Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3595/06.1TBBCL-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: NEGÓCIO JURÍDICO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA FUTURA
SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO GERENTE
TERCEIRO
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :




I - A qualificação do contrato passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos arts. 236.º e segs. do CC.

II - Na cessão da posição contratual verifica-se uma modificação subjectiva operada num dos pólos da relação contratual básica, que não prejudica a identidade da relação.

III - Cedida a posição contratual, o cedente desliga-se do contrato-base, que passa a vigorar e a produzir efeitos apenas entre o cedido e o cessionário, nas mesmas condições em que vigorava entre o cedido e o cedente à data da cessão (a cessão da posição contratual produz efeitos ex nunc)

IV - Com a cessão, os cedentes perdem o(s) direito(s) de crédito correspondente(s) à posição contratual cedida, assim como se libertam das correspondentes obrigações e deveres acessórios, tudo se transmitindo para os cessionários, que passam a ser a contraparte do cedido.

V - É incompatível com a fisionomia da cessão a manutenção da ligação dos cedentes à relação contratual básica.

VI - Na venda de bens futuros, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (art. 880.º do CC).

VII - Tratando-se de um contrato-promessa de compra e venda de coisa futura, há-de o promitente-vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente-comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender.

VIII - Nada dizendo a lei acerca das diligências que o promitente deve implementar, nem resultando elas de convenções ou das circunstâncias do contrato ajuizado, poderá o promitente-vendedor adquirir ao terceiro proprietário a coisa prometida vender e depois outorgar com o promitente-comprador a escritura definitiva, assim como poderá ainda negociar com o terceiro proprietário de modo a conseguir que este outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente-comprador, nas condições estipuladas no contrato-promessa.

IX - Em qualquer dos casos se obterá a satisfação do interesse do credor/promitente-comprador em adquirir o bem prometido vender, sendo cumprida a obrigação que do contrato-promessa resulta para o promitente-vendedor (de bem futuro).

X - A aquisição posterior à celebração do contrato-promessa de compra e venda de bem futuro pela sociedade da qual os promitentes-vendedores são os únicos sócios e gerentes, não é susceptível de, por si só, tornar impossível ou dificultar a celebração da escritura pública do contrato-prometido que aqueles, em nome próprio, se obrigaram a celebrar com os promitentes-compradores.
Decisão Texto Integral:
Relatório
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No tribunal Judicial da Comarca de Barcelos corre termos uma acção executiva que,
AA e
BB
moveram contra
CC e esposa,
DD,
Para deles haver a quantia de 35.000 €, titulada pelo cheque emitido pelo 1º executado, que apresentado à cobrança ,foi devolvido sem pagamento.
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Por apenso à referida execução, vieram os executados deduzir a presente oposição, alegando muito resumidamente que o cheque exequendo foi revogado por ordem dos oponentes, porquanto representava o sinal e princípio de pagamento de uma promessa de cedência da posição contratual que os exequentes detinham num contrato-promessa relativo à compra e venda de determinado prédio urbano (lote destinado à construção) (– os exequentes detinham nesse contrato a posição de promitentes compradores –), mas que não cumpriram, visto que, contrariamente ao acordado, não tinham qualquer intenção de suportar os custos inerentes à alteração do alvará de loteamento, razão que levou os executados a revogar a ordem de pagamento titulado pelo cheque exequendo.
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Contestaram os exequentes, alegando que o incumprimento foi dos executados.
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Proferido despacho saneador e instruídos os autos procedeu-se a julgamento e, discutida a causa, foi proferida sentença final que julgou procedente a oposição e em consequência, extinta a execução.
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Recorreram os exequentes e com êxito, visto que a Relação, na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida e julgou a oposição improcedente, ordenando o prosseguimento de execução.
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É deste acórdão que inconformados, recorrem os oponentes/executados, agora de revista e para este S.T.J..
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Conclusão
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Apresentadas tempestivas alegações formularam os recorrentes as seguintes conclusões:
1-O caso sub judice decidendo levanta três questões sendo que a primeira se prende com a qualificação jurídica do contrato ora em crise e a segunda e terceira com a possibilidade de o mesmo ser cumprido pelos Recorridos e pelo promitente vendedor aquando da interpelação dos Recorrentes ocorrida em 09.08.06, e, consequentemente, ser prosseguido o fim contratual visado c o m a celebração do mesmo ;
2-A cessão da posição contratual é o negocio-jurídico através do qual um dos contraentes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático, transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo de direitos e obrigações q u e lhe advieram desse contrato."
3-A cessão da posição contratual implica uma modificação subjectiva numa relação contratual que, todavia, permanece a mesma , ou seja, a relação contratual que existia entre o cedente e o cedido é a mesma que passa a estar sujeito, após o novo negócio, o cessionário.
4-A cessão da posição contratual é um negócio que tanto pode ser gratuito como oneroso;
5-A redacção dada às cláusulas primeira e segunda do contrato ora em crise e que constam dos pontos 1 e 2 da matéria de facto dada como assente, cláusulas essas que delimitam o objecto do referido contrato e de onde resultam que os Recorridos " ( . . . ) prometem ceder os direitos de um contrato promessa de compra e venda celebrado em 16 de Fevereiro de 2006, do prédio urbano, destinado a construção urbana, designado pelo lote ..., sito no lugar do Paço Velho, freguesia de Vila Frescainha S. Pedro, concelho de Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o art. 656A/.S.Pedro" e ainda que "pelo preço de 176 000, 00 euros (...) prometem ceder a sua posição contratual ao cessionário, DD, ou a quem por esta for indicado que se compromete a comprar livre de ónus e encargos ou quaisquer responsabilidades, o imóvel identificado na cláusula anterior" impõem que se qualifique o referido contrato como contrato de cessão de posição contratual;
6- A qualificação como contrato de cessão de posição contratual do contrato celebrado entre Recorrentes e Recorridos impõe-se igualmente se tomarmos em atenção que os Recorridos providenciaram pela obtenção da necessária autorização para a cessão da posição contratual junto do promitente-vendedor do contrato-promessa de compra e venda e venda cuja posição contratual foi cedida aos Recorrentes e que, no decurso do presente processo as partes sempre agiram no pressuposto de terem celebrado um contrato de tal natureza;
7-Ainda que se considere que declarações negociais emitidas pelas partes e plasmadas no contrato em crise foram expressas de forma imperfeita, deve in casu fazer-se apelo aos critérios de interpretação dos negócios formais enunciados no art. 238°, n° 2, do CC que estatui que a declaração negocial imperfeitamente expressa pode assim valer com o sentido querido pelas partes se razões de forma não o impedirem.
