Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2113/21.6T9AVR-A.P1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
PLURALIDADE DE ACÓRDÃOS FUNDAMENTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A questão, conforme o pedido do recorrente, seria a de saber se há oposição (ou, como diz, “manifesta contradição”) de julgados entre o Acórdão recorrido com vários outros arestos, que seriam, para o recorrente, acórdãos fundamento.

II - É, porém, invencível uma questão prévia. A qual tem efeito prejudicial sobre as restantes, que obnubila e afasta. Em vários passos do art. 437.º (n.º 1, n.º 2, n.º 4) e do art. 438.º (n.º 2) do CPP se alude ou remete para que a questão apenas se consente estando em causa apenas dois acórdãos: o recorrido e o fundamento.

E há entendimento reiterado e uniforme neste STJ de que apenas se pode invocar um e só acórdão fundamento. Cf., por todos, acórdão desde STJ de 30-10-2019, proc n.º 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1, e jurisprudência e doutrina aí citadas.

III - Sendo um obstáculo liminar, esta pulverização de indicação de acórdãos fundamento é absolutamente impeditiva da admissão do recurso. E não se trata, de modo algum, de um preciosismo legalista e especificamente de um formalismo bizantino. Há uma ponderada e ponderosa ratio que lhe preside. Cf. acórdão deste STJ de 17-06-2021, proferido no proc. n.º 701/16.1T9MTJ.L1-A.S1.

A rigorosa, minuciosa, pormenorizada operação de cotejo a levar a cabo não se compadece com um estilhaçamento dos objetos a comparar, requerendo, pelo contrário, que apenas dois arestos sejam objeto da observação, a qual se reveste do maior melindre, e mesmo de uma complexidade e delicadeza extremas apenas com dois acórdãos.

IV - Assim sendo, é o presente recurso insuscetível de ulterior apreciação. Termos em que, se acordou em rejeitar o presente recurso, por inadmissibilidade legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I

Relatório



1. Soares, Faustino & Valente Lda., ora recorrente nestes autos, viu ordenado o cumprimento do disposto no art.º 139.º do C.P.C., por se ter considerado que a interposição do recurso, no dia 21.02.2022, ocorreu no 3.º dia útil ulterior ao termo do prazo.

Tal foi decidido por despacho proferido em 01.03.2022, no âmbito do recurso de contraordenação n.º 2113/21.6T9AVR, no Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.

2. Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. O qual, por acórdão de 08/06/2022, deliberou negar provimento ao recurso e determinar que a decisão recorrida seja substituída por outra que não admita o recurso interposto da sentença, por ser manifestamente extemporâneo.


3. Manifestando novamente a sua irresignação, interpôs neste Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Alega que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2022 (proc.º n.º 2113/21.6T9AVR-A.P1)  - acórdão recorrido - , se encontraria em «manifesta contradição» com os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 08.05.2018 (proc.º n.º 86/17.9GBODM) e de 05.12.2006 (proc.º n.º 2768/06-3), com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.05.2017 (proc.º n.º 18/11.8TAOFR.C1) e com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.11.2020 (proc.º n.º 111/18.6T9LSB.L1-9), que indica como acórdãos fundamento.


4. São as seguintes as Conclusões da sua motivação de recurso:

“1. O presente recurso foi interposto do douto acórdão de 08.06.2022 com a referência_15839049, proferido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, o qual decidiu "Negar provimento ao recurso" e "Determinar que a decisão recorrida seja substituída por outra que não admita o recurso interposto da sentença por extemporâneo"

2. Decidindo como decidiram, salvo o devido respeito, os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação não fizeram correcta nem adequada aplicação do Direito, atenta a manifesta contradição entre o citado acórdão e os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora em 08.05.2018 (Proc. n.º 86/17.9GBODM.E1) e em 05.12.2006 (Proc. n.º 2768/06-3), pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 10.05.2017 (Proc. n.º 18/11.8TAOFR.C1) e pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 09.11.2020 (Proc. n.º 111/18.6T9LSB.L1 -9).

3. A Apelante está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo e fixar jurisprudência nos termos adiante descritos.

