revisão de 1995, apenas se alterando o número do preceito, que passou para o artigo 129.º. [Assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, pág. 111 (e pág. 127 na 5.ª edição, revista e actualizada - Editorial Verbo, 2008)]. XXXIX – Deste elenco normativo ressalta a ideia de que nos crimes de roubo simples não se coloca a convocação deste estatuto [da vítima], para todos e cada um dos casos ocorridos. Por outras palavras: por alguma vez se alavancará a concretização de alguma destas medidas à vítima de roubo que não seja efectivamente de definir como especialmente vulnerável, por portadora de especial fragilidade, em função da idade, do estado de saúde ou de deficiência? Será a vítima de roubo simples objecto de avaliação individual para entrega de documento comprovativo do estatuto? Que medidas especiais de protecção se aplicam a vítimas de roubo? Por alguma vez são ou serão temporariamente alojadas em estruturas de acolhimento apoiadas pelo Estado? XL – O princípio constitucional vertido no artigo 30.º, n. º 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência – por via directa da lei – da condenação por infracções de qualquer tipo (Acórdão n.º 282/86, Diário da República, 1.ª série, de 11 de Novembro de 1986). XLI – Por tudo quanto foi exposto, é bem de ver que se entende não ter cabimento no caso concreto a imposição de reparação oficiosa. XLII – A definição de criminalidade violenta, como a de criminalidade especialmente violenta, é de convocar em termos de determinação da medida da pena, em função do incontornável atendimento ao disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, que privilegia a atenção ao bem jurídico tutelado, e a ela se deve confinar, não podendo ser convocada, em registo de dupla valoração na contribuição de imposição de reparação da vítima, pois não se estando propriamente nos terrenos da indemnização civil, até porque a atribuição de reparação oficiosa pressupõe necessariamente, a ausência de dedução do pedido de indemnização civil pelo ofendido, actuando o Estado em jeito supletivo, na onda do dito “seguro social” de que se falava em 1982, suposta a não oposição do destinatário/favorecido com o montante compensatório não procurado, não pedido, mas oficiosamente atribuído, estaremos na interacção do plano puramente penal, face a um exercício de imposição de um bis in idem, no plano penal, circunstância de evitar. Na verdade, a imposição de reparação é de considerar como efeito patrimonial conexo da pena. XLIII – Por outro lado, é de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis. XLIV – Em relação a todos os funcionários abordados pelo arguido não há elementos na matéria de facto de que se retire estarmos perante pessoas frágeis, em função da sua idade, do seu estado de saúde, tudo factores desconhecidos, sendo certo que por duas ocasiões houve confronto físico, com consequências no primeiro caso, com empurrão no arguido e envolvimento físico de ambos no caso de FF, proprietário do maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €, e na tentativa no ……….. em que a funcionária fechou a caixa registadora e pôs-se em fuga. Pelo exposto, entende-se ser de revogar este segmento condenatório. XLV – Deliberado foi reduzir as penas em três casos, manter as demais parcelares, fixar a pena única em cinco anos de prisão efectiva, revogar a condenação por perda de vantagens e revogar a condenação por reparação oficiosa. | ||
| Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Coletivo, com o número 1267/18.3JABRG, do Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 4 – Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido AA, divorciado, natural de … (…), nascido em 00-00-0000, titular do Cartão de Cidadão n.º 0000000, residente na Rua …, n.° 00, 0° …, … *** O arguido AA foi detido no dia 14-03-2019, e sujeito, em sede de primeiro interrogatório judicial, a prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, em 15-03-2019. Em 26-06-2019, por despacho judicial, foi o arguido sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica a executar na Comunidade Terapêutica …. - … (fls. 609 e segs.). *** O Ministério Público de Guimarães acusou o arguido, imputando-lhe a prática, em concurso real, dos seguintes crimes: a) Em co-autoria material e na forma consumada, quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 1156/18…, 1267/18…, 1346/18… e 1447/18…); b) Em autoria material e na forma consumada, três crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 1433/18…, 1305/18… e 846/18…); c) Em autoria material, e na forma tentada, um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.° e 210.°, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 848/18…). O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.°, n.º 1, alínea b), n.°s 4 e 6, do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio), requereu a declaração de perda das vantagens obtidas pelo arguido com a prática dos referidos factos, pedindo a condenação do arguido a pagar ao Estado o valor de 6.556,00 € (seis mil, quinhentos e cinquenta e seis euros) que correspondem à vantagem da actividade criminosa desenvolvida pelo arguido, sem prejuízo dos direitos dos lesados. O Ministério Público requereu que, caso não fosse deduzido pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 72.° e seguintes do Código de Processo Penal, e uma vez que as vítimas a tal expressamente se não opuseram, haveria lugar ao arbitramento pelo Tribunal de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pelas vítimas, em caso de condenação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 67.°-A, n.° 3 e 82.°-A do Código de Processo Penal e ainda no artigo 16.°, n.º 2, do Estatuto da Vítima (artigo 1.°, n.° 1, alínea j) ou 1) do Código de Processo Penal e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/03/2008, rel. Cons. Rodrigues da Costa, in dgsi.pt). Foi cumprido o contraditório prévio previsto no artigo 82.°-A, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se tendo o arguido pronunciado. *** Designados para audiência de julgamento os dias 15 e 16 de Janeiro de 2020, foi o julgamento realizado no dia 15 de Janeiro de 2020, apenas, o que se deveu a postura do arguido, que, de acordo com o constante da acta de audiência e julgamento de fls. 1008 a 1013 (parte final do 4.º volume), depois de instado, disse ter lido a acusação proferida nos autos, dispensando a sua leitura no acto, o que conduziu a que, com a concordância do Mandatário do arguido e face a não oposição do Procurador da República, o juiz tenha dispensado a sua leitura. O arguido prestou declarações e ouvida a testemunha BB, o Ministério Público, perante o teor das declarações prestadas pelo arguido, prescindiu do depoimento de sete testemunhas, mantendo a inquirição das testemunhas CC e DD. *** Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … - Juiz 4, datado de 23 de Janeiro de 2020, constante de fls. 1018 a 1038 verso (sensivelmente no início do 4.º volume, 16 folhas após o início), depositado na mesma data, conforme declaração de depósito de fls. 1041, foi deliberado: A) Condenar o arguido AA pela prática, em 27/09/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; B) Condenar o arguido AA pela prática, em 17/10/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; C) Condenar o arguido AA pela prática, em 21/10/2018, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; D) Condenar o arguido AA pela prática, em 25/10/2018, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; E) Condenar o arguido AA pela prática, em 26/10/2018, pelas 17h50, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; F) Condenar o arguido AA pela prática, em 26/10/2018, pelas 18h45, em autoria, na forma tentada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 3 (três) meses de prisão; G) Condenar o arguido AA pela prática, em 05/11/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; H) Condenar o arguido AA pela prática, em 28/11/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; I) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.°, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão. J) Determinar que se proceda à recolha da amostra de ADN ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 8.°, n.° 2 da Lei n.° 5/2008, de 12 de fevereiro. K) Condenar o arguido AA no pagamento ao Estado da quantia total de 5.456 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros), correspondente ao valor da vantagem patrimonial pelo mesmo obtida com a prática dos crimes, nos termos dos artigos 110.°, n° 1, al. b), n.° 4, e n.° 6, e 112.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal. L) Condenar o arguido AA, nos termos conjugados dos artigos 1.°, n.° 1, al. 1), 67.°-A, n.° 3 e 82.°-A, todos do Código de Processo Penal e ainda do artigo 16.°, n.º 2, do Estatuto da Vítima, no pagamento de: - 1500 € (mil e quinhentos euros) à vítima BB pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.2 a 1.8; - 500 € (quinhentos euros) à vítima CC pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.9 a 1.14; - 500 € (quinhentos euros) à vítima EE pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.15 a 1.20; - 700 € (setecentos euros) à vítima DD pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.21 a 1.25; - 700 € (setecentos euros) à vítima FF pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.26 a 1.30; - 500 € (quinhentos euros) à vítima GG pela prática dos factos referidos nos pontos n.°s 1.36 a 1.39; e - 500 € (quinhentos euros) à vítima HH pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.40 a 1. 44. M) Declarar perdida a favor do Estado a “pistola de brinquedo em plástico” (apreendida na casa do arguido no âmbito de uma busca domiciliária legalmente autorizada e efetuada), nos termos do artigo 109.° do Código Penal, e ordenar que após o trânsito em julgado da presente decisão se proceda à sua destruição. N) Determinar a devolução dos demais objetos apreendidos (i.e., “um chapéu branco com diferes “tennis” três DVDRs contendo imagens de videovigilância; uma luva em tecido; um chapéu acondicionado em saco prova”), aos seus proprietários após o trânsito em julgado da presente decisão. O) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quaro unidades de conta), nos termos do artigo 374.°, n.° 4 do Código de Processo Penal e artigo 8.°, n.° 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo. P) Determinar que até ao trânsito em julgado da presente decisão deve o arguido continuar sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica a executar na Comunidade Terapêutica … - …., nos termos dos artigos 191.°, 193.°, 196.°, 201.° e 204.°, als. a), b), c) e 213.°, n.° 1, al. b), todos do Código de Processo Penal, sem prejuízo do cumprimento das periódicas revisões da medida e do prazo legal máximo de duração da referida medida de coação, sendo que a medida de coação de termo de identidade e residência (TIR) só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.°, n.° 1, ali. e), do Código de Processo Penal). *** Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 1045 a 1063, onde transcreve, diga-se, sem proveito/vantagem, todos os factos provados e a motivação da convicção do tribunal, fazendo crítica à “sentença recorrida”, imputando exagero das penas, e rematando com as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso do Acórdão que condenou o recorrente a uma pena de 6 anos de prisão pelo crime previsto e punido pelo art.° 210.°, n.° 1 do Código Penal; que condenou o arguido a pagar ao Estado, a título de perdas das vantagens obtidas com a prática do crime no montante de € 5.456,00 e que o condenou nas quantias arbitradas às vítimas num total de € 4.900,00. 2. O arguido/recorrente insurge-se, em primeiro lugar, contra a errada ponderação na determinação da medida de prisão aplicada ao arguido. 3. Com efeito, o Tribunal recorrido diz que atendeu aos seguintes elementos e circunstâncias para a determinação das penas parcelares que se reproduzem: - o grau de ilicitude médio-elevado, considerando, mormente, o modo de execução, e os valores monetários em causa; - o grau intenso da culpa do arguido, o qual perpetrou com dolo as suas condutas; - ao facto do arguido ter confessado quase integralmente os factos; - ao relativamente baixo valor subtraído ao seu legítimo proprietário; e - à circunstância do arguido não ter reparado, no todo ou em parte, o mal causado aos ofendidos nem lhes ter oportunamente pedido desculpa. 4. As razões do inconformismo do arguido assentam na ponderação/atribuição de um grau de ilicitude de médio-elevado; ao facto de à confissão não se ter atribuído a relevância que a mesma assumiu nestes autos; à consideração fundamental do valor relativamente baixo do valor subtraído; e à circunstância do arguido não ter reparado, no todo ou em parte, o mal causado, ou até, pedir desculpa. 5. Atenta-se ainda a desconformidade contradição entre o que é dito para qualificar o grau de ilicitude de médio-elevado com o modo de execução e valor monetários em causa. 6. Com efeito, os autos estão inundados do modus faciendi dos crimes e dos valores monetários em causa, podendo dizer-se que o modo de execução foi de uma rudeza, por falta de elaboração e preparação. 7. Essa forma de actuação rudimentar suscitou a reação das vitimas, crime de 27/09/2018 e 26/10/2018 em duas ocasiões e uma que fechou o funcionário fechou a caixa e fugiu evitando a consumação do crime: 26/10/2018 - … 8. Os valores monetários envolvidos, como referido na individualização dessa circunstância, são de relativamente baixo valor. 9. Todos os crimes envolveram valores subtraídos bem abaixo do valor elevado constante no art.° 202.° do Código de Processo Penal, sendo certo que no 26/10/2018, posto de combustíveis BP, valor do roubo foi o preço público de um maço de tabaco - € 4,50 10. A soma de todos os valores, pouco ultrapassa o valor elevado cujo limiar mínimo são 50 UC. 11. Assim, terá de se considerar que o grau de ilicitude é médio-baixo. 12. O Valor relativamente baixo subtraído tem que relevar grandemente na determinação da pena neste tipo de crimes contra o património. 13. Pois, se o que se quer defender é o património das pessoas, neste caso a propriedade, o valor roubado é de grande importância para situar a pena bem perto do mínimo. 14. Não é por acaso que este tipo de crime tem uma moldura penal bastante elástica, vai de 1 a 8 anos de prisão, exatamente para se atribuir relevância acrescida ao valor subtraído. 15. Ponderou ainda o Tribunal naquilo que chamou a "quase ter confessado integralmente os factos. 16. Ora, o arguido confessou todos os factos que o Tribunal recorrido julgou provados. 17. Pelo que deve ser considerada uma confissão integral e sem reservas. 18. A não coincidência absoluta entre os factos constantes na acusação e os confessados pelo arguido está no comportamento deste na colaboração incondicional na descoberta da verdade. 19. E essa colaboração não aconteceu só em sede de audiência final de julgamento. 20. A confissão aconteceu logo na fase de inquérito e perante o Juiz de Instrução Criminal. 21. Portanto, a confissão do arguido tem que ser relevada como determinante para o termo da investigação e para todo um conjunto de dispensa de actos que de outra forma teriam de ser realizados. 22. A confissão foi, por isso, útil para a descoberta da verdade. 23. E essa utilidade revela-se quando subsistiam muitas dúvidas quem seriam os autores do crime; 24. E essas dúvidas não estavam debeladas aquando do 1.° interrogatório de arguido detido em que este se dispôs definitivamente a colaborar com a justiça. 25. A confissão do arguido foi de grande utilidade para a descoberta da verdade pelo que deve ser relevada no mesmo grau na determinação da medida da pena. 26. Por outro lado, dado o encarceramento imediato do arguido aquando detido e até ao julgamento, não lhe será exigível que tenha podido reparar o mal das vitimas ou sequer pedir-lhe desculpa. 27. Na verdade, o arguido desde que foi detido não mais teve oportunidade de contactar com as vitimas só lhes conhecendo o nome depois de deduzida a acusação. 28. Logo, esta circunstância que o Colectivo fez acionar em desfavor do arguido não deve ser valorizada por o arguido estar impossibilitado de o fazer, tanto do ponto de vista físico como económico. 29. O relatório social junto aos autos dá conta de um arguido com um passado reiterado no consumo de produtos estupefacientes que são a causa da prática de crimes, embora tal não desculpe. 30. O relatório social dá conta da forte motivação do arguido mudar de vida, abandonando definitivamente o mundo do consumo viciado de drogas. 31. O nosso sistema penal promove como fins das penas a prevenção geral de integração. 32. Esse desiderato só se consegue, para arguidos em que se possa apostar, com penas mais leves e que não permitam um afastamento muito duradouro da liberdade e do convívio na sociedade. 33. Privilegiando a hipótese, contida na lei, de proporcionar, até onde for possível dentro dos princípios e quadro legal aplicável, a ressocialização, as penas aplicar a cada um dos crimes deve ser a seguinte: - Crime de 27/09/2018: 2 anos e seis meses de prisão; - De 17/10/2018: 2 anos de prisão; - De 21/10/2018: 1 ano e 10 meses; - De 25/10/2018: 1 ano e 10 meses; - De 26/10/2018: 1 ano e 6 meses; - De 26/10/2018: 9 meses; - De 05/11/2018: 1 ano e 10 meses; - De 28/11/2018: 2 anos. 34. Por tudo isso, tudo sopesado, a pena única a aplicar ao arguido não deve ultrapassar os 5 anos de prisão. 35. O arguido foi condenado a pagar ao Estado a quantia de € 5.460,00 a título de perda de vantagens com a prática do crime; 36. A lei, n.° 2 do art.° 112.° do Código Penal, alterado pela Lei 30/2017, excluiu essa condenação quando a situação socioeconómica do arguido seja débil e que, nesses casos, a condenação se afigure injusta e ou demasiado severa. 37. O Tribunal reconheceu, por se encontrar provado, que o arguido, toxicodependente, a viver da caridade do irmão, entretanto falecido, e de um subsídio de sobrevivência de € 180,00, tem a sua situação socieconómica débil. 38. Mesmo ponderando essa factualidade condenou-o a pagar ao Estado a quantia de €5.460,00. 39. No entanto, para quem se encontra naquela situação, a condenação é demasiado severa e aconselha o bom senso a reduzi-la. 40. Se não se reduz ou isenta no caso dos autos, que é um caso extremo, então nunca se isentará ninguém. 41. O Tribunal recorrido considerou as vítimas, as pessoas ameaçadas, as que se envolveram em luta com o arguido, vitimas especialmente vulneráveis e por isso oficiosamente, por não haver oposição, arbitrou uma quantia oficiosamente. 42. O Tribunal fundamentou a decisão afirmando que estamos em presença de um crime que a Lei subsume como criminalidade especialmente violenta por remissão para o conceito expresso na alínea 1) do art.° 1, do CPP. 43. O Tribunal errou na interpretação desse dispositivo legal: 44. A alínea j) e 1) do art.° 1.° Código de Processo Penal têm a seguinte redação j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; I) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos; 45. Referem-se aquelas alíneas aos crimes contra as pessoas, vida, integridade física, liberdade, autodeterminação sexual. 46. O crime dos autos é um crime contra o património. 47. Por isso não integra o rol de crimes descritos nas alíneas j) e 1) uma vez que a alínea 1) remete para a alínea j). 48. Deste modo, não se pode atribuir, por força da lei e automaticamente, às vítimas deste crime o estatuto de vítimas especialmente vulneráveis. 49. Não tendo esse estatuto e não tendo requerido a compensação, ao Tribunal estava vedado arbitrar uma quantia indemnizatória com base no estatuto da vítima especialmente vulneráveis que não o são em função dos conceitos da lei. 50. Pelo que o arbitramento da indemnização deve ser revogado. TERMOS em que deve o presente recurso do Arguido ser julgado procedente e, em consequência, a) ser atenuada (reduzida) a pena de prisão para 5 anos; b) Ser absolvido ou ver reduzida a condenação do pagamento ao Estado da quantia de € 5.456,00 por perda de vantagens; c) O arbitramento às “vítimas especialmente vulneráveis” revogado por não ser devido. *** Por despacho de fls. 1064, em termos processuais, colocado, et voila, imediatamente antes da decisão condenatória (!!!), foi admitido o recurso, referindo-se a recorrentes, quando há um único recorrente, sem indicação de tribunal ad quem . *** O Ministério Público de Guimarães respondeu, conforme fls. 1067 a 1072, suscitando a questão prévia da competência para conhecer o recurso, concluindo (transcrição integral, incluídos realces): 1 – Por acórdão proferido nos presentes autos AA, foi condenado “pela prática, em 27/09/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; (…)pela prática, em 17/10/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; (…)pela prática, em 21/10/2018, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;(…) pela prática, em 25/10/2018, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; (…)pela prática, em 26/10/2018, pelas 17h50, em autoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; (…)pela prática, em 26/10/2018, pelas 18h45, em autoria, na forma tentada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; (…) pela prática, em 05/11/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (…)pela prática, em 28/11/2018, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; e Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, (…) na pena única de 6 (seis) anos de prisão.”; 2 – Inconformado com a condenação veio o mesmo recorrer restrito a matéria de direito, por não se “conformar com a determinação da medida da pena única por o “quantum” das penas de cada um dos crimes individualmente considerado, da mesma forma, não merecerem a aceitação do recorrente por exagero.” na errada “na ponderação/atribuição de um grau de ilicitude de médio-elevado; ao facto de à confissão não se ter atribuído a relevância que a mesma assumiu nestes autos; à consideração fundamental do valor relativamente baixo do valor subtraído; e à circunstância do arguido não ter reparado, no todo ou em parte, o mal causado, ou até, pedir desculpa” razão pela qual a pena de prisão não deve ultrapassar os 5 anos de prisão – conclusões 4 a 34. 3 - Considera ainda que face à matéria dada como provada e o disposto no n.º 2 do art.º 112.º do Código Penal, alterado pela Lei 30/2017, “a condenação é demasiado severa e aconselha o bom senso a reduzi-la” – conclusões 36 a 40 – e sustenta que o arbitramento da indemnização às vítimas deve ser revogado pois que “O crime dos autos é um crime contra o património” razão pela qual “não integra o rol de crimes descritos nas alíneas j) e l) uma vez que a alínea l) remete para a alínea j)” e “Não tendo esse estatuto e não tendo requerido a compensação, ao Tribunal estava vedado arbitrar uma quantia indemnizatória com base no estatuto da vitima especialmente vulneráveis que não o são em função dos conceitos da lei”- conclusões 43 a 50. 4 – Como questão prévia, muito embora dirija o recorrente o recurso ao Tribunal da Relação de Guimarães, salvo melhor opinião, compete ao Supremo Tribunal de Justiça o julgamento do recurso em causa; 5 – Com efeito, visando o recurso exclusivamente o reexame de matéria de direito e tendo sido aplicada ao ora recorrente a pena única de seis anos de prisão, e face ao disposto nos artigos 427.º e 432.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Penal, está-se perante um caso de aplicação da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 5/2017 (DR-120 SÉRIE I de 2017-06-23) que decidiu que “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.» 6 - Devem por isso os autos ser remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para conhecer do recurso interposto nos autos. 7 - No mais, com todo o respeito que sempre nos merece a opinião contrária, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente naquilo que se insurge sobre o decidido nos autos, não se vislumbrando fundamentação de facto e de direito minimamente apta a colocar em causa o decidido nos autos e assim deve o mesmo ser julgado improcedente. 8 - Muito embora o esforço argumentativo colocado pelo recorrente, o certo é que o que aduz na crítica que realiza às medidas das penas parcelares e única fixadas pelo tribunal a quo não são novidade para os autos naquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal de onde se retira o bem fundamentado que se mostra a decisão colocada em crise, não havendo censura a fazer ao todo apreciado pelo julgador. 9 - Aliás só no peso máximo atenuativo de tais fatores levado a cabo pelo tribunal a quo explica a fixação de penas tão próximas ainda do limite mínimo, pelo que não assiste razão ao recorrente naquilo que invoca para que vingue o por si peticionado de penas em medida inferior. 10 - É assim de concluir, a contrario do arguido, ora recorrente, que face aos factos dados como provados as medidas das penas parcelares e única aplicadas fazem uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte dos crimes, depõem a favor e contra o agente sustentada numa argumentação perfeitamente balizada naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo arguido no crime em causa. 11 - No que envolve a declarada perda de vantagens e a condenação do ora recorrente pagar ao Estado a quantia de €5460, não estando a causa a falta de qualquer pressupostos de que faz a lei depender para a decretada perda de vantagem e condenação do recorrente, desde logo importa afirmar que a isenção pugnada não tem suporte legal pois que aquele preceito apenas permite “atenuar equitativamente o valor” referente ao pagamento ao Estado das vantagens obtidas com a prática dos crimes - cfr. artigo 111.º, n.º 4 e 112.º, n.º 2 do Código Penal. 12 - Quanto à peticionada redução, considerando o conjunto de factos em apreciação e o valor em causa, não estão verificados os pressupostos para se afirmar que aquele valor se mostre injusto ou que a condenação se afirme demasiado severa pois que o valor não é mais que o correspondente às quantias em monetário que o arguido fez suas com a prática dos roubos em causa (€900, €400, €380, €164, €400, €1.500), um telemóvel avaliado em €120, uns maços de tabaco no valor de €25, €13,50, €4,50, €55 e um bloco de raspadinhas no valor de €1.494 e que foi contemplado com prémio (circunstância que levou à sua identificação quando foi reivindicar o prémio), não estando aqui em causa outras coisas que tivessem sido obtidas com a prática dos roubos e alvo de uma qualquer avaliação mais ou menos subjectiva ou até que não estivesse ao alcance do condenado perceber do seu valor (p.ex. quadros, objetos em ouro, etc); 13 - Enfatizando que o crime não compensa, a invocada débil situação económica do recorrente e a falta de bens próprios e, salvo caso de melhor fortuna, não se vislumbra possível afirmar que a decretada condenação altere a situação económica e financeira do recorrente que permita afirmar efeito útil à pretendida redução. 14 - No que contende com o arbitramento da indemnização fixado nos autos a favor das vítimas, sempre com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, “É pacífico a jurisprudência (entre outros, Acórdão do STJ de 31.01.2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1, relator Raul Borges, consultado no site da dgsi), que sustenta que o crime de roubo integra-se na definição de “criminalidade especialmente violenta” do art.1.º, al. l), do CPP”. 15 - Por isso, naquilo que são os fundamentos constantes nos arestos referidos e que aqui damos por reproduzido para todos os legais efeitos, bem andou o tribunal a quo ao decidir nos termos em que o realizou. 16 - O douto acórdão não violou as normas referidas pelo recorrente ou qualquer outro preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito. Deve assim o recurso ser julgado improcedente e assim mantida a douta decisão proferida nos autos. *** Imediatamente a seguir, a fls. 7073 (!!??) encontra-se despacho de 4-03-2020 a determinar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para o julgamento do recurso. *** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 7083 a 7086 (4.º volume), pronunciando-se nestes termos: «1.2. O MP na 1ª instância, na sua resposta, começa por levantar a questão prévia da competência para apreciar o recurso, sinalizando caber esta, não, ao Tribunal da Relação de Guimarães para onde se mostra dirigido, mas sim, nos termos dos arts. 427º e 432º, n º 1, alínea c), do CPP, ao Supremo Tribunal de Justiça, o que não sofre contestação, existindo como é consabido e vem referido, jurisprudência fixada na matéria, cf Acórdão n º 5 / 2007, in DR n º 120, 1ª série, de 23.06.2017. No mais, pronuncia-se proficientemente sobre as questões suscitadas, que integram a determinação da medida da pena (parcelar e única), o decretado pagamento ao Estado do valor das vantagens obtidas com a comissão do crime e o arbitramento de indemnização em favor dos ofendidos. Conclui, pela total improcedência do recurso. 2. O Tribunal Colectivo como se vê da leitura do acórdão sub judicio procedeu à ponderação que nos termos do art. 71º do CP, lhe era suposto fazer. Com efeito, partindo a determinação da medida da pena do binómio culpa vs. prevenção, não deixou de caracterizar aquela, consignando, por sua vez, a existência de sérias necessidades de prevenção geral (também) na área da comarca e de óbvias necessidades de prevenção especial, decorrentes, desde logo do passado criminal do recorrente, conforme ilustrado nos pontos 1.51 a 1.59 da fundamentação de facto, englobando vários tipos de ilícitos penais, como de resto vem referido no acórdão e na resposta. O recorrente pretende valorizar de sobremaneira a provada «confissão quase integral», elemento que de resto, foi levado à ponderação feita pelo tribunal a quo. Não obstante, não pode tal facto obnubilar o mais que se mostra apurado e que não vai no sentido da mitigação da responsabilidade penal do recorrente. Seja o dolo verificado, o grau da ilicitude, em que há que ponderar o desvalor da acção, desde logo, especialmente relevante, nos roubos em que o arguido actuou encapuzado, o valor global das quantias e bens objecto dos roubos a atingir o montante de 5 460,00€, a inexistência de um projecto de vida minimamente estruturado, em consonância com um percurso vivencial pautado pelo consumo de estupefacientes e ausência de hábitos de trabalho. Acresce que a moldura penal do crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n º 1 do CP , vai de 1 a 8 anos de prisão no caso de consumação e de 1 ano a 5 anos e 4 meses, na tentativa. A nosso ver, a dosimetria penal fixada para cada crime, mostra-se perfeitamente atenta ás circunstâncias de cada roubo perpetrado, e de modo algum poderá ser considerada com relevando do excesso, desproporcionalidade ou desadequação. Não se pode deixar de anotar que, ao contrário do que afirma reiteradamente o recorrente na sua motivação, o crime de roubo é um crime contra a propriedade (à tutela da qual, o tipo legal se dirige «em primeira linha), sendo um crime complexo que tutela outros bens jurídicos, como a liberdade individual ou a integridade física Quanto á medida da pena única, que não parece directamente impugnada, dir-se-á, contudo, que vistos os factos provados e sendo a moldura penal do concurso de 3 anos a 16 anos e 3 meses de prisão, não vemos que haja censura a fazer quanto á sua determinação. 2.1. No respeitante á perda de vantagens do crime, a que se reporta o art. 111º do CP, não se vê como bem refere o MP na 1ª instância, em que é que a mesma não é conforme à lei, maxime aos n º s 1, 2 e 4 do inciso que vimos de citar , inexistindo qualquer disposição legal que permita isentar o recorrente do pagamento ao Estado em causa, sendo certo que o montante das vantagens adquiridas pelo recorrente com a prática dos crimes de roubo em apreço se cifra, recorde-se, justamente em 5. 456€. 2.2. No atinente ao arbitramento de indemnização fixado nos autos a favor das vítimas, como se refere na resposta do MP, a posição defendida pelo recorrente, não tem o apoio da doutrina, tendo este Alto Tribunal, pronunciando-se, sobre a questão de saber se o crime de roubo integra o conceito de «criminalidade violenta» inter alia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 31.01.2012, no proc. n º 2381/07.6PAPTM.E1.S1 da 3ª secção, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, aqui ilustre relator, em cujo ponto XVII do respectivo sumário se escreve: “ XVII - A ilicitude é elevada, tratando-se, quanto ao crime de roubo, de delito que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, definido no art. 1.º, al. l), do CPP. No caso em apreciação, a intensidade do dolo é a correspondente ao dolo directo. As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crime gerador de grande e forte sentimento de insegurança na população, sendo o roubo delito altamente reprovável na comunidade e elevado o grau de alarme social que a prática deste tipo de actuações criminosas vem causando, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.” Comentando, ao demais, a alínea j/l do artigo 1º do CPP escreve a Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias in “Comentário Judiciário Do Código De Processo Penal” Tomo I, Almedina, Dezembro, 2019, págs.77 § 90: « [ ] Assim, admite que nele se incluam outros crimes (mesmo complexos) em que também há violência contra pessoas e bens pessoais, que é o que sucede, por exemplo, com o crime de roubo (art. 210º. CP), em que a conduta dolosa (aludida no art. 1º/ j é dirigida contra, por exemplo, a integridade física da pessoa que é vítima do assalto, sendo a violência típica do roubo a violência específica do ato apropriativo, sob a forma de emprego de força física, maior ou menor (não interessando aqui que o crime de roubo, em termos sistemáticos, se enquadre no capítulo II "dos crimes contra a propriedade" do título II "dos crimes contra o património" do livro II "parte especial" do Código Penal). Daí que a norma igualmente suporte a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal, que defende integrar-se o crime de roubo na definição de “criminalidade especialmente violenta” do art. 1º/ l -v. entre outros, acs. STJ, 31.01.2012 (Raúl Borges); 24.05.2018 (Francisco Caetano); 7.11.2018 (Manuel António de Matos)" Somos assim de parecer que o recurso deve in tottum ser julgado improcedente.» *** Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou. *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação. *** Dispensados os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** Questões propostas a reapreciação Tendo em vista as conclusões da motivação apresentada, onde o recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, são as seguintes as questões a apreciar: Questão I – Determinação da medida das penas parcelares – Redução? – Conclusões 1.ª a 34.ª; Questão II – Determinação da medida da pena única – Conclusão 34.ª na decorrência das anteriores; Questão III – Perda das vantagens obtidas pelo arguido – Conclusões 35.ª a 40.ª; e, Questão IV – Arbitramento oficioso de reparação à vítima, nos termos do artigo 82.º-A, do CPP/ Estatuto da vítima/ Vítimas especialmente vulneráveis – Conclusões 41.ª a 50.ª. Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, traçado pelo arguido/recorrente, apreciar-se-á – face ao erróneo endereço do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, seguido da admissão de recurso, sem tomada de posição explícita sobre a definição do tribunal ad quem, – a questão prévia da competência para conhecer do presente recurso, suscitada pelo Ministério Público na Comarca na resposta apresentada, e depois reconhecida e aceite pelo despacho de fls. 7073, a determinar a remessa dos autos para este Supremo Tribunal, apreciação que, diga-se, sempre teria lugar oficiosamente, já que nos situamos no terreno da apreciação da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência. (Desde logo, nos termos do artigo 434.º do Código de Processo Penal e do artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro e alterada e republicada, conforme o artigo 11.º, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro, e pela segunda alteração operada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 25 de Agosto – aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e Internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa – alterando os artigos 47.º, n.º 4 e 54.º, n.º 3. Entretanto, a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23-08-2017, que procedeu à 44.ª alteração do Código Penal, versando pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, pelo artigo 11.º deu nova redacção à alínea k) do artigo 114.º). **** Apreciando. Fundamentação de facto. Factos Provados Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado. 1. Factos provados 1.1. – O arguido AA atuando sozinho nuns casos e noutros em conjugação de esforços e vontades, mediante plano previamente delineado, com um indivíduo não concretamente identificado, mas que terá a alcunha de “II”, entre os dias 27-09-2018 e 28-11-2018, deslocou-se a vários postos de abastecimento de combustíveis na área de … e … assaltou os mesmos, se necessário com uso da força física e de um objeto que desse a entender que era arma de fogo, com o objetivo de se apropriar de diversas importâncias em dinheiro, raspadinhas, tabaco ou outros objetos de valor. 1.2. – A) NUIPC 1156/18… (Apenso A): No dia 27/09/2018, pelas 23h00, o arguido e o outro indivíduo que o acompanhava dirigiram-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da Galp, sito na Rua …, n.° 000, …, … . 1.3. – Aí chegados, o arguido encapuzado abeirou-se do funcionário do posto BB, que se encontrava-se sozinho no interior do escritório / loja e disse-lhe “Dá-me o dinheiro! Dá-me o dinheiro!”. 1.4. – Nessa altura, o dito funcionário respondeu ao arguido que não lhe dava dinheiro, iniciando-se um confronto físico entre ambos. 1.5. – Nessa sequência, ambos caíram ao chão, altura em que o arguido desferiu uns golpes na face e na cabeça do referido funcionário, entrando nesse momento na loja o outro indivíduo que acompanhava o arguido para o auxiliar. 1.6. – Nessa altura, o dito funcionário perdeu os sentidos por breves instantes, pelo que o arguido e o outro individuo aproveitaram e retiraram do bolso do dito funcionário cerca de € 900,00 em numerário. 1.7. – Na posse desse dinheiro, o arguido e o outro indivíduo ausentaram-se do local, integrando tal quantia nos respetivos patrimónios. 1.8. – Em consequência direta e necessária das referidas agressões, o ofendido BB apresentou, na face, edema do lábio inferior, mais marcado ao nível do ângulo oral esquerdo onde se notam vestígios de cola biológica sobre a superfície da mucosa labial externa e interna condicionando a abertura da boca, as quais demandaram para a sua cura/consolidação 15 dias, sem afetação da capacidade para o trabalho geral ou profissional. 1.9. – B) NUIPC 1267/18.3 … (Processo principal): No dia 17/10/2018, pelas 22h00, o arguido e o outro indivíduo que o acompanhava dirigiram-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da Repsol, sito na EN 000, em …. — …, pertencente à sociedade "… Combustíveis, Lda.". 1.10. – Aí chegados, o arguido encapuzado (meia de vidro) abeirou-se do funcionário do posto CC, que se encontrava-se sozinho no interior da loja e disse-lhe “Dá-me o dinheiro todo, senão dou-te um tiro!”, ao mesmo tempo que lhe apontava um objeto que podia dar a entender que era arma de fogo. 1.11. – Nessa altura, receando pela sua vida ou integridade física, o dito funcionário disse-lhe que o dinheiro estava na caixa registadora. 1.12. – O arguido dirigiu-se à caixa registadora e pegou na mesma. 1.13. – Dentro dessa caixa que o arguido levou, encontrava-se cerca de € 400,00 em numerário e um telemóvel Huawei, modelo Y5, avaliado em cerca de € 120,00. 1.14. – Na posse desse dinheiro e telemóvel, o arguido e o outro indivíduo ausentaram do local, integrando tal quantia e objeto nos respetivos patrimónios. 1.15. – C) NUIPC 1433/18… (Apenso E): No dia 21/10/2018, pelas 22h00, o arguido dirigiu-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da Cepsa, sito na Av. … - …, pertencente à sociedade “… Combustíveis e Lubrificantes, Lda.". 1.16. – Aí chegado, o arguido encapuzado abeirou-se do funcionário do posto EE, que se encontrava-se sozinho no interior da loja e munido com um objeto envolto numa meia, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, disse-lhe para abrir a caixa registadora e entregar-lhe o dinheiro. 1.17. – Receando pela sua vida ou integridade física, o dito funcionário entregou-lhe cerca de € 380,00 em numerário. 1.18. – Depois, o arguido disse-lhe ainda para entregar uns maços de tabaco que aí se encontravam expostos para venda, o que o dito funcionário também fez, entregando-lhe maços no valor de cerca de € 25,00. 1.19. – Antes de sair da loja, o arguido pegou ainda na carteira e no telemóvel do dito funcionário que estava em cima do balcão. 1.20. – Na posse desse dinheiro e objetos, o arguido ausentou-se do local, integrando tal quantia e objetos no seu património. 1.21. – D) NUIPC 1305/18… (Apenso D): No dia 25/10/2018, pelas 19h00, o arguido dirigiu-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da Galp, sito na Av. …- …, pertencente à sociedade “…. Logística e Transporte, Lda.” 1.22. – Aí chegado, o arguido encapuzado abeirou-se da funcionária do posto DD, que se encontrava-se sozinha no interior da loja e munido com um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, disse-lhe “dá-me o dinheiro, abre a caixa, abre a caixa e não carregues em mais nada, senão dou-te um tiro”. 1.23. – Receando pela sua vida ou integridade física, a dita funcionária entregou-lhe cerca de € 164,00 em numerário. 1.24. – Depois, o arguido disse-lhe ainda para entregar uns maços de tabaco que aí se encontravam expostos para venda, o que o dito funcionário também fez, entregando-lhe três maços da marca "LM" no valor de € 13,50. 1.25. – Na posse desse dinheiro e objetos, o arguido ausentou-se do local, integrando tal quantia e objetos no seu património. 1.26. – E) NUIPC 846/18… (Apenso G): No dia 26/10/2018, pelas 17h50, o arguido dirigiu-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da BP, sito na Av. …., … 1.27 – Aí chegado, o arguido encapuzado abeirou-se do funcionário do posto FF, que se encontrava sozinho no interior da loja e munido com um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, disse-lhe “dá-me o dinheiro, senão mato-te”. 1.28. – Receando pela sua vida ou integridade física, o dito funcionário retirou do bolso das calças um maço de tabaco “LM”, no valor de € 4,50 e as chaves da residência, dizendo-lhe que não tinha mais nada. 1.29. – Nessa altura, aproveitando um momento em que o arguido conferia o que o dito funcionário lhe havia entregue, este conseguiu empurrá-lo para fora da loja, onde se envolveram fisicamente. 1.30. – Surpreendido com tal reação, o arguido ausentou-se do local levando consigo apenas o maço de tabaco, integrando tal objeto no seu património. 1.31. – F) NUIPC 848/18… (Apenso C): Nesse mesmo dia 26/10/2018, pelas 18h45m, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial “…”, sito na Av. …, n.° 000 - …, pertencente à sociedade “C…, Lda.”. 1.32. – Aí chegado, o arguido encapuzado abeirou-se da funcionária JJ, que se encontrava-se no interior da loja numa das caixas registadoras e munido com um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, disse-lhe “cheguem-se todos para ali”, dizendo de seguida que queria a caixa. 1.33. – A dita funcionária disse que não lhe dava a caixa e afastou-se do local em fuga. 1.34. – Nessa altura, o arguido tentou pegar na caixa registadora, mas como a mesma se encontrava bloqueada, não conseguiu retirá-la. 1.35. – Surpreendido com tal situação e porque as pessoas que aí estavam chamaram as autoridades policiais, o arguido fugiu do local, não conseguindo levar com ele nenhum dinheiro ou objeto. 1.36. – No dia 05/11/2018, pelas 23h00, o arguido e o outro indivíduo que o acompanhava dirigiram-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da BP, sito nas …— …, pertencente à sociedade “A…. Unipessoal, Lda.”. 1.37. – Aí chegados, o arguido encapuzado abeirou-se do funcionário do posto GG, que se encontrava-se sozinho no interior do escritório / loja e munido com um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, disse-lhe “Dá-me o dinheiro!”. 1.38. – Receando pela sua vida ou integridade física, o dito funcionário entregou-lhe cerca de € 400,00 em numerário. 1.39. – Na posse desse dinheiro, o arguido e o outro individuo ausentaram do local, integrando tal quantia nos respetivos patrimónios. 1.40. – H) NUIPC 1447/18… (Apenso H): No dia 28/11/2018, pelas 22h00, o arguido e o outro indivíduo que o acompanhava dirigiram-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis da Galp, sito na EN 000, … - …, pertencente à sociedade "R…, Lda.". 1.41. – Aí chegados, o arguido encapuzado abeirou-se do funcionário do posto HH, que se encontrava-se sozinho no interior do escritório / loja e munido com um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo. 1.42. – Receando pela sua vida ou integridade física, o dito funcionário não esboçou qualquer reação. 1.43. – Nessa altura, o arguido pegou em cerca de € 1.500,00 em numerário da caixa registadora, um bloco de raspadinhas no valor de € 1.494,00 e vários maços de tabaco avaliados em cerca de € 55,00. 1.44. – Na posse desse dinheiro e objetos, o arguido e o outro individuo ausentaram do local, integrando tal quantia e objetos nos respetivos patrimónios. 1.45. – No dia 14/03/2019, pelas 09h20m, na sequência de busca domiciliária à residência do arguido sita na Rua …, n.º 00, 0.° … - … foi apreendida uma réplica plástica de cor preta, imitando uma pistola de médias dimensões, com as inscrições “M92” e “Never aim the air gun at people”. 1.46. – Em todas as situações acima referidas (Ponto A a H), o arguido sabia que não podia retirar os objetos e dinheiro pertencente aos respetivos ofendidos, sem a sua autorização e contra a sua vontade, usando da força física e/ou da intimidação por apresentar um objeto, dando a entender que podia se tratar de uma arma de fogo, mas não obstante tal cognição, atuou da forma supra descrita umas vezes sozinho e outras acompanhado, bem sabendo que, em cada caso, fazia seus os ditos objetos e dinheiro que não lhe pertenciam e que os integrava nos seu património por atos contrários à vontade dos respetivos donos e em prejuízo deste. 1.47. – O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 1.48. – Consta do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido AA, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade da arguida e na correia determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada (cfr. Ref. 9627919), além do mais, o seguinte: “I - Condições pessoais e sociais A data dos factos descritos na acusação, AA residia sozinho, em apartamento propriedade dos progenitores, já falecidos, sito em … - …. A situação económica estava dependente do apoio do irmão, falecido há dois meses. As despesas fixas referentes aos consumos de abastecimento doméstico, luz e gás, bem como bens de primeira necessidade (alimentos e roupa) eram assegurados pelo irmão. Dispunha ainda do rendimento social de inserção, no valor aproximado de 180 euros. O arguido apresentava um quotidiano sem qualquer atividade laboral, nem qualquer atividade estruturada do seu quotidiano. A nível profissional expõe um percurso irregular, iniciado após a conclusão do 8.° ano, pautado por experiências laborais de curta e média duração, em diferentes ramos de atividade, em Portugal e no Brasil, onde refere ter administrando uma clínica de tratamento para toxicodependentes. Após o seu regresso a Portugal refere ter assumido a gestão da empresa de produtos de cosmética do progenitor até à sua insolvência, há cerca de 6 anos, não tendo a partir de então desenvolvido qualquer atividade laboral. O envolvimento do arguido no consumo de estupefacientes durante a adolescência, pelos 16 anos, assumiu-se como fator de crescente desorganização pessoal. Fez alguns tratamentos à problemática aditiva, conseguindo um período de abstinência de cerca de 8 anos, tendo então novamente recaído nos consumos. O arguido assume a problemática aditiva, parecendo ciente dos efeitos negativos que a mesma teve no seu percurso de vida. AA refere que a sua trajetória laboral foi prejudicada pela adesão ao consumo de estupefacientes, agravada pelos longos anos de consumos, com significativos reflexos na gestão do seu quotidiano. Assumiu ainda que este era orientado para o consumo de produtos estupefacientes e para o convívio com indivíduos com rotinas semelhantes à sua. O arguido contraiu matrimónio em jovem adulto, tendo desta união um filho, atualmente maior, não mantendo com o mesmo qualquer tipo de contacto desde há vários anos. O seu envolvimento no consumo de estupefacientes motivou uma crescente instabilidade e um distanciamento progressivo face à família constituída, cônjuge e filho, que culminou no divórcio. Mais tarde, estabeleceu novo relacionamento afetivo, entretanto já cessado, do qual resultaram dois filhos, atualmente com 19 e 11 anos de idade, com os quais mantém uma relação próxima. No presente processo esteve inicialmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de …, entre 15 de Março e 27 de Junho de 2019, encontrando-se desde esta data sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na Comunidade Terapêutica …, …, fiscalizado com vigilância electrónica, adoptando uma conduta adaptada às regras subjacentes à medida de coacção aplicada. Na referida Comunidade Terapêutica assumiu encontrar-se abstinente, orientando o seu quotidiano para as atividades inerentes ao programa terapêutico, revelando adesão e motivação para o tratamento, registando evolução positiva, sublinhando ter necessidade de continuar com o respetivo tratamento e acompanhamento. O arguido tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de furto e uso de veículo, roubo, detenção de arma proibida e falsificação de documento, ofensa à integridade física por negligência em acidente de viação, condução de veículo em estado de embriaguez, abuso de confiança fiscal e desobediência, condenado em penas privativas e não privativas de liberdade. AA assume o seu percurso criminal, enquadrando-o fundamentalmente no contexto da sua problemática aditiva. Quando confrontado com a natureza da problemática criminal em causa no presente processo, o arguido verbaliza consciência da sua ilicitude, manifestando preocupação quanto ao desfecho do mesmo, sobretudo devido aos seus antecedentes criminais, temendo um retrocesso no quadro de mudança a que se propôs em contexto de Comunidade Terapêutica. AA manifesta motivação para a execução de uma medida na comunidade, caso venha a ser condenado. O seu presente confronto judicial não teve qualquer impacto a nível profissional ou mesmo a nível económico, dada a inativídade laboral e a dependência financeira verificada desde há vários anos, nem ao nível familiar e social, beneficiando atualmente, e após o falecimento do seu irmão, apenas do apoio dos seus filhos mais novos. Refere contudo a preocupação e angústia que vivência face ao desfecho do presente processo. Ao nível social o arguido, embora associado ao consumo de estupefacientes, é referenciado como uma pessoa de conduta educada e respeitadora. II — Conclusão Do seu percurso de vida destaca-se o seu envolvimento na problemática aditiva desde a adolescência, registando alguns tratamentos com recaídas. No decurso do cumprimento de obrigação de permanência na Comunidade Terapêutica …, …, com vigilância eletrónica, onde iniciou tratamento à problemática aditiva, AA regista evolução positiva, sublinhando ter necessidade de continuar com o respetivo tratamento e acompanhamento. O arguido assume a problemática aditiva, parecendo ciente dos efeitos negativos que a mesma teve no seu percurso de vida, quer ao nível familiar quer ao nível profissional, associando-se neste contexto a pares com idêntica problemática. Após o abandono escolar, iniciou no percurso laboral, tendo o mesmo sido condicionado pela problemática aditiva, com efeitos que perduraram no tempo e foram determinantes para manter o seu regular exercício, encontrando-se desempregado há vários anos e consequentemente dependente financeiramente da ajuda do irmão, entretanto falecido, e de apoios estatais (RSI). Presentemente AA não dispõe de retaguarda familiar do agregado de origem, mantendo no entanto uma relação próxima com os filhos mais novos, não extensível ao filho mais velho. O arguido tem antecedentes criminais por diferentes tipologias de crime e idêntica tipologia à subjacente aos presentes autos, em penas privativas e não privativas de liberdade. Face ao exposto, na eventualidade de condenação, evidenciando o arguido diluída ressonância perante os anteriores confrontos judiciais e as penas aplicadas, consideramos que face às necessidades identificadas, o arguido deverá interiorizar do desvalor da conduta criminal, manter o tratamento à problemática aditiva e o afastamento de locais e do convívio com pessoas associadas ao consumo de estupefacientes e investir no exercício de uma atividade laboral que lhe permita a sua subsistência e autonomia financeira.” 1.49. – O arguido integrou esses objetos e dinheiro no seu património. 1.50. – Tais objetos e dinheiro não foram recuperados. 1.51. – Por sentença proferida em 14/06/1994, nos autos de Processo Comum Coletivo n.° …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 21/11/1993, de um crime de furto e uso de veículo, de um crime de roubo, de um crime de detenção de arma proibida, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 8.° da Lei n.° 15/94, de 11/5,e pelos artigos 304.°, n.°s 1 e 2, 306.°, n.°s 1 e 2, al. c), 260.°, 228, n.° 1, al. a) e n.° 2 e 229.° do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e em 33 (trinta e três) dias de multa à taxa diária de 400$00, num total de 13.200S00. Por despacho datado de 22/05/1998 foi declarada extinta a pena. 1.52. – Por sentença proferida em 06/03/2001, transitada em julgado em 23/03/2001, nos autos de Processo Comum Singular n.° …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado pela prática, em 02/02/2000, de 1 (um) crime de consumo de droga, p. e p. pelo artigo 40.°, n.° 1 da Lei n.° 15/93, de 22/01, na pena de 20 (vinte) dias de multa à taxa diária de 1.500$00, num total de 30.000$00. Por despacho datado de 11/06/2001 foi declarada extinta a pena. 1.53. – Por sentença proferida em 17/10/2005, transitada em julgado em 02/11/2005, nos autos de Processo Comum Singular n.° 918/03…, do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …., foi o arguido AA condenado pela prática, em 25/11/2003, de 1 (um) crime detenção ou tráfico de armas proibidas, p. e p. pelo artigo 275.°, n.° 3 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 3 € (três euros), o que perfaz o total de 300 € (trezentos euros). Por despacho datado de 05/01/2006 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa. 1.54. – Por sentença proferida em 27/01/2010, transitada em julgado em 15/02/2010, nos autos de Processo Comum Singular n.° 708/05… do ..° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 13/02/2005, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.° do Código Penal, na pena 130 (centro e trinta) dias de multa, à taxa diária de 4,50 € (quatro euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante 585 € (quinhentos e oitenta e cinco euros). Por despacho datado de 14/03/2013 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa. 1.55. – Por sentença proferida em 03/05/2011, transitada em julgado em 30/05/2011, nos autos de Processo Especial Sumário n.° 666/10… do ...° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 25/11/2010, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 8 € (oito euros), num total de 720 € (setecentos euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 (oito) meses. Por despacho datado de 19/03/2012 foi declarada extinta a pena de multa pelo pagamento. Por despacho datado de 29/09/2013 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. 1.56. – Por sentença proferida em 21/02/2011, transitada em julgado em 03/10/2011, nos autos de Processo Especial Sumário n.° 106/11…, do …° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 11/02/2011, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 10 € (dez euros), num total de 900 € (novecentos euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses. A pena de multa foi substituída por prisão subsidiária. Por despacho datado de 14/08/2012 foi declarada extinta a pena de prisão subsidiária. Por despacho datado de 03/10/2015 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. 1.57. – Por sentença proferida em 19/02/2013, transitada em julgado em 18/03/2013, nos autos de Processo Comum Singular n.° 312/11… do Juízo Local Criminal … De …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 10/2010, de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.°, n.°s 1 e 4 da Lei n.° 15/2001, de 5/6, na pena 130 (centro e trinta) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros), o que perfaz o montante 650 € (seiscentos e cinquenta euros). Por despacho datado de 03/09/2014 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão subsidiária em que a multa foi convertida. 1.58. – Por sentença proferida em 19/09/2012, transitada em julgado em 21/05/2013, nos autos de Processo Especial Abreviado n.° 801/12… do …° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 06/2011, de 1 (um) crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros), o que perfaz o total de 750 € (setecentos e cinquenta euros). Por despacho datado de 18/05/2014 foi declarada extinta a pena de multa pelo pagamento. 1.59. – Por sentença proferida em 28/04/2016, transitada em julgado em 15/06/2016, nos autos de Processo Comum Singular n.° 833/14…, do Juízo Local Criminal de … - .., do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido AA condenado pela prática, em 31/10/2014, de 1 (um) crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, p. e p. pelo artigo 256.°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada a regime de prova. Por despacho datado de 15/06/2017 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão suspensa na sua execução. 2. Factos não provados De salientar, desde logo, que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos. Na audiência de julgamento não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, designadamente: 2.1. – Que o arguido usou uma réplica de arma de fogo. ***** Apreciando. Fundamentação de direito. Questão Prévia I – Recurso directo / Da definição da competência para cognição do recurso. Como se viu, o recurso interposto pelo arguido AA, como consta do requerimento de fls. 1045, foi dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães. O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 1064 (imediatamente antes do acórdão condenatório!), sem indicação de tribunal ad quem. Na resposta apresentada o Ministério Público no Juízo Central Criminal de Guimarães suscitou a questão prévia da competência, a fls. 1068 verso, invocando o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alíneas c), do CPP e o AUJ n.º 5/2017, devendo os autos ser remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para conhecer do recurso interposto, o que levou às conclusões 4.ª, 5.ª e 6.ª. A fls. 7073 (!!), com data de 4-03-2020, foi proferido despacho no sentido de ser competente este Supremo Tribunal, invocando o artigo 432.º, n.º 2, alínea c), do CPP, dizendo, ao jeito de despacho de sustentação, manter na íntegra a decisão impugnada, “por entender que não foi praticada qualquer iniquidade, nem aquela padece de qualquer nulidade”. Foi ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça com cópia digital dos elementos relevantes, o que deu origem a paginação incongruente, de modo que o despacho de admissão do recurso surja antes da decisão condenatória, e que depois de fls. 1072 surge fls. 7073 e, logo a seguir, fls. 783 a 1017, saltando para fls. 1065 e 1066, com acto processual de 3-03-20020, a fls. 1066, e no dia seguinte, passa a fls. 7074, prosseguindo depois nessa errónea paginação até 7081, tudo no 4.º volume, que começa com fls. 1003/4/5, passando para fls. 988 a 999, depois 1064, seguindo-se o acórdão de fls. 1018 a 1038… Analisando. Numa primeira abordagem, a propósito da invocação na resposta do Ministério Público do AUJ n.º 5/2017, dir-se-á que a jurisprudência fixada a convocar no presente caso de recurso directo para efeitos de definição do tribunal competente para conhecer o recurso é o AFJ n.º 8/2007 e não o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, o qual tem igualmente cabimento por outra razão no presente caso, pois que se reporta aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, estando em causa concurso de crimes, no que respeita às penas parcelares aplicadas em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única. Para o apuramento da competência, definida no AUJ de 2007, com solução depois acolhida no artigo 432.º, n.º 2, alínea c), do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o acórdão de fixação proferido dez anos depois, é imprestável. Uma coisa é definir a competência do tribunal superior para julgar o recurso. A quem compete conhecer? À Relação? Ao Supremo Tribunal de Justiça? Outra, diversa, é, definida aquela, indagar do âmbito dessa competência, saber o que alberga ela, perceber a capacidade cognitiva, se limitada/restrita ou ampla, sem restrições, uma competência plena. Enfim, determinar os contornos da extensão da capacidade de cognição. Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro: Está em causa um acórdão final condenatório proferido por um tribunal colectivo. A pena única aplicada foi a de 6 (seis) anos de prisão. O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, questionando tão só a dimensão das penas parcelares e única, que considera excessivas, com a consequente redução de pena. Vejamos. Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”. É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal. Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri. Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação. Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o Supremo Tribunal de Justiça «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência: «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça». Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco). Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. O preceito passou a estabelecer: Artigo 432.º […] 1 – Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) ………….……..……………… b) ……………....…..……………… c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) [Anterior alínea e)]. 2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º [Esta redacção permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a LOFTJ, Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 28-08-2008, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, Diário da República, 1.ª série, n.º 197, de 12-10-2009, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-01-2013, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 39, que procede à 25.ª alteração ao CPP, eliminando a possibilidade de aplicação do processo sumário a crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, alterando os artigos 13.º, 14.º, 16.º, 381.º, 385.º, 387.º, 389.º e 390.º), pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 244) - 26.ª alteração, alterando o artigo 318.º -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 100),- 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 104) - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º, pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro – Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018 – 30.ª alteração – artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto – Diário da República, 1.ª série, n.º 156 - artigo 131.º-1, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – Diário da República, 1.ª série, n.º 251 - artigo 113.º-13, Lei n.º 27/2019, de 28 de Março – Diário da República, 1.ª série, n.º 62 - artigo , Lei n.º 33/2019, de 22 de Maio – Diário da República, 1.ª série, n.º 98 – 33.ª alteração; e Lei n.º 101/2019, de 6 de Setembro – Diário da República, 1.ª série, n.º 171 - artigo 200.º)]. Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007. Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere: “Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”. No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”. A partir da revisão do Verão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, de 18-01-2017, de 15-02-2017, de 5-04-2017, de 15-11-2017, de 22-11-2017, de 7-03-2018, de 9-05-2018, de 23-05-2018, de 13-09-2018, de 10-10-2018, de 21-11-2018, de 12-12-2018, de 9-01-2019, de 23-01-2009, de 11-09-2019, de 14-11-2019, de 13-05-2020, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1 (violência doméstica), n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1 (TE), n.º 976/15.3PAPTM.E1.S1 (TE), n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1 (burla qualificada), n.º 336/11.5GALSB.S1 (PU), n.º 731/15.0JABRG.S1 (incêndio florestal), n.º 180/13.5GCVCT.G2.S1 (PU), n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 (roubo, TE), n.º 75/17.3JELSB.L1.S1 (TE), n.º 372/17.8PBLRS.L1.S1 (violência doméstica e violação), n.º 44/16.0GANLS.S1 (TE), n.º 1/17.0GCGDL.S1 (sequestro), n.º 734/142PCLRS.S1 (PU), n.º 142/12.0GCSCD-A.S2 (PU), n.º 2121/17.1JAPRT.S1 (homicídio qualificado, furto e burla informática), n.º 96/18.9GELLE.E1.S1 (homicídio qualificado tentado), n.º 104/16.8JAPTM.S1 (TE) e n.º 168/17.7PAMDL.S1 (TE), todos por nós relatados. No acórdão de 7 de Julho de 2016, por nós relatado no processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007. A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”. Do mesmo modo no acórdão de 14 de Dezembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, com condenações por crimes de violência doméstica, nas penas de prisão de 4 anos e 3 meses, de 2 anos e 9 meses, de 2 anos e 3 meses, de 2 anos e 3 meses e de 2 anos e pena única de 7 anos de prisão. De igual modo ainda no acórdão de 15 de Fevereiro de 2017, por nós relatado no processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1, em que estavam em causa penas de 9 e de 6 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes, tendo os recursos sido indevidamente dirigidos ao Tribunal da Relação de Évora. No acórdão de 7 de Março de 2018, por nós relatado no processo n.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, foi apreciado caso em que interposto recurso de acórdão cumulatório realizado pelo Colectivo de Viana do Castelo, que fixou a pena única de 10 anos de prisão, no Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão sumária (!) de 11-08-2017, foi negado provimento ao recurso. Tal decisão foi declarada nula, por incompetência material e funcional, passando-se a apreciar o acórdão do Colectivo de Viana do Castelo, e tendo-se suprido nulidades verificadas, foi concedido parcial provimento ao recurso. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 6 de Outubro de 2011, proferido no processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada. Do mesmo modo o acórdão de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”. Revertendo ao caso concreto No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal colectivo, tendo sido aplicada a pena única de 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso, apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita a redução da medida das penas parcelares e única), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso. Conclui-se assim que neste caso o recurso é directo, sendo o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido. ***** Abordar-se-á de seguida a questão da extensão da capacidade cognitiva do Supremo Tribunal de Justiça relativamente às questões suscitadas com a condenação por crimes punidos com penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, sendo o caso de todas as penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido, no segmento Questão Prévia II – Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou pena única. No caso em apreciação, como vimos, foi fixada ao ora recorrente, como consta do dispositivo, a pena única de 6 anos de prisão, englobando as oito penas parcelares de prisão de 3 anos, 2 anos - por cinco vezes -, 2 anos e 2 meses e de 1 ano e 3 meses. Como o recorrente impugna expressamente, para além da medida da pena única, as medidas das penas parcelares aplicadas, que no caso concreto, são todas entre um ano e três meses e três anos de prisão (todas as penas parcelares aplicadas são inferiores a 5 anos de prisão), há que tomar posição sobre a possibilidade de cognição das questões relativas aos crimes assim punidos (no caso, circunscrita à medida das penas parcelares e pena conjunta). Conexionada com a anterior - recurso directo - coloca-se, pois, a questão de saber se dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de direito, apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 5/2017, invocado pelo Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de Guimarães, foi o culminar de uma querela jurisprudencial neste Supremo Tribunal ao longo de mais de nove anos. No caso concreto, a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça incidirá apenas na medida da pena única, única pena fixada em medida superior a 5 anos de prisão, ou abrangerá também a apreciação das penas parcelares aplicadas pelos oito crimes de roubo simples, sendo sete consumados e um tentado, todas inferiores ao patamar de recorribilidade? A resposta é que o Supremo Tribunal de Justiça conhece de todas as penas (rectius, de todas as questões relativas aos, ou suscitadas relativamente, aos crimes punidos com tais penas). Nestes casos o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer das questões relativas aos crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão (in casu, medidas das penas aplicadas pelos oito crimes de roubo em concurso), sendo tal posição correspondente ao que, nos últimos tempos foi assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal de Justiça, culminando com a fixação de jurisprudência. O que se discute neste plano é a questão de saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo Tribunal, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta com tal conformação, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de recorribilidade/cognoscibilidade em sede de recurso. Numa orientação que colheu numa fase inicial defensores em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal, foi defendido que, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, condenado o arguido por vários crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ficava limitado aos crimes punidos com pena de prisão superior a 5 (cinco) anos, ou então, cingir-se-ia à pena única, caso esta ultrapassasse o referido limite de 5 anos de prisão. De acordo com tal orientação as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podiam ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que aplicadas em medida superior a 5 anos de prisão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 26 de Março de 2008, proferido no processo n.