8-A circunstância de as partes terem aposto no referido contrato uma condição e terem convencionado um preço e a entrega de um sinal, não significa que as partes quiseram celebrar um contrato-promessa de compra e venda futura, mas tão somente que as mesmas empregaram o regime legal e convencional, que disciplina o contrato que serviu de base à cessão, e ainda q u e se socorreram da faculdade prevista no art.º 406° do CC, que concede às mesmas a liberdade de aporem nos contratos as cláusulas que lhes aprouver;
9-O facto de o referido EE ter autorizado a cessão da posição contratual dos Recorridos nos moldes em que a mesma foi feita vinculava-o aos termos da mesma, nomeadamente à condição aposta no contrato de cessão da posição contratual, que o obrigava a aguardar a decisão administrativa sobre o pedido de informação prévia formulado pelos Recorrentes junto da Câmara Municipal de Barcelos que versava sobre a possibilidade de alteração do alvará de loteamento ao qual pertencia o lote de terrena objecto da promessa de compra e venda celebrado em 16.02.06 pelo que ao vender o imóvel à sociedade de que os Recorridos são sócios o referido EE ...impossibilitou a prossecução do fim contratual do contrato ora em crise;
10- O facto de do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 16.02.06 entre os Recorridos e EE constar a possibilidade de o contrato prometido poder ser celebrado com a sociedade de que os Recorridos são sócios, tal segmento da cláusula não pode vincular os Recorrentes e constituir motivo para obrigar os mesmos a celebrar com a referida sociedade qualquer tipo de negócio, nomeadamente o contrato prometido, porquanto é a referida sociedade um terceiro alheio ao contrato em análise;
11-No contrato ora em crise foram unicamente intervenientes os Recorrentes e Recorridos enquanto pessoas singulares, não fazendo o mesmo qualquer alusão à sociedade de que os m e s m o s são sócios.
12- A admitir-se que o contrato celebrado entre Recorrentes e Recorridos ainda poderia ser cumprido aquando da interpelação dos primeiros pelos. .segundos, tal implica que não reconhecer à referida sociedade personalidade jurídica e capacidade de exercício de direitos ( art.º 5º e 6º do CSC) e que o património da mesma é coisa diversa do património dos seus sócios.
13-A sociedade dos Recorridos é um terceiro relativamente aos intervenientes no contrato em crise;
14- Tendo o imóvel que tinha sido prometido vender sido adquirido pela sociedade pertença dos Recorridos, mister se torna concluir que houve lugar in casu a um incumprimento contratual, uma vez que a venda a terceiro do imóvel a que se refere o contrato-promessa configura u m a situação inequívoca de incumprimento definitivo desse contrato.
Do exposto resulta ter sido violadas in casu as normas constantes dos a r t . s 238°, 424° e 425° do CC e ainda o a r t . s 5o e 6o do C S C .
TERMOS EM QUE
Deve a decisão ora recorrida ser revogada e, consequentemente, ser mantida a decisão proferida em 1a i n s t â n c i a , pois só assim se fará
JUSTIÇA!

OS FACTOS
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São os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados:
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1 . 1 . Teor do documento escrito intitulado"Contrato de Cedência de Posição Contratual em C o n t r a t o Promessa de Compra e Venda", com data de 27 de Abril de 2006, assinado pelos exequentes e pelos oponentes, junto aos autos de execução a f l s . 15 a 16, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente da respectiva cláusula primeira, que os exequentes declararam que " ( . . . ) prometem ceder os direitos de um contrato de promessa de compra e venda celebrado em 16 de Fevereiro de 2006, do prédio urbano, destinado a construção urbana, designada pelo lote ..., sito no Lugar do Paço Velho, freguesia de Vila Frescaínha São Pedro, concelho de Barcelos, i n s c r i t o na matriz urbana sob o a r t i g o 656/V.F.S. Pedro."
1 . 2 . Da cláusula segunda do documento a que se alude em 1 .1 . consta que os exequentes " ( . . . ) pelo preço de 176.000,00 Euros (...) prometem ceder a sua posição contratual ao cessionário, DD, ou a quem por esta for indicado que se compromete a comprar livre de ónus e encargos ou quaisquer responsabilidades, o imóvel identificado na cláusula anterior."
1 . 3 . Da cláusula terceira do documento a que se alude em 1 . 1 . , consta que "como sinal e princípio de pagamento receberão ( . . . ) " os exequentes dos executados " ( . . . ) a quantia de 35.000,00 Euros (...) através do cheque n.° ... do BPI que ficará na posse da mediadora até ao deferimento da informação prévia para a instalação de um estabelecimento comercial destinado à venda de automóveis e comercialização de peças auto, caso o mesmo não seja autorizado será devolvido o cheque do valor do sinal e considerado o presente contrato nulo e sem qualquer efeito. (...) A informação prévia atrás referida será apresentada à C M B com o objectivo de ser alterado o alvará de loteamento existente para comércio de serviços no referido lote bem como a aprovação prévia da instalação no referido lote de um estabelecimento comercial para venda de automóveis sendo os custos suportados pelo ( . . . ) " executados.
1.4. Da cláusula sexta do documento a que se alude em 1. consta que "A escritura de compra e venda terá de ser realizada no prazo máximo de 60 dias após o deferimento da informação prévia enunciada na cláusula Terceira ( . . . ) " .
1 . 5 . Da cláusula sétima do documento a que se alude em 1. consta que "A escritura de compra e venda, será marcada pelos ( . . . ) " pelos exequentes avisando do facto os executados " ( . . . ) com pelo menos 15 (...) dias de antecedência."