4. Desde logo, a Recorrente não ignora o teor do n.º 1 do artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO). Porém, a Recorrente não pretende recorrer da decisão em si proferida pelo Tribunal da Relação, nem da bondade da mesma, outrossim pretende a uniformização e fixação de jurisprudência.

5. Ademais, o próprio RGCO não refere que, nos processos contraordenacionais, se encontra vedado o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nem contém norma especial relativa a tal matéria, pelo que deverão ser aplicáveis as normas do Código de Processo Penal (CPP), cuja aplicação subsidiaria é, desde logo, operada pelo artigo 41.º do RGCO.

6. Desta feita, nos termos conjugados do artigo 399.º e do n.º 2 do artigo 437.º do CPP, deverá ser admitida a interposição do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

7. Pretendendo-se assegurar os princípios da certeza e da segurança jurídica, bem como o princípio da igualdade de armas, inerentes ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, assim se salvaguardando as garantias - designadamente constitucionais - de defesa do Arguido.

8. Aqui chegados: foi realizada a audiência de discussão e julgamento no dia 18.01.2022, na qual, pelos motivos que atempadamente expôs ao Tribunal, não esteve presente a mandatária da Recorrente à data, a Sra. Dra. AA, tendo sido designado o dia 21.01.2022 para a leitura da sentença.

9. Contudo, a mandatária não foi notificada para esse dia, o da leitura da sentença, pelo que não esteve presente.

10. Outrossim, para a leitura da sentença foi apenas notificada a Sra. Dra. BB, advogada estagiária, a qual juntou, conforme a mesma referiu em requerimento enviado no dia 20.01.2022, substabelecimento com reserva, referindo que o fez unicamente com o propósito de inquirir as testemunhas arroladas, por consubstanciar esse acto uma intervenção decorrente das exigências da segunda fase do estágio da Ordem dos Advogados, ao abrigo do art. 22.º do Regulamento Nacional de Estágio.

11. Ademais, a junção de substabelecimento COM reserva na advogada-estagiária não implica que os seus poderes, enquanto mandatária, se esgotem neste acto, uma vez que a Sra. Dra. AA reservou para si os poderes conferidos pelo Recorrente.

12. Nesse seguimento, foi enviado requerimento no dia 20.01.2022 a requerer a notificação da advogada primitiva, a Sra. Dra. AA, o que o Tribunal não efectuou.

13. Sendo que, posteriormente, foi a mandatária, a Sra. Dra. AA, notificada da sentença no dia 24.01.2022.

14. Sucede que, a 07.02.2022, a Sra. Dra. AA, por requerimento que apresentou ao Tribunal, renunciou ao mandato e pediu que a recorrente fosse notificada da sentença.

15. Tendo o Tribunal de imediato providenciado pela notificação da sentença à Recorrente, o que foi concretizado no dia 10.02.2022.

16. Sendo que, também providenciou pela notificação à Recorrente do requerimento de renúncia ao mandato, o qual foi concretizada no dia 16.02.2022.

17. Perante a notificação da sentença, que ocorreu como se disse a 10.02.2022, a Recorrente constitui como mandatária, a ora subscritora, a qual, a 21.02.2022, interpôs recurso da sentença dentro do prazo de 10 dias, a contar da notificação da sentença à Arguida.

18. Todavia, o Tribunal de 1.ª instância considerou que a interposição do recurso nesse dia 21.02.2022 "ocorreu no 3º dia útil posterior ao terminus do prazo (dado que o dia 19 de fevereiro foi sábado)", que motivou a interposição de recurso para o douto Tribunal da Relação do Porto, tendo sido negado provimento ai mesmo.

19. Isto porque o douto Tribunal da Relação considerou que o prazo para a interposição de recurso inicia-se com o depósito da sentença na secretaria e não com a notificação pessoal à Arguida, entendimento este que não é perfilhado pela ora Recorrente.

