Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6113/17.2T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICA
Apenso:  
Data do Acordão: 01/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA.
Sumário :

1. A questão de saber se o subsídio de habitação, as quatro viagens por época previstas no aditamento a um “Contrato de Trabalho Desportivo” e o prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais, durante o período mínimo de 45 minutos, devem integrar o conceito de retribuição, assume um carácter muito particular que deriva do que foi efetivamente contratado no caso concreto com o trabalhador, praticante desportivo profissional, pelo que nessa medida, não apresenta um carácter paradigmático e exemplar, cuja solução possa, sem mais, ser  transposta para outras situações com relevo  autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas nos presentes autos.

2. Existe uma corrente consolidada na jurisprudência do STJ  no sentido de que não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, pelo que, tendo o acórdão recorrido seguido essa corrente jurisprudência, não estamos perante uma questão, que pela sua relevância jurídica, exija a apreciação pelo do STJ, em sede de revista excecional, para uma melhor aplicação do direito.

3. A Lei n.º 27/2011, de 16 de junho, que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos, é relativamente recente, não existindo ainda corrente jurisprudencial consolidada acerca da sua articulação com a Lei dos Acidentes de Trabalho e as instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.

4. O artigo 5.º da Lei 27/2011, de 16 de junho, sob a epígrafe Tabela de incapacidades específicas, exige que se faça uma articulação entre a tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais e a tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16 de junho,  suscitando-se as seguintes questões:

a) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI;

b) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6;

c) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

5. Como estamos perante um regime jurídico relativamente recente, reconhece‑se que as questões jurídicas suscitadas pelas recorrentes apresentam um carácter paradigmático e exemplar, que pode ser transponível para outras situações, assumindo assim relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas, justificando-se a admissão da revista excecional.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6113/17.2T8BRG.G1.S2 (Revista excecional) - 4ª Secção

Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na ação declarativa com processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho que AA, intentou contra as rés CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, SA.,(Ré seguradora) e SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL, SAD (Ré empregadora), vieram estas interpor recursos de revista excecional, invocando o disposto no art.º 672.º n.º 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Civil.

2. A R. seguradora formulou as seguintes conclusões:

A - Quanto ao cálculo da pensão até aos 35 anos

1 - Há uma sobrevalorização artificial e desmesurada na fixação da incapacidade específica do recorrido em 58,731%, quando a mesma parte da base de uma incapacidade genérica de apenas 19%.

2 - Existem três majorações do cálculo da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado: a primeira decorrente da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, que, em vez de fazer incidir o cálculo sobre 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, fá-lo incidir sobre 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; a segunda, que advém da aplicabilidade da tabela de comutação específica para desportistas profissionais, abordada no art.º 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16/06 e publicada em anexo a essa lei, que aumenta a IPP genérica de 19% fixada ao autor, para uma IPP de 39,154%, prevista para sinistrados com 27 anos de idade; e a terceira, que decorre da aplicação do coeficiente 1.5 previsto no ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, atinente ao facto da vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, que coloca a incapacidade nuns 58,731 pontos percentuais, superior ao triplo da incapacidade inicial.

3 - A recorrente entende ser inaplicável cumulativamente o fator de bonificação 1.5, face ao entendimento de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba e/ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

4 - É certo que a matéria da cumulação do fator de bonificação 1.5 com a majoração que decorre da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, é algo que, hoje em dia, se pode considerar que é aceite em larga escala pela jurisprudência, alguma dela citada no acórdão recorrido.

5 - Porém, a questão aqui é diferente. Não se debate a justeza da cumulação entre a majoração do art.º 48.º, n.º 3, al. b) da LAT e o fator de bonificação 1.5, mas sim o equilíbrio resultante dessa cumulação com a tabela de comutação prevista para o praticante desportivo profissional.