1.6. Da cláusula nona do documento a que se alude em 1 . , consta que "Na falta de cumprimento deste contrato, serão aplicadas as penalidades seguintes:
i) Na falta de cumprimento ( . . . ) " dos executados " ( . . . ) perderão estes a favor dos ( . . . ) " exequentes " ( . . . ) as quantias entregues por conta do preço estipulado.
i i ) No caso de falta de cumprimento ( . . . ) " dos exequentes " ( . . . ) ficaram estes obrigados a devolver em dobro o sinal . "
1.7. O oponente CC a preencheu o cheque a que se alude em 1. 3 . , com data de 07.08.2006, o qual foi pelos oponentes entregue à sociedade imobiliária "H..." e posteriormente endossado por e s t a ao exequente AA que o apresentou a pagamento. Apresentado a pagamento, o cheque foi devolvido na compensação do Banco de Portugal em 08.08.2006, com a menção "Falta Vício/Formação Vontade", uma vez que a ordem de pagamento havia sido revogada por ordem dos oponentes.
1.8. A celebração do acordo a que se alude em 1.1. foi o culminar das negociações havidas entre exequentes e oponentes, intermediadas pela sociedade "H... - Sociedade Imobiliária, Lda", socciedade essa a que os oponentes contactaram depois de passarem junto ao prédio referido em 1. 1 . e de avistaram a publicidade da sociedade, com a indicação de que o prédio se encontrava à venda.
1.9. No decurso das negociações, os oponentes alertaram a sociedade imobiliária de apenas estarem interessados na aquisição do terreno referido em 1.1 . caso o mesmo reunisse ás condições necessárias para a instalação de um estabelecimento comercial de automóveis e peças auto.
1 . 1 0 . Na data a que se alude em 1 . 1 . , para além do cheque referido em 1 . 7 . , os oponentes entregaram à sociedade imobiliária "H..." um cheque no valor de 500,00 Euros destinado ao pagamento dos custos do pedido de informação prévia a formular junto da Câmara Municipal de Barcelos .
1 . 1 1 . Através de carta datada de 20.07.2006, junta aos autos a fls. 25, os oponentes foram notificados pela Câmara Municipal- de Barcelos do deferimento" do pedido de informação prévia por eles formulado.
1.12. Mediante carta datada de 03.08.2006, junta aos autos a fla. 26 a 27, a sociedade "H..." informou os oponentes de que o cheque referido em 1.7 . iria ser apresentado a pagamento.
1.13. Mediante carta datada de 09.08.2006, junta aos autos a f l s . 28 a 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido, os exequentes notificaram os oponentes de que haviam apresentado a pagamento o cheque a que se alude e em 1.7 . e que o mesmo havia sido devolvido, " ( . . . ) Desta forma, vimos pela presente proceder à interpelação para cumprimento do contrato promessa de compra e venda no prazo máximo de três dias após a recepção desta carta , sob pena de perdermos interesse no cumprimento, tendo neste caso direito ao sinal acordado ( . . . ) . "
1.14. Em resposta à carta a que se alude em 1.13., os oponentes remeteram aos exequentes carta datada de 16.08.2006, junta aos autos a f l s . 30 a 33, cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual consta " ( . . . ) logo após termos tido conhecimento da decisão administrativa ( . . . ) necessária mas insuficiente para assegurar a concretização do negócio, V/. Ex.as apresssaram-se a descontar o cheque de s i n a l ( . . . ) . Na verdade, como é do v i . conhecimento a alteração do alvará de loteamento depende da vontade de terceiros, nomeadamente do titular do mesmo e proprietário do terreno . Ora, essa garantia de alteração do alvará do loteamento e o assumir desse compromisso pelo proprietário do terreno, bem como a sua autorização para a cedência da posição contratual não foram minimamente asseguradas por V/. Ex.as, não se encontrando em parte alguma qualquer declaração de vontade onde seja expressa a garantia de concretização do negócio ( . . . ) . "
1.15. Em resposta à carta a que se alude em 1.14., os exequentes remeteram aos oponentes c a r t a datada de 21.08.2006, junta aos autos a fls . 34 a 36, cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual consta " ( . . . ) vimos pela presente proceder à interpelação para cumprimento do contrato promessa de compra e venda, no prazo máximo de três dias após a recepção desta carta, sob pena de perdermos interesse no cumprimento, tendo neste caso direito ao sinal acordado ( . . . ) . "
1.16. Mediante escritura pública outorgada em 22 de Junho de 2006 no Cartório Notarial de Barcelos, EE e mulher declararam vender à sociedade " S...& M...C..., Lda", representada pelos exequentes, seus sócios gerentes , a q u a l declarou aceitar a venda, o prédio a que se alude em 1 . 1 .
1.17. Os oponentes dirigiram aos exequentes carta com data de 22.08.2006, junta aos autos a f l s . 45 a 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente " ( . . . ) V/. Ex.as já adquiriram o prédio objecto do contrato-promessa cujos direitos nos seriam cedidos, situação que, ao contrário • do alegado na v/. carta nos era completamente desconhecida e da qual só tomamos conhecimento através desta v/ missiva e que a ter acontecido inviabiliza por completo a celebração do contrato de definitivi de cessão da posição contratual (...) Assim sendo, e porque a impossibilidade de celebração do contrato de cessão da posição contratual se deve ao incumprimento por parte de"V/. Ex.as das obrigações contratualmente assumidas, não deixaremos de lançar mão de todos os meios legais de molde a defender os n/. interesses ( , , , ) , " „ , » _ , , - -
1 . 1 8 . Mediante documento escrito intitulado "Contrato Promessa de Compra e Venda", com data de 16 de Fevereiro de 2006, junto aos autos a fls. 83 a 85, cujo teor aqui se dá por reproduzido, EE e mulher declararam ser donos e legitimos possuidores do prédio a que se alude em 1.1., o qual declararam prometer vender aos exequentes ou à sociedade comercial de que estes são representantes legais, denominada "S...& M...C...", pelo preço de 90.000,00 Euros. Mais declararam que a título de sinal e princípio de pagamento os exequentes lhes entregaram, nessa data, 50.000,00 Euros, e que a escritura pública de compra e venda seria realizada logo que obtidos todos os documentos necessários para o efeito, mediante a notificação dos exequentes aos declarantes, com 15 dias de antecedência, do dia , hora e cartório em que a mesma se irá realizar , mas impreterivelmente a t é ao dia 30 de Junho de 2006, sendo que a falta de comparência ou a não celebração da escritura pública no prazo fixado, constituiria • para o contraente faltoso incumprimento definitivo. ' .. .