20. Posto isto: numa situação idêntico, onde o Arguido foi julgado na sua ausência e não esteve pessoalmente presente na leitura da sentença, decidiu o Tribunal da Relação de Évora em 08.05.2018, no âmbito do Proc. n.º 86/17.9GBODM.E1 (acórdão disponível em http://www.dqsi.pt/jtre.nsf/ 134973db04f39bf2802579bf005f080b/b3795aefdee9fe2c80258291003d662e?OpenDocument), que "Havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente".

21. Pelo que, continua, "O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença".

22. No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em 10.05.2017, no âmbito do Proc. n.º 18/11.8TAOFR.C1 (acórdão disponível em http://www.dqsi.pt/jtrc.nsf/ 8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/e233d670cfde3130802581220043dcbf?OpenDocument) que “A lei define o momento a partir do qual pode ser exercido o direito ao recurso, fixando-o na notificação, pessoal, da sentença ao condenado".

23. Em ambos os acórdãos, o Arguido, representado pelo seu mandatário, dado que ainda não tinha sido notificado da sentença, interpôs recurso dos mesmos, razão pela qual decidiram ambos os Tribunais da Relação, respectivamente, que "o recurso da sentença interposto pelo mandatário do arguido se este ainda não foi notificado da sentença" e que "O recurso da sentença condenatória, interposto pela arguida, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, é intempestivo, uma vez que, tendo a recorrente sido julgada na sua ausência, ainda dela não foi pessoalmente notificada, pelo que se verifica, in casu, uma circunstância que obsta ao seu [do recurso]conhecimento".

24. Desta feita, consideraram ambos os Tribunais da Relação que, na ausência do Arguido, o prazo de interposição de recurso não se inicia com o depósito da sentença, nem com a notificação à respectiva mandatária mas sim com a notificação pessoal ao próprio Arguido.

25. E mais, não tendo o Arguido ainda sido notificado, o recurso interposto pelo respectivo mandatário é extemporâneo, havendo que se aguardar pela notificação ao próprio Arguido para ter início tal prazo.

26. No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa em 09.11.2020, no âmbito do Proc. n.º 111/18.6T9LSB.L1 -9 (acórdão disponível em http://www.dqsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565-fa00497eec/3ac9a8430db5c3028025865b0033db3e?OpenDocument) que "Numa audiência de julgamento que teve lugar na ausência do arguido, tendo a leitura da sentença decorrido também na sua ausência e na presença da sua defensora nomeada no processo, em conformidade com o disposto no art. 333º nº 2 do C.P.P. neste caso, a lei exige a notificação pessoal àquele da sentença proferida não se bastando com a notificação por via postal simples nos termos do art. 113º nº 1 al. c) do C.P.P., não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso pelo arguido".

27. Também neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Évora em 05.12.2006, no âmbito do processo contra ordenacional atinente ao Proc. n.º 2768/06-3 (acórdão disponível em http://www.dqsi.pt/ Ítre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/03996114012af03880257de100574975?OpenDocument), onde determinou que "O arguido considera-se notificado da sentença no 3o dia útil posterior ao do envio da carta registada para o efeito expedida"

28. No entanto, considerando que quer a Arguida, quer a sua então mandatária, não estiveram presentes na audiência do julgamento, nem na leitura da sentença, impunha-se que, nos termos do art. 74.º do RGCO, a sentença fosse notificada não só à mandatária mas, acima de tudo, à Arguida, nos termos conjugados do artigo 74.º, dos n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do artigo 47.ºe do n.º 1 do artigo 87.º do RGOC.

29. Não podendo colher aqui o argumento, de que o prazo teve o seu início com a notificação da sentença à sua mandatária, a qual, tal como a recorrente, repita-se, não havia estado nem na audiência nem na leitura da sentença.

30. Na verdade, o processo justo e leal, bem como a tutela de confiança - como elementos do processo equitativo -, não permitem admitir outra solução que não esta.

31. A entender-se de outro modo, violar-se-ia o preconizado no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa e impedir-se-ia o direito do Recorrente ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetíva previsto constitucionalmente no artigo 20.º.