º 444/08 (defendendo que face à redacção do artigo 432.º, alínea c), do CPP, dada pela reforma de 2007, apenas a pena conjunta seria susceptível de apreciação pelo STJ, procedendo, no entanto, no concreto, à sindicância das penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, por a redacção anterior do artigo 432.º permitir objecto de recurso mais amplo); de 02-04-2008, proferido no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183 (conhecendo apenas do tráfico de estupefacientes, por que foi aplicada pena de 6 anos de prisão e da pena única de 7 anos, mas não do crime de detenção de arma proibida, por que foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão) e de 19-11-2008, no processo n.º 3776/08 (as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podem ser objecto de recurso para este STJ desde que superiores a 5 anos de prisão), todos da 3.ª Secção e do mesmo Relator (mas, em sentido oposto, cfr. infra – acórdão de 4-11-2009); de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08, da 5.ª Secção (as relações, com a nova reforma, conhecem também de recursos de decisões do tribunal colectivo ou de júri que visem exclusivamente matéria de direito, se as penas aplicadas em concreto não foram superiores a 5 anos de prisão, citando os acórdãos de 2-04-2008 e de 19-11-2008; da mesma forma, no acórdão de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª, do mesmo Relator, mas com concreta aplicação da lei antiga); do mesmo Relator, o acórdão de 7-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª (citando o acórdão de 2-04-2008, processo n.º 415/08 da 3.ª Secção) e ainda do mesmo Relator, o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 548/06.3PTLSB.L1.S1-5.ª Secção (Não sendo embora jurisprudência dominante, mas constituindo uma corrente significativa, tem-se entendido que, quando se impugnam as penas parcelares aplicadas pelo tribunal colectivo em 1.ª instância, o recurso é para a Relação, se tais penas não estiverem, elas próprias, nas condições exigidas pelo art. 432.º, al. c), do CPP, nomeadamente no que se refere ao seu quantum, ou seja, não tiverem sido fixadas em medida superior a 5 anos de prisão). Ainda neste sentido se pronunciou o acórdão de 14-01-2010, com outro Relator, no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 189, com o entendimento, então predominante na 5.ª Secção de que “tendo o recurso como objecto um concurso de crimes punidos com penas de prisão não superiores a 5 anos, mas cuja pena única seja de duração superior, se o recorrente puser em causa as penas parcelares a competência para conhecer do recurso em matéria de direito é da relação, podendo vir a ser interposto recurso para o Supremo do acórdão da 2.ª instância se a pena única for superior a 8 anos de prisão, ou a 5 anos e não se verificar situação de dupla conforme”. O acórdão demarca-se, de forma expressa, da posição assumida pelo acórdão de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE, da 3.ª Secção, que cita por duas vezes. Neste mesmo sentido da atribuição de competência ao Tribunal da Relação, pronunciaram-se os acórdãos da 5.ª Secção e da mesma Exma. Relatora: Acórdão de 12-11-2009, no processo n.º 19/06.8JAFAR.S1, onde se pode ler: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação, segundo a regra geral contida no art. 427.º do CPP. Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito. A questão tem sido decidida uniformemente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”; Acórdão de 26-11-2009, proferido no processo n.º 1387/08.8JDLSB.L1.S1, este com voto de vencido do Exmo. Adjunto do anterior; Acórdão de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 206, citando o acórdão de 2-04-2008, proferido no processo n.º 415/08-3.ª, e, em nota de rodapé, o acórdão de 7-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, onde se assinala: “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”. (O Exmo. Adjunto manifestou a sua concordância, mas apenas pelo 1.º fundamento – este tinha a ver com o facto de vir invocada a verificação de erro notório na apreciação da prova); Acórdão de 14-07-2010, proferido no processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, da mesma relatora e com voto de vencido, pode ler-se: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal de júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação. Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito. E repristinando texto do acórdão de 27-01-2010 “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”; Acórdão de 21-09-2011, proferido no processo n.º 7406/04.4TDPRT.P1.S1, sendo aqui relatora por vencimento, com voto de vencido de outro Adjunto, publicado na CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 183, constando do sumário: “É ao tribunal da Relação que compete conhecer o recurso da decisão que aplica penas de prisão inferiores a cinco anos, ainda que, no cúmulo, a pena única seja superior a cinco anos”, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela Relatora, de 25-03-2010, processo n.º 70/09.6JAPRT.P1.S1 (aqui repetindo o constante do acórdão de 27-01-2010, com voto de vencido), de 14-07-2010, processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, já citado, de 16-09-2010, processo n.º 971/06.3GBLLE.S1 (neste repetindo o constante dos acórdãos de 27-01-2010 e de 14-07-2010, com voto de vencido do mesmo Adjunto), e de 21-10-2010, processo n.º 39/09.0PJSNT.S1 (nas mesmas condições e com o mesmo voto de vencido), bem como das decisões sumárias da mesma Relatora de 11-11-2010, de 17-11-2010 e de 15-04-2011, proferidas nos processos n.º 415/05.8GTCSC.S1, 367/09.5GFVFX.S1 e 33/10.9GDSNT.S1. Consta da declaração de desempate: “O STJ só seria hierarquicamente competente para julgar o recurso se este se tivesse limitado à pena única - superior a 5 anos de prisão - decorrente das penas parcelares emergentes da 1.ª instância”. Acórdão de 10-05-2012, proferido no processo n.º 356/10.7PBEVR.E1.S1, - igualmente Relatora por vencimento, com voto de vencido do Adjunto do anterior, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 191, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela relatora, já mencionados no acórdão de 21-09-2011, que não é citado, mas aditando o acórdão de 5-01-2012, proferido no processo n.º 62/11.5JACBR.S1, onde se pode ler: “O STJ não é competente para conhecer do recurso interposto, na medida em que uma das questões postas no recurso se reporta a uma das penas parcelares, em que o recorrente foi condenado, de medida inferior a 5 anos de prisão”. Tal aconteceu num recurso em que estavam em causa dois homicídios, punidos com as penas parcelares de 15 e 18 anos de prisão e um crime de detenção de arma proibida, punido com a pena de 2 anos de prisão. No mesmo sentido o acórdão de 21-11-2012, processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, com Relatora por vencimento, voto de vencido e desempate pelo Presidente da Secção. (Anota-se que no acórdão de 14-10-2015, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, com vista a fixação de jurisprudência, foi reconhecido haver oposição de julgados entre esse acórdão, então recorrido, e o ora mencionado acórdão de 21-11-2012, proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, apontado como acórdão - fundamento). Concluindo. Nesta orientação, em suma, entende-se que, se uma das penas de prisão aplicadas for igual ou inferior a 5 anos, em concurso com outras penas superiores a tal limite, igualmente ultrapassado na pena única, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é do Tribunal da Relação. No contexto, o Tribunal da Relação cobraria competência para apreciar a determinação de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, v. g., uma pena de 20 anos de prisão, por homicídio qualificado, e uma pena única de 25 anos de prisão. Em sentido oposto, pronunciaram-se vários acórdãos. Referir-se-á, desde logo, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção [com um voto de vencido, considerando competente o Tribunal da Relação (cfr. infra – acórdão de 4-11-2009)], em que o arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, e um de condução sem habilitação legal, e em que se diz “… não exigindo o legislador que as penas parcelares, por não distinguir, sejam superiores a 5 anos, o que reduziria de forma drástica o acesso ao STJ, bastando que no caso de pena conjunta, tida como referência na lei nova, como pressuposto de recorribilidade, se alcance tal patamar”. E acrescenta: “Sempre que o arguido queira recorrer de forma directa, de acórdão condenatório de 1.ª instância, a pena concretamente aplicada em cúmulo exceda 5 anos - como é o caso vertente - e intente rediscutir a matéria de direito aplicada, só lhe resta interpor recurso para o STJ, face à clareza do texto legal, obediente à vontade do legislador da Proposta, não sendo visível qualquer imperfeição linguística de corrigir, passando a conhecer-se do recurso”. No acórdão de 07-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª Secção (já citado nos supra referidos acórdãos publicados na CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 189 – de 14-01-2010, no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1 – e na nota de rodapé na pág. 208 – de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1), defende-se que o “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. Interpreta-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas. Na mesma linha e do mesmo relator, o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1, onde se pode ler: “Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas; a competência abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais”. Ainda do mesmo relator, o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª, onde se refere que “sendo a pena única aplicada ao arguido superior a 5 anos de prisão, e visando o recurso apenas matéria de direito, o STJ tem exclusiva competência para apreciar essa pena e, por arrastamento, para conhecer as penas parcelares, se elas forem impugnadas, ainda que estas sejam inferiores a 5 anos”. No acórdão de 04-11-2009, proferido no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção, o respectivo relator, “revendo posição assumida em relação à questão prévia”, maxime, nos três acórdãos de 2008 supra referidos, de 26 de Março, de 2 de Abril e de 19 de Novembro (processos n.º 444/08, 415/08 e 3776/08) e no voto de vencido no acórdão de 17-09-2009, no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1 (cfr. supra), afirma que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para o conhecimento das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão), na medida em que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral de fixação de pena conjunta, pronunciando-se no mesmo preciso sentido, no subsequente acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228, convocando o acórdão de 7-10-2009, processo n.º 611/07.3GFLLE.S1 (em causa dois crimes de roubo agravado, um crime de burla informática e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, punidos com 3 anos e 8 meses de prisão, por duas vezes, e 6 meses de prisão, por duas vezes e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, defendendo-se que o STJ pode, e deve, proceder à sindicância de penas parcelares e da pena conjunta aplicada e abordando a questão da eventual consumpção do crime de burla informática pelo crime de roubo). Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1 (debitando sobre penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão) e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1, igualmente da 3.ª Secção (reduzindo penas parcelares). Fora deste quadro, há que assinalar os vários casos de ampla apreciação, à luz da redacção da alínea d) do artigo 432.º do CPP na versão de 1998, por força do n.º 2, alínea a) do artigo 5.º do mesmo CPP, atendendo ao facto de a decisão recorrida ter sido proferida em data anterior a 15 de Setembro de 2007, e fazendo aplicação da doutrina do AUJ n.º 8/2007, como ocorreu nos acórdãos de 12-09-2007, proferidos nos processos n.º 2587/07, por nós relatado (versando condenação em pena única de 2 anos e 10 meses de prisão por dois crimes de tráfico de menor gravidade e falta de carta de condução), n.º 2601/07, por nós relatado em caso de reincidência com anulação do acórdão recorrido, n.º 2583/07, este da Ribeira Grande, por nós relatado, versando maus tratos (após passagem pelo TRL que se declarou incompetente e com invocação do AUJ n.º 8/2007) e ainda n.º 2702/07, por nós relatado, versando roubo (com invocação no tribunal recorrido do AUJ n.º 8/2007); de 19-09-2007, processo n.º 2806/07; de 3-10-2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07 (CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198); de 24-10-2007, por nós relatado no processo n.º 3238/07 (versando homicídio cometido com excesso de legítima defesa, punido com 4 anos e 6 meses de prisão e detenção de arma ilegal punido com 7 meses e pena única de 4 anos e 6 meses de prisão); de 7-11-2007, processo n.º 3225/07; de 28-11-2007, processos n.º 3294/07 e n.º 3253/07; de 13-12-2007, por nós relatado no processo n.º 3210/07 (com invocação do AUJ n.º 8/2007); de 19-12-2007, processo n.º 4275/07, com voto de vencido; de 9-01-2008, processo n.º 3485/07; de 23-01-2008, por nós relatado no processo n.º 4560/07 (versando condenação em furto qualificado e roubo agravado e pena única de 4 anos de prisão); de 6-02-2008, por nós relatado no processo n.º 3991/07; de 20-02-2008, por nós relatado no processo n.º 4639/07 (aqui convocando o AUJ n.º 8/2007) e de 10-07-2008, por nós relatado no processo n.º 3490/07. Como exemplos de concretizações da tese da ampla recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça e alargada competência cognitiva deste, atento já o disposto no actual artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, podem ver-se os seguintes acórdãos igualmente relatados pelo ora relator, em que foram apreciadas, para além do mais, as medidas das penas parcelares, iguais e inferiores a 5 anos de prisão, e questões conexas, conhecendo-se do recurso na sua globalidade. No acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 4833/07, estando em causa as penas de 6 anos de prisão por homicídio qualificado tentado, três penas de 18 meses, duas por coacção grave e outra por detenção de arma proibida e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, foi declarada a nulidade por falta de fundamentação quanto a reincidência. No acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08, em caso de assaltos a táxis, estavam em causa penas aplicadas por roubo agravado e por roubo simples - penas de prisão de 5 anos por aquele, de 2 anos e 6 meses por este, e pena única de 6 anos, sendo conhecidas todas. No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM, em causa, a prática pelo arguido, como reincidente, de dois crimes de furto qualificado, por que foram aplicadas as penas de 3 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, e de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, com as penas de 10 e de 20 meses de prisão, e sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única. No acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD, estando em causa a prática de três crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses, 4 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, e pena única de 7 anos de prisão, foram conhecidas as questões de unificação como único crime continuado de dois crimes praticados na mesma vítima, bem como atenuação especial e a medida das penas parcelares e única. No acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB, em que estavam em causa a prática por cada um dos dois arguidos de um crime de roubo qualificado e um outro de sequestro, pelos quais haviam sido condenados, cada um, nas penas de 5 anos e de 10 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, foram apreciadas a medida da pena do roubo (5 anos de prisão), única impugnada pelos recorrentes, e a pena única. No acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT - em causa estando um crime de roubo agravado, pelo qual um dos arguidos foi condenado na pena de 6 anos e o outro de 5 anos de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, por que aquele foi condenado na pena de 18 meses e este de 15 meses de prisão, e nas penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo-se conhecido da questão de eventual opção por pena de multa quanto ao segundo crime, conheceu-se ainda da medida da pena aplicada ao segundo arguido pelo crime de roubo. No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, estando em causa as penas aplicadas por um crime de furto simples e seis crimes de roubo simples, sendo dois tentados, em medidas que variavam entre o mínimo de 10 meses de prisão pelo crime de furto e o máximo de 2 anos e 3 meses, por um dos roubos, e a pena única de 7 anos de prisão, conheceu-se da questão de opção por pena de multa ou prisão quanto ao furto, reduzindo-se as penas parcelares dos dois roubos tentados e de um dos roubos consumados. No acórdão de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.S1, estando em causa quatro roubos qualificados, sancionados cada um com 3 anos e 6 meses de prisão e três roubos simples, punidos com 1 ano e 6 meses de prisão, cada um deles, e pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, foi apreciada a pretensão de atenuação especial por aplicação do regime especial penal para jovens adultos. No acórdão de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, em caso de recurso directo, pese a referência “P2”, a questão colocava-se relativamente às cinco penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas inferiores a 5 anos de prisão, em medidas concretas que variam entre a mais baixa de 6 meses, pelo crime de furto simples (aqui discutindo-se a tentativa impossível), e a mais elevada de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação de documento. No acórdão de 31-01-2012, proferido no processo n.º 2381/07.6 PAPTM.E1.S1, em caso de recurso directo, pese embora a sigla “E1”, vindo o arguido condenado por roubo qualificado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e por extorsão, na pena de 2 anos, e pena única de oito anos, são apreciadas todas as penas, aí podendo ler-se: «Antes do mais, porém, dir-se-á que se considera que o presente recurso é admissível, mesmo em relação à pena aplicada pelo crime de extorsão, muito embora a aplicada medida concreta seja inferior a cinco anos, que constitui o patamar de recorribilidade definido no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que se faz pelas razões expostas nos acórdãos de 23-02-2011, no processo n.º 250/10.1PDAMD.S1 e de 15-12-2011, no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, por nós relatados. Aí se concluiu que em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação. Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição». No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 – em concurso real, crime de homicídio qualificado, punido com 18 anos de prisão, e crime de ameaça agravada, conhecendo quanto a este, o preenchimento do tipo, a escolha da espécie da pena prevista em alternativa e respectiva medida da pena de prisão – 10 meses. No acórdão de 17-04-2013, processo n.º 237/11.7JASTB.S1, em caso de concurso de homicídio com profanação de cadáver, punidos com penas de 7 anos e 6 meses e de 10 meses de prisão e pena única de 8 anos, conhecendo de ambos os crimes, incluindo a afastada atenuação especial por força de aplicação do regime dos jovens adultos. No acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1, estando em causa treze crimes sancionados com penas parcelares entre os 3 meses e 3 anos de prisão apenas vinha impugnada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, o que não impediu se conhecesse da questão prévia colocada pelo Exmo. PGA, tendo sido declarado extinto o procedimento criminal pelo crime de desobediência simples, entretanto descriminalizado, desconsiderando-se no cúmulo a pena de 3 meses de prisão. No acórdão de 17-12-2014, processo n.º 1055/13.3PBFAR.S1, em caso de concurso de roubo qualificado (7 anos de prisão), receptação (2 meses) e dois crimes de condução ilegal (1 ano e 8 meses) conhecidas as penas parcelares e única, tendo sido reduzida a pena aplicada por um dos dois últimos, por não se verificar reincidência. Não se tratando de recurso directo, no acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0DLSB.L1.S1, estavam em causa treze penas de 1 ano e 6 meses de prisão, por tantos outros crimes de abuso sexual de criança, e pena única de seis anos de prisão, aplicadas em primeira via pela Relação, que revogara a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada por um crime único e suspensa na execução, tendo sido mantida a qualificação jurídica operada pela Relação, reduzindo-se o número de crimes para 12, mantendo-se as penas parcelares e única. Não foram apreciadas as penas parcelares, por vir impugnada apenas a pena única superior a 5 anos de prisão, no caso do acórdão de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, com pena única de 6 anos de prisão, estando em causa dois crimes de roubo, punidos com 3 anos e 6 meses de prisão cada, e dois crimes de coacção grave, sancionados, cada um, com 2 anos de prisão. Podem ver-se ainda no mesmo sentido os seguintes acórdãos mais recentes: Acórdão de 21-09-2011, processo n.º 95/10.9PGAMD.L1.S1-3.ª Secção - Face ao actual sistema dos recursos penais, o conflito suscitado tem de ser decidido a favor da competência do STJ; o alargamento da competência do STJ nada tem de incongruente, uma vez que se trata de uma questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta; Acórdão de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1-5.ª Secção, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 193, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada; Acórdão de 12-07-2012, processo n.º 2/09.1PAETZ.S1-3.ª Secção, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 238 (O STJ ao ter competência para conhecer da pena única tem também competência para conhecer das penas parcelares que a integram, ainda que estas não sejam superiores a 5 anos de prisão); Acórdão de 6-02-2013, processo n.º 94/12.6GAVGS.S1-3.ª Secção – em presença de três penas parcelares de 3 anos e 6 meses, por furto qualificado, de outras duas, por furto qualificado tentado, de 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 4 meses de prisão, pugnando o recorrente pela redução à unidade da pluralidade de crimes por que foi condenado e da pena única, fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, afirma mostrar-se verificado o pressuposto específico de recorribilidade para este STJ determinado na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, abrangendo o recurso, também, a impugnação das penas parcelares, ainda que com penas inferiores a 5 anos, porquanto a pena única resulta do englobamento de tais penas, devendo ser concedido ao arguido um grau de recurso; Acórdão de 20-02-2013, processo n.º 29/11.3GALLE.S1-5.ª Secção - “A al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que uma pena (conjunta) aplicada e que o arguido vai ter de cumprir, de acordo com a decisão recorrida, seja superior a 5 anos de prisão (com voto de vencida, relativamente à questão prévia da competência para o conhecimento do recurso, que caberá ao Tribunal da Relação); no mesmo sentido, do mesmo relator, e com idêntico voto, o acórdão de 28-02-2013, processo n.º 293/11.8JAFUN.L1.S1, acrescentando “Opta-se por atribuir a competência ao STJ por ser o tribunal vocacionado para o conhecimento das penas mais graves, podendo obviamente conhecer das menos graves, aplicadas por crimes em concurso”; Acórdão de 14-03-2013, do mesmo relator e com voto de vencida, proferido no processo n.º 149/10.1TAFND.C1.S1-5.ª Secção (pondo enfoque na aferição da gravidade da situação pela pena que o condenado vai ter efectivamente de cumprir e não por questões técnicas de direito); Acórdão de 21-03-2013, processo n.º 267/11.9JELSB.L1.S1-3.ª Secção, negando redução das penas parcelares fixadas na 1.ª instância: 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de falsificação; Acórdão de 13-04-2013, processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1, da 3.ª Secção - “No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares. Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única. Acórdão de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1-5.ª Secção, com voto de vencida - O STJ cobra competência para apreciar o recurso que incida sobre acórdão de tribunal de júri ou tribunal colectivo que tenha condenado o arguido em pena única superior a 5 anos, resultante de cúmulo jurídico de penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; Acórdão de 8-01-2014, processo n.º 1096/12.8GCVIS.C1.S1-5.ª Secção - “Interposto recurso que verse exclusivamente matéria de direito, designadamente a medida das penas (parcelar e única), face ao disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. c) e 2, e 400.º n.º 1, al. f), do CPP, o STJ é competente para conhecer da pena única superior a 5 anos de prisão e das respectivas penas parcelares, que vão de 4 meses de prisão a 2 anos e 8 meses de prisão”; Acórdão de 6-02-2014, processo n.º 1805/12.5PCCBR.S1-3.ª Secção - O STJ é o único competente para apreciar a pena conjunta, cabendo-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do n.º 8 do art. 414.º (a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto); Acórdão de 26-02-2014, processo n.º 29/03.3GACNF.S1-3.ª Secção - No caso de condenação em pena conjunta o STJ conhece de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito, a pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32.º); Acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª Secção, a apreciação do recurso abrange penas aplicadas por crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, furto, ameaças, homicídio tentado, detenção de arma proibida; Acórdão de 23-04-2014, processo n.º 1603/09.3JAPRT.P1.S1-3.ª Secção, onde consta: “Uma interpretação extensiva do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, conduz a que seja admissível recurso para o STJ da pena parcelar de 2 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de associação criminosa, quando as demais penas parcelares sejam todas elas excedentes a 5 anos de prisão”; Acórdão de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª Secção, com voto de vencida da Exma. Adjunta e voto de desempate do Presidente da Secção (em causa a prática de 15 crimes, sendo treze punidos com penas de 4 a 10 meses de prisão e pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 5 anos, sendo as penas mais gravosas aplicadas pela prática de dois crimes de incêndio, um primeiro punido com 2 anos e 5 meses de prisão e um outro, com 4 anos de prisão, e, a final, na pena conjunta de 6 anos e 8 meses de prisão), afirmando-se: “A alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que a pena conjunta seja superior a 5 anos de prisão”. Concretizando o voto de vencida: “Entende-se, em suma, que não é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso, cabendo, antes, a competência para dele conhecer à Relação” – [Este acórdão foi convocado pelo Ministério Público na Comarca de Braga, em defesa do recurso directo, na conclusão 4.ª da resposta apresentada ao recurso interposto pelo arguido]; Acórdão de 10-09-2014, proferido no processo n.º 440/13.5POLSB.L1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 169 (O STJ tem competência para conhecer da condenação de todas as penas parcelares se a subsequente pena única for superior a cinco anos de prisão), com declaração de voto no sentido de a competência pertencer à Relação; Acórdão de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 180, conhecendo da condenação em relação a todas as penas parcelares, independentemente do seu quantum, com voto de vencido, que teria decidido pela competência da Relação. Neste sentido pode ver-se o acórdão de 21 de Janeiro de 2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1, com admissibilidade de recurso directo para o STJ, onde referindo-se variadíssimos acórdãos assumindo a mesma posição, se concluiu no sentido de optar pela solução de ampla recorribilidade, cabendo ao STJ, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de colectivo ou tribunal de júri e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – pena única ou única e parcelar(es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Assim, no concreto caso, em que a arguida fora condenada pela prática de um crime de peculato, na forma continuada, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão e de crime de falsificação de documento, na forma continuada, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, foram reduzidas as penas parcelares, fixando-se a pena única em 5 anos de prisão, suspensa na execução, com sujeição a regime de prova e pagamento de determinada quantia. Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer de todas as questões suscitadas, incluindo as referentes aos crimes a que couberam penas inferiores a cinco anos de prisão. No acórdão de 23 de Setembro de 2015, processo n.º 318/11.7GFVFX.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, é reduzida a pena do crime de homicídio de 14 para 12 anos de prisão e na fundamentação e dispositivo diz-se manter a pena de um ano de prisão aplicada pelo crime de profanação de cadáver. No acórdão de 30 de Setembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1, estavam em causa 6 crimes de abuso sexual de criança, sendo um sancionado com 8 anos de prisão, outro com a pena de 5 anos e 2 meses de prisão e os restantes com penas entre 1 ano e 6 meses e 4 anos de prisão e ainda um crime de actos sexuais com adolescente, sancionado com 2 anos de prisão, sendo a pena única de 14 anos de prisão. Foi apreciada a questão da alegada ilegitimidade do Ministério Público em relação aos dois tipos de crime, que foi afastada, a questão da determinação do número de crimes (concurso real ou crime único de trato sucessivo), que foi mantido, e a medida das penas parcelares, sendo fixada pena única de 12 anos de prisão. E ainda o acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, sendo que no caso então em apreciação, a pena conjunta aplicada ao recorrente era de 9 anos e 6 meses de prisão. O recorrente cingia o pedido de reapreciação aos dois crimes de abuso sexual de criança, agravado, de trato sucessivo, pretendendo a unificação, tendo sido aplicada a pena de 6 anos de prisão pela prática de um deles e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do outro, defendendo haver uma ligação inextricável entre eles. Na sequência defendia abaixamento da medida da pena única. Concluiu-se então: “Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer das questões suscitadas a propósito dos dois crimes de abuso sexual de crianças, agravado, de trato sucessivo, incluindo as referentes ao crime a que coube pena inferior a cinco anos de prisão, acrescendo a requalificação jurídica do crime de violação, agravada, na forma tentada, em que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão”. Foi julgado improcedente o recurso no que toca à pretendida unificação dos dois crimes de abuso sexual de criança, mas revogada a condenação pelo crime de violação, agravada, na forma tentada, convolado para crime de actos sexuais com adolescente agravado, na forma tentada, sendo o recorrente condenado na pena de 1 ano de prisão, com reflexo na pena única. Ainda do dia 28 de Outubro de 2015, no acórdão por nós relatado no processo n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1, estava em causa apreciação de recurso de um arguido condenado por tráfico de estupefacientes agravado e detenção de arma proibida, sancionado com 10 anos e 2 anos e 8 meses de prisão e pena única de 11 anos e 4 meses de prisão e recurso de um outro arguido condenado por tráfico simples na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto. O primeiro pretendia a desqualificação e o segundo a convolação para tráfico de menor gravidade e em ambos os casos redução das penas. Foi considerada patente a conexão de condutas de ambos, tendo-se apreciado as questões colocadas nos dois recursos. No acórdão de 25 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 455/13.3PLSNT.L1.S1, da 3.ª Secção, seguindo de perto o acórdão de 21-01-2015, processo n.º 12/09.9GDODM.S1, supra citado, para além da pena conjunta de 7 anos de prisão, foram apreciadas as questões colocadas quanto a crime de tráfico de estupefacientes punido com 4 anos e 6 meses de prisão, de roubo consumado, punido com 5 anos de prisão e de roubo tentado, sancionado com 2 anos, apreciando aqui a tentativa impossível. No acórdão de 4 de Fevereiro de 2016, processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, da 5.ª Secção, in CJSTJ 2016, tomo 1, pág. 250, com um voto de vencida, considerou-se que o STJ cobra competência para conhecer do recurso quanto à pena de um ano de prisão, aplicada pelo cometimento do crime de detenção de arma proibida, estando em causa escolha entre prisão e multa. No acórdão de 2 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 8/08.8GALNH.L1.S1 (processo oriundo, como a nomenclatura LNH indica, da ex-Comarca da Lourinhã, fazendo-se o julgamento em Torres Vedras, aonde não se deslocaram, por falta de meios, alguns dos intervenientes processuais, incluindo arguidos), estavam em causa um crime de sequestro, sancionado com a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, um crime de roubo agravado, sancionado com a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e um crime de burla informática, na forma tentada, punido com a pena de 6 meses de prisão, e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, punido com 4 meses de prisão (este não questionado), sendo a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão. Neste Supremo Tribunal os arguidos foram absolvidos do crime de burla informática tentada (com extensão do julgado a arguida não recorrente, nos termos do artigo 402.º, n.º 1, alínea a), do CPP), tendo sido reduzida a pena do roubo agravado e a pena única e suspensas as penas aplicadas. No acórdão de 9 de Março de 2016, processo n.