1.19. Mediante documento escrito intitulado "Autorização de Cessão de Posição Contratual", com data de 27.04.2006, EE declarou autorizar os exequentes a cederem a sua posição contratual de promitentes compradores aos oponentes, no documento a que se a l u d e em 1.18 .
II. Factos não Provados:
2.1. Em dia não concretamente apurado, teve lugar uma reunião com o representante l e g a l da sociedade "H...", em que a opoente mulher se apercebeu que os exequentes não tinham intenção de suportar os custos inerentes à alteração do alvará de loteamento.
2.2. No decurso das negociações a que se alude em 1 . 8 . , o representante legal da sociedade "H..." havia assegurado aos oponentes que o negócio só se concretizaria após a alteração do alvará de loteamento.
2.3. Juntamente com o documento a que se alude em 1.1., foram entregues aos oponentes cópias dos documentos a que se alude e em 1 .1 8 . e 1.1 9 .
Fundamentação.
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Resulta da prova que:
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1 – Em 16/2/2006 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda por via do qual, EE prometeu vender aos aqui exequentes, BB e AA ou à Sociedade “S...& M...C...” de que estes são os representantes legais, um determinado lote de terreno destinado à construção (lote 2), pelo preço de 90.000€;
2 – Os promitentes compradores entregaram ao promitente vendedor, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 50 €;
3 – Convencionou-se que a escritura de compra e venda seria impreterivelmente celebrada até ao dia 30/6/2006, sendo que a sua não celebração no prazo fixado constituiria, para o contratante faltoso, incumprimento definitivo;
4 – Posteriormente, em 27/4/2006, os referidos promitentes compradores celebraram com os executados, DD e marido CC um outro contrato que denominaram “Contrato de Cedência da Posição Contratual em Contrato de Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual os primeiros prometeram ceder à executada esposa, a sua posição contratual que adquiriram no citado contrato-promessa de 16/2/2006, pelo preço de 176.000€, comprometendo-se esta a comprar o imóvel em causa (cláusula 1ª);
5 – Estipularam que, como sinal e princípio de pagamento receberiam as cedentes a quantia de 35.000€ através do cheque nº 3595077756 do B.P.I; que ficava na posse da mediadora (H... – Imobiliária) até ao deferimento da informação prévia a apresentar na Câmara Municipal de Barcelos, para a instalação de um estabelecimento comercial destinado à venda de automóveis e comercialização de preços auto, no referido lote de terreno (cláusula 3ª);
6 – Acordou-se ainda que, no caso de não ser autorizado pela Câmara a instalação no lote do referido estabelecimento, ficaria o contrato de cessão sem efeito, devendo o cheque ser devolvido (cláusula 3ª);
7 – A restante parte do preço (141.000€) seria paga no acto da outorga da escritura definitiva de compra e venda (cláusula 5ª);
8 – Tal escritura seria realizada no prazo máximo de 60 dias após o deferimento da consulta prévia a fazer à Câmara Municipal (cláusula 6ª);
9- Convencionou-se, ainda, que a escritura de compra e venda seria marcada pelos cedentes (os aqui exequentes), que avisarão os cessionários (executados) com pelo menos 15 dias de antecedência (cláusula 7ª);
10 – Na falta de cumprimento dos cessionários perderão estes a favor dos cedentes o sinal, devendo os cedentes devolvê-lo em dobro se forem eles a incumprir o contrato (cláusula 9ª).
11 – Por documento escrito datado de 27/4/2006 o promitente vendedor, EE, autorizou os promitentes compradores (aqui exequentes) a cederem a sua posição contratual de promitentes compradores aos aqui executados.
12 – Porém, em 22/6/2006, foi outorgada escritura de compra e venda, por via da qual o promitente vendedor e esposa venderam à sociedade “S...& M...C... Lda.”, representada pelos exequentes (e cedentes no contrato de 27/4/2006), na qualidade de seus únicos sócios e gerentes, o prédio urbano a que se referem os 2 contratos acima referidos;
13 – Entretanto foi deferido pela Câmara Municipal de Barcelos a informação solicitada pelos executados, no sentido por eles pretendido, que disso foram notificados em 20/7/2006.;
14 – Por isso, por carta de 3/8/2006, a mediadora informou os executados de que iria entregar o cheque de 35.000 € aos exequentes (cheque referido no ponto 5);
15 – Mas , apresentado o cheque à cobrança, veio devolvido sem pagamento (por ter sido revogado pelos executados);
16 – Perante a devolução do cheque sem pagamento os cedentes/exequentes notificaram os executados/cessionários, por carta de 9/8/2006 para estes cumprirem o contrato-promessa de compra e venda no prazo de 3 dias, sob pena de perda de interesse no seu cumprimento, tendo, nesse caso, direito ao sinal acordado;
17 – Responderam os executados por carta de 16/8/2006 na qual justificam o não pagamento do cheque, alegando que a decisão da Câmara Municipal, sendo necessária não era suficiente para assegurar a concretização do negócio, visto que os exequentes não garantiram aos executados a alteração do alvará de loteamento, que depende do 3º proprietário do lote, o qual nem sequer autorizou a cessão da posição contratual convencionada no contrato de 27/4/2006;
18 -Responderam os exequentes pela carta de 21/8/2006., afirmando estarem cumpridas todas as condições convencionadas para a entrega e pagamento do cheque de sinal.
Informam que a autorização de cessão não é necessária visto que o prédio já se encontra em seu nome e interpelam os executados, mais uma vez “para o pagamento do sinal acordado e ainda em débito, a fim de ser marcada a escritura pública de compra e venda, “.
Referem finalmente que, se tal não for cumprido em 3 dias, perderão o interesse no cumprimento, com o correspondente direito ao sinal acordado, caso em que, tal cheque seria executado.
19 - A tal interpelação responderam os executados por carta de 22/8/2006.