32. Daqui se concluindo que a interposição do recurso no dia 21.02.2022, dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 74.º do RGCOC, é manifestamente tempestiva, pelo que a validade do acto não está dependente do pagamento da multa nos termos e para os efeitos do artigo 139.º do CPC.

33. Com efeito, e pelos motivos expostos, o prazo de 10 dias previsto no artigo 74.º do RGOCO, conta-se a partir da notificação pessoal da sentença à sociedade Arguida.

34. Sendo que da letra do artigo 74.º do RGCO resulta que, não estando o arguido presente na leitura da sentença, mais evidente que se impõe a sua notificação.

35. Efectivamente, a sentença foi proferida e lida sem a presença da Arguida e da sua mandatária, razão pela qual, nos termos do artigo 74.º do RGOC, impunha-se a notificação obrigatória ao próprio Arguido, não olvidando o teor do n.º 10 do artigo 114.ºe do n.º 14 do artigo 113.º do CPP.

 36. Por conseguinte, a falta de notificação do Arguido afecta a eficácia do acto notificado, como decorre do n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P., pelo que ele não produz efeitos em relação a quem deveria ser notificado, não se iniciando o prazo de recurso do acto a notificar.


Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, acordando na fixação de jurisprudência e revogando o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que admita e considere tempestiva a interposição de recurso apresentado por Soares, Faustino Valente, Lda, assim se fazendo inteira e sã

JUSTIÇA!”


5. O Digno Procurador-Geral Adjunto no Tribunal a quo pronunciou-se pela rejeição do recurso.


6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto manifestou-se, num circunstanciado Parecer, em que concluiu:

“Termos em que se emite parecer no sentido da rejeição do recurso em razão do incompleto preenchimento dos respectivos pressupostos formais e substanciais (arts. 440.º, n.º 3, e 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Penal).”


7. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, tendo o Recorrente respondido, pela seguinte forma:

“1.º

Antes de tudo, a Recorrente dá aqui como integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, o teor das suas alegações constantes no recurso interposto no dia 01.09.2022 com a referência 43152065.

2.º

No mais, e salvo o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com o douto parecer do Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto.

Isto porque:

3.º

Dispõe o n.º 1 do artigo 440.º do CPP que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”.

4.º

Por um lado, no caso vertente assistimos a um processo de contraordenação a cuja audiência de leitura de sentença não compareceram nem a Arguida nem a respectiva mandatária, tendo tal sentença sido de imediato notificada à mandatária (que de seguida renunciou ao mandato) e posteriormente, apenas cerca de 15 dias depois, foi notificada directamente à própria Arguida.

5.º

Tendo o douto Tribunal da Relação do Porto - de cujo acórdão a ora Recorrente interpôs recurso para fixação de jurisprudência - considerado que, não obstante a ausência da Arguida, o prazo para a interposição de recurso iniciou-se com o depósito da sentença e não com a notificação pessoal à Arguida.

6.º

A este propósito, reportando-nos aos mesmos factos e à mesma questão de direito, numa situação em tudo idêntica em que o Arguido foi julgado na sua ausência e também não esteve pessoalmente presente na leitura da sentença, decidiu o Tribunal da Relação de Évora em 08.05.2018 (Proc. n.º 86/17.9GBODM.E1) que “Havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”, pelo que o “O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”.

7.º

Por sua vez, o Tribunal da Relação de Coimbra em 10.05.2017 (Proc. n.º 18/11.8TAOFR.C1), num caso idêntico em que o Arguido foi também julgado na sua ausência, decidiu que “A lei define o momento a partir do qual pode ser exercido o direito ao recurso, fixando-o na notificação, pessoal, da sentença ao condenado”.

8.º

Por conseguinte, consideraram ambos os Tribunais da Relação que, na ausência do Arguido, o prazo de interposição de recurso não se inicia com o depósito da sentença, nem com a notificação à respectiva mandatária mas sim com a notificação pessoal ao próprio Arguido.