º 50/12.4SMLSB.L1.S1, por nós relatado, o recorrente pretendia redução das penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes (6 anos) e pelo crime de detenção de arma proibida (1 ano e 6 meses), para níveis próximos dos mínimos legais. Foi apreciada a medida da pena que puniu a detenção de arma proibida, a qual foi mantida. No acórdão de 17 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 77/14.1P6PRT.S1, estavam em reapreciação várias penas inferiores a 5 anos de prisão por furtos qualificados, cometidos em Braga. No acórdão de 28 de Abril de 2016, por nós relatado no processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, versando crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, vinha o arguido condenado, respectivamente, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 3 anos e 3 meses de prisão e na pena única de 8 anos, tendo-se conhecido igualmente da pena inferior, que foi reduzida para 2 anos de prisão, passando a pena única a 7 anos de prisão. No acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 252/14.9JACBR.S1 - 3.ª Secção - foi apreciada a matéria relativa à prática de 5 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 e 2 do CP, cada um deles na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; 1 crime de coacção agravada, na forma tentada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão e um crime de ameaça agravada, na forma continuada, na pena de 10 meses de prisão e pena única de 9 anos de prisão. No acórdão de 23 de Junho de 2016, processo n.º 181/15.9JAFAR.S1 – em causa violação agravada e ameaça agravada, apreciadas e mantidas as penas de 7 anos e de 1 ano de prisão, e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, conhecendo da opção por pena de prisão, em detrimento de multa - artigo 70.º do Código Penal -, quanto à ameaça agravada. No acórdão de 7 de Julho de 2016, processo n.º 444/14.0PBEVR.S1-3.ª, em causa a reapreciação das penas de 5 anos de prisão aplicada por violação tentada e 9 meses por violação de domicílio e pena única de 5 anos e 6 meses, com escolha de espécie de pena quanto ao segundo, sendo reduzidas as penas parcelares para 3 anos e 10 meses de prisão e 6 meses de prisão e a pena única para 4 anos de prisão efectiva. No acórdão de 7 de Setembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, em recurso dirigido por ambos os arguidos ao Tribunal da Relação do Porto, estando em causa a reapreciação de duas penas de homicídio qualificado e de duas penas pelo crime de roubo agravado, de 5 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, estas foram igualmente reapreciadas e mantidas. No acórdão de 26 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 3367/15.2JAPRTS1, da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, o arguido foi condenado pela autoria de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão e de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Contrariando a posição da Exma. Procuradora-Geral Adjunta que defendia a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça e a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, foi declarada a competência do STJ, citando-se: “Como salienta Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, 2016, 2.ª edição revista, Almedina, p. 1508, nota 5 (3.º parágrafo): “A jurisprudência largamente maioritária, porém, assente em boas razões, mormente a necessidade de dar corpo ao inegável direito, ao menos, a um grau de recurso por banda do recorrente, vem entendendo que, em tais casos, o Supremo deve conhecer de todas as penas aplicadas, mesmo que alguma ou algumas delas sejam inferiores aos falados cinco anos de prisão. Aliás, como o postulado pelo artigo 402º, nº 1.” No acórdão de 14 de Dezembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, estavam em causa cinco crimes de violência doméstica, um sobre companheira e sobre quatro filhos, sancionados com as penas de 4 anos e 3 meses de prisão, 2 anos e 9 meses, 2 anos e 3 meses, 2 anos e 3 meses e 2 anos, e pena única de 7 anos, tendo sido apreciadas as penas parcelares e pena única, que foram mantidas, bem como foi mantida a duração do período marcado na pena acessória. No acórdão de 18 de Janeiro de 2017, por nós relatado no processo n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1, em causa a apreciação de penas aplicadas a tráfico de estupefacientes, branqueamento e resistência e coacção sobre funcionário, punidos com 7, 3 e 2 anos de prisão e pena única de 8 anos e 6 meses, tendo sido reduzida a pena do crime de branqueamento para 2 anos e 8 meses de prisão, mantidas as restantes e fixada a pena única de 7 anos e 4 meses de prisão. No acórdão de 5 de Abril de 2017, por nós relatado no processo n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1, estavam em concurso vários crimes, concretamente, um único crime de burla agravada, abarcando 34 situações, três crimes de furto simples, dois crimes de roubo simples, dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, um crime de violência após subtracção e dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, todos punidos com penas inferiores a 5 anos de prisão, concretamente, três penas de 3 meses, duas penas de 10 meses, uma pena de 1 ano e 2 meses, uma pena de 1 ano e 4 meses, três penas de 1 ano e 6 meses, uma pena de 2 anos e uma pena de 4 anos e 2 meses de prisão, sendo aplicada a pena única de 8 anos de prisão. No caso, concluiu-se, como no acórdão de 18-01-2017: “Optamos pela solução de ampla recorribilidade e competência alargada de cognição, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos [seja pena única, ou pena única e alguma (s) pena (s) parcelar (es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Tal posição corresponde, como resulta do exposto, ao que é assumido em termos largamente maioritários, em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal”. A uniformização Como referimos supra, no acórdão de 14-10-2015, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, com vista a fixação de jurisprudência, foi reconhecido haver oposição de julgados entre esse acórdão recorrido e o acórdão de 21-11-2012, proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, apontado como acórdão - fundamento. No âmbito do processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 27 de Abril de 2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 120, de 23 de Junho de 2017, págs. 3170 a 3187, com um voto de vencida, foi fixada a seguinte jurisprudência: “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas”. No acórdão de 22-11-2017, por nós relatado no processo n.º 731/15.0JABRG.S1, versando incêndio florestal, na apreciação de recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido, concluiu-se: “Optamos pela solução de ampla recorribilidade e competência alargada de cognição, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos [seja pena única, ou pena única e alguma (s) pena (s) parcelar (es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Tal posição corresponde, como resulta do exposto, ao que vinha sendo assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal (aliás, em registo de unanimidade nesta 3.ª Secção, desde o acórdão de 7-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1, e assumido pelo mesmo Relator, desde o acórdão de 26-03-2008, relatado no processo n.º 4833/07), afirmando-se, outrossim, a plena validade, vigência e eficácia da jurisprudência ora fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 27 de Abril de 2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 120, de 23 de Junho de 2017”. Do mesmo modo foi renovada tal conclusão no acórdão de 9 de Maio de 2018, por nós relatado no processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1, que ora seguimos de perto. Por ora, volta a renovar-se tal conclusão. ******* Decidida a questão prévia da recorribilidade nas duas vertentes em causa – recurso directo/definição do tribunal ad quem e definição dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão –, há que passar à análise das questões propostas a reapreciação no presente recurso. Questão I – Determinação da medida das penas parcelares – Redução? Esta pretensão do recorrente está sintetizada nas conclusões 1.ª a 34.ª, pugnando o recorrente por redução das penas parcelares e fixação da pena única em cinco anos de prisão, na conclusão 34.ª. Passando, pois, à determinação da medida concreta das penas. A moldura abstracta penal cabível aos sete crimes de roubo simples consumados, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, é de prisão de um a oito anos. Para o crime de roubo simples, na forma tentada, a moldura é, de acordo com o disposto nos artigos 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 41.º, n.º 1 e 210.º, n.º 1, do Código Penal, de prisão de um mês a 5 anos e 4 meses (e não a avançada pelo tribunal recorrido, de 1 ano a 5 anos e 4 meses de prisão, pois a ser assim, o limite mínimo não seria reduzido, sendo o mínimo legal previsto no artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal – um mês). Dentro destas molduras funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. *** No domínio da versão originária do Código Penal de 1982 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 – artigo 2.º), alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição inicial os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 3 8627- 3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério – graduação da pena concreta a partir da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta – foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e pelo Advogado Alfredo Gaspar, neste caso, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Maio de 1985 (onde foi defendido: “são de dosear as penas respectivas em medida um tanto superior ao ponto médio entre os limites mínimos e máximos legais, até mais perto dos máximos…”), in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Novembro de 1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73, onde foi ponderado: “A individualização judicial da pena pressupõe proporcionalidade entre aquela e a culpabilidade, não sendo correcto utilizar, como ponto de partida na graduação da pena, a média entre os limites mínimo e máximo da pena”. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, proferido no processo n.º 46.701, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255, citando o acórdão de 18-10-1989, proferido no processo n.º 40.101, assinalando que a medida da pena é questão de direito e não de facto, valendo a máxima latina «da mihi facta dabo tibi jus». E no acórdão de 27-02-1991, in Actualidade Jurídica, ano 3.º, n.ºs 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, proferido no processo n.º 47.549, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que “na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar”. No aludido acórdão de 15 de Fevereiro de 1995, versando caso de crime de roubo, foi afirmado: “Para a determinação do quantum da pena não se deve partir do «meio da moldura penal aplicável», agravando ou atenuando depois em função das circunstâncias. A determinação da pena é feita em função da culpa e da prevenção”. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, processo n.º 42 040, BMJ n.º 410, pág. 360, podendo ler-se neste: “Na determinação da medida da pena concreta, a culpa perfila-se como primeiro e inviolável princípio, a conjugar a reprovação com a dissuasão (individual e colectiva) e com a reinserção social (na esfera da prevenção especial). Funciona, a respeito, uma simbiose de diversas solicitações, em interacção, cujas fronteiras se demarcam por um limite mínimo (já adequado à culpa) e por um limite máximo (ainda adequado à culpa), dentro de critério que muito tem a ver com a teoria da margem de liberdade, formulada por Roxin”. Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”. Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial). A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP). Jorge Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial». Américo A. Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. O Autor, em 1985, em “Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal. Análise Histórica, Sentido e Limites”, Coimbra, 1985, pág. 96, nota 172, defendera que a culpa não é uma grandeza matemática. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito. Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena». Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”. Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo Relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial». Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos sumariados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo Relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo Relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 - 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, processo n.º 478/06-3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 1, págs. 222/5; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07–3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08 – 3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta Secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª Secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07 – 3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª Secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09 –3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB – 3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1 –3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1 – 3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1 – 3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1 – 3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1-3.ª; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1-3.ª; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1-3.ª; de 15-02-2017, processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1-3.ª; de 21-03-2018, processo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª Secção. Como enunciou o acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1: “A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”. Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, processo n.º 2537/05, da 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, em caso de homicídio qualificado, na forma tentada, afirma-se: “Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04, da 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (SASTJ), n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 16-01-2008, proferido no processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção (e igualmente no acórdão do mesmo Relator de 13-01-2011, processo n.º 369/09.1JELSB.L1.S1-3.ª Secção): «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente». Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção. Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pág. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum]. Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”. Revertendo ao caso concreto. Na 1.ª instância pela prática de sete crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, perante uma moldura de 1 ano a 8 anos de prisão, foram fixadas ao arguido, ora recorrente, as penas de 3 anos de prisão, de 2 anos, por cinco vezes, de 2 anos e 2 meses, e pelo crime tentado, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. Sobre a determinação da medida concreta das penas aplicadas ao ora recorrente, afirmando ser a moldura do roubo tentado de 1 a 5 anos e 4 meses de prisão - fls. 1029 verso - discorreu o acórdão recorrido, a fls. 1030 a 1031, nestes termos: «As exigências de prevenção geral apresentam-se de crucial importância no tipo legal de crime em causa (prática de factos ilícitos-típicos de apropriação mediante violência de propriedade alheia), porquanto a verificação deste crime é frequente, causando elevada inquietude social (considerando o elevado número desse género que ocorrem no país e na presente comarca), pelo que urge combater a ideia que se vai generalizando na comunidade de que nada acontece aos delinquentes e que o crime compensa. No caso concreto, temos de considerar o seguinte: - as exigências de prevenção geral (relativas à comunidade e à sua confiança na validade das normas violadas pelo arguido): no caso concreto são bastante elevadas atendendo ao conhecido (facto público e notório) elevado número de crimes praticados nesta Comarca e no país de apropriação mediante violência de propriedade alheia, bem como o crescente impacto que os crimes desta natureza tendem a provocar na população em geral, gerando receios e desconfiança (com efeito, como já supra e disse, importa combater a cada vez mais forte convicção existente na comunidade de que nada acontece aos delinquentes e que o crime compensa). Impõe-se assim que os tribunais transmitam para a sociedade que esse crime tem consequências severas para quem o pratica; - as exigências de prevenção especial relativas ao arguido AA: no caso concreto são bastante elevadas atendendo ao facto do mencionado arguido ter registadas várias condutas criminosas no seu certificado do registo criminal (atente-se na prática dos crimes de furto e uso de veículo, roubo, detenção de arma proibida e falsificação de documento, ofensa à integridade física por negligência em acidente de viação, condução de veículo em estado de embriaguez, abuso de confiança fiscal e desobediência) tendo já sido condenado em penas privativas e não privativas de liberdade, o que não logrou dissuadir o arguido do cometimento de outros crimes, ao que acresce a circunstância de alguns dos crimes registados no CRC terem sido praticados em datas relativamente próximas; - o grau de ilicitude médio-elevado, considerando, mormente, o modo de execução, e os valores monetários em causa; - o grau intenso da culpa do arguido, o qual perpetrou com dolo as suas condutas; - ao facto do arguido ter confessado quase integralmente os factos; - ao relativamente baixo valor subtraído ao seu legítimo proprietário; e - à circunstância do arguido não ter reparado, no todo ou em parte, o mal causado aos ofendidos nem lhes ter oportunamente pedido desculpa. O passado (em alguns casos recente) de prática de vários crimes revela que o arguido tem uma personalidade relativamente alheada do dever-ser jurídico-penal, ignorando repetidamente as sucessivas advertências que lhe vêm sendo feitas através das decisões judiciais condenatórias, manifestando assim profundo desprezo pelas mesmas e pela normatividade jurídico-penal. Tendo em consideração os fatores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar: - a pena de 3 (três) anos de prisão pela prática, em 27/09/2018, de um crime de roubo (aqui de realçar o modo de execução com perpetração de agressões físicas, as quais demandaram para a sua cura/consolidação 15 dias, e o montante subtraído), cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.2 a 1.8; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em 17/10/2018, de um crime de roubo, cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.9 a 1.14; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em 21/10/2018, de um crime de roubo, cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.15 a 1.20; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em 25/10/2018, de um crime de roubo (aqui de realçar que apesar do montante subtraído ter sido relativamente baixo, a verdade é que a violência verbal utilizada foi elevada), cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.21 a 1.25; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em 26/10/2018, pelas 17h50, de um crime de roubo (aqui de realçar que apesar do reduzido montante subtraído, a verdade é que a violência verbal utilizada foi elevada), cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.26 a 1.30; - a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão pela prática, em 26/10/2018, pelas 18h45, de um crime de roubo, na forma tentada (aqui de realçar que apesar do reduzido montante subtraído, a verdade é que a violência verbal utilizada foi elevada), cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.31 a 1.35; - a pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em 05/11/2018, de um crime de roubo, cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.36 a 1.39; e - a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática, em 28/11/2018, de um crime de roubo (aqui de realçar o montante subtraído), cfr. supra o elenco dos factos provados nos pontos n.°s 1.40 a 1.44.». *** Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir as penas aplicadas. Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal ora posto em causa, ou seja, no crime de roubo simples (sete consumados e um na forma tentada). Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 127 “Aqui, pois, a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade da manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida”. Na sistematização do Código Penal em vigor, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, enquadra-se na categoria dos crimes contra o património (Título II, do Livro II - Parte especial), e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade (Capítulo II – artigos 203.º a 216.º). Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie em causa, a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade, nomeadamente, o direito à integridade pessoal, com tutela constitucional, abrangendo as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa - artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República - o qual consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, sendo o direito à integridade física e psíquica, à partida, um direito pessoal irrenunciável – assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º – Coimbra Editora, 2007, pág. 454. Na doutrina clássica, o roubo denominava-se rapina, que Bohmer definia nos seguintes termos: ”Est enim delictum publicum, quod res mobilis, per vim personae illatam, animo lucrifaciendi intervertitur”. Na antiga doutrina jurídica portuguesa, Pereira e Sousa, Classes dos Crimes, 2.ª edição, Lisboa, 1816, pág. 333, relativamente ao crime de roubo, escrevia: «Roubo é a tirada da coisa móvel para o fim do lucro com violência feita à pessoa», acrescentando ainda […] «Não é preciso, porém, que a violência seja levada ao último grau, mas bastam as ameaças, e os gestos, quando obrigado por elas o dono da coisa a entrega». Segundo Miguel Caeiro, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 18, pág. 15, versando sobre o tipo base/definição do então artigo 432.º do Código Penal de 1886 «… O roubo, por ser um crime complexo, não deixa de reproduzir integralmente os tipos legais que o formam. Nem da unificação deste resulta para o tipo complexo outra autonomia que não seja a respeitante à punição. Portanto, no artigo 432.º, encontra-se reproduzido o tipo legal do artigo 421.º, exceptuando o modo de execução». E acrescentava: «Seja pessoal ou patrimonial o elemento predominante do roubo, não se vê razão para a menor diversidade de conceitos sobre a situação jurídica do agente perante a coisa subtraída, embora esta seja por violências ou ameaças contra as pessoas…». Então o artigo 421.º reportava-se ao crime de furto e o modo de execução do roubo, segundo a descrição legal, consistia em a subtracção de coisa alheia se cometer com violência ou ameaça contra as pessoas. Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 85, o roubo constitui categoria típica autónoma, a comungar de características de furto e de extorsão, sendo sui generis o tipo face a eventualidade do duplo modo alternativo de comissão. Como refere Conceição Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 160, a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime - fim do roubo. Tal tipo de crime caracteriza-se como “um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais - o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - quer bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física, sendo que, em certas hipóteses, de roubo agravado, se põe em causa, ademais, o bem jurídico vida (art. 210.°, n.° 2, a), primeira parte, e n.° 3).”. Nesta análise importará reter que o crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo (na expressão de Antolesi «um típico crime pluri-ofensivo»), em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – artigo 70.º do Código Civil –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia. Cristina Líbano Monteiro, Roubo e Sequestro em Concurso Efectivo?, em crítica ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 2003, da 5.ª Secção, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, N.º 3, Julho-Setembro 2005, pág. 494, afirma: “O tipo legal do roubo provém, por assim dizer, de um concurso efectivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no art. 203º do Código Penal -, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida. O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. A acção social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais”. No plano da jurisprudência, há que ter em consideração os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, versando sobre os tipos legais do artigo 306.º do Código Penal de 1982 e artigo 210.º do Código Penal de 1995, ou seja, i. a., os acórdãos de 30-11-1983, BMJ, n.º 331, pág. 345; de 15-11-1989, BMJ, n.º 391, pág. 239; de 04-04-1991, BMJ, n.º 406, pág. 335; de 04-02-1993, BMJ, n.º 424, pág. 369; de 22-04-1993, BMJ n.º 426, pág. 250; de 16-06-1994, processo n.º 46 862, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 253 (o crime de roubo é um crime classificado na doutrina como complexo (V Mezger, Tratado, I, 394; Cuello Cálon, Derecho Penal, I, 636; F. Antolisei, Manual de Derecho Penal (trad. espanhola), 385); de 15-02-1995 (recurso n.º 44.846 e recurso n.º 47.549), publicados na CJSTJ 1995, tomo 1, págs. 205/215 e págs. 216/218; de 12-03-1997, processo n.º 198/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (SASTJ), n.º 9 – Março de 1997, pág. 69 (No crime de roubo há uma pluralidade de bens jurídicos violados: para além do ataque ao direito de propriedade, ataca-se também a liberdade); de 24-09-1997, processo n.º 1016/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 13 – Julho/Setembro de 1997, pág. 138 (No crime de roubo o agente viola uma pluralidade de bens jurídicos, entre os quais avultam a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção de coisas móveis alheias, mediante o emprego de violência ou ameaça contra as pessoas. Por isso mesmo, o roubo é “um típico crime pluriofensivo”); de 18-05-2006, proferido no processo n.º 1411/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, Tomo 2, pág. 185, que após assinalar o carácter complexivo e pluriofensivo do roubo, afirma: “Trata-se de um crime de processo típico, na medida em que o iter criminis, está expressis et appertis verbis, definido na descrição dos processos de subtracção: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir”; de 24-05-2006, processo n.º 1049/06 – 3.ª; de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª; de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª; de 2-05-2007, processo n.º 1024/07-3.ª; de 12-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2702/07 (No que respeita às consequências do roubo, há que distinguir as duas vertentes. Se bem que tenham sido praticamente nulas na perspectiva da componente patrimonial face à recuperação dos bens subtraídos e sua entrega ao dono, já apresenta maior grau de lesividade a conduta provada no que respeita aos direitos de personalidade do ofendido face às lesões físicas infligidas, sua extensão e sequelas, sendo elevado o grau de ilicitude); de 03-10-2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07, in CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 198; de 13-12-2007, por nós relatado no processo n.º 3210/07 (O crime de roubo é um crime complexo (porque segundo Luís Osório contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia – acórdãos do STJ, de 30-11-1983, BMJ 331, 345, de 15-11-1989, BMJ 391, 239, de 04-04-1991, BMJ 406, 335, de 04-02-1993, BMJ 424, 369, de 22-04-1993, BMJ 426, 250, de 15-02-1995 (dois), CJSTJ 1995, Tomo1, p. 205 e 216, de 18-05-2006, CJSTJ 2006, Tomo 2, p.185, de 24-05-2006, processo nº 1049/06 - 3ª, de 25-10-2006, processo 3042/06 - 3ª, de 24-01-2007, processo nº 4066/06 -3ª. – O direito à vida – bem supremo do homem – à liberdade – de decisão, de acção de movimentos – com os reflexos direitos à saúde, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego) e à integridade física, referem-se a bens eminentemente pessoais, que merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, no que ao caso importa, através do crime de roubo, merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º, 25.º, 27.º, 64.º da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade - artigo 70.º do Código Civil); de 17-04-2008, por nós relatado no processo n.º 1013/08 (roubo a idoso - reforma - pessoa especialmente indefesa); de 21-05-2008, processo n.º 1221/08-3.ª; de 16-10-2008, processo 221/08-5.ª Secção; de 26-11-2008, processo n.º 3548/08-3.ª, em que se define o roubo como crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, como infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente; de 27-01-2009, processo n.º 3853/08-3.ª; de 19-03-2009, processo n.º 381/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 939/07.2PYLSB.S1-3.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 07-04-2010, processo n.º 113/04.0GFLLE.E1.S1-3.ª; de 12-05-2010, processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 27-05-2010, processo n.º 474/09.4PSLSB.L1.S1-3.ª (O crime de roubo constitui um crime de resultado, que pressupõe a produção de um resultado como consequência da actividade do agente: a subtracção de coisa alheia com constrangimento para bens jurídicos pessoais); de 09-06-2010, por nós relatado no processo n.º 493/07.5PRLSB.L1.S1; de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT:S1-3.ª; de 20-10-2010, por nós relatado no processo n.º 845/09.6JDLSB-3.ª, de 10-11-2010, por nós relatado no processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 23-02-2011, por nós relatado no processo n.º 250/10.1PDAMD.S1-3.ª; de 13-04-2011, por nós relatado no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1; de 21-09-2011, processo n.º 137/06.2JAGRD.C1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 31-03-2011, por nós relatado no processo n.º 169/09.9SYLSB.S1-3.ª; de 21-12-2011, por nós relatado no processo n.º 595/10.0GFLLE.E1.S1; de 11-01-2012, por nós relatado no processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1 (processo originário da Lourinhã, relativo a assaltos a bancos, reapreciado no TRL, apresentado, e distribuído no Supremo Tribunal, como “recurso independente e em separado”); de 31-01-2012, por nós relatado no processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 4-07-2013, por nós relatado no processo n.º 31/11.5PEFAR.S1 (regime penal jovens adultos e vítima especialmente vulnerável); de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1 - 3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 280/13.1GARMR.S1 - 3.ª (O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados os primeiros, no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e de decisão e na integridade física, postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir); de 26-11-2014, por nós relatado no processo n.º 65/10.7PFALM.L1.S1; de 10-12-2014, por nós relatado no processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1 (Meninos de Deus); de 17-12-2014, por nós relatado no processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1; de 8-01-2015, por nós relatado no processo n.º 23/13.0SVLSB.L1.S1 (recurso directo – roubo qualificado e furto); de 11-02-2015, processo n.º 591/12.3GBTMR.E1.S1-3.ª Secção; de 17-06-2015, por nós relatado no processo n.º 161/12.6PBFAR.S1 (roubo, furto e TE); de 24-02-2016, por nós relatado no processo n.º 60/13.4PBVLG.P1.S1 (roubo, sequestro); de 02-03-2016, por nós relatado no processo n.º 8/08.8GALNH.L1.S1 (AUJ 8/2007, ampla recorribilidade – poderes cognitivos do STJ para penas iguais e inferiores a cinco anos - roubo, sequestro e burla informática); de 25-05-2016, por nós relatado no processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1 (roubo – duas vítimas – concurso real, crime único?); de 16-06-2016, por nós relatado no processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1 (PU); de 7-07-2016, processo n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1-3.ª Secção; de 13-07-2016, por nós relatado no processo n.º 101/12.2SVLSB.S1 (PU – roubos e condução ilegal); de 7-09-2016, por nós relatado no processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1 (recurso directo – homicídio qualificado e roubo agravado); de 9-11-2016, por nós relatado no processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1 (8 roubos qualificados – e não crime continuado – e detenção de arma proibida); de 15-02-2017, por nós relatado no processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1 (roubo, sequestro e coacção); de 9-03-2017, processo n.º 14392/15.3T8LRS.L1.S1-3.ª Secção; de 29-03-2017, por nós relatado nos processos n.º 2183/14.3JAPRT.P1.S1 (homicídio agravado, por uso de arma de fogo, roubo tentado e detenção de arma proibida) e 1227/14.3PASNT.L1.S1 (roubo agravado, falsificação, desobediência, condução perigosa e detenção de arma proibida); de 5-04-2017, por nós relatado no processo n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1 (burla qualificada, furto, roubo, condução perigosa, violação de imposições, violência após subtracção, resistência e coacção sobre funcionário); de 27-04-2017, por nós relatado no processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1 (roubo agravado, ofensa à integridade física grave e detenção de arma proibida); de 21-06-2017, por nós relatado no processo n.º 403/12.8JAAVR.G2.S1 (burla qualificada, roubo agravado e detenção de arma proibida); de 15-11-2017, por nós relatado no processo n.º 336/11.5GALSD.S1 (PU – roubo, sequestro, burla informática e condução ilegal); de 7-02-2018, por nós relatado no processo n.º 33/16.5GCETR.P1.S1 (roubo - simples e agravado, detenção de arma de fogo); de 5-04-2018, por nós relatado no processo n.º 3861/15.5JAPRT.P1.S1 (homicídio qualificado, na forma tentada – cobertor regado com gasolina, a que foi posto fogo –, roubo, sequestro e burla informática; o recurso do M.º P.º procede e a pena única de 11 anos, fixada pela Relação é elevada para 13 anos e 2 meses de prisão); de 9-05-2018, por nós relatado no processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 (recurso directo – AUJ 5/2017, roubos, te, valor patrimonial); de 18-09-2018, por nós relatado no processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1 (PU – concurso de roubos simples e sequestro); de 15-01-2019, processo n.º 542/11.2GBABF.S2 (PU – em concurso, roubos, furtos qualificados e simples e condução ilegal) e de 27-11-2019, por nós relatado no processo n.º 160/12.8GCSAT.S1 (PU – concurso de burlas e roubo). Analisando. Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal. No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram: a patrimonial e a pessoal. No crime de roubo, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, a extensão da lesão, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado, o quantum do prejuízo patrimonial causado, é fundamental ter em conta o valor patrimonial dos bens objecto de apropriação, o que no caso se justifica, atentos os diversos valores em presença, que vão de 4,50 € (quatro euros e cinquenta cêntimos) a 3.049,00 €. Vertente patrimonial O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima. (A este respeito, cfr. os acórdãos por nós relatados, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1; de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1; de 11-05-2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1, de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 e de 9-05-2019, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1, versando convolação de burla para furto). Para Teresa Beleza, Os crimes contra a propriedade, pág. 235, o conceito de valor é estranho ao tipo base do furto. Sobre a agravante em função do valor da coisa subtraída, Frederico de Lacerda da Costa Pinto, em Aspectos da Tutela Penal do Património, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal - 1995 (Conferências proferidas no Porto, em 30 e 31 de Outubro de 1995, em Lisboa, de 23 a 25 de Novembro de 1995, e no Funchal, em 2 de Maio de 1996), volume II, Centro de Estudos Judiciais, Lisboa, 1998, págs. 486 a 489, afirma: “a insistência na agravante em função do valor do objecto furtado não teve consagração pacífica na Comissão Revisora. Contra ela se objectou ser das agravantes mais dificilmente conciliáveis com o regime legal do dolo, que exige o conhecimento da mesma como condição da sua imputação ao agente (artigo 13.º do Código Penal). Pelo que a sua manutenção acabará por conduzir na prática judicial à aplicação automática da agravação, entenda-se, independentemente da consciência sobre o grau de valor do objecto. Noutros termos, como um caso de responsabilidade objectiva. Daí a proposta de Figueiredo Dias no sentido de que o valor funcionasse apenas como agravante concreta na determinação da medida da pena”. A motivação do agente permite negar o dolo da circunstância qualificadora, pelo que esta não pode ser imputada subjectivamente. Evolução dos contornos do conceito de valor patrimonial, presente no crime de furto, mas também nos crimes de roubo, de burla, de dano, de infidelidade. Esta abordagem justifica-se, e impõe-se, mesmo, a nosso ver, face aos valores apropriados pelo recorrente, que vão, como se disse, de 4,50 € a 3.049,00 €. No domínio do Código Penal de 1886, imperava, no que respeita ao crime de furto, o esquema de modelo de escalões de valor pecuniário, em via directa, a determinar as molduras penais – artigos 421.º, 422.º, 423.º, 425.º, 427.º, 428.º e 430.º – o mesmo sucedendo no Decreto-Lei n.º 44.939, de 27 de Março de 1963, reportado a crimes de furto de veículos e furtum usus dos mesmos, uns e outros com as actualizações/elevações de montantes constantes dos artigos 1.º, 2.º e 4.º, da Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto (neste caso os valores mínimos e máximos dos escalões penais do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44.939 haviam sido elevados ao dobro pelo artigo 3.º da Lei n.º 2138, de 14 de Março de 1969) –, bem como no que tange ao crime de roubo, a regra geral de punição do roubo, constante do artigo 437.º, que, para além da punição autónoma dos tipos autónomos dos artigos 433.º a 436.º, a que eram alheias considerações acerca do valor da coisa apropriada, delas prescindindo, estabelecia que «Fora dos casos declarados nos artigos 433.º a 436.º, será aplicável a pena imediatamente superior à correspondente ao crime de furto, tendo em atenção o valor da coisa», retomando o critério da punição em função do “valor da coisa”. A partir de 1 de Janeiro de 1983, com a entrada em vigor do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, a medida da punição deixou de depender directamente do valor da coisa furtada, salvo no caso de se tratar de coisa de valor consideravelmente elevado. No que tange ao crime de furto, no Código Penal de 1982, para o conceito valor da coisa furtada não havia meio termo: a previsão normativa de então considerava duas vertentes colocadas nos extremos da qualificação, com junção de tal elemento “valor consideravelmente elevado”, e da desqualificação, ou “valor insignificante”. No artigo 297.º, prevendo o furto qualificado, no n.º 1, alínea a), constava o “valor consideravelmente elevado”, igualmente previsto no n.º 3 do artigo 303.º do mesmo Código Penal, referente ao furto familiar. Dispunha o n.º 3 do artigo 297.º: “Se a coisa for de insignificante valor, não haverá lugar à qualificação”. A desqualificação era possível, obviamente, à luz das agravativas previstas nas alíneas b) a g) do n.º 1 e alíneas a) a h) do n.º 2. Nesta versão pontificava o recurso a conceitos indeterminados, ou a cláusulas gerais de valor, ou a adopção de conceitos normativos, como neste plano o do artigo 298.º do Código Penal de 1982, todavia restrito a definição dos conceitos de arrombamento, escalamento e chaves falsas, deixando entretanto à jurisprudência a densificação do único reporte a dimensão patrimonial, na busca de um novo paradigma, como é o caso do recurso ao conceito de valor consideravelmente elevado, constante do artigo 297.º, n.º 1, alínea a), circunstância a qualificar o furto, e do n.º 3 do artigo 303.º, norma respeitante ao furto familiar, todavia, sem perder a qualificação de crime semi-público, e ainda por remissão, a norma aplicável presente no artigo 299.º, que previa o furto de coisa pertencente ao sector público ou cooperativo, em que os limites mínimo e máximo das penas previstas, não nos artigos anteriores, como diz expressamente (e erroneamente) o preceito, pois que o artigo 298.º cuida, apenas, em exclusivo, de definições legais, mas antes no igualmente imediato antecedente artigo 297.º, referentes ao furto qualificado, eram agravados até um terço – norma, por seu turno, aplicável ao crime de abuso de confiança, por via do n.º 3 do artigo 300.º e estando o valor consideravelmente elevado presente no crime de roubo, por força do n.º 5 do artigo 306.º, aplicável ao crime de violência depois de apropriação previsto no artigo 307.º, na burla, por força da aplicação do artigo 303.º (furto familiar) conforme o disposto no n.º 2 do artigo 313.º, na burla agravada, prevista no artigo 314.º, alínea c), referindo expressamente valor do prejuízo consideravelmente elevado, na burla relativa a seguros, prevista no artigo 315.º n.º 2, por reporte à alínea c) do artigo 314.º, na infidelidade, por força da aplicação do artigo 303.º, n.º 3 (furto familiar), conforme o disposto no n.º 2 do artigo 319.º. A este nível, não será despiciendo convocar outros conceitos de valoração de ordem patrimonial, como o de «pequeno valor», presente nos artigos 301.º (Restituição), n.º 2, estando em causa a restituição do objecto do furto ou da apropriação ilícita ou reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro pelo agente, antes de instaurado o procedimento criminal, 302.º, n.º s 1 e 2, norma respeitante ao crime de furto por necessidade e formigueiro, no crime de dano, no sentido de atenuação, no artigo 310.º, n.º 2 “se o prejuízo for de pequeno valor”, e aplicável ao crime de burla, por força do artigo 313.º, n.º 2, ao remeter para o artigo 301.º; ao crime de burla relativa a seguros, por força do n.º 3 do artigo 315.º, ao mandar aplicar o disposto no artigo 301.º; por força do n.º 2 do artigo 316.º, ao crime de burla para obtenção de bebidas, alimentos, alojamento ou acesso a recintos e meios de transporte, ao determinar a aplicação do artigo 302.º, e finalmente, ao crime de infidelidade, previsto no artigo 319.º, por força do n.º 2, ao determinar a aplicação do artigo 301.º. Ao tempo, a jurisprudência procurou definir padrões no que toca ao valor insignificante, e assim: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 618 – Insignificante valor, para os fins do artigo 297.º do Código Penal, deverá ser aquele que facilmente seja desprezado pela generalidade das pessoas do mesmo meio em que se verifica o facto, o que não sucede com uma quantia monetária que quase atinge o montante do salário mínimo nacional de um grande sector activo do País, como é o do serviço doméstico. Acórdãos (dois) do Tribunal da Relação do Porto, de 7-12-1983, BMJ n.º 332, págs. 510 e 511 – referiam não poder confundir-se o insignificante valor com o pequeno valor. Não é insignificante valor uma quantia que representa, em média, para cada português, oito dias de trabalho. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-03-1985, BMJ n.º 352, pág. 423 - não é de considerar como valor insignificante o valor de 4.498$10, reportado a Dezembro de 1983. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-07-1983, primeira decisão publicada sobre a matéria no BMJ n.º 329, pág. 423, a propósito da noção de valor insignificante, num caso de furto de um aparelho de telefonia no valor de 100$00, e de 1700$00 em dinheiro, cometido em Abril de 1982, entendeu não ser de ter como insignificante o valor da subtração – 1800$00, quantia correspondente a cerca de 3 dias de salário mínimo nacional. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-03-1985, publicado no BMJ n.º 345, pág. 232, entendeu-se: “O valor de 1020$00, para pessoas pobres, como o são o ofendido e o réu, não é de considerar insignificante. Especialmente não o era na época em que foi cometido o crime [Julho de 1981], na qual correspondia a mais de 3 dias de salário mínimo nacional (então de 9.000$00 – Decreto-Lei n.º 480/80, de 15 de Outubro); nem o é ainda agora em que equivale a cerca de dia e meio desse salário (de 19.200$00 – Decreto-Lei n.º 49/85, de 27 de Fevereiro). No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-1985, recurso n.º 37 834, publicado no BMJ n.º 347, pág. 203, não se considerou como «insignificante valor» o equivalente a mais de dois dias de salário mínimo nacional, sendo o ofendido empregado de armazém e o dono de mercearia de aldeia, e o réu pobre. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1985, recurso n.º 37 933, não se consideraram como valores insignificantes as quantias de 3.700$00 e de 9.000$00, em Outubro de 1983. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1985, recurso n.º 37 947, não se consideraram insignificantes os valores de 3.000$00 e de 1.642$00, a partir da comparação entre o salário mínimo nacional do réu, simples trolha, e o valor das quantias em causa. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-1985, proferido no processo n.º 37 769, da 3.ª Secção, publicado no BMJ n.º 350, pág. 174, ponderou-se: – A expressão «insignificante valor» usada no n.º 3 do artigo 297.º do Código Penal equivale a um quantitativo mínimo, a fixar caso a caso pelo julgador, lançando mão do senso comum e jogando com critérios relacionados com índices objectivos, como a desvalorização da moeda, o nível médio dos salários e o salário mínimo nacional, e também com a situação económica dos próprios autores do crime. Não é de reputar de insignificante valor o furto de ferramentas no valor de 5.000$00, cometido em Março de 1983, quando o salário mínimo nacional era de 13.000$00 (Decreto-Lei n.º 47/83, de 29 de Janeiro). Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1-04-1987, Tribuna da Justiça, n.º 29, pág. 28, o sentido da expressão insignificante valor utilizada no artigo 297.º, n.º 3, do Código Penal, há-de relacionar-se com a satisfação das necessidades essenciais da vida do comum das pessoas, incluindo as menos desfavorecidas, pelo que a quantia não inferior a um dia de salário mínimo nacional tem significado ou releva para os efeitos do que aí se dispõe. Victor de Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, em anotação ao artigo 297.º, n.º 3, no n.º 19, pág. 338, dizia: “Valor insignificante é o que não tem importância ou interesse, a bagatela ou a ninharia, cuja perda se mostra carecida de relevo, pois atinente a algo de que se prescinde sem sacrifício. Trata-se, como já se tem decidido, de valor sem significado para a generalidade das pessoas de determinado meio, podendo ser desprezado pelo comum dos indivíduos, em função da sua índole irrisória ou mesquinha. Ainda assim, já ponderámos, a propósito. «É um terreno onde predomina alguma infixidez e onde a bagatela ou a ninharia pode tender para uma restrição excessiva do campo de acção da lei. Não podemos, manifestamente, sem risco de grave imoralidade, aceitar que se ultrapasse a diária do salário mínimo nacional e admitir, pois, a insignificância do quantitativo de 2.500$00. Há limites objectivos que, numa perspectiva de conteúdo social, têm de ser respeitados. Toda a correcção possível há-de funcionar apenas, em regra abaixo dos mesmos. E, in casu, o favor rei não deixa de abundar em ordem a admitir-se a insignificância dos 500$00». (Realces do texto). Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, em anotação ao artigo 203.º, no ponto 28, pág. 538, referem: “Sendo o furto, assim, um crime em cuja textura entra o valor patrimonial, põe-se a questão de saber se as bagatelas, valores irrisórios ou insignificantes, abaixo do valor diminuto [artigos 202.º, c), e 204.º, n.º4] podem fundamentar condenação por crime de furto. É o problema do «limiar de significado para o direito penal», expressiva denominação que se colhe em Faria Costa (ibidem, 46), onde se coloca a questão de saber se, v.g., um grão de trigo, um bago de uva, uma caixa de fósforos ou um maço de cigarros, uma vez furtados, dispõem ou não de dignidade penal e desencadeiam ou não carência de pena. (…) Sem entrarmos no terreno adjectivo diremos que o princípio bagatelar não consente a punição por furto, nos casos referidos, e que, subsistindo dúvidas, sempre se pode recorrer à dispensa de pena. Ainda assim, há-de tratar-se de casos que se situem abaixo do referido valor diminuto. (…) Há uma diferença clara entre bagatelas e valores diminutos. (Realces do texto). Citando Saragoça da Mata, no mesmo local, refere que nos casos que se situem abaixo do valor diminuto, no caso de bagatelas, “deverá deixar-se à prudência e bom-senso dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias a decisão de não investigar, não acusar, não pronunciar, não admitir a julgamento e muito menos condenar pela prática de furtos de bagos de uva ou de grãos de milho”. E daí a tal diferença entre bagatelas e valores diminutos. Reforma de 1995
Procurou-se com a reforma de 1995, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março de 1995, entrada em vigor em 1-10-1995, ao invés do sistema anterior da versão originária de 1982, assumir uma opção centrada numa definição quantificada de conceitos, reportada a um modelo de definições legais, a níveis quantificados e pré-fixados de valor pecuniário do objecto do crime. Significa isto que elemento preponderante, essencial, ou noutra perspectiva, elemento implícito do tipo legal, a ter em conta, é o valor pecuniário do objecto do crime de furto, ou do crime de roubo, quanto a este, atenta a “declaração de dependência” do roubo em relação aos critérios do furto, delineada na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º, onde manifestamente se expressam remissões para os requisitos referidos nos n.º s 1 e 2 do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo artigo, ou seja, são adoptados os critérios de quantificação no sentido de qualificação e de privilegiamento, uma vez que tal remissão opera tanto para a alínea a) do n.º 1 (definição de valor elevado), como para o n.º 2 (definição de valor consideravelmente elevado) do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo preceito, este no sentido do privilegiamento, dizendo não haver lugar a qualificação, se a coisa for de diminuto valor. O artigo 202.º do Código Penal, “Disposição preliminar” do Capítulo I do Título II - “Dos crimes contra o património” - do Livro II - Parte Especial, contém as definições legais que importam aos crimes contra a propriedade e contra o património em geral. No que ora importa, o preceito introduzido com a terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, em vigor desde 1 de Outubro de 1995, e que optou por uma definição quantificada de conceitos enquanto fundamentos de qualificação ou privilégio, obviamente, considerada a vertente patrimonial, escalona as seguintes espécies de valor a ter em consideração no enquadramento de tais crimes: a) Valor elevado – aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. b) Valor consideravelmente elevado – aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. c) Valor diminuto – aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto. Unidade de conta processual penal (UC), segundo a definição do artigo 1.º (Definições legais), n.º 1, alínea h), do Código de Processo Penal, na versão originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, era “quantia em dinheiro equivalente a um quarto do salário mínimo nacional mais elevado, garantido no momento da aplicação da sanção respectiva, arredondado, quando necessário, para a centena de escudos imediatamente superior”. Esta alínea veio a ser revogada pelo artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho. Procurando concretizar os conceitos introduzidos com a reforma de 1995, a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (Diário da República, I Série-A, n.º 202/98, de 2-09-1998), que introduziu a quarta alteração ao Código Penal, veio estabelecer no artigo 3.º que “Para efeito do disposto nas alíneas a), b) e c) do artigo 202.º do Código Penal, o valor da unidade de conta é o estabelecido nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho”. De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, deste Decreto-Lei, que alterou o Código das Custas Judiciais então vigente, criando a “unidade de conta processual” (UC), em substituição da unidade de conta processual penal (UC) e unidade de conta de custas (UCC), deveria entender-se «por unidade de conta processual (UC) a quantia em dinheiro equivalente a um quarto da remuneração mínima mensal mais elevada, garantida, no momento da condenação, aos trabalhadores por conta de outrem, arredondada, quando necessário, para o milhar de escudos mais próximo ou, se a proximidade for igual, para o milhar de escudos imediatamente inferior». (O artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, deu nova redacção ao preceito, operando a conversão para euros). E de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, a UC considerava-se, trienalmente, e com início em Janeiro de 1992, automaticamente actualizada nos termos previstos no artigo 5.º, a partir de 1 de Janeiro de 1992, devendo, para o efeito, atender-se sempre à remuneração mínima que, sem arredondamento, tivesse vigorado no dia 1 de Outubro do ano anterior. Estes dois preceitos foram mantidos em vigor pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro de 1996, que aprovou o Código das Custas Judiciais, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1997. A partir de 1998 volve-se a um paradigma de uma permanente actualização do valor pecuniário das sanções, e por reflexo na densificação das definições do artigo 202.º do Código Penal, sem necessidade de qualquer providência legislativa, passando a actualização dos quantitativos a ser automática.
Vejamos o valor da UC na sucessão de triénios, reportados, entre 1992 e 2009, ao valor do salário mínimo nacional.
1989 a 1991 – 7.000$00 – Valor fixado pelo artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho. 1992/1994 – 10.000$00 – Decreto-Lei n.º 14-B/91, de 9 de Janeiro (40.100$00) 1995/1997 – 12.000$00 – Decreto-Lei n.º 79/94, de 9 de Março (49.300$00) 1998/2000 – 14.000$00 – Decreto-Lei n.º 38/97, de 4 de Fevereiro (56.700$00) 2001/2003 – 16.000$00 – 79,81 € – Decreto-Lei n.º 573/99, de 30-12 (63.800$00) 2004/2006 – 89,00 € – Decreto-Lei n.º 320-C/2002, de 30-12 (€ 356,60) 2007/2009 – 96,00 € – Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30-12 (€ 385,90) 2009 – 102,00 € – Portaria n.º 9/2008, de 3 de Janeiro, Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 248, de 24-12-2008) e Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro – IAS 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, de 31-12-2009), como veremos de seguida. Ora, tendo os crimes de roubo em apreciação sido praticados entre 27 de Setembro de 2018 e 28 de Novembro de 2018, importará averiguar qual a medida de UC vigente nesse período. Com a entrada em vigor, em 20 de Abril de 2009, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º - o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo Decreto-Lei, a unidade de conta (UC), de acordo com o artigo 22.º do mesmo Decreto-Lei n.º 34/2008, na redacção do Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, passou a ser fixada em um quarto do valor do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente em Dezembro do ano anterior, arredondada à unidade Euro, sendo actualizada anualmente com base na taxa de actualização do IAS, devendo a primeira actualização ocorrer apenas em Janeiro de 2010, nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais. Este diploma, pelo artigo 25.º n.º 2, alínea f), revogou os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. No que para aqui releva, adiante-se que, segundo o n.º 2 do referido artigo 5.º, a UC é actualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor de UC respeitante ao ano anterior. Segundo a Portaria n.º 9/2008, de 3 de Janeiro – IAS 2008 –, o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2008 foi fixado em € 407,41, e a partir desse montante foi determinado o valor da UC (unidade de conta) para o ano seguinte – 2009 – em € 102,00 [0,25 x 407,41 €, arredondado à unidade de Euro]. Esta Portaria veio a ser revogada pela Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 248, de 24-12-2008), que fixou o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, em € 419, 22, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009 - artigos 2.º, 26.º e 27.º Estabelecia o citado artigo 2.º: «O valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, a que se refere o artigo 5.º da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, é de € 419, 22». Acontece que o Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de Dezembro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 248, de 24-12-2009, no artigo 1.º, veio suspender o regime de actualização anual do indexante dos apoios sociais (IAS) das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social, mantendo o valor de 2009. Com efeito, de acordo com o artigo 3.º (Valor do indexante dos apoios sociais) «O valor do IAS para o ano de 2010 é de € 419, 22». Este Decreto-Lei vigorou de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010 (artigo 8.º). A fim de evitar uma diminuição do valor nominal do IAS e do montante das pensões e de outras prestações a este indexadas tendo como objectivo garantir aos pensionistas com pensões mais baixas o aumento do poder de compra, como se colhe do preâmbulo, o Governo suspendeu os regimes de actualização previstos na Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento de 2007), de modo a que ficasse ao nível de 2009, assim evitando deterioração de valores. A Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro – IAS 2009 - (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, de 31-12-2009), produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010 (artigo 33.º) e revogando a Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro (artigo 34.º) – a qual, relembre-se, havia fixado o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, em € 419, 22, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009 –, veio declarar que o IAS mantinha o seu valor actual. Assim, a partir do dia 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais – artigo 26.º do Diploma Preambular (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com a alteração operada pela Lei do Orçamento de Estado de 2009 (citada Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) – a Unidade de Conta Processual (UC), porque reportada ao ano anterior (2008) é de computar em € 102,00. Caso se tivesse mantido o valor de 419,22, a UC seria de: € 419,22 x 0,25; ou € 419,22 x ¼; ou € 419,22:4 = 104,805 €, o que, por arredondamento, daria € 105,00. Por força da suspensão do regime de actualização anual do IAS, o valor da UC para vigorar no ano de 2010 foi de 102,00 €. O valor de € 102,00 tem sido mantido ao longo destes anos, através dos normativos que seguem. Por força do artigo 67.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12-2010 – Lei do Orçamento do Estado para 2011 – para vigorar no ano de 2011. Por força do artigo 79.º, alínea a), da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12-2011 – Lei do Orçamento do Estado para 2012 – para vigorar no ano de 2012. Por força do artigo 114.º, alínea a), da Lei n.º 66-B/2012, de 30-12-2012 – Lei do Orçamento do Estado para 2013 – para vigorar no ano de 2013. Por força do artigo 113.º, alínea a), da Lei n.º 83-C/2013, de 30-12-2013 – Lei do Orçamento do Estado para 2014 – para vigorar no ano de 2014. Por força do artigo 117.º, alínea a), da Lei n.º 82-B/2014, de 30-12-2013 – Lei do Orçamento do Estado para 2015 – para vigorar no ano de 2015. Por força do artigo 73.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30-03-2013 – para vigorar no ano de 2016. Conforme estabeleceu o artigo 266.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017), manteve-se em vigor para 2017 o valor da UC vigente em 2016. E conforme estabeleceu o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018), manteve-se em vigor para 2018 o valor da UC vigente em 2017. Conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), manteve-se em vigor para 2019 o valor da UC vigente em 2018. Actualmente, mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2019, conforme estabelece o artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento do Estado para 2020), publicada no Diário da República, 1.ª série, de 31-03-2020. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais. Em vigor, pois, o valor de € 102,00. Será, pois, este o valor a atender, para estes efeitos, considerando a data da prática dos factos ora em apreciação, donde se retira que valor diminuto será o correspondente a montante até 102,00 €, valor elevado, o que ultrapasse 5.100,00 € e valor consideravelmente elevado, o que ultrapassar o montante de 20.400,00 €. Como se reconhece no acórdão deste Supremo Tribunal de 10-02-2010, proferido no processo n.º 1353/07.5PTLSB.S1-3.ª Secção, citando Faria e Costa em “Direito Penal Especial”, págs. 71 e 72, «o valor dos bens é um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal». No caso de crime de roubo, em que a par de bens jurídicos patrimoniais se protege a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante. Por isso, é que ao contrário do consagrado para os crimes de furto e de abuso de confiança, onde a restituição da coisa ou a reparação integral é susceptível de extinguir a responsabilidade criminal ou suscitar a atenuação especial da pena (cfr. art. 206.º do CP), tais possibilidades não foram estendidas ao crime de roubo. O valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo». Sobre a relevância do aspecto do valor patrimonial da coisa na fixação da pena concreta do roubo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Maio de 2010, proferido por Rodrigues da Costa no processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª Secção, em que foi ponderado: “O valor patrimonial tem de ter relevância na fixação da pena concreta do roubo, que, sendo um crime complexo quanto à natureza dos bens jurídicos protegidos, é um crime em que o elemento patrimonial faz parte essencial do seu âmbito de tutela, estando mesmo integrado no título dos crimes contra o património e no capítulo dos crimes contra a propriedade. Deste modo, as penas terão que ser fixadas também em função dos valores de que os arguidos se apropriaram”. Como se pode ler no acórdão de 23 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 246/09.6GBLLE.S1-3.ª Secção: “A determinação do valor da coisa objecto de crime é essencial como pressuposto necessário de integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável (…) a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, na projecção material do in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que essa indeterminação tem de ser valorada a favor do recorrente”. Concretizando. Vejamos os valores apropriados nos sete roubos consumados praticados pelo arguido, ora recorrente, entre 27 de Setembro de 2018 e 28 de Novembro de 2018. NUIPC 1156/18… – € 900,00, em numerário; NUIPC 1267/18…. – € 400,00, em numerário, e telemóvel, no valor de cerca de 120,00 €; Total – 520,00 €; NUIPC 1433/18…. – € 380,00, em numerário, e maços de tabaco, no valor de cerca de 25,00 €; Total – 405,00 €; NUIPC 1305/18… – € 164,00, em numerário, e 3 maços de tabaco “LM”, no valor de € 13.50; Total – 177,50 €; NUIPC 846/18… – um maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €; NUIPC ? – Factos de 5-11-2018 – € 400,00, em numerário; NUIPC 1447/18… – € 1.500,00, em numerário, retirados da caixa registadora; bloco de raspadinhas, no valor de € 1.494,00 e vários maços de tabaco, avaliados em cerca de € 55,00; Total – 3.049,00 €. Roubo tentado NUIPC 848/18… – sem indicação de qualquer valor, apenas constando que o arguido queria a caixa registadora. Vertente pessoal Vejamos agora a vertente ofensa de bens pessoais. O que distingue, essencialmente, o furto do roubo, é a violência. Retira-se do acórdão deste Supremo Tribunal de 5-04-1995, proferido no processo n.º 47.796, BMJ n.º 446, pág. 38: “No crime de roubo a violência contra as pessoas é equiparada à ameaça de um perigo iminente para a integridade física ou para a vida do ofendido, criando no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal. Também é equiparado à violência o meio que proponha o sujeito passivo na impossibilidade de resistir, pressupondo processos físicos ou psíquicos que coloquem a vítima em situação de disponibilidade quanto ao agente pela sua incapacidade de oposição - violência imprópria”. Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 11-03-1998, proferido no processo n.º 20/98-3.ª Secção, BMJ n.º 475, pág. 217, versando roubo por esticão, no crime de roubo, a violência ou ameaça não tem que ter especial intensidade, basta que seja idónea para por o ofendido num estado de coacção absoluta, sem poder resistir. E de acordo com o acórdão de 28-05-1998, proferido no processo n.º 320/98- 3.ª Secção, BMJ n.º 477, pág. 136, a violência tem um sentido muito amplo, incluindo qualquer violência, mesmo a moral ou psicológica. Como refere Conceição Ferreira da Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 172: “No roubo não basta o emprego de violência, ameaça ou a colocação de outrem na impossibilidade de resistir; é necessário que se possa afirmar um nexo de imputação entre o conseguir a coisa móvel alheia e os meios utilizados e, assim, que esses meios tenham provocado um efectivo constrangimento à entrega do bem ou um efectivo constrangimento à tolerância da sua subtracção”. Nos casos analisados não há coincidência entre o titular do património e o titular dos direitos de personalidade afectados com a conduta ameaçadora do arguido; apenas no caso do maço de tabaco no valor de € 4,50 coincide, pois o funcionário FF retirou - o das calças e não de expositor da loja, assim com as chaves da residência, apoderando-se o arguido apenas do tabaco. Sujeito passivo do crime pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo, o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem, a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física - Conceição Ferreira da Cunha, ibidem, págs. 163 e 179. Neste particular da vertente da colisão do vector pessoal com violação de direitos de personalidade, como o direito à saúde e integridade física da vítima, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou. A este nível há a considerar o modo de actuação do recorrente, sendo os roubos perpetrados mediante contacto directo do recorrente com os funcionários dos estabelecimentos e com intimidação e concretização de ofensa corporal no primeiro caso. Nos sete roubos consumados o arguido dirigiu-se a postos de abastecimento de combustível de ..., por quatro vezes, e de …., por três vezes (da Galp, por três vezes, da Repsol, da Cepsa, e da BP, por duas vezes), na maioria dos casos à noite, sendo pelas 17h50, no dia 26-10-2018, dirigindo-se encapuzado aos funcionários que se encontravam nessas instalações, sozinhos, e dando a entender, quando se lhes dirigia, que seria detentor de arma, quedando-se na maioria dos casos por ameaças. Como vimos, não ficou provado que o arguido tivesse feito uso de “uma réplica de arma de fogo”, constando do dispositivo, na alínea M), a declaração de perda a favor do Estado de uma “pistola de brinquedo em plástico” apreendida na casa do arguido no âmbito de busca domiciliária realizada em 14-03-2019, como consta do FP 1.45, com referência a fls. 1035, a justificar a declaração de perda e sua destruição. A pistola (brinquedo em plástico) é mencionada na guia de objectos apreendidos de fls. 875/6. Aliás, o Ministério Público não acusou pela agravativa prevista no artigo 204.º, n.º 2, alínea f) - Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta -, aplicável ao crime de roubo, por força do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal. Nesta componente pessoal de agressão a direitos de personalidade releva justamente o primeiro caso, em 27-09-2018, em que o recorrente se fazia acompanhar de outro indivíduo, com agressão ao funcionário BB, com golpes na face e na cabeça, de que resultou edema do lábio superior, quando se encontravam no chão, lesão que demandou para sua cura/consolidação 15 dias, sem afectação da capacidade geral ou profissional. Nas restantes situações, ocorridas em 17-10-2018, em 21-10-2018, em 25-10-2018, em 5-11-2018 e em 28-11-2018, os funcionários cederam, por recearem pela sua vida ou integridade física, sendo que no caso do dia 26-10-2018, FF, tendo entregue o maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €, que retirara do bolso das calças, face a esse receio, a verdade é que conseguiu empurrar o arguido para fora da loja, onde se envolveram fisicamente. No caso da tentativa no “…”, no dia 26-10-2018, face à ameaça, a funcionária disse ao arguido que não lhe dava a caixa registadora e fechou-a, afastando-se do local em fuga. O recorrente reporta as razões do seu inconformismo com a medida das penas nas conclusões 4.ª (as quais assentam na ponderação/atribuição de um grau de ilicitude de médio-elevado; ao facto de à confissão não se ter atribuído a relevância que a mesma assumiu nestes autos; à consideração fundamental do valor relativamente baixo do valor subtraído; e à circunstância do arguido não ter reparado, no todo ou em parte, o mal causado, ou até, pedir desculpa), anotando na conclusão 5.