Aí alegam, no que aqui interessa considerar, que celebraram com os exequentes um contrato-promessa de cessão da posição contratual e não um contrato-promessa de compra e venda.
Assim, uma vez que os exequentes já adquiriram o prédio em causa, inviabilizaram por completo a celebração do contrato definitivo de cessão da posição contratual.
Por conseguinte, o incumprimento do contrato fica a dever-se ao incumprimento definitivo dos exequentes, pelo que, qualquer tentativa de execução do cheque representativo do sinal, terá como consequência futura o pedido de indemnização por todos os prejuízos que lhes forem infligidos.
Portanto, como resulta claro desta última carta (de 22/8/2006), os executados consideraram definitivamente incumprido pelos exequentes o contrato de 27/4/2006, pelo que se recusaram a pagar o cheque que o executado marido tinha emitido como meio de pagamento do sinal aí convencionado.
Daí que os exequentes, possuidores do referido cheque, o tenham dado à execução, à qual se opuseram os executados nos termos do seu articulado de oposição que ora está em causa.
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Perante a complexa e confusa situação em que as partes se colocaram e face ao quadro factual que acima se descreveu, no essencial, decidiu a 1ª instância que foram os exequentes que não cumpriram o contrato-promessa de cessão da posição contratual que celebraram com os executados, já que, ao adquirirem em nome da sociedade “S...& M...C... Lda.” o prédio prometido comprar e vender pelo contrato-promessa de 16/2/2006, tornaram objectivamente impossível a cedência da sua posição contratual (de promitentes compradores) aos executados (com a realização da escritura definitiva de compra e venda deixou de haver qualquer posição contratual que pudessem ceder).
Portanto, nada seria devido pelos executados aos exequentes, procedendo a oposição daqueles.
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Mas, perante apelação dos exequentes, decidiu diferentemente a Relação.
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De facto, interpretando o contrato em lide, entendeu o acórdão recorrido que o contrato celebrado entre exequentes e executados, em 27/4/2006, pese embora, a nomenclatura usada pelas partes, não reveste a natureza de uma cessão da posição contratual, mas pelo contrário, a de um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, cujo incumprimento deve ser, imputado aos executados, daí a procedência da apelação e a improcedência da oposição.
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É desta decisão que se ocupa a presente revista.
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E, ao que pensamos, a questão da qualificação do mencionado contrato passará, de facto, pela sua interpretação tendo em conta as regras contidas nos Art.ºs 236 e seg. do C.C.
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Mas, antes disso, convém definir com precisão o que deve entender-se por cessão da posição contratual.
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A cessão da posição contratual prevista nos Art.ºs 424 e seg. do C.C., traduz-se no negócio jurídico por via do qual um dos contratantes de um contrato bilateral ou sinalagmático, transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato.
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Há, portanto, a distinguir sempre dois contratos que a doutrina denomina de contrato-base e contrato-instrumento, sendo o primeiro o negócio gerador dos efeitos cuja transmissão se pretende e o segundo o negócio por via do qual, esses efeitos são transmitidos ao terceiro.
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Assim, denomina-se cedente o contratante que transmite a posição adquirida no contrato-base, cessionário, o contratante que adquire a posição contratual transmitida, isto é, aquele que fica investido no complexo de direitos e obrigações que eram do cedente, e cedido, o contratante que, sendo a contra-parte do cedente no contrato-base, continua a ser a contra-parte do cessionário.
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Notar-se-à ainda que é sempre necessária a autorização do cedido, sob pena de o negócio não ser válido, e que, com o complexo de direitos e obrigações transmitido se transmitem também, todos os deveres e direitos laterais, secundários ou acessórios.
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Significa tudo o que acaba de dizer-se que na cessão da posição contratual, tal como a figura é desenhada na lei, o que se verifica é uma modificação subjectiva operada num dos pólos da relação contratual básica que não prejudica a identidade da relação.
Na verdade “a relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário: successio non producit novum ius sed vetus transfer” (cof. A. Varela – Das Obrigações em Geral – II – 4ª ed. – 371 e seg.).
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Assim definida a figura da cessão da posição contratual, vejamos se o contrato de 27/4/2006 pode qualificar-se como um negócio por via do qual os aqui exequentes cederam aos executados a posição contratual que adquiriram (de promitentes compradores) com a celebração do contrato – promessa de compra e venda de 16/2/2006, como decidiu a 1ª instância e pretendem os recorrentes.
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A situação é particularmente confusa e complexa, mas, mesmo assim, pensamos ser possível extrair do texto contratual um sentido razoável e que estará em consonância com o objectivo final pretendido pelas partes, tal como tudo seria entendido por um declaratário normalmente diligente colocado na posição dos contraentes.
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Vejamos:
Como se vê do contrato, fixou-se um preço para a “cedência da posição contratual” que foi de 176.000€, a pagar aos “cedentes”, isto é aos exequentes (cláusula 2ª), os quais, verificada a condição estipulada na cláusula 3ª, receberiam logo, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 35.000€ (titulada pelo cheque exequendo).
Por outro lado, a escritura de compra e venda teria de ser realizada no prazo máximo de 60 dias após o deferimento da informação prévia solicitada à Câmara Municipal de Barcelos (cláusula 6ª), sendo certo que, a não ser autorizada a instalação no lote, em questão, o estabelecimento pretendido pelos executados, o contrato ficaria sem efeito (cláusula 3ª).
A escritura de compra e venda seria marcada pelos 1ºs outorgantes (ou seja pelos exequentes/cedentes) que deveriam avisar os 2ºs (os executados/cessionários) pelo menos em 15 dias de antecedência (cláusula7ª).
As penalidades para o não cumprimento são previstas em relação aos exequentes e executados, ou seja em relação aos “cedentes” e “cessionários”.
(cláusula 9ª).
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Ora, todo este regime contratual é incompatível com um contrato de cessão da posição contratual, no qual, como se disse já, não há senão uma alteração subjectiva num dos pólos da relação contratual básica, mantendo-se a identidade dessa relação.
Portanto, cedida a posição contratual, o cedente desliga-se do contrato base, que passa a vigorar e a produzir efeitos apenas entre o cedido e o cessionário, nas mesmas condições em que vigorava entre o cedido e cedente à data da cessão (a cessão da posição contratual produz efeitos ex nunc , como se sabe).