9.º

No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa em 09.11.2020 (Proc. n.º 111/18.6T9LSB.L1-9 ) que

Numa audiência de julgamento que teve lugar na ausência do arguido, tendo a leitura da sentença decorrido também na sua ausência e na presença da sua defensora nomeada no processo, em conformidade com o disposto no art. 333º 2 do C.P.P. neste caso, a lei exige a notificação pessoal àquele da sentença proferida não se bastando com a notificação por via postal simples nos termos do art. 113º 1 al. c) do C.P.P., não podendo, enquanto essa otificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso pelo arguido”.

10.º

Concluindo o Tribunal da Relação de Évora em 05.12.2006 (Proc. n.º 2768/06-3) que “O arguido considera-se notificado da sentença no dia útil posterior ao do envio da carta registada para o efeito expedida”.

11.º

Desta feita, todos os supra citados acórdãos encontram o seu suporte legislativo no artigo 74.º, nos n.º 2, n.º 3 e n.º4 do artigo 47.º e no n.º 1 do artigo 87.º do RGOC.

12.º

Não podendo colher aqui a tese de que acórdãos proferidos em processos comuns e acórdãos proferidos em processos contraordenacionais têm natureza jurídica diversa, dado que, como é sabido, ao regime contraordenacional aplica-se subsidiariamente o CPP.

13.º

Ademais, no respectivo parecer, o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto levanta a possibilidade de existir uma contradição entre o último acórdão citado (Proc. n.º 2768/06-3 do Tribunal da Relação de Évora) e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto do qual ora se recorreu, sendo bastante a mera existência de um único acórdão.

Vejamos então:

14.º

Efectivamente, o Proc. n.º 2768/06-3 respeita a um processo contraordenacional, onde o Arguido não esteve presente na data designada para a leitura da sentença, tal como sucedeu no caso vertente e de cujo acórdão se recorre

15.º

Não é aqui relevante se a sua mandatária do Arguido esteve presente na audiência designada para a leitura da sentença ou se foi electronicamente notificada da mesma, apenas relevando que, tal como conclui este Tribunal da Relação, o Arguido terá que ser notificado da sentença e é apenas com a sua notificação que se inicia o prazo de interposição de recurso.


16.º

Também não sendo relevante se foi ou não concretizada a notificação da sentença ao Arguido.

17.º

Posto isto, dúvidas não restam de que os acórdãos citados (em especial este último) reporta-se ao mesmo quadro legislativo do caso vertente, mormente o n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, bem como o artigo 113.º do CPP, tratando-se da “mesma questão de direito”, assim cumprindo o preconizado no n.º 1 do artigo 440.º do CPP.

18.º

Sendo que o n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro determina expressamente que o prazo de recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao Arguido, “caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”.

19.º

Do exposto resulta que todos os supra citados acórdãos encontram-se em manifesta contradição com o acordão do qual ora se recorre, não restando dúvidas de que estamos perante factos em tudo semelhantes (Arguido julgado na sua ausência) e no âmbito das mesmas regras de direito e da mesma legislação, ou seja, qual a data a considerar para o início da contagem do prazo de interposição de recurso: se o da leitura da sentença/notificação ao mandatário, se o da notificação à própria Arguida.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, acordando na fixação de jurisprudêncian e revogando o acórdão recorrido, assim se fazendo inteira e sã

JUSTIÇA!”


Efetuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à Conferência, de acordo com o disposto no art. 419 do CPP.


II

Fundamentação



1. Do pedido, em concreto

A questão, no presente recurso seria, conforme o pedido do recorrente, a de saber se há oposição (ou, como diz, “manifesta contradição”) de julgados entre o Acórdão recorrido, proferido pela Tribunal da Relação do Porto, em 08.06.2022 (proc.º n.º 2113/21.6T9AVR-A.P1com vários outros arestos: a saber, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 08.05.2018 (proc.º n.º 86/17.9GBODM) e de 05.12.2006 (proc.º n.º 2768/06-3), o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.05.2017 (proc.º n.º 18/11.8TAOFR.C1) e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.11.2020 (proc.º n.º 111/18.6T9LSB.L1-9), que seriam acórdãos fundamento.

2. Questão prévia ao thema decidendum

Porém, afigura-se-nos ser invencível uma questão prévia. A qual tem efeito prejudicial sobre as restantes, que obnubila e afasta.