ª, a desconformidade contradição entre o que é dito para qualificar o grau de ilicitude de médio-elevado com o modo de execução e valor monetários em causa, referindo na conclusão 7.ª, a actuação rudimentar que suscitou a reacção das vítimas, nos crimes de 27-09-2018 e 26-10-2018, sendo que os valores monetários envolvidos, como referido na individualização dessa circunstância, são de relativamente baixo valor (conclusão 8.ª) e que a soma de todos os valores, pouco ultrapassa o valor elevado cujo limiar mínimo são 50 UC – conclusão 10.ª – havendo que considerar que o grau de ilicitude é médio-baixo. O arguido agiu com dolo directo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas, não obstante, quis a realização do facto típico. Agiu em conjunção com outro indivíduo, nas situações ocorridas em 27-09-2018, em 17-10-2018, em 5-11-2018 e em 28-11-2018. O arguido confessou os factos que lhe eram imputados, prescindindo da leitura da acusação, levando a que o Ministério Público tenha prescindido de sete testemunhas, como consta da acta audiência e julgamento de fls. 1008 a 1013, nada constando dos FP a propósito de confissão, mas na motivação da convicção do tribunal, a fls. 1026, consta: “No caso concreto o arguido confessou quase integralmente os factos”, e na subsunção dos factos ao direito, a fls. 1029, diz-se: “Da análise dos elementos factuais provados supra enunciados, considerando que o arguido confessou os factos essenciais (e quase na íntegra todos os factos ainda que assessórios ou complementares) que lhe são imputados pelo Ministério Público, mostrando-se as suas declarações sérias e coerentes com a demais prova constante dos autos…). O arguido como antecedentes criminais tem nove condenações, começando com furto e uso de veículo, roubo, detenção de arma e falsificação de documento, cometidos em 21 de Novembro de 1993, quando tinha 25 anos de idade, tendo sido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, declarada extinta por despacho de 22-05-1998, tendo beneficiado do perdão concedido pela Lei n.º 15/94, de 11 de Maio. Seguiram-se condenações por factos praticados em 2000, 2003, 2005, 2010 (duas vezes), 2011 (duas vezes) e 2014, sendo por consumo de estupefacientes, detenção de arma, ofensas à integridade física por negligência, dois crimes de condução em estado de embriaguez, em 25-11-2010 e em 11-02-2011, e abuso de confiança fiscal, sendo aplicadas por seis vezes penas de multa, em dois casos convertidas em prisão subsidiária, que cumpriu. Acresce uma condenação por resistência, sendo condenado na pena de 5 meses de prisão, substituídos por multa que pagou e, finalmente, por falsificação de boletins, condenado na pena de 12 meses de prisão, suspensa na execução e declarada extinta. O arguido, nascido em 00-00-0000, à data da prática dos factos tinha 50 anos de idade, e conta actualmente, desde 19 de Fevereiro transacto, com 52 anos de idade. As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são medianas. Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como se expressou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1996, n.º 48.774, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, págs. 222/6, “Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências da prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos”. (Realce do texto). As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime. Ponderando todos estes elementos, para os crimes de roubo consumados, tendo em conta a moldura penal de 1 ano a 8 anos de prisão, sopesando o peso relativo das vertentes patrimoniais e pessoais em cada um dos casos, afigura-se-nos justificar-se intervenção correctiva em alguns casos, como segue. NUIPC 1156/18… – FP 1.2 a 1.8 – Factos de 27-09-2018 – Apropriação de € 900,00, em numerário, tendo na vertente pessoal, a violação de expressão mais lata, com agressão, produção de lesão, determinativa de doença, estando o arguido acompanhado de outro indivíduo. Neste caso, não se justifica intervenção correctiva, mantendo-se a pena de três anos de prisão. NUIPC 1267/18…. – FP 1.9 a 1.14 – Factos de 17-10-2018 – Apropriação de valor de 520,00 € (€ 400,00, em numerário, e telemóvel, no valor de cerca de 120,00 €), sendo a vertente pessoal composta por ameaça. Neste caso, não se justifica intervenção correctiva, mantendo-se a pena de dois anos de prisão. NUIPC 1433/18… – FP 1.15 a 1.20 – Factos de 21-10-2018 – Apropriação de 405,00 € (€ 380,00, em numerário, e maços de tabaco, no valor de cerca de 25,00 €). Neste caso, não se justifica intervenção correctiva, mantendo-se a pena de dois anos de prisão. NUIPC 1305/18… – FP 1.21 a 1.25 – Factos de 25-10-2018 – Apropriação de valor global de 177,50 €, sendo € 164,00, em numerário, e 3 maços de tabaco “LM”, no valor de € 13.50. Aqui, atendendo a que na vertente patrimonial, o quantum do prejuízo causado fica a 2/3 do caminho entre o valor de uma e duas UC, justifica-se intervenção correctiva, e assim, reduz-se a pena para 18 meses de prisão. NUIPC 846/18… – FP 1.26 a 1. 30 – Factos de 26-10-2018 – Apropriação de um maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €, que o funcionário retirou do bolso das calças, como as chaves da residência. Diversamente dos outros casos em que as quantias eram da propriedade das concessionárias, o bem apropriado é propriedade do funcionário. O bem é um maço de tabaco. Da marca “LM”. Com o valor de mercado e de aquisição para o consumidor, diversamente dos outros casos de tabaco em que é apontado o valor de venda e não o de aquisição pela concessionária. O valor de 4,50 € representa, corresponde a menos de 5 % do valor da UC (102,00 €). 5% do valor da UC é igual a 5,01 €. O valor de € 4,50 situa-se entre 4, 41% e 4,59% de uma UC. Valor situado abaixo de 102,00 € é valor diminuto. Atenta a natureza do bem apropriado – um maço de tabaco “LM” – e o seu muito parco montante, a inserir no perímetro do diminuto valor, destinando-se o produto a esvair-se, volatizando-se no fumo da crepitação de vinte cigarros, justificar-se-á a aplicação de uma pena de dois anos de prisão? Aqui, afigura-se-nos, com a ressalva do devido respeito, manifestamente excessiva a pena aplicada de dois anos de prisão, a ultrapassar as necessidades de tutela do bem jurídico violado, bem como o confinamento ditado, quer pelas necessidades de prevenção geral, quer especial. Na sequência do exposto, entende-se que a pena a aplicar quedar-se-á pelo mínimo legal, o que é dizer, fixa-se a pena em um ano de prisão. NUIPC ? – Factos de 5-11-2018 – Apropriação de € 400,00, em numerário. Ocorrendo similitude com os factos de 17-10-2018 e de 21-10-2018, será mantida a pena de dois anos de prisão. NUIPC 1447/18…. – FP 1.40 a 1.46 – Factos de 28-11-2018 – Apropriação de € 1.500,00, em numerário, retirados da caixa registadora; bloco de raspadinhas, no valor de € 1.494,00 e vários maços de tabaco, avaliados em cerca de € 55,00; Total – 3.049,00 €. Tratando-se da apropriação mais significativa na vertente patrimonial, é de manter a pena aplicada - dois anos e dois meses de prisão. Abordando o crime de roubo na forma tentada. NUIPC 848/18… – FP 1.31 a 1. 35 – Factos de 26-10-2018, pelas 18h45m. Em causa tentativa de roubo, sem indicação de qualquer valor. Foi aplicada a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, que se poderá entender face ao equívoco de considerar como limite mínimo 1 ano de prisão e não 1 mês. A ser um ano de prisão o limite mínimo, não seria o mesmo reduzido, como impõe o preceito. Sendo o limite mínimo da pena inferior a 3 anos de prisão, tal limite mínimo – de um ano – é reduzido ao mínimo legal, como estabelece o artigo 73.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, sendo a moldura cabível a de prisão de um mês a 5 anos e 4 meses. Ponderando os elementos disponíveis, aplica-se a pena de 6 meses de prisão. As penas agora alteradas estão conformes com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostram-se ajustadas à culpa do recorrente pelos factos praticados e respondem às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa do recorrente. Questão II – Determinação da medida da pena única Na decorrência do exposto nas conclusões anteriores, a propósito da medida das penas parcelares, na conclusão 34.ª, defende o recorrente que a pena única a aplicar não deve ultrapassar os 5 anos de prisão. Na sequência da redução de três das penas aplicadas, resulta que a moldura penal do concurso é agora de 3 anos a 13 anos e 8 meses de prisão. *** Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes quarenta e três modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, Diário da República, 1.ª série, n.º 37, (29.ª alteração); n.º 60/2013, de 23 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 162 (30.ª alteração), altera artigos 11.º e 160.º, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 39/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 192, de 4 de Outubro de 2013 ; Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 150 (31.ª alteração), altera artigo 316.º; Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163 (32.ª alteração), altera artigo 132.º; n.º 69/2014, de 29 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 166 (33.ª alteração), adita crimes contra animais de companhia; n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, Diário da República, 1.ª série, n.º 251 (34.ª alteração), adita artigo 69.º-A; Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 78 (35.ª alteração), rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração) - altera artigos 109.º a 112.º,127.º e 130.º; n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração), n.º 16/2018, de 27 de Março, Diário da República, 1.ª série, n.º 61, (45.ª alteração), altera artigo 132.º, e n.º 44/2018, de 9 de Agosto de 2018, Diário da República, 1.ª série, n.º 153, altera artigos 152.º, n.º 2 e 197.º]: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”. Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, como já dito, a moldura penal do concurso se situa entre o mínimo de 3 anos e o máximo de 13 anos e 8 meses de prisão. O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas). Conforme refere José de Faria Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3945, a págs. 326/327: “Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respectivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se reflectirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é susceptível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efectuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em factores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa”. **** A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal. Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004, e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”. A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal. Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”. O acórdão recorrido abordou o “Cúmulo jurídico das penas aplicadas” no ponto 4, pág. 1031, in fine e verso, e depois de transcrever o artigo 77.º do Código Penal, disse: “Cumpre, então, efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão ora fixadas. De acordo com os critérios enunciados no n.° 2 do citado artigo 77.°, a pena a aplicar terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Assim, o limite máximo será de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão, e o limite mínimo é a pena mais grave aplicada, que, no caso concreto, é de 3 (três) anos de prisão. Considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido (que se extraem do elenco dos factos assentes e tendo em conta o que já se referiu supra quanto à medida concreta das penas), julgamos adequado punir a conduta do arguido AA com a pena única de 6 (seis) anos de prisão”. Analisando. Nesta abordagem há que ter em atenção o período temporal de actuação do recorrente situado entre 27 de Setembro e 28 de Novembro de 2018, ou seja, dois meses, agindo o arguido do mesmo modo, com vista à obtenção de dinheiro e maços de tabaco, sendo evidente a conexão entre as condutas. E estando-se perante um caso de pluriocasionalidade e não de tendência criminosa, anotando-se a ausência de confronto com o sistema penal de justiça nos anos de 2012, 2013, 2015, 2016 e 2017. Tendo em conta a imagem global do facto, entende-se ser de fixar a pena única em cinco anos de prisão, que será efectiva, pois o recorrente nem abordou a possibilidade de suspensão da execução da pena, nem se justificava, face a anteriores condenações e outra solução não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Questão III – Perda das vantagens obtidas pelo arguido O recorrente insurge-se contra a condenação neste segmento nas conclusões 35.ª a 40.ª, defendendo que a lei, no n.º 2 do artigo 112.º do Código Penal, alterado pela Lei n.º 30/2017 exclui essa condenação quando a situação socioeconómica do arguido seja débil e que nesses casos, a condenação se afigura injusta e ou demasiado severa - conclusão 36.ª. Disse o acórdão recorrido, no ponto 6, de págs. 1032 a 1033: “6. Quanto à declaração de perda das vantagens obtidas pelo arguido O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.°, n.° 1, al. b), n.°s 4 e 6 do Código Penal (na redação introduzida pela Lei n.° 30/2017, de 30 de Maio, requereu a declaração de perda das vantagens obtidas pelo arguido com a prática dos referidos factos, o que fez com os fundamentos exarados na Ref. 164715932, pedindo a condenação do arguido a pagar ao Estado o valor de 6.556,00 € (seis mil, quinhentos e cinquenta e seis euros) que correspondem à vantagem da atividade criminosa desenvolvida pelo arguido, sem prejuízo dos direitos dos lesados. O arguido não se pronunciou sobre essa matéria”. Após citar o texto do artigo 110.º do Código Penal, avançou: “Esta perda de vantagens é “exclusivamente determinada por necessidades de prevenção”, não constituindo uma pena acessória, “porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação” — cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à lu% da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, Lisboa, 2008, pág. 365 –, tratando-se de “uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes” — idem, ibidem, p. 315. Anteriormente, a doutrina já se havia pronunciado no mesmo sentido (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 638). Na perda de vantagens, “o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia (...) de que «o 'crime' não compensa»” — cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 632. Vantagem é todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 632; Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 316; e J. Conde Correia/H. Rigor Rodrigues, in Julgar online, n.° 8, pág. 12). Determinante do confisco de vantagens “é a demonstração de que o beneficio resulta do facto ilícito. O valor da vantagem pode aumentar ou diminuir ao longo do processamento” — cf. M. Miguez Garcia/J. M. Castelo Rio, Código Penal — Parte Geral e Especial, 2.ª ed., Coimbra, 2015, pág. 467. Ora, revertendo ao caso concreto, conforme consta no elenco dos factos provados verifica-se que o arguido apropriou-se de 5.456 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros) em dinheiro, subtraído ilicitamente às suas vítimas. Conforme o próprio arguido admitiu o mesmo nunca devolveu qualquer montante nem indemnizou as vítimas. Esse montante global foi assim obtido diretamente pelo arguido através dos roubos praticados e, nessa medida, constitui vantagem à luz do artigo 110.°, n.° 1, al. b), do Código Penal. Como esse montante monetário não foi recuperado/apreendido, a respetiva perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, nos termos do n.° 4 do artigo 110.° do Código Penal, independentemente de ter sido deduzido ou não pedido de indemnização civil. Os institutos do confisco e o do pedido de indemnização civil “não conflituam nem se excluem entre si”, pois o primeiro “visa, sempre, independentemente da dedução, ou não, de pedido de indemnização civil ou da eventual execução de um qualquer título, evitar que o agente retire quaisquer dividendos da sua acção criminosa, mesmo quando estes vão além do real e efectivo prejuízo da vítima, precavendo-se, também assim, as finalidades de prevenção geral e especial, não podendo existir em circunstância alguma, uma "vantagem patrimonial"para o agente infractor” — cfr. Ac. do TRL, de 04/04/2019, proc. n.° 1487/17.8T9FNC.L1-9, in www.dgsi.pt. Por outro lado, “concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do palor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes e no mesmo sentido vai a estatuição do art. 130°, n.° 2, do Cód. Penal, ao prever que o tribunal possa 'atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.° e 110.º — cfr. Ac. do TRL, de 18/06/2019, proc. n.° 2706/16.3T9FNC.L1-5, in www.dgsipt. Em suma: “o direito ao pedido de indemnização civil não pode contender ou substituirá direito de o Estado ser de imediato reintegrado na sua esfera patrimonial com os bens/ direitos/ vantagens que lhe foram subtraídos com aprática do crime" - cfr. Ac. do TRL, de 18/06/2019, supra citado. Destarte, tendo-se apurado que o montante em causa roubado ascende ao valor global de 5.456 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros) em dinheiro, a sua perda deve ser substituída pelo pagamento ao Estado do indicado valor. Conforme preceituado no artigo 112.° do Código Penal (na redação dada pela Lei n.° 30/2017, de 30/05, quando a aplicação do disposto no artigo 110.° vier a traduzir-se, em concreto, no pagamento de uma soma pecuniária, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 47.° (n.° 1). Se, atenta a situação socioeconómica da pessoa em causa, a aplicação do n.° 3 do artigo 109.°, do n.° 4 do artigo 110.° ou do n.° 3 do artigo anterior se mostrar injusta ou demasiado severa, pode o tribunal atenuar equitativamente o valor referido naqueles preceitos (n.° 2). É certo que é débil a atual situação económico-financeira do arguido (cfr. teor do relatório social elaborado pela DGRSP) e pese embora o mesmo encontrar-se sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica a executar na Comunidade Terapêutica … - …., entendemos que a sua condenação no pagamento integral daquele valor não se traduzirá numa medida demasiado severa. Novamente alerta-se para as razões de prevenção da criminalidade no sentido que o crime não pode compensar. Consequentemente, ao abrigo dos artigos 110.°, n.° 1, al. b), n.° 4 e n.° 6, e 112.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, deve o arguido ser condenado no pagamento ao Estado da quantia total de 5.456 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros)”. Analisando. A Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 30-05-2017, entrada em vigor em 31 de Maio de 2017, conforme artigo 24.º), transpondo para a ordem jurídica interna, a Directiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e perda dos instrumentos do crime na União Europeia, pelo artigo 10.º introduziu a 43.ª alteração ao Código Penal, alterando os artigos 109.º, 110.º, 111.º, 112.º, 127.º, 128.º e 130.º e pelo artigo 11.º foi aditado o artigo 112.º-A relativo a pagamento de valor declarado perdido a favor do Estado. Alterou e republicou a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e para além de outros diplomas, a Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho, que criou, na dependência da Polícia Judiciária, o Gabinete de Recuperação de Activos (GRA). Passou a estabelecer o Artigo 110.° Perda de produtos e vantagens 1 – São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 – O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 – A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 – Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5 – O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 – O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido. Artigo 112.º Pagamento diferido ou a prestações e atenuação 1 – Quando a aplicação do disposto nos artigos 109.º, 110.º ou 111.º vier a traduzir-se, em concreto, no pagamento de uma soma pecuniária, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º 2 – Se, atenta a situação socioeconómica da pessoa em causa, a aplicação do n.º 3 do artigo 109.º, do n.º 4 do artigo 110.º ou do n.º 3 do artigo anterior se mostrar injusta ou demasiado severa, pode o tribunal atenuar equitativamente o valor referido naqueles preceitos. Ao longo do diploma surgem referências a “investigação financeira e patrimonial”, como na epígrafe do artigo 12.º-A, aditado à Lei n.º 5/2002, referindo investigação financeira ou patrimonial para identificação e rastreio do património incongruente nos termos do artigo 7.º; no n.º 6 do artigo 4.º, nos n.ºs 1 e 5 do artigo 8.º e nos n.ºs 1, 5 e alínea c) do n.º 10 do artigo 18.º-A da Lei n.º 45/2011, de 24-06 e no corpo do artigo 20.º da Lei n.º 30/2017. Não obstante o acórdão recorrido reconhecer ser débil a situação económica do arguido, a decisão foi no sentido de condenar o arguido a pagar o montante global do numerário e bens (telemóvel, raspadinhas, maços de tabaco) apropriados. Trata-se de um caso extremo, a convocar o princípio da proporcionalidade, a impor redução ou mesmo isenção, atento o quadro de vida do arguido, toxicodependente, a viver da caridade do irmão, entretanto falecido nos finais de 2019 e a sobreviver, a partir de um subsídio de sobrevivência no valor de € 180,00. (Para completar duas UC ficam a faltar 24,00 €). Esta indicação consta do FP 1.48 e foi trazida aos autos por relatório efectuado em 15 de Janeiro de 2020 (fls. 1003/5), tendo o irmão do arguido falecido há dois meses, o que significa não contar com o apoio do irmão desde finais do ano de 2019. Como consta do mesmo relatório: “Presentemente AA não dispõe de retaguarda familiar do agregado de origem, mantendo no entanto uma relação próxima com os filhos mais novos, não extensível ao filho mais velho”. Inactivo laboralmente e em dependência financeira, recebendo apenas o apoio dos filhos mais novos com 19 e 11 anos, privado de liberdade desde 14 de Março de 2019, como perspectivar a possibilidade de pagamento da quantia de 5.456,00 €, valor elevado, na definição legal, por parte de quem aufere mensalmente 180,00 €? O valor disponível é tão baixo que nem se pode com propriedade convocar uma espécie de cláusula de salvaguarda da disponibilidade do rendimento mínimo, de resguardo do mínimo de dignidade, do que seja razoavelmente necessário, senão imprescindível ao sustento minimamente digno do devedor. A solução só pode ser isentar o arguido de tal pagamento, revogando-se a condenação em causa, assim procedendo a pretensão sintetizada pelo recorrente nas conclusões 35.ª a 40.ª. Questão IV – Arbitramento oficioso de reparação, nos termos do artigo 82.º-A, do CPP/ Estatuto da vítima/ Vítimas especialmente vulneráveis Nas conclusões 41.ª a 50.ª, insurge-se o recorrente contra a aplicação do conceito de criminalidade violenta e especialmente violenta e contra a aplicação automática do n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP. Em defesa do afastamento, aduz o recorrente que o roubo é um crime contra o património, por isso não integrando o rol de crimes descritos nas alíneas j) e l) do artigo 1.º do CPP - conclusões 46.ª e 47.ª. Liminarmente, há que dizer que o recorrente não tem razão, pois como se referiu, o roubo é crime complexo, pluriofensivo, com uma vertente patrimonial e outra em que está em causa a tutela de bens eminentemente pessoais, remetendo-se para tudo o que foi mencionado supra. A automaticidade da consideração das vítimas de criminalidade violenta serem tidas, ou ficcionadas como vítimas especialmente vulneráveis, como veremos, é questão mais problemática. A fim de se proceder ao enquadramento da questão a abordar e porque está presente a norma do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, abordar-se-á em linhas gerais o arbitramento oficioso de reparação à vítima no processo penal, nos termos constantes do CPP, como de diplomas avulsos. Arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal O arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal encontra-se actualmente regulado no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, introduzido na reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto). Dantes, o arbitramento oficioso estava regulado no artigo 34.º do Código de Processo Penal de 1929 e mais tarde no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro. No domínio do Código Civil de 1867 (Código do Visconde de Seabra, aprovado por Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, entrado em vigor, de acordo com o artigo 2.º, em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, seis meses depois da publicação da lei no Diário de Lisboa), com os artigos 2361.º a 2366.º, 2373.º, 2374.º, e 2382.º a 2392.º, e do Código de Processo Penal de 1929 (aprovado pelo Decreto n.º 16.489, de 15 de Fevereiro de 1929, na sequência do Decreto n.º 12 740, de 26 de Novembro de 1926 e Decreto n.º 15 331, de 9 de Abril de 1928, começando “a vigorar no dia 1 de Março do corrente ano no continente e nas ilhas adjacentes”, conforme artigo 2.º e extensivo às colónias, de acordo com o artigo 7.º), quer um, quer outro, destes diplomas continha um capítulo próprio, a regular de forma autónoma a responsabilidade por perdas e danos. Enquanto o Código Civil de 1867 e o Código de Processo Penal de 1929 regulavam autonomamente a responsabilidade por perdas e danos emergentes do crime, nos seus pressupostos e quantitativamente, o Código Penal de 1982 – artigo 128.º – remeteu a disciplina da responsabilidade por perdas e danos para a lei civil, afastando desse modo o entendimento de que essa responsabilidade tinha natureza diversa da meramente civil, solução que foi mantida na revisão de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte - artigo 13.º), apenas se alterando o número do preceito, que passou para o artigo 129.º. [Assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, pág. 111 (e pág. 127 na 5.ª edição, revista e actualizada - Editorial Verbo, 2008)]. No Código de Processo Penal de 1929, a responsabilidade civil conexa com a criminal estava prevista no Capítulo II, do Título I – Das acções emergentes do crime, do Livro I - Da acção e competência, com a epígrafe “Da acção civil”, abrangendo os artigos 29.º a 34.º. No domínio deste Código, consagrou-se no artigo 29.º o princípio da interdependência ou adesão das acções penal e civil, com vincada dependência da acção civil à penal, sendo a regra a da competência do foro criminal para a reparação civil emergente de facto criminoso, como projecção do princípio da suficiência do processo penal, expresso no artigo 2.º do mesmo Código. Dispunha o artigo 29.º do Código de Processo Penal de 1929: Artigo 29.º (Indemnização por perdas e danos) O pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, por que sejam responsáveis os seus agentes, deve fazer-se no processo em que correr a acção penal e só poderá ser feito separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos neste código. O sistema da interdependência ou da adesão é perfilhado pela maioria das legislações e comporta um sem número de cambiantes que têm como denominador comum a possibilidade ou obrigatoriedade de juntar a acção cível à penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível. (A este sistema a nossa lei aderiu de forma mais vincada com a vigência dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro). Estabelecia o Artigo 34.º Reparação por perdas e danos O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida. § 1.º Quando a lei conceder a reparação civil a outras pessoas, a estas será arbitrada a respectiva indemnização. § 2.º O quantitativo da indemnização será determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor. § 3.º As pessoas a quem for devida a indemnização poderão requerer, antes de proferida sentença final em 1.ª instância, que ela se liquide em execução de sentença e, neste caso, se procederá à liquidação e execução perante o tribunal civil, servindo de título exequível a sentença penal. § 4.º Se estiver pendente ou tiver sido julgada no tribunal civil acção por perdas e danos, nos casos em que a lei o permita, a reparação civil não será fixada na acção penal. O Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, que remodelou alguns princípios básicos do processo penal, teve em vista apenas a acção penal. O Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro), teve em vista a simplificação e celeridade do processo penal, a fusão num só dos processos correccional e de polícia correcional, bem como a instituição do júri para julgamento dos crimes mais graves. Mais. Como consta da parte final do n.º 1 do preâmbulo: “Entendeu-se também ter carácter prioritário a concessão ao juiz da faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime, desde que exista ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco”. No ponto 5, especificava: “Quando o juiz absolve da acusação crime, mas fique provado o ilícito, ou nos casos de mera responsabilidade civil objectiva, não se vê razão para a inutilização de toda a actividade processual desenvolvida, obrigando as partes a um ulterior recurso ao juízo cível, com as consequentes e inevitáveis demoras e prejuízos materiais. Concede-se, assim, ao juiz a faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime”. E assim passou a estabelecer no capítulo V - Da reparação do dano civil, o Artigo 12.º Nos casos de absolvição da acusação crime, o juiz condenará o réu em indemnização cível, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco. Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações. Neste quadro, a atribuição de indemnização em caso de condenação pelo crime era oficiosa, como decorria do artigo 34.º do Código de Processo Penal, e ao abrigo do aludido artigo 12.º, desde que fundada, era obrigatória a condenação nos casos de absolvição da acusação crime. E no caso de condenação em indemnização ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, sempre que o titular do direito à indemnização não tivesse constituído advogado, cumpria ao Ministério Público exercer o controle sobre o efectivo pagamento daquela, diligenciar pelo seu cumprimento voluntário ou coercivo, como decorria do artigo 13.º do mesmo Decreto-Lei n.º 605/75. Natureza da reparação ao abrigo do artigo 34.º do Código de Processo Penal Face ao direito positivo então vigente, questionava Figueiredo Dias, no estudo “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal”, (trabalho escrito em 1963, como contribuição para os Estudos «in memoriam» do Professor Beleza dos Santos, e publicado pela primeira vez em 1966, formando o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - assim no prefácio de fls. 5), com reimpressão pela Livraria Almedina em 1972, pág. 25: “O arbitramento, na sentença condenatória penal, de uma reparação ao ofendido (art. 34.º) será efectivamente uma decisão em coisa cível – uma indemnização civil de perdas e danos?”. Foi discutida a natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, ao abrigo do artigo 34.º do Código de Processo Penal, defendendo uns, que, revestindo uma natureza especificamente penal, era de considerar como um efeito penal da condenação. Assim era a posição dominante na jurisprudência, ut acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1955, no BMJ n.º 49, pág. 323; de 29-11-1955, BMJ n.º 52, pág. 577, de 11-06-1964, processo n.º 31 521, BMJ n.º 138, pág. 288, de 24-02-1965, processo n.º 31 637, BMJ n.º 144, pág. 154; de 14-11-1973, processo n.º 34 080, BMJ n.º 231, pág. 80 (o arbitramento de indemnização é mero efeito da condenação); de 17-04-1974, processo n.º 34 126, BMJ n.º 236, pág. 88 (a indemnização arbitrada aos ofendidos em processo penal, nos termos do artigo 34.º do CPP, é uma consequência da condenação penal); e de 10-12-1980, processo n.º 36 025, BMJ n.º 302, pág. 186 (Em processo penal é obrigatório arbitrar indemnização ao ofendido como mero efeito da condenação, não sendo lícito ao julgador deixar oficiosamente a fixação para execução de sentença) e da Relação de Coimbra, de 19-03-1980, BMJ n.º 299, pág. 421. Na Doutrina, partindo do sistema da interdependência ou adesão, perfilhado pela nossa lei, e da natureza penal da indemnização atribuída aos ofendidos, Figueiredo Dias, no referido estudo “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal”, págs. 15 e 25 a 58, e em Direito Processual Penal, 1.º volume, 1.ª edição, 1974, reimpressão (reeditada pela Coimbra Editora em 1981 e 2004), no § 16 - O lesado e a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal - págs. 539 a 575, e Castanheira Neves, Sumários de processo criminal, Coimbra, 1968, págs. 190 a 197, sustentaram que a reparação civil arbitrada no processo penal tinha uma específica natureza penal, sendo um efeito penal da condenação e que os critérios da determinação do quantitativo da indemnização penal não são idênticos aos critérios próprios de uma indemnização puramente civil e que era o critério penal que devia presidir à determinação do montante a arbitrar (gravidade objectiva e culpa). E ainda neste sentido Eduardo Correia, Direito criminal, I, 1963, pág. 16, nota 2. Figueiredo Dias debruçou-se sobre o tema a propósito do artigo 34.º do CPP de 1929, afirmando a distinção entre a indemnização civil de perdas e danos e a reparação arbitrada em processo penal, por se tratar de coisas diferentes, aquela ligada ao dano e esta ligada à culpa, o que de resto, como dá nota, era assinalado em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Quanto à natureza desta última, colocavam-se duas teses: não é nem pode ser coisa diferente da indemnização que o tribunal civil decretaria se o pedido surgisse perante ele, segundo uns, enquanto para outros tratava-se de efeito penal da condenação, que não tem de coincidir com a sanção de natureza civil. Afirmava o Autor, a págs. 34, que sendo a reparação um efeito necessário, como que automático, da condenação penal, logo se exclui que o dano que a fundamenta tenha de ser exactamente, aquele mesmo dano que fundamenta a responsabilidade civil. No citado estudo, a págs. 51, partindo da consideração da reparação de perdas e danos como um efeito penal da condenação, questiona se terá algum sentido falar-se de um «processo de adesão», se terá algum sentido a exigência, contida nos artigos 29.º do CPP e 2373.º do Código Civil, de que o pedido de indemnização civil de perdas e danos adira, em princípio à acção penal, justificando a resposta afirmativa, porque ainda assim se cumprem as razões que em geral aduzem a favor do processo de adesão, nomeadamente, as de economia processual, protecção do lesado e auxílio à função repressiva do direito penal. O Autor, considerando a reparação como parte integrante da própria sanção penal (pág. 56 do estudo de 1963, publicado em 1966), não sendo de negar a função adjuvante da pena assinalada à reparação, mas considerando-se esta, sempre, como extrínseca àquela e portanto reduzida à sua pura estrutura de indemnização civil (pág. 57 e do mesmo modo na edição de 1981 de Direito Processual Penal, pág. 565), após enumerar as melhores formas de estruturar o “processo de adesão” – opção pela obrigatoriedade da adesão ou pelo princípio da opção; consignação de soluções destinadas a activar o cumprimento da reparação por parte do ofendido, eventualmente, mesmo, durante a execução da pena; condicionamento da aplicação de certos tipos de penas pela prévia satisfação da reparação; protecção de forma particular do direito (civil) do lesado em obter reparação – terminava, a págs. 58, assim: “O que terá, deste ponto de vista, de banir-se (e para que tal necessidade se sinta com premência absoluta basta que os actuais projectos de Código Civil e de Código de Processo Penal entrem em vigor com as disposições que a este ponto se referem ou outras equivalentes) serão disposições como a do artigo 34.