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Porém, o que no caso concreto acontece é que, desde logo, os denominados cedentes não abandonaram a relação contratual básica, antes a ele se mantiveram ligados de modo incompatível com a fisionomia da cessão.
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Por um lado, começa por se fixar, como contrapartida da prometida venda do imóvel em questão, um preço muito diferente daquele que foi acordado no contrato-promessa base.
Na realidade é quase o dobro desse preço que devia ser pago aos ditos cedentes no momento da outorga da escritura definitiva de compra e venda.
Ora, se os exequentes tivessem cedido, pura e simplesmente, a sua posição contratual no contrato-promessa de 16/2/2006, teriam abandonado a relação jurídica por ele gerada, na qual teriam sucedido os executados na qualidade de cessionários, pelo que tal relação obrigacional passaria a valer apenas entre os cessionários e o cedido.
Logo, o preço fixado para a compra e venda prometida era 90.000€, dos quais os cessionários apenas teriam de pagar ao cedido, os 40.000€ em falta (sem prejuízo, evidentemente, do acerto de contas entre os cessionários e cedentes quanto à parte do preço já entregue ao cedido pelos cedentes a título de sinal).
De igual forma, também o sinal convencionado no contrato de 27/4/2006 é diferente do acordado no contrato-promessa base, ficou sujeito a condições diferentes e devia ser entregue, não ao cedido, mas aos exequentes/cedentes, que o poderiam fazer seu em caso de incumprimento.
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Por outro lado, enquanto no contrato-base (contrato-promessa de compra e venda de 16/2/2006) a escritura de compra e venda teria de ser realizada, impreterivelmente, até ao dia 30/6/2006, sob pena de incumprimento definitivo (trata-se, pois, de um prazo essencial), no contrato de 27/4/2006, a mesma escritura só teria de realizar-se no prazo máximo de 60 dias após o deferimento da informação prévia a que se refere a cláusula 3ª e era sobre os alegados cedentes que receia a obrigação de a marcar e disso avisar os cessionários com a antecedência de, pelo menos, 15 dias, o que igualmente é incompatível com um contrato de cessão da posição contratual, já que, a ser este o caso, o prazo para a efectivação da escritura seria o fixado no contrato-promessa de 16/2/2006, competindo aos executados, na qualidade de cessionários (que então teriam), a obrigação de a marcar, uma vez que ocupavam, então, a posição contratual antes detida pelos exequentes (de promitentes compradores) e era a estes que tal obrigação pertencia no contrato-base.
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Finalmente, dir-se-à, ainda, que na hipótese de a Câmara Municipal não ter dado parecer positivo à implantação no lote prometido vender, do estabelecimento pretendido vender, do estabelecimento pretendido, caso em que, segundo o previsto no contrato de 27/4/2006, este ficaria sem efeito, não se vê como alguma vez pudessem os executados, na qualidade de cessionários, opôs ao promitente vendedor, na qualidade de cedido, tal clausulado, visto que ele emerge, não do contrato-base, mas de acordo exclusivamente estabelecido com os cedentes, no contrato-instrumento e não há reserva nesse sentido (ARt.º 427 do C.C.), o que significa que tal cláusula também não faz sentido num contrato de cessão de posição contratual.
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Alegam os recorrentes que não pode dizer-se que a escritura de compra e venda teria de realizar-se até 30/6/2006, altura em que nem sequer estava ainda deferida a prévia informação administrativa referida na cláusula 3º do contrato de 27/4/2006, porquanto o promitente vendedor (o referido EE) sabia das condições em que foi efectuada a cessão da posição contratual e as aceitou tacitamente ao dar autorização para a referida cessão (argumento que poderia estender-se às demais objecções acima colocadas).
Porém, tal argumento não colhe.
Na verdade, nada nos autos revela ou indicia sequer, que o promitente vendedor sabia das condições em que teria sido efectuada a alegada cessão da posição contratual, nem existe nos autos qualquer factualidade de onde resulta que as aceitou tacitamente (como é sabido a declaração tácita há-de resultar de uma conduta concludente, isto é, de factos que com toda a probabilidade a revelem – Art.º 217º nº1 – 2º segmento – do C.C.-).
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Aliás, como observa A. Varela (ob. Cit.) “ O cedente e o cessionário é que discutem e acertam entre si o processo de composição de interesses próprios da cessão... o cedido, mesmo que tenha conhecimento (acidental ou não) desta composição, é apenas chamado a autorizar ou ratificar uma parte dela (se previamente não tiver dado o seu consentimento em branco) – a parte da transacção que consiste na transferência para o terceiro da posição jurídica assumida pelo cedente na relação contratual básica.
O cedido não dialoga, ou não tem normalmente que dialogar, com o cedente e o cessionário acerca do arranjo de interesses envolvente da transmissão que ele se limita a autorizar.”
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Portanto, não seria com esta argumentação que a cláusula 6ª do contrato de 27/4/2006 poderia considerar-se como adequada a um contrato de cessão da posição contratual.
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Postas estas prévias considerações, parece poder concluir-se que as cláusulas acima referidas não se enquadram no contexto de um contrato da cessão da posição contratual, no qual os cedentes abandonam a sua posição contratual no contrato-base, uma vez que a transmitem, em globo, para os cessionários.
Em virtude dessa transmissão, os cedentes perdem o(s) direito(s) de crédito correspondente(s) à posição contratual cedida, assim como se libertam das correspondentes obrigações e deveres acessórios, tudo se transmitindo para os cessionários, que passam a ser a contra-parte do cedido.
Ora nada disto ocorre no caso concreto como procurou demonstrar-se.
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Todavia, as referidas cláusulas fazem já todo o sentido se estivermos perante um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, embora, de coisa futura, que os exequentes, enquanto promitentes vendedores, implicitamente se obrigaram a adquirir – Art.º 880 do C.C. – (não se trata de um contrato-promessa de compra e venda de bens alheios – que, todavia seria igualmente válido – porquanto era do conhecimento dos executados que o imóvel em causa não pertencia ainda aos exequentes, nem estes se arrogarem serem os seus proprietários – Art.º 893 do C.C.-).