Prescindindo de adventícia erudição, retome-se o texto do artigo 437.º do Código de Processo Penal (negritos nossos):

“1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

No mesmo diploma legal, o artigo 438.º, n.º 2, determina:

“2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”

Uma simples e declarativa interpretação literal levaria já a concluir que se não pode invocar na oposição alegada de julgados uma panóplia de supostos acórdãos fundamento, mas apenas um único.

Contudo, há entendimento reiterado e uniforme neste STJ de que apenas se pode invocar um e só acórdão fundamento.

Um acórdão de grande densidade doutrinal e jurisprudencial sobre este ponto é o proferido no Acórdão desde STJ de 30-10-2019, Proc.º n.º 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1 (Relator: Conselheiro Raul Borges), de que nos limitamos a citar uma parte, no que é aqui pertinente:

“Este Supremo Tribunal tem entendido, no quadro da já assinalada excepcionalidade deste recurso extraordinário, a necessidade de indicar-se um único acórdão fundamento, como já defendemos nos acórdãos por nós relatados de 5 de Setembro de 2007, processo n.º 2566/07, de 12 de Março de 2008, processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254, de 20 de Abril de 2016, processo n.º 22/13.0TELSB.L1-A.S1, de 21 de Setembro de 2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1 e de 12 de Dezembro de 2018, processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1, cujos textos ora se seguirão.

Como se refere nos acórdãos de 20-01-2005, processo n.º 3659/04-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 175 (convocando acórdão de 10-10-2002, relatado pelo mesmo Relator no processo n.º 2354/02) e de 08-03-2007, processo n.º 325/07-5.ª Secção, “a exigência de confrontar apenas dois acórdãos - o recorrido e o fundamento - assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando são apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença”.

É jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal deste recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão fundamento conduz à rejeição do recurso – acórdãos de 17-11-1994, proferido no processo n.º 41.783, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254; de 16-10-1996, processo n.º 47.957-3.ª Secção, em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Gabinete de Assessoria, n.º 4, Outubro de 1996, pág. 81/2 (O facto de o recorrente haver indicado dois acórdãos contendo soluções opostas sobre a mesma questão de direito em confronto com o acórdão recorrido, impede que possa considerar-se como verificada qualquer oposição de acórdãos, em virtude de não se saber qual dos indicados acórdão deverá ser escolhido para servir de fundamento, já que não compete a este Supremo Tribunal a sua escolha. Ocorrendo esta hipótese, o recurso terá de ser rejeitado, em obediência ao disposto no art. 441.º, n.º 1, do CPP); de 12-03-2003, processo 4623/02-3.ª Secção; de 27-11-2003, processo 465/02-5.ª Secção; de 03-12-2003, processo 3161/03-3.ª; de 27-04-2005, processo n.º 3657/04-3.ª; de 05-05-2005, processo n.º 1552/05-5.ª; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 14-12-2005, processo n.º 3602/05-3.ª; de 04-01-2006, processo n.º 3786/05-3.ª; de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª; de 30-11-2006, processo n.º 4334/06-5.ª Secção e de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção.

Tal doutrina sempre foi uniforme, como dá conta o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 41.783, publicado na CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254, de que se passa a citar o seguinte trecho:

‘… desde o primeiro Assento proferido por este Supremo Tribunal (Assento de 16 de Dezembro de 1927, no Diário do Governo, II série, de Janeiro de 1928), tem sido uniforme o entendimento de que, para formulação de um Assento, quer de natureza civil, quer de natureza penal, nos termos do Código do Processo Penal de 1929 e da legislação anterior que o antecedeu e o preparou, e relativamente ao concreto ponto de direito que se diz ter sido decidido em sentidos opostos, é indispensável que se indiquem o acórdão recorrido e um só acórdão que com ele esteja em oposição, uma vez que, se assim não for feito, se não poderá considerar como válida e processualmente relevante, a indicação de vários acórdãos fundamento sobre o mesmo ponto de direito, e, em consequência, não poderá ter adequado andamento o recurso para fixação de jurisprudência”.

Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, págs. 1439-1440, comentando o artigo 437.º, aduz: “Não sendo cumpridas as exigências previstas no artigo, não há lugar a «convite» aos recorrentes, para suprir a falha. Por um lado, porque o processo penal não alberga, muito menos em termos genéricos, um qualquer princípio geral de «convite» à correcção ou aperfeiçoamento das peças processuais defeituosas. Tal como se expressam Simas Santos e Leal – Henriques (Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., págs. 180), o requerimento de interposição do recurso extraordinário de que se fala há-de satisfazer imperativamente as exigências formais referidas, nomeadamente do artigo 438.º, n.º 2, citado. Sem hipóteses de emenda por via de convite. «(…) O que leva a concluir que a ideia do convite para colmatar omissões não flua claro do diploma, como sucede em processo civil. Muito pelo contrário: há até neste novo ordenamento processual penal uma linha de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso de esforço que lhes é pedido. Ora, o requerimento tem como único escopo o estabelecimento da oposição relevante dos dois acórdãos (fundamento e recorrido), pelo que o incumprimento das regras da sua elaboração não se traduz numa falha menor, mas na sua falência total».

Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Abril 2011, pág. 1193, indica que não pode ser invocado mais do que um acórdão fundamento, citando o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994 e o acórdão por nós relatado em 12-03-2008 no processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254.”

  E também não pode haver lugar, hic et nunc, a qualquer convite ao aperfeiçoamento. Este último Acórdão citado refere também, com efeito:

‘como tem decidido igualmente de forma uniforme o Supremo Tribunal, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque como se diz de forma clara no acórdão de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª Secção, já referido, a lei não contempla a hipótese, de resto, numa atitude de rigor, típica dos interesses específicos do processo penal, associada à ideia reinante no nosso ordenamento jurídico-processual de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com as atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso do esforço que lhes é pedido, com as quais se não condescende - cfr. os acórdãos supra referidos e ainda de 13-01-2005, processo n.º 2809/04-5.ª Secção, o já citado acórdão de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178, onde se refere que a indicação de um (único) acórdão fundamento, transitado em julgado, constitui um pressuposto fundamental do recurso extraordinário, que devendo constar do requerimento de interposição (art. 438.º, n.º 2, do CPP), não poderá ser corrigido’”.


3. Conclusão

Sendo um obstáculo liminar, esta pulverização de indicação de acórdãos fundamento é absolutamente impeditiva da admissão do recurso. E não se trata, de modo algum, de um preciosismo legalista e especificamente de um formalismo bizantino. Há uma ponderada e ponderosa ratio que lhe preside, que bem se compreenderá, pelas palavras sintéticas e certeiras do Acórdão deste STJ de 17.06.2021, proferido no Proc.º n.º 701/16.1T9MTJ.L1-A.S1 (Relatora: Conselheira Margarida Blasco):

«A exigência da invocação de um só Acórdão Fundamento (do STJ ou do Tribunal da Relação) visa ‘delimitar com toda a minúcia, o âmbito da questão jurídica a dirimir, o que, em princípio, só se alcançará quando colocados defronte, apenas, de dois pontos de vista exactos, cada um deles expresso no respectivo aresto, sempre suposta uma mesma situação de facto e identidade de legislação”.»

É bom de ver que a rigorosa, minuciosa, pormenorizada operação de cotejo a levar a cabo não se compadece com um estilhaçamento dos objetos a comparar, requerendo, pelo contrário, que apenas dois arestos sejam objeto da observação, do maior melindre, e mesmo de uma complexidade e delicadeza extremas apenas com dois acórdãos.

Assim sendo, é o presente recurso insuscetível de ulterior apreciação.



IV

Dispositivo



Termos em que, decidindo em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça se acorda em rejeitar o presente recurso, por inadmissibilidade legal.

Custas pelo arguido – art.º 513.º n.º 1 do CPP -, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs - artigo 8.º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.           


Supremo Tribunal de Justiça, 12 outubro de 2022


Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Dr. Sénio Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)