º do Código de Processo Penal, não só enquanto consigna a obrigatoriedade do arbitramento da reparação contra ou sem a vontade do lesado, como ainda enquanto liga tal arbitramento ao crime praticado e não ao dano civil através dele produzido, e, sobretudo, enquanto prescreve um critério especial – com nítida fundamentação jurídico - penal) – de determinação do seu quantitativo”. Dentro desta tese, “a circunstância de o Tribunal criminal condenar o infractor a uma reparação do dano não impede que, depois, em acção civil, este seja demandado para efectivação da sua responsabilidade civil, naquilo em que ela porventura importe um montante superior ao fixado na acção penal”. Assim, Adriano Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99.º, pág. 14. A maioria da Doutrina, porém, sustentava que tal reparação assumia natureza civil, pautando-se pelos mesmos pressupostos de fixação do direito civil, defendendo que o arbitramento, na sentença condenatória penal, de uma reparação ao ofendido (artigo 34.º) era efectivamente uma decisão em coisa cível, uma indemnização civil de perdas e danos. Assim: Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I (1955), págs. 133 a 142, ensinava que “a conexão da responsabilidade civil com a responsabilidade penal tem efeitos na estrutura do processo penal, porquanto neste se integra, nos casos indicados pela lei, uma acção cível”, pelo que, consequentemente, “parece dever admitir-se o caso julgado quanto ao conteúdo da indemnização, fixada em processo penal”. Manuel Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar (1949), págs. 109 e segs. (revisitando o texto de 1944, a partir do particular enfoque da ressarcibilidade dos danos morais, afirmava, a págs. 72 (com sublinhados nossos): “Além disso, o próprio facto de ser admissível a acção civil emergente de factos criminosos antes de se verificarem estes ou quando cessou todo o procedimento criminal prova que o fundamento dessa acção civil não é o carácter criminoso desses actos. A reparação civil, mesmo nos casos de responsabilidade conexa com a criminal, tem natureza e fundamento civis, pois doutro modo não seria admissível sem estar provada a infracção penal. Daí resulta ser perfeitamente legítimo argumentar-se com o § 2.º do art. 34.º do Código de Processo Penal, para delimitar o âmbito da reparação por danos resultantes de factos não criminosos”. Na mesma ordem de idéias é ainda digna de relevo a circunstância de a responsabilidade a que o nosso Código Civil chama conexa com a criminal não ser responsabilidade derivada de factos necessàriamente criminosos, mas sòmente de factos que de um modo geral têm êsse carácter” (…) o artigo 34.º do Código de Processo Penal tem fundamento essencialmente civil, devendo considerar-se, por isso, aplicação do princípio geral do art. 2361.º do Código Civil”. Adriano Vaz Serra, Tribunal competente para apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal - Valor, no juízo civil, do caso julgado criminal. Garantias de indemnização no BMJ n.º 91, págs. 147 a 206, e na anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1974, BMJ n.º 241, pág. 237, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 108.º (1975-1976), n.º 3557, pág.313. Luís Nunes de Almeida, Natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, Revista da Ordem dos Advogados (ROA) - Prémio da Ordem dos Advogados para Estudantes de Direito 1968 – Ano 29 (1969), págs. 5 a 26, afirmando a págs. 25: “a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal assume natureza civil, produzindo consequentemente efeitos civis; isto é, uma vez arbitrada a reparação em processo penal não poderá o lesado vir pedir uma posterior correcção da indemnização ao tribunal civil”, rematando a págs. 26: “No direito actual [na vigência do CC1966] a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal avalia-se por critérios civis e o seu arbitramento pelo tribunal criminal constitui caso julgado civil”. Neste sentido, distanciando-se da jurisprudência então dominante, que considerava a indemnização uma mera reparação como efeito acessório da pena (v. g., citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1955, no BMJ n.º 49, pág. 323; de 29-11-1955, BMJ n.º 52, pág. 577; de 11-06-1964, processo n.º 31 521, BMJ n.º 138, pág. 288; de 24-02-1965, processo n.º 31 637, BMJ n.º 144, pág. 154; de 14-11-1973, processo n.º 34 080, BMJ n.º 231, pág. 80; de 17-04-1974, processo n.º 34 126, BMJ n.º 236, pág. 88 e de 10-12-1980, processo n.º 36 025, BMJ n.º 302, pág. 186), pronunciaram-se os juízes vencidos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado nos termos do artigo 728.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, de 8 de Maio de 1974, proferido no processo n.º 64.651, publicado no BMJ n.º 237, pág. 201, o acórdão do STJ de 5 de Novembro de 1974, proferido no processo n.º 65.357, BMJ n.º 241, pág. 237, anotado por Vaz Serra na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 108.º, pág. 311 e o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1976, proferido no processo n.º 65.497, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 11 de Março de 1976, Revista dos Tribunais, Ano 94.º, n.º 1909, pág. 109 e BMJ n.º 253, pág. 109, que defendeu, no domínio do Código de Processo Penal de 1929, a natureza civil da reparação, afirmando não parecer “ter bom fundamento supor critérios divergentes para atribuir indemnização na acção penal e na acção civil. O objectivo da indemnização é ressarcir danos e tem que estar presente, em termos idênticos, ao juiz penal e ao juiz civil. De resto, o § 2.º do artigo 34.º do CPP manda observar prudente arbítrio e atender à gravidade da infracção, ao dano moral e material por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor, idênticos sendo os factores a que a lei civil, nos artigos 483.º e seguintes, manda atender. Não se reconhece que deva haver, em matéria de indemnização, um critério penal e um critério civil, distintos porque o primeiro deve considerar em primeira linha a gravidade da acção. A circunstância de a gravidade da infracção figurar em primeiro lugar na enumeração feita no § 2.º do artigo 34.º do CPP não assume significado especial que do texto possa inferir-se, e bem pode tomar-se como alusão ao grau de culpa, também atendível no direito civil, e aos danos produzidos”. Na sequência, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 1979, proferido no processo n.º 68 072, BMJ n.º 291, pág. 470, a defender a prevalência do Código Civil no que toca a definição da extensão dos prejuízos nos termos dos artigos 562.º, 564.º, 566.º, n.º 2 e 570.º, n.º 1, podendo aí ler-se que “Com a publicação do actual Código Civil, parte da matéria contida no § 2.º do artigo 34.º do CPP pode considerar-se ab-rogada pelas disposições daquele Código que a vieram regular sob outros aspectos (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47 334, de 25-11-1966). Por isso terão de prevalecer os princípios do Código Civil na aferição dos danos, nas decisões criminais, com prejuízo da autonomia do § 2.º do artigo 34.º do CPP”. Defendendo a natureza civil da indemnização arbitrada ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 21 de Fevereiro de 1980, proferido no processo n.º 35 754, BMJ n.º 294, pág. 224, afirmando: “Tendo natureza especificamente civil a indemnização arbitrada em processo penal nos termos do artigo 12.º do DL 605/75, com base em ilícito civil, não pode o tribunal superior, em via de recurso, agravar ou aumentar o quantitativo de tal indemnização fixada na decisão recorrida, se desta apenas tiver interposto recurso o responsável pelo seu pagamento”. E assim convoca as normas dos artigos 661.º, n.º 1, 668.º, n.º 1, alínea e), 716.º, n.º 1 e 752.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Versando o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 2-06-1976, proferido no processo n.º 34 588, BMJ n.º 258, pág. 149, afirmando a aplicabilidade da norma aos réus só civilmente responsáveis. Com o Código de Processo Penal de 1987 desapareceu o arbitramento oficioso, situação alterada em 1998. O artigo 7.º do Código de Processo Penal de 1987 proclama o princípio da suficiência da acção penal, talqualmente se consagrava nos artigos 2.º e 3.º do Código de Processo Penal de 1929. E o princípio da adesão veio a ter consagração no artigo 71.º, que estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. Este artigo consagra um regime de adesão obrigatória como regra, sendo presentemente a adesão mais vincada que face ao Código de 1929, deixando de haver indemnizações atribuídas oficiosamente, com a excepção do caso do artigo 82.º-A, aliás, introduzido apenas mais tarde, com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto. No sistema da interdependência ou da adesão há a possibilidade ou obrigatoriedade de juntar a acção cível à penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível. Na revisão operada pela oitava alteração do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto), o regime do pedido de indemnização civil é objecto de alterações significativas, com respeito pelo princípio do pedido, no sentido de melhorar a protecção do lesado no âmbito do processo penal. Novidade constituiu então a possibilidade de o tribunal oficiosamente poder arbitrar, como efeito penal da condenação, uma reparação pelos prejuízos sofridos quando o imponham particulares exigências de protecção da vítima, o que veio a ser concretizado com o artigo 82.º - A do CPP (Reparação da vítima em casos especiais) – cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei N.º 157/VII – ponto 12 – retomando-se, assim, de certo modo, o regime constante do artigo 34.º do Código de Processo Penal de 1929, sendo a “reintrodução da medida, certamente de algum modo destonante do art. 129.º do CP”, como referia Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, Almedina, 1988, pág. 235. No referido ponto 12 consta “Preserva-se a autonomia e a natureza civil do pedido de indemnização, mas não se posterga a protecção das vítimas carenciadas, através de um processo em que não se exige qualquer formalidade”. (Sublinhado nosso). Inserto no Livro I Dos sujeitos do processo Título VI (Dantes Título V, devendo-se a alteração ao aditamento do Título IV, composto pelo artigo 67.º-A, Vítima, pelo Decreto-Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, entrado em vigor em 4-10-2015) Das partes civis a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, inovou, aditando o Artigo 82.º-A Reparação da vítima em casos especiais 1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização. A propósito deste preceito, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 5.ª edição, 2008, pág. 132, afirma: “… esta medida é dissonante da previsão do art. 129.º do Código Penal, onde se estabelece que a indemnização de perdas e danos é regulada pela lei civil. Não parece constituir um caso de verdadeira indemnização civil, tanto que o próprio preceito dispõe que a reparação só será de atribuir «não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado». Afigura-se-nos que a reparação em causa constitui um tertium genus entre a pena e a indemnização, um efeito civil da condenação a impender sobre o condenado pela prática do crime causador dos prejuízos”. O Autor repete esta posição em Direito Penal Português, Parte Geral – III – Teoria das penas e das medidas de segurança, Verbo, 1999, n.º 305, págs. 189/190 (págs. 208/9, na edição de 2008), com afloramento no n.º 250, III, pág. 71 (pág. 75 na edição de 2008) e em Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Editorial Verbo, 2009, págs. 462/3, aqui acrescentando: “II. A quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, prevista no art. 82.º-A do CPP, é atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção e, porque não se confunde com a indemnização civil pelos danos, é fixada a critério do julgador. O obrigado ao pagamento da quantia arbitrada a título de reparação é o responsável penal pelo crime e não o responsável civil*, embora, em caso de posterior acção que venha a conhecer do pedido civil de indemnização essa quantia deva ser tida em conta, sendo o obrigado civil, se diverso do agente do crime, obrigado a compensar este pelo pagamento feito, desde que deduzido no valor da indemnização dos danos emergentes do crime”. (Sublinhado nosso). * Tanto deve ser assim que não tendo sido formulado pedido de indemnização civil a parte civil não está no processo como sujeito processual e, por isso, não pode ser condenada. No Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016 – 2.ª edição revista, António da Silva Henriques Gaspar, comentando este preceito, a págs. 256, refere: “Embora de modo mais limitado, a norma retoma a solução de arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal, que constava no anterior regime do processo penal – artigo 34.º do CPP/29 e artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro. O arbitramento oficioso de indemnização em caso de condenação pressupõe uma série de condições: que não haja pedido de indemnização deduzido no processo penal; que não esteja pendente pedido de indemnização deduzido em separado; e que as condições da vítima sejam de tal modo precárias e revelem sérias dificuldades em consequência dos danos sofridos com a prática do crime, que «exigências particulares», no sentido de imperiosa protecção da vítima, imponham o arbitramento oficioso da reparação”. Diferente da indemnização é a reparação a cujo pagamento fica condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, bem como o arbitramento oficioso de reparação à vítima. Como referimos no acórdão de 12-09-2013, no processo n.º 513/10.6TDLSB.P1.S1, a demarcação dos tipos de reparação – indemnização civil de perdas e danos e reparação arbitrada em processo penal – foi abordada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, da 3.ª Secção, por nós relatado, publicado no Diário da República, 1.ª série – n.º 206 – de 24 de Outubro de 2012, no segmento “Natureza jurídica da condição”, a págs. 6006 (segunda coluna) a 6008, aí se afirmando: «A “indemnização”, rectius, “reparação” arbitrada como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não está dependente da dedução do pedido civil (artigo 71.º do CPP), não se confunde com este (tendo natureza jurídica diferente da que é objecto do pedido de indemnização cível, de modo tal que não se pode afirmar que a improcedência deste pedido determina a impossibilidade da atribuição daquela), nem tem a ver com o arbitramento ao abrigo do artigo 82.º-A, n.º 1, do CPP (reparação da vítima em casos especiais) e com a disciplina do artigo 377.º do mesmo CPP, nem mesmo com a responsabilidade civil emergente do crime, consubstanciando uma forma de reparação autónoma, complemento integrante da sanção penal, que deve ser vista nas suas consequências, nomeadamente, em sede de incumprimento, apenas dentro dos contornos do instituto”. Como vimos, entre 1 de Janeiro de 1988, data da entrada em vigor do Código de Processo Penal (entrada em vigor diferida para esta data pelo artigo único da Lei n.º 17/87, de 1 de Junho) e a entrada em vigor da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal esteve ausente do CPP, retornando a ser previsto em sede de codificação com a inovação do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal. Todavia, tal ausência não significa que não tenham surgido diplomas legais concedendo a atribuição de indemnização a vítimas de crimes, o que aconteceu sobretudo no plano de legislação avulsa, pretendendo a consecução de objectivos de política criminal, de modo a assegurar o direito a igualdade de género, a partir do direito supranacional, como a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul em 11 de Maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 4/2013, de 14 de Dezembro de 2012, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de Janeiro de 2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de Janeiro de 2013, constando a versão portuguesa de pág. 413 a 427. De acordo com o artigo 2.º a Convenção aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica que afecta desproporcionalmente as mulheres. A indemnização está prevista no artigo 30.º e no n.º 2, a indemnização estatal. A Lei Constitucional n.º 1/97, Diário da República, I-A Série, n.º 218/97, de 20 de Setembro de 1997, operando a quarta revisão constitucional, pelo artigo 15.º alterou o artigo 32.º da Constituição, sendo pelo n.º 3 aditados dois novos números 6 e 7, sendo no que ora importa, o n.º 7 com esta redacção: «7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei». Segundo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, 4.ª edição revista, Volume I, págs. 523/4, pretendeu-se “dar legitimação constitucional ao direito do ofendido intervir no processo”. A possibilidade de intervenção do ofendido no processo penal tem contribuído para uma subida exponencial dos casos de reconhecimento de legitimidade para constituição de assistente, inclusive de pessoas colectivas. Mas não deixa de ser verdade que a afirmação constitucional surge cerca de nove anos após a Lei n.º 95/88 de 17 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 189, de 17 de Agosto de 1988) ter legislado sobre “Garantia dos direitos das associações de mulheres”, estabelecendo de acordo com o artigo 1.º “os direitos de actuação e participação das associações de mulheres, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre mulheres e homens”. Cerca de quinze anos antes da publicação da Lei Constitucional n.º 1/97, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal, lia-se, no ponto 17 de II – PARTE GERAL: “17. Um outro ponto extremamente importante é o que se prende com a problemática da vítima. Esta, fundamentalmente depois da 2.ª Guerra Mundial, começou a ser objecto de estudos de raiz criminológica que chamaram a atenção para a maneira, às vezes pouco cuidada, como era encarada, não só pela opinião pública, mas também pela doutrina do direito penal. A vítima passa a ser um elemento, com igual dignidade, na tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima. Correspondendo a este movimento doutrinal, o diploma admite – para lá, independentemente da responsabilidade civil emergente do crime (artigo 128.º) – a indemnização dos lesados (artigo 129.º). Por outro lado, sabe-se que mesmo em países de economias indiscutivelmente mais fortes do que a nossa ainda não se consagrou plenamente a criação de um seguro social que indemnize o lesado, quando o delinquente o não possa fazer. Num enquadramento de austeridade financeira remete-se para a legislação especial a criação daquele seguro” Inserto no Livro I - Parte Geral – Título X – Da indemnização de perdas e danos por crime, depois de o artigo 128.º estabelecer sobre responsabilidade civil emergente de crime, estabelecia o Artigo 129.º (Indemnização dos lesados) 1 – Legislação especial assegurará, através da criação de um seguro social, a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente. 2 – Enquanto não tiver aplicação efectiva a legislação referida no número anterior, o tribunal poderá atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 107.º a 110.º 3 – Se o dano provocado pelo crime for de tal modo que o lesado fique privado de meios de subsistência e se for de prever que o delinquente o não reparará, poderá ainda o tribunal atribuir ao mesmo lesado, no todo ou em parte e até ao limite do dano, o montante da multa. 4 – O Estado ficará sub-rogado no direito do lesado à indemnização até ao montante que tiver satisfeito. Concretizando a criação de um “seguro social” o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e o Decreto-Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, deram os primeiros passos no sentido de concretizar a indemnização pelo Estado às vítimas de infracções violentas. Com a reforma de 1995, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o artigo 129.º deu lugar ao Artigo 130.º (Indemnização do lesado) 1 – Legislação especial fixa as condições em que o Estado poderá assegurar a indemnização devida em consequência da prática de actos criminalmente tipificados, sempre que não puder ser satisfeita pelo agente. 2 – Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º 3 – Fora dos casos previstos na legislação referida no n.º 1, se o dano provocado pelo crime for de tal modo grave que o lesado fique privado de meios de subsistência, e se for de prever que o agente o não reparará, o tribunal atribui ao mesmo lesado, a requerimento seu, no todo ou em parte e até ao limite do dano, o montante da multa. 4 – O Estado fica sub-rogado no direito do lesado à indemnização até ao montante que tiver satisfeito. Pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, foi alterado o n.º 2 deste artigo 130.º, que passou a dispor: 2 – Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos. No plano do direito interno, na consecução destes objectivos de política criminal, tudo começou com a já referida Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 189, de 17-08), relativa a “Garantia dos direitos das associações de mulheres”, estabelecendo de acordo com o artigo 1.º “os direitos de actuação e participação das associações de mulheres, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre mulheres e homens”, prosseguindo até hoje, tudo a significar que o Estatuto da vítima de 2015 é produto de um longo caminho que se fez andando, e assim, anotaremos os diplomas atinentes ao assunto, mas cingindo-nos apenas aos que prevêem atribuição de indemnização a vítimas de crimes violentos. Ei-los: O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Diário da República – I Série-A, n.º 250, de 30 de Outubro de 1991) - Estabelecia as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas dos crimes violentos, determinando que a concessão da indemnização era da competência do Ministro da Justiça (alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, e n.º 136/99, de 28 de Agosto, e Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março), aprovando o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos. O diploma instituiu um mecanismo de reparação de danos compreendido como uma espécie de «seguro social», de acordo com o espírito que enformava o então n.º 1 do artigo 129.º (actual artigo 130.º) do Código Penal. Revogado pelo artigo 25.º, alínea b), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro. O Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro (Diário da República – I Série-B, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 1993) regulamentou o Decreto-Lei anterior, ou seja, definiu as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas de crimes violentos. Alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. Revogado pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro. A Lei n.º 10/96, de 23 de Março, tornou aplicável o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos constante do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, aos factos descritos nos artigos 301.º do Código Penal e 289.º do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, ainda que praticados até à data da entrada em vigor daquele diploma. Em causa o crime de terrorismo. A Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 194, de 20 de Agosto de 1999) - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal. Revogada pelo artigo 25.º, alínea a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro. O Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março (Diário da República – I Série-A, n.º 69, de 22 de Março de 2004), face à alteração introduzida ao artigo 508.º do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março, reequaciona a remissão feita no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91 para os limites máximos de indemnização que se aplicariam também nos casos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes violentos, alterando a redacção do preceito. O Decreto - Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro (Diário da República – 1.ª série, n.º 208, de 27 de Outubro de 2006) aprova a Lei de Organização do Ministério da Justiça. Nos termos do artigo 7.º “No âmbito do MJ funcionam: b) A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. No artigo 24.º - Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, consta do n.º 1: 1 - A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes tem por missão a instrução dos pedidos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes. O n.º 1 do artigo 24.º foi alterado pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro. A Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 12 de Junho de 2007), em execução do artigo 10.º da Decisão Quadro 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, cria um regime de mediação penal relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Tal Lei exclui do seu âmbito material de aplicação os crimes de violência doméstica, exclusão que decorre desde logo, do facto de se ter restringido a possibilidade de mediação penal a alguns crimes particulares em sentido amplo, como defende Cláudia Cruz Santos em Violência Doméstica e Mediação Penal: Uma Convivência Possível? in Revista Julgar, n.º 12, Especial - Crimes no seio da família e sobre menores, Novembro de 2010, págs. 67 a 79, que adianta: “Todavia, o novo regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, constante da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, criou a possibilidade daquilo a que se resolveu chamar-se um “encontro restaurativo”, o qual supõe “um encontro entre o agente do crime e a vítima” assim como “a presença de um mediador penal credenciado para o efeito”. A Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, publicada no Diário da República, I Série, n.º 168, da mesma data, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99, de 23 de Maio de 2006), que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal, proclama como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, alínea a) e 4.º, alínea a) e respectivo Anexo, onde se explicita que o período abrangido vai de 1 de Setembro de 2007 a 1 de Setembro de 2009. A Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 178, de 14 de Setembro de 2009) aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, como concretiza no artigo 1.º, distinguindo no Capítulo I o adiantamento da indemnização às vítimas de crimes violentos – artigos 2.º a 4.º – e no Capítulo II, o adiantamento da indemnização às vítimas de violência doméstica – artigos 5.º e 6.º. Foi criada a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, extinguindo-se a Comissão para a Instrução dos pedidos de Indemnização às Vítimas de Crimes Violentos, prevista no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e no Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro. Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 (artigo 27.º). Pelo artigo 25.º foram revogados a Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro. (Alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro de 2015). Esta lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27 de Outubro), regulando a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. Pelo artigo 13.º foi alterado o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro de 2006 (Lei de Organização do Ministério da Justiça). Pelo artigo 17.º foi revogado o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 180, de 16 de Setembro de 2009, págs. 6.550 a 6.561) estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando pelo artigo 82.º a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro. No Capítulo III define os princípios e no Capítulo IV o Estatuto da vítima. O diploma previu a aplicação por parte dos tribunais de dois instrumentos fundamentais de protecção às vítimas do crime de violência doméstica, os meios técnicos de teleassistência e de controlo à distância (artigo 35.º). Versando o diploma pode ver-se André Lamas Leite, Revista Julgar, n.º 12, Novembro 2010, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, págs. 59 a 64. Entretanto, esta Lei foi alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (29.ª alteração ao Código Penal), que modifica os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7, pelo artigo 173.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2015), Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º e pela Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, que alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei 112/2009. A Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de Abril (Diário da República, I Série, n.º 79, de 23 de Abril de 2010 – Suplemento), aprova os modelos de documentos comprovativos da atribuição do estatuto de vítima, previsto no n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2009 (Anexo I) e no n.º 3, situações excepcionais (Anexo II), estabelecendo os direitos (v.g., requerer a sua constituição como assistente) e deveres que aquele estatuto importa. O Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27 de Outubro de 2010), regula a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, em regulamentação da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, alterando pelo artigo 13.º o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro, e revogando pelo artigo 17.º o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 15 de Dezembro de 2010, publicada no Diário da República, I Série, n.º 12, de 18 de Janeiro de 2011, págs. 296 a 321, aprova o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013. Ao iniciar o enquadramento geral afirma: “A igualdade entre mulheres e homens e a não discriminação constituem princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa e do Tratado que institui a União Europeia – Tratado de Lisboa. O IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013, é o instrumento de políticas públicas de promoção da igualdade e enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias instâncias internacionais e europeias, com destaque para a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho da Europa (CoE) e a União Europeia (UE). Em qualquer destas organizações a estratégia de integração da dimensão de género em todas as políticas e programas, mainstreaming de género, é um princípio fundamental de boa governação. De relevar a autonomização da «Área estratégica n.º 9 - Violência de Género» (págs. 312/3), onde depois de se afirmar que “a violência de género é um obstáculo à concretização dos objectivos da igualdade, desenvolvimento e paz e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” e de se acentuar que “a violência de género está associada a estereótipos, assimetrias de poder e representações sociais que condicionam atitudes e identidades de masculinidade e feminilidade e conduzem à reprodução das desigualdades. Está relacionada com as desigualdades de género e intimamente ligada aos processos de socialização”, se conclui que “Importa apostar no desenvolvimento de políticas e medidas que combatam a violência de género em todas as suas dimensões, promovendo a eliminação dos estereótipos de género e uma cultura de não violência”. Mas não deixa de anotar-se que “Este domínio exige uma particular articulação entre este Plano, o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica e o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos”. No contexto, há que anotar que Portugal assinou em 6 de Março de 1997 a Convenção Europeia Relativa à Indemnização das Vítimas de Crimes Violentos, a qual de acordo com o Aviso n.º 148/97, publicado in Diário da República, I Série - A, n.º 108, de 10-05-1997, entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 1998, sendo que pelo Aviso n.º 135/2001, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 301, de 31 de Dezembro, foi tornado público que, contrariamente a tal Aviso, entraria em vigor em 1 de Dezembro de 2001. A Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170, de 1 de Setembro de 2015, pág. 6.637) – Introduz a primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica). A Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro de 2015), alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, já antes alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro que aprovou a Lei do Orçamento para 2015, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º. A Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, de 4 de Setembro, págs. 7.004 a 7.010) procede à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Directiva 2012/29/EU do Parl amento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão - Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001. Altera os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e pelo artigo 3.º adita o artigo 67.º-A e pelo artigo 4.º procede a alteração sistemática do Código de Processo Penal, sendo: 1 – Os títulos IV e V da parte I do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, são renumerados, passando a ser, respectivamente, os títulos V e VI. 2 – É aditado um novo título IV ao livro I da parte I do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, com a designação «Vítima», sendo composto pelo artigo 67.º-A. Pelo artigo 5.º, é aprovado, em anexo, o Estatuto da Vítima. Pelo artigo 3.º, a Lei n.º 130/2015, aditou ao Código de Processo Penal o Artigo 67.º-A Vítima 1 – Considera-se: a) “Vítima”: i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime; ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte; b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social; c) …………………………………………….; d)……………………......................................... 2 – ……………………………….................. 3 – As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. 4 – ……….……………………………… 5 – ………..…………………………........ Estatuto da vítima
Definindo o “Objecto”, diz o artigo 1.º: «O Estatuto da Vítima (doravante, Estatuto) contém um conjunto de medidas que visam assegurar a protecção e a promoção dos direitos das vítimas da criminalidade, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão - Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001».
Inserto no Capítulo III - Direitos das vítimas da criminalidade, estabelece o
Artigo 16.º Direito a uma decisão relativa a indemnização e a restituição de bens 1 – À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 – Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. 3 – Os bens pertencentes à vítima que sejam apreendidos em processo penal deve m ser de imediato examinados e restituídos, salvo quando assumam relevância probatória ou sejam suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado.
Em abono do que se dirá a respeito do n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP, densificando uma ficção de especial vulnerabilidade, intrinsecamente, incontornavelmente ligada, conexionada com o conceito definido no artigo 1.º do CPP, alíneas j) e l) de criminalidade violenta e criminalidade especialmente violenta, vejamos o que contém o Capítulo IV do Estatuto da vítima - Estatuto de vítima especialmente vulnerável – artigos 20.º a 27.º, para se alcançar com visível facilidade que estamos perante uma mundividência, um específico palco de vida, que pouco ou nada tem a ver com a realidade de um roubo simples, praticado de dia, numa rua de uma cidade qualquer, por esticão, que pode ser de um cordão de ouro, de prata ou mesmo de fantasia.
Artigos 20.º - Atribuição do estatuto de vítima especialmente vulnerável, após avaliação individual da vítima com entrega de documento comprovativo do estatuto; 21.º - Direitos das vítimas especialmente vulneráveis com avaliação individual de tais vítimas, a fim de determinar se devem beneficiar de medidas especiais de protecção, especificando-se vítimas de violência sexual, violência baseada no género ou violência em relações de intimidade e exclusão da publicidade das audiências; 22.º - Direitos das crianças vítimas; 23.º - Recurso à videoconferência ou à teleconferência; 24.º - Declarações para memória futura; 25.º - Acesso a estruturas de acolhimento apoiadas pelo Estado; 26.º - Assistência médica e medicamentosa; 27.º - Comunicação social, reportando vítimas crianças, jovens ou outras pessoas especialmente vulneráveis.
Deste elenco normativo ressalta a ideia de que nos crimes de roubo simples não se coloca a convocação deste estatuto, para todos e cada um dos casos ocorridos. Por outras palavras: por alguma vez se alavancará a concretização de alguma destas medidas à vítima de roubo que não seja efectivamente de definir como especialmente vulnerável, por portadora de especial fragilidade, em função da idade, do estado de saúde ou de deficiência? Será a vítima de roubo simples objecto de avaliação individual para entrega de documento comprovativo do estatuto? Que medidas especiais de protecção se aplicam a vítimas de roubo? Por alguma vez são ou serão temporariamente alojadas em estruturas de acolhimento apoiadas pelo Estado? A não aplicação automática tem sido bastas vezes abordada pelo Tribunal Constitucional e por este Supremo Tribunal de Justiça, de forma maioritária pronunciando-se quanto a imposição da pena acessória de expulsão de estrangeiro, mas também relativamente a outras penas, efeitos penais. Atento o teor do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República, de harmonia com o qual “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, muito se discutiu se seria admissível a imposição (automática) a um cidadão que tivesse cometido determinado tipo de infracções, da pena acessória de expulsão. Este n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) e já proposto por Jorge Miranda em 1975, pretendeu acolher o entendimento de política criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas constante do artigo 65.º, n.º 1, do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro (sendo o teor deste preceito reproduzido ipsis verbis pelo texto constitucional, apenas incluindo “quaisquer” antes de direitos), impedindo o funcionamento de uma aplicação automática, meramente ope legis, relativamente a efeitos penais da condenação ou penas acessórias, constituindo um corolário do que o Professor Eduardo Correia chamava a “teoria unitária da pena”, a qual rejeita que se liguem automaticamente certos efeitos a certas espécies de penas, como acontecia dantes em relação às penas maiores. O princípio constitucional vertido no artigo 30.º, n. º 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência – por via directa da lei – da condenação por infracções de qualquer tipo (Acórdão n.º 282/86, Diário da República, 1.ª série, de 11 de Novembro de 1986). Na fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 470/99, de 14 de Julho de 1999, a que se fará referência, pode ler-se: “A medida de expulsão a ser decretada acessoriamente, em caso de condenação, pode implicar perda de direitos profissionais, civis e políticos de que o estrangeiro porventura goze. Como tal, quer se trate de pena acessória quer de efeito penal da condenação – questão que interessa abordar na economia do acórdão dada a existência de identidade de razões que esbatem os problemas e as dúvidas subjacentes (cf. v. g., Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pp. 157 e segs. e 177 e segs.) – o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da CR, segundo o qual «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos», princípio recolhido fielmente pelo legislador ordinário, no n.º 1 do artigo 65.º do Código Penal, impede o funcionamento de uma aplicação automática, meramente ope legis”. [Em relação à anterioridade ou não da norma do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República em relação ao artigo 65.º do Código Penal, acontece que este foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrando em vigor em 1 de Janeiro de 1983 (artigo 2.º), ao passo que o n.º 4 do artigo 30.º foi introduzido com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro de 1982]. Prossegue o acórdão n.º 470/99: “A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido, a este respeito, concludente, podendo citar-se, entre tantos outros, os Acórdãos n.º 16/84, 310/85, 75/86, 94/86, 249/92, 434/93, 288/94 e 41/95, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Maio de 1984, 11 de Abril de 1986, 12 e 18 de Junho de 1986, 27 de outubro de 1992, 19 de Janeiro de 1994, 17 de Junho de 1994 e 27 de Abril de 1995, respectivamente, 224/90, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 8 de Agosto de 1990, e mais recentemente, o Acórdão n.º 327/99 ainda inédito”. Neste sentido e pronunciando-se pela declaração de inconstitucionalidade, por violação daquele n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, podem ver-se, inter altera, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: Acórdão n.º 91/84, proferido em sessão plenária de 29 de Agosto de 1984, processo n.º 137/84, Diário da República - I Série, n.º 232, de 6 de Outubro de 1984, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º do Decreto Legislativo da Assembleia Regional dos Açores n.º 18/84/A (versa sobre isenção de direitos de importação de matérias primas para a indústria de bordados), na medida em que prevê a medida de encerramento de estabelecimento e de proibição do exercício da actividade industrial de bordados como efeito necessário de condenação pelo descaminho de direitos. Acórdão n.º 282/86, de 21 de Outubro de 1986, proferido no processo n.º 4/85, publicado no Diário da República, I Série, n.º 260, de 11 de Novembro de 1986, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do § único do artigo 160.º do Código da Contribuição Industrial de 1963, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45.103, de 1-07-1963, que estipulava que ao técnico de contas julgado por determinadas transgressões fiscais seria cancelada a inscrição se a decisão viesse a ser condenatória, e da norma do § único do artigo 130.º do Código do Imposto de Transacções de 1966, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.066, de 1-07-1966, que dispunha similarmente; Os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 16/84, processo n.º 27/83, 127/84, processo n.º 83/84 e 310/85, processo n.º 37/85 (publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Maio de 1984 (e no BMJ n.º 341, pág. 174), de 12 de Março de 1985 e de 11 de Abril de 1986 (e no BMJ n.º 360, Suplemento, pág. 837), julgaram inconstitucional o n.º 1 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar (CJM), e na sequência destes arestos e ainda dos acórdãos n.ºs 75/86 e 94/86 (publicados no Diário da República, II Série, de 12 e de 18 de Junho de 1986), veio o Acórdão n.º 165/86, tirado em sessão plenária de 20 de Abril de 1986, no processo n.º 7/86, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Junho de 1986, declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade daquela norma do Código de Justiça Militar, que determinava que «a condenação de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente por crime de ultraje à Bandeira Nacional, deserção, falsidade, infidelidade no serviço, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança produz a demissão, qualquer que seja a pena imposta». Acórdão n.º 255/87, de 26 de Junho de 1987, processo n.º 225/86, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Agosto de 1987, julgando inconstitucional a norma do artigo 37.º, n.º 2, do Código de Justiça Militar, que estatuía que «a condenação pelos mesmos crimes (os referidos no n.º 1) de oficial ou sargento dos quadros de complemento, bem como das praças graduadas em situação militar equivalente, produz a baixa de posto»; Acórdão n.º 284/89, de 9 de Março de 1989, publicado no Diário da República, II Série, Suplemento, de 12-06-1989 (e BMJ n.º 385, pág. 159), julgando inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 9/77/M, de 27 de Agosto, que proibia a entrada nos casinos de Macau a indivíduos condenados pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º e 15.º da mesma lei; Acórdão n.º 224/90, de 26 de Junho de 1990, publicado no Diário da República, I Série, de 8 de Agosto de 1990 (e no BMJ n.º 398, pág. 245), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada de 1954 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.672, de 20-05-1954), que proibiam indivíduos condenados pela prática de determinados crimes de conduzir veículos automóveis, enquanto não fossem reabilitados; Acórdão n.º 249/92, sobre o artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 69/78, de 3-11, que previa a comunicação à comissão recenseadora da freguesia da naturalidade do condenado em pena de prisão por certos crimes para privação da capacidade eleitoral activa; Acórdão n.º 748/93, de 23 de Novembro de 1993, processo n.º 109/93-1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 23-12-1993 (e BMJ n.º 431, págs. 124 e ss.), que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas de várias leis eleitorais de 1976, 1979 e 1980, na parte em que estabeleciam a incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso enquanto não expiassem a respectiva pena. Acórdão n.º 327/99, de 26 de Maio de 1999, proferido no processo n.º 144/99, da 3.ª Secção, julgando que o n.º 7 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, deve ser interpretado conforme à Constituição no sentido da não automaticidade da perda de veículo em que foi cometida uma contra-ordenação e da inadmissibilidade da sua decretação se for manifestamente desproporcionada à gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente. Já neste século, o acórdão n.º 154/2004, de 16 de Março de 2004, processo n.º 254/2000, Diário da República, I Série - A, de 17 de Abril, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98, de 19 de Agosto, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP (proibição de acesso à profissão de motorista de táxi, na sequência da condenação em pena de prisão superior a três anos sem qualquer ponderação do caso concreto). Acórdão n.º 564/2007, sobre o artigo 189.º, n.º 2, alínea b) do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18-03, que previa a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente, sendo confirmado pelo acórdão do TC n.º 173/2009, com força obrigatória geral. Igualmente inconstitucionais as sanções penais automáticas da destituição de cargo, perda de mandato e demissão de titulares de cargos políticos, previstas nos artigos 28.º a 31.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, nos acórdãos de 11 de Julho de 1990, publicado no BMJ n.º 399, págs. 219 e seguintes e na Colectânea de Jurisprudência 1990, tomo 4, pág. 8, e de 11 de Janeiro de 1995, proferido no recurso n.º 43.254, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 170, e mais tarde, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 14/96, proferido no recurso n.º 45 706, da 3.ª Secção, de 7 de Novembro de 1996, publicado no Diário da República, I.ª Série - A, n.º 275, de 27 de Novembro de 1996, e no BMJ n.º 461, pág. 54, resolvendo a citada querela a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, e fixando a seguinte jurisprudência: “A imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação”. E, pese embora as sucessivas modificações legislativas, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a acentuar a ponderação, a razoabilidade, a necessidade, a adequação e a proporcionalidade ínsitas à sua aplicação – exemplificativamente, os acórdãos de 12-06-1996, processo n.º 303/96-3.ª Secção, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 197, a propósito do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e citado no AUJ n.º 14/96; de 10-07-1996, do mesmo Relator, no processo n.º 48675, na mesma CJSTJ, pág. 229; de 03-07-1997, processo n.º 529/97; de 08-10-1997, proferido no processo n.º 671/97; Sumários de Acórdãos do STJ – Gabinete de Assessoria (SASTJ) n.º 14, pág. 134; de 26-11-1997, processo n.º 878/97, SASTJ, n.º 14/15, pág. 184; de 15-04-1998, BMJ n.º 476, pág. 66; de 17-06-1998, BMJ n.º 478, pág. 101 (como verdadeira pena, a expulsão não pode afastar-se, na sua concretização, do que se dispõe no artigo 71.º do CP, não devendo ser decretada se da matéria de facto apurada resulta a desnecessidade da sua imposição); de 17-02-1999, processo n.º 1453/98, in BMJ n.º 484, pág. 281 (A necessidade e justificação da pena acessória de expulsão tem que ser avaliada sempre em cada caso concreto, não constituindo nunca uma consequência automática da condenação, e citando o Assento n.º 14/96 e o acórdão do TC n.º 181/97, processo n.º 402/96, de 5 de Março); de 12-04-2000, processo n.º 46/2000, SASTJ, n.º 40, pág. 45 (A pena de expulsão não é consequência automática da condenação por comportamento criminoso, o que desde logo resulta do n.º 1 do art. 101.º do Dec. - Lei n.º 244/98, ao referir que pode ser aplicada a pena acessória de expulsão, em conformidade com o disposto no art. 65.º, n.º 1, do CP e no art. 30.º, n.º 4, da CRP. A decisão de expulsão deve, pois, revelar-se necessária, justificada, proporcionada ao fim prosseguido, em justo equilíbrio entre os interesses do arguido e do Estado, ponderação que deve fazer-se tendo como suporte a situação concreta); de 06-10-2004, processo n.º 2502/04 - 3.ª Secção; de 14-10-2004, processo n.º 3018/04 – 5.ª Secção; de 06-01-2005, processo n.º 3490/04 –5.ª; de 11-05-2005, processo n.º 1279/05 - 3.ª Secção, in SASTJ, n.º 91, pág. 127; de 19-05-2005, processo n.º 1126/05-5.ª Secção, in SASTJ, n.º 91, pág. 149; de 08-06-2005, processo n.º 1672/05 - 3.ª; de 6-10-2005, processo n.º 2632/05; de 08-06-2006, processo 1923/06-5.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 211 (fazendo aplicação do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 244/98, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10-01); de 06-09-2006, processo n.º 1391/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 179 (A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8.º, n.º 2, da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem); de 27-09-2006, processo n.º 2802/06 - 3.ª; de 16-11-2006, processo n.º 4088/06 - 5.ª; de 27-09-2006, processo n.º 2802/06-3.ª, do mesmo relator dos acórdãos de 06-10-2004 e de 06-09-2006; de 16-01-2008, proferido no processo n.º 4638/07-3.ª, em que interviemos como adjunto e em que é citado o trecho acima transcrito do acórdão de 06-09-2006 (processo n.º 1391/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 179), e publicado in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 198, onde se concluiu: “Inexistem circunstâncias bastantes que justifiquem a aplicação da pena acessória de expulsão do arguido do território nacional, e que por isso há que revogar a decisão recorrida a tal respeito.”; de 31-01-2008, processo n.º 1411/07 – 5.ª; de 26-03-2008, processo n.º 444/08 – 3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 583/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1901/07 - 5.ª Secção; de 17-04-2013, proferido no processo n.º 2/10.9SHLSB-A.S1 - 3.ª Secção; de 12-06-2013, por nós relatado no processo n.º 919/03.7PTLSB-D.S1. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2008, nota 3, em comentário ao artigo 65.º, pág. 219, entende que continua a valer a jurisprudência do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/96 em relação ao artigo 151.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho. Alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a invocar o artigo 8.º da CEDH e decisões do TEDH, proclamando a necessidade de um justo equilíbrio entre, por um lado, o direito da pessoa a expulsar, como o direito ao respeito da vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções criminais, por outro. Neste sentido, para além dos citados acórdãos de 12 de Junho e de 10 de Julho de 1996, podem ver-se os acórdãos de 06-02-1997, processo n.º 1059/96, SASTJ, n.º 8, pág. 82; de 05-03-1997, processo n.º 1011/96, SASTJ n.º 9, pág. 60; de 09-04-1997, processo n.º 1322/97, BMJ n.º 466, pág. 392 e de 19-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 159, todos do mesmo Relator daqueles e o de 09-04-1997, processo n.º 1269/96, BMJ n.º 466, pág. 162, em que aquele interveio como adjunto, e os acórdãos de 06-10-2004, de 06-09-2006 e de 27-09-2006, supra citados. Revertendo ao caso concreto. O acórdão recorrido, a fls. 1033/5, fundamentou a condenação no pagamento de reparação oficiosa nestes termos: «7. Fixação oficiosa de indemnização civil O Ministério Público requereu (cfr. Ref. 1Ó4715932) que caso não seja deduzido pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 72.° e segs. do Código de Processo Penal, e uma vez que as vítimas a tal expressamente se não opuseram haverá lugar ao arbitramento pelo Tribunal de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pelas vítimas, em caso de condenação, nos termos conjugados do disposto nos artigo 67.°-A, n.° 3 e artigo 82.°-A do Código de Processo Penal e ainda no artigo 16.°, n.° 2 do Estatuto da Vítima (artigo 1.°, n.° 1, al. j) ou 1) do Código de Processo Penal e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/03/2008, rel. Cons. Rodrigues da Costa, in dgsi.pt). O arguido não se pronunciou sobre essa matéria. Nenhuma das vítimas deduziu pedido de indemnização civil nem declarou nos autos que renunciava à indemnização. De acordo com o artigo 82.°-A do Código de Processo Penal, “não tendo sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72. ° e 77. °, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham" (n.° 1). De acordo com o preceituado no artigo 67.°-A, n.° 1, al. a), subalínea i), do Código de Processo Penal, considera-se «Vítima» a "pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado poração ou omissão, no âmbito da prática de um crime". As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b), do n.° 1, conforme estatuído no n.° 3, do artigo 67.°-A do Código de Processo Penal. Nos termos do artigo 1.°, als. j) e 1), do Código de Processo Penal, “Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: (.. .)j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos* Preceitua o artigo 16.° (Direito a uma decisão relativa a indemnização e a restituição de bens), do Estatuto da Vítima (EV), aprovado pela Lei n.° 130/2015, de 04/09, que “1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A. do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. 3 - Os bens pertencentes à vítima que sejam apreendidos em processo penal devem ser de imediato examinados e restituídos, salvo quando assumam relevância probatória ou sejam suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado." (o sublinhado é nosso). O ilícito-típico de roubo em causa neste processo subsume-se à criminalidade especialmente violenta (cf. artigo 1.°, al. 1), do Código de Processo Penal), pois é punido com pena de prisão até 8 anos, logo a lei atribui automaticamente às vítimas o estatuto de especialmente vulneráveis. Neste sentido cfr. Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, “Ofendida, lesada, assistente, vítima— definição e intervenção processual” in Revista Julgar Online, fevereiro de 2019, onde refere “Além dos casos de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta” (definidos no artigo 1.°, als. j) e l), do Código de Processo Penal respetivamente), em que (por força do artigo 67.°-A, n.° 3, do CPP), automaticamente são consideradas “vítimas especialmente vulneráveis”, nos demais casos, só as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes, após avaliação individual da vítima, podem atribuir-lhe o estatuto de “vítima especialmente vulnerável”, tendo em atenção a definição constante do artigo 67. °A, n. ° 1, al. b), do CPP (que exige que “a vítima apresenta uma especial fragilidade que resulta, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”)”. Mais refere Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias que “Agora, em relação às “vítimas especialmente vulneráveis”, segundo o artigo 16.°, da Lei n.° 130/2015 (o que já anteriormente sucedia com as vítimas de violência doméstica por força do artigo 21.°, da Lei n.° 112/2009), é aplicável o disposto no artigo 82.º-A, do CPP, sendo, por isso, obrigatória (não tendo sido deduzido pedido cível no processo ou em separado nos termos dos artigos 72. ° e 77.°) a fixação de indemnização em caso de condenação por crime enquadrável na criminalidade violenta (tendo em atenção a definição do artigo 1.°, al. j), do CPP, por exemplo, no caso do crime de violência doméstica e em grande parte dos crimes sexuais) e na criminalidade especialmente violenta (tendo em atenção a pacífico a jurisprudência (entre outros, Acórdão do STJ de 31.01.2012, processo n.° 2381/07.6PAPTM.E1S1, relator Raul Borges, consultado no site da dgsi), que sustenta que o crime de roubo integra-se na definição de “criminalidade especialmente violenta” do art.1.º al. l), do CPP.)” (ob. cit.) Assim sendo, a lei impõe o arbitramento de indemnização às “vítimas especialmente vulneráveis” nos casos de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta”, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente (o que não aconteceu no caso concreto), neste sentido cfr. o Ac. do STJ de 26/02/2019, proc. n.° 54/16.8PEALM.L1-5, in www.dgsi.pt> no qual se refere que “Da leitura conjugada dos artigos 16°, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n° 130/2015, de 04/09, 67°-A, do CPP e 82°-A, do mesmo Código, resulta a imposição (excepto no casos em que a vítima expressamente se opuser) ao Tribunal de fixar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime. (...) Mas, não há que chamar à colação para a respectiva determinação as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, visto que a sua atribuição não é regulada pela lei civil, mas de acordo com o disposto nos artigos 16°, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n° 130/2015, de 04/09, 67°-A. e 82°-A., do CPP, sendo que estes se não reportam a uma verdadeira indemnização, mas à reparação dos prejuízos — uma vez que a quantia é tida em conta em acção que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o n° 3, do mesmo artigo - figuras jurídicas não exactamente coincidentes, pelo que somos levados a concluir que o que o legislador pretendeu foi afixação de reparação, ainda que tenha utilizado deforma lata o termo “indemnização”, o que conduz a que seja calculada de acordo com a equidade”. Através do arbitramento de um montante pecuniário no interior do processo penal de reparação pelas perdas e danos que à vítima seja devido, é possível realizar mais eficazmente não só as compreensíveis exigências de economia processual, mas também as necessidades “de protecção do lesado e de auxílio à função repressiva do direito penal" (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 543). Revertendo ao caso concreto, da análise dos factos provados constata-se que o arguido AA ao praticar os referidos factos ilícitos, dolosos e danosos está obrigado a reparar/indemnizar pelos danos causados. Perscrutado o elenco dos factos provados importa então fixar o montante de: - 1500 € (mil e quinhentos euros) a pagar pelo arguido à vítima BB pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.2 a 1.8; - 500 € (quinhentos euros) a pagar pelo arguido à vítima CC pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.9 a 1.14; - 500 € (quinhentos euros) a pagar pelo arguido à vítima EE pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.15 a 1.20; - 700 € (setecentos euros) a pagar pelo arguido à vítima DD pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.21 a 1.25; - 700 € (setecentos euros) a pagar pelo arguido à vítima FF pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.26 a 1.30; - 500 € (quinhentos euros) a pagar pelo arguido à vítima GG pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.36 a 1.39; e - 500 € (quinhentos euros) a pagar pelo arguido à vítima HH pela prática dos factos referidos supra nos pontos n.°s 1.40 a 1.44.» Analisando. Por tudo quanto foi exposto, é bem de ver que se entende não ter cabimento no caso concreto a imposição de reparação oficiosa. Estabelece o artigo 1.º do CPP: “Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: j) «Criminalidade violenta» as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; l) «Criminalidade especialmente violenta» as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos”. A alínea j) tem a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, com entrada em vigor em 29-10-2010. Como refere o acórdão recorrido, bem como o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer emitido, no acórdão de 31-01-2012, por nós relatado no processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1S1, entendeu-se que o roubo se enquadra na criminalidade especialmente violenta, como o fizemos igualmente no acórdão de 20-06-2018, por nós relatado no processo n.º 1137/17.2PBPDL.S1, mas em tais casos não estamos perante uma qualquer aplicação automática. Os conceitos de criminalidade violenta ou altamente organizada são de convocar para efeitos de elevação de prazo de duração máxima de prisão preventiva, como expressamente comanda o artigo 215.º, n.º 2, do CPP. Foi de resto neste sentido que a criminalidade violenta foi invocada no acórdão de 13 de Março de 2008, proferido no processo habeas corpus n.º 924/08 da 5.ª Secção. Este acórdão é invocado pelo Ministério Público ao requerer a reparação oficiosa, mas com o devido respeito não será prestável para o efeito pretendido, não só em função da específica sede em que foi invocado, como sendo decisão datada, de 2008, há que ter em conta a nova redacção das alíneas j) e m) dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, em vigor desde 29-10-2010. Na definição do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, a criminalidade especialmente violenta, como de resto, ocorre com a criminalidade violenta, na alínea j), é definida em função da natureza do bem jurídico violado, prevalecendo a tutela de direitos de personalidade – vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual –, a que acrescem as condutas dirigidas contra a autoridade pública, e, cumulativamente, da ordem de grandeza da pena cabível ao caso – pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos ou a 8 anos. Anota-se que na versão originária do CPP o artigo 1.º, n.º 2, reportava criminalidade violenta, a par de criminalidade altamente organizada e terrorismo. A definição de criminalidade violenta, como a de criminalidade especialmente violenta, é de convocar em termos de determinação da medida da pena, em função do incontornável atendimento ao disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, que privilegia a atenção ao bem jurídico tutelado, e a ela se deve confinar, não podendo ser convocada, em registo de dupla valoração na contribuição de imposição de reparação da vítima, pois não se estando propriamente nos terrenos da indemnização civil, até porque a atribuição de reparação oficiosa pressupõe necessariamente, a ausência de dedução do pedido de indemnização civil pelo ofendido, actuando o Estado em jeito supletivo, na onda do dito “seguro social” de que se falava em 1982, suposta a não oposição do destinatário/favorecido com o montante compensatório não procurado, não pedido, mas oficiosamente atribuído, estaremos na interacção do plano puramente penal, face a um exercício de imposição de um bis in idem, no plano penal, circunstância de evitar. Na verdade, a imposição de reparação é de considerar como efeito patrimonial conexo da pena. Por outro lado, é de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis. Relembrando, estabelece o n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP: 3 – As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. Tais vítimas são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. Mas, quais são os efeitos da alínea b) do n.º 1? A alínea b) contém apenas uma definição, começando por afirmar-se ser pessoa com especial fragilidade, resultante dos factores que invoca. a) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social. A especial fragilidade aproxima-se do conceito de vítima especialmente indefesa presente na Lei de Política Criminal n.º 51/2007, de 31 de Agosto (entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, valendo para o biénio de 2007-2009), em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprovou a Lei Quadro da Política Criminal, a que se seguiu a Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009), definindo os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011 (abarcando o período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011), na qual em relação à versão anterior o adjectivo “vulneráveis” substituiu “indefesas” e foi aditado “imigrantes” na alínea b) do artigo 2.º. Seguiu-se a Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, para o biénio de 2015-2017, sendo que no elenco dos fenómenos criminais de prevenção prioritária definidos no artigo 2.º não é mencionado o crime de roubo, mas antes na alínea b) “A criminalidade violenta organizada ou grupal”, reportando na alínea “d) Os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis”, referindo o artigo 8.º planos de policiamento de proximidade ou programas especiais de polícia destinados a prevenir a criminalidade “a) Contra pessoas idosas, crianças e outras vítimas especialmente vulneráveis. O diploma entrou em vigor em 1 de Setembro de 2015, três dias antes da publicação da Lei n.º 130/2015. Anota-se que no Anexo a que alude o artigo 14.º, o crime de roubo não é mencionado vez alguma. Na Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto, para o biénio de 2017-2019, entrada em vigo rem 24-08-2017, não é referenciado o roubo, referindo-se a “criminalidade violenta organizada ou grupal” na alínea b) do artigo 2.º e na alínea e) correspondente à anterior d) foram incluídos os idosos, estabelecendo: “e) Os crimes praticados contra crianças e jovens, idosos e outras pessoas vulneráveis”, e estabelecendo no artigo 8.º, alínea a) o mesmo que a anterior Lei. Do mesmo modo, no Anexo a que se refere o artigo 17.º não é mencionado o crime de roubo. Para Teresa Serra, abordando a especial vulnerabilidade, em Homicídios em Série (Jornadas de Direito Criminal, 1995/6, editado em 1998, II Volume), a fls. 154/5, afirma: “as crianças, a par dos idosos, dos deficientes ou grávidas, em virtude do especial desamparo e da vulnerabilidade em que pela sua própria natureza se encontram, quer pela sua idade, quer pela sua constituição, quer pelo seu estado, são ou estão por natureza ingénuas, no sentido de desprevenidas: umas porque o são de forma inerente (as crianças e os deficientes mentais), (…)”. Como vimos, para efeitos de reparação oficiosa, eram visadas as vítimas carenciadas, como constava do ponto 12 da Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII (pág. 134 supra), as vítimas particularmente carecidas de protecção, como assinalava Germano Marques da Silva (pág. 135 supra), apontando Henriques Gaspar como um dos pressupostos do arbitramento oficioso “que as condições da vítima sejam de tal modo precárias e revelem sérias dificuldades em consequência dos danos sofridos com a prática do crime, que «exigências particulares», no sentido de imperiosa protecção da vítima, imponham o arbitramento oficioso da reparação (pág. 136 supra). A ideia era ter em atenção pessoas reais, com vivências especiais, e não tanto destinatários de ficção. Em relação a todos os funcionários abordados pelo arguido não há elementos na matéria de facto de que se retire estarmos perante pessoas frágeis, em função da sua idade, do seu estado de saúde, tudo factores desconhecidos, sendo certo que por duas ocasiões houve confronto físico, com consequências no primeiro caso, com empurrão no arguido e envolvimento físico de ambos no caso de FF proprietário do maço de tabaco “LM”, no valor de 4,50 €, e na tentativa no ... em que a funcionária fechou a caixa registadora e pôs-se em fuga. Pelo exposto, entende-se ser de revogar este segmento condenatório. Decisão Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e em consequência: I – Reduzir as penas aplicadas aos crimes de roubo constantes dos NUIPC 1305/18…. – FP 1.21 a 1.25 – Factos de 25-10-2018 – fixando-se a pena para 18 meses de prisão. NUIPC 846/18… – FP 1.26 a 1. 30 – Factos de 26-10-2018 – fixando-se a pena em um ano de prisão. NUIPC 848/18.... – FP 1.31 a 1. 35 – Factos de 26-10-2018, pelas 18h45m – fixando-se a pena em 6 meses de prisão. II – Manter as demais penas parcelares. II – Fixar a pena única em cinco anos de prisão efectiva. III – Revogar a condenação por perda de vantagens IV – Revogar a condenação por reparação oficiosa. Sem custas. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Tem voto de conformidade do Exmo. Conselheiro Adjunto Manuel Augusto de Matos. Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 3 de Junho de 2020
Raul Borges (Relator) |