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Talvez por isso mesmo é que as partes redigiram a cláusula 12ª, a qual, no fim de contas, resume toda a economia do contrato e acaba por o caracterizar, com suficiente clareza, como um contrato-promessa de compra e venda, já que aí declaram ambas as partes...” que prometem vender e comprar o respectivo prédio urbano nas condições exaradas no presente Contrato de Promessa de Compra e Venda submetendo-se desde já ao preceituado no Art.º 830 do Código Civil”
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Concluímos, assim, que desconhecendo-se a vontade real das partes, a interpretação do contrato de 27/4/2006 há-de processar-se de acordo com os critérios normativos previstos nos Art.ºs 236 e seg. do C.C.
Ora, como é sabido, o que releva decisivamente para a interpretação de um contrato não é tanto a qualificação jurídica que as partes lhe atribuam, mas o respectivo conteúdo aferido de acordo com o critério fornecido pela teoria de impressão do destinatário consagrada na nossa lei.
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Como sintetiza Calvão da Silva (Estudos de Direito Comercial – 1996-102/217-).
“O alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um destinatário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e dos outros que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei”.
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No caso dos autos, apesar da nomenclatura utilizada pelas partes na denominação do contrato e na redacção de algumas das suas cláusulas, o certo é que uma análise mais cuidada e aprofundada do seu conteúdo, considerado globalmente, tendo em conta a finalidade que, com o negócio, as partes pretendiam obter e a regulamentação contratual, concreta dos interesses em questão, tudo aponta para que se qualifique o contrato de 27/4/2006 como um contrato-promessa de compra e venda de bem futuro.
Tal o sentido que um declaratário normal encontraria, se colocado na real posição dos contraentes, sendo certo que qualquer deles podia razoavelmente contar com esse sentido, que também encontra suficiente apoio no texto escrito do contrato, nomeadamente na sua cláusula 12ª, que, como se disse, verdadeiramente resume e caracteriza toda a economia do contrato.
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Consequentemente ao interpretar do mesmo modo o dito negócio concreto, não merece o acórdão recorrido qualquer censura já que não violou as regras da interpretação, nomeadamente o disposto no Art.º 238 do C.C.
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Assente, porém, que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda de bem futuro, surge imediatamente uma outra questão, que é a de saber a quem imputar o incumprimento definitivo desse contrato.
É que, além do mais, está provado que os exequentes (promitentes vendedores) adquiriram, na verdade, o prédio prometido vender, mas fizeram-no em nome e representação de uma sociedade comercial de que são os únicos sócios e gerentes, e não em seu nome próprio.
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Ora, não tendo a sociedade adquirente qualquer intervenção no contrato, defendem os executados/recorrentes que, quando interpelados para cumprirem pelos exequentes (cof. Cartas de fls. 28 e 34) não estavam obrigados a celebrar a escritura de compra e venda com a referida sociedade, que é a terceira e alheia ao contrato.
De contrário, implica não se reconhecer à referida sociedade personalidade jurídica própria, capacidade de exercício de direitos, bem como se traduz em confundir, o património social com o património próprio dos seus sócios.
Portanto, a venda do imóvel prometido a terceiro tornou impossível o cumprimento do contrato de 27/4/2006, o que terá de ser imputado aos exequentes.
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A argumentação, embora habilidosa não pode proceder, se mais não fosse porque abusiva.
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Ninguém põe em dúvida a completa autonomia jurídica entre a sociedade adquirente e os exequentes seus sócios, como é por demais evidente, pelo que não tem de ser para aqui chamados os Art.ºs 5 e 6 do C.S.C. que os recorrentes dizem violados.
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Por outro lado, atento a qualificação jurídica do contrato porque se optou, nenhuma censura merece a aquisição do imóvel em causa por parte dos exequentes (promitentes compradores – para si ou para a Sociedade de que são os únicos sócios e gerentes – no contrato-promessa de 16/2/2006 e promitentes vendedores desse mesmo imóvel no contrato de 27/4/2006).
Ao contrário, ao adquiri-lo, como que iniciaram a execução do contrato promessa celebrado com os executados, ou melhor, prepararam o respectivo cumprimento, já que este se tornaria impossível se os promitentes vendedores não adquirissem o prédio em questão como é óbvio.
Aliás, o prazo essencial fixado no contrato de 16/2/2006 impunha essa aquisição dentro do prazo convencionado sob pena de incumprimento.
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O que pode questionar-se é se, sendo assim, não deveriam os exequentes ter adquirido a propriedade do terreno em causa, em seu próprio nome, em vez de o terem feito em nome e representação da sociedade de que são os únicos sócios e gerentes, uma vez que esta entidade é terceira em relação ao negócio de 27/4/2006.
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A observação parece pertinente, mas é-o só na aparência, ou, pelo menos sob um ponto de vista estritamente formal que não pode prevalecer sobre a substância das coisas.
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Na verdade, no caso de venda de bens futuros, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (Art.º 880º do C.C.).
Ora, tratando-se de contrato-promessa, como é o caso, há-de o promitente vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato de compra e venda prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender.
Não diz a lei, em concreto, quais as diligências que o promitente deve implementar, nem, no caso, elas resultam de convenções ou das circunstâncias do contrato. Por isso, tanto poderia o promitente vendedor, adquirir ao terceiro proprietário a coisa prometida vender e depois outorgar com o promitente comprador a escritura definitiva, como poderia negociar com o terceiro proprietário de modo a conseguir, que este outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente comprador, nas condições estipuladas no contrato-promessa.
Em qualquer caso se obteria a satisfação do interesse do credor/promitente comprador em adquirir o bem prometido vender, pelo que teria sido cumprida a obrigação que do contrato-promessa resultava para o promitente vendedor (de bem futuro).
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Ora, é uma situação semelhante a esta última que ocorre no caso concreto. Acresce até, que no contrato-promessa de 16/2/2006 ficou acordado que o lote de terreno em questão, tanto podia vir a ser adquirido pelos exequentes (ali com a posição de promitentes compradores) em nome próprio, como pela sociedade comercial de que eles são os únicos sócios e gerentes.
Assim, encontrando-se o contrato-promessa de 27/4/2006 ligado funcionalmente ao contrato de 16/2/2006, porquanto foi com base na expectativa de aquisição do imóvel neste prometido comprar que se apoiou a posterior promessa de vender o mesmo imóvel convencionada no segundo contrato, parece que nada impedia a aquisição pela referida sociedade, tanto mais que sendo os exequentes os seus únicos sócios e gerentes, sempre ficaria na sua disponibilidade o cumprimento da prestação a que se obrigaram no contrato de 27/4/2006, no sentido de que, apesar de o património da sociedade não se confundir com o dos sócios, sendo os exequentes os únicos sócios e gerentes da adquirente, são eles que exclusivamente a representam e conformam a sua vontade.
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Mas, ainda que se entendesse que os exequentes deviam ter adquirido o imóvel em seu nome próprio, o certo é que, não obstante o terem adquirido para a sociedade, continuaram a ter sobre ele a disponibilidade acima referida e por isso, desde que em representação da sociedade, estivessem dispostos a cumprir o contrato-promessa de 27/4/2006, como efectivamente estavam e resulta inequivocamente dos autos, seria sempre abusiva a recusa dos oponentes de outorgar, como compradores, a escritura de compra e venda prometida no contrato de 27/4/2006, com um argumento puramente formal, completamente irrelevante, no caso, já que não se vê (nem vem minimamente alegado) qualquer tipo de prejuízo ou mero inconveniente, que lhes pudesse advir da substituição dos exequentes pela sociedade por eles representada.
Antes pelo contrário, pois que, por essa via, conseguir-se-ia o mesmo resultado que se obteria, caso fossem os exequentes, em nome próprio, os vendedores.
A satisfação do interesse do credor (no caso dos executados/oponentes e promitentes compradores), fim último de toda a obrigação, estava perfeitamente assegurada, pelo que a entender-se, numa perspectiva puramente formal, que os executados teriam direito de recusar a outorga da escritura com a sociedade proprietária do imóvel, por não ser parte no contrato-promessa, como pretendem, o exercício desse eventual direito seria manifestamente abusivo por não encontrar qualquer justificação na finalidade social ou económica do direito e contrariar os mais elementares princípios da boa-fé.
Aliás, convém não esquecer que a prestação pode ser efectuada por terceiro, sem que a isso se possa opor o credor (Art.º 767 nº1 do C.C.).
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Dir-se-à, no entanto, que, no caso, tratando-se de uma prestação de facere que se traduz na emissão de uma declaração de vontade negocial, estaremos perante prestação infungível, que, por isso, não pode ser efectuada por terceiro.
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Mas não é assim.
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Por um lado, a lei não distingue entre prestação de facere e de dare, pelo que ambas estão abrangidas, em princípio, pelo disposto no Art.º 767 nº1 do C.C.
Por outro lado a infungibilidade da prestação não pode ser vista em termos absolutos.
Na verdade, para os efeitos que ora nos interessam, o que releva é o eventual prejuízo do credor ou o acordo das partes.
Assim, a prestação só será infungível quando tenha de ser necessariamente cumprida pelo devedor, o que pode resultar da sua própria natureza ou de convenção das partes (cof. Nº2 do Art.º 767 do C.C.).
Só nestes casos é que o credor pode justificadamente recusar a prestação oferecida por terceiro. Mas, já nada impede tal prestação quando a substituição não prejudica o credor.
Pode, pois, falar-se, como observa Almeida Costa (Direito das Obrigações-4ªed. -467-) “de prestações tão-só relativamente infungíveis”, o que “ocorrerá quando apenas outra ou algumas pessoas, além do devedor, sejam capazes de cumprir a prestação a contento do credor”.
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Ora, no caso concreto, não existe convenção expressa e não se vê que a outorga da escritura pela sociedade, na qualidade de vendedora, devidamente representada pelos exequentes, possa determinar qualquer espécie de prejuízo para os executados.
Logo, nunca os oponentes podiam legitimamente ter recusado o cumprimento do contrato-promessa de 27/4/2006 com o fundamento de que, sendo a sociedade proprietária do lote prometido vender, terceira em relação ao contrato, não estavam obrigados a celebrar com ela o negócio prometido, pois do que se trata é que lhes foi oferecida a prestação a que tinham direito por terceiro, em condições que os oponentes não podiam recusar.
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Portanto, há que concluir, tal como o acórdão recorrido, que a transferência da propriedade do imóvel prometido vender pelos exequentes para a sociedade de que eles são os únicos sócios e gerentes (e por isso mesmo, cuja representação legal que lhes cabe exclusivamente) não tornou impossível ou sequer dificultou a celebração da escritura pública de compra e venda, que eles prometeram celebrar com os executados/oponentes.
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E, sendo assim, há também que concluir, que o incumprimento do contrato de 27/4/2006 apenas pode ser imputado aos promitentes compradores ora executados/oponentes, que, apesar de serem interpelados pelos exequentes para o cumprimento desse contrato, pelo menos por duas vezes (cof. Cartas de fls. 28 e 34) a tal se recusaram, primeiro, alegando que os exequentes não tinham qualquer intenção de suportar os custos inerentes à alteração do alvará de loteamento, tal como havia sido acordado com os executados no decurso das negociações (cof. Articulado inicial – pontos 15 e 16 e carta de fls. 30/31), o que não provaram (cof. Matéria de facto) e depois, estribando-se na argumentação puramente formal acima referida (cof. Carta de fls. 45/46, que, como se viu, não merece qualquer acolhimento.)
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Notar-se-à, finalmente que o incumprimento definitivo dos executados e oponentes resulta não só do facto comprovado de terem revogado o cheque que entregaram a título de sinal, sem qualquer justificação válida, como essencial e directamente da manifestação clara da vontade de não celebrarem a escritura pública de compra e venda, que emerge da carta que remeteram aos exequentes em 22/8/2006 (cof. Fls. 45/46).
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Consequentemente, nos termos acordados que, de resto, são também os previstos legalmente, os exequentes têm direito ao sinal convencionado, representado pelo cheque que lhes foi entregue, pelo que deve prosseguir a execução.
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Decisão
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Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.
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Custas pelos recorrentes.
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Lisboa, 30 de Junho de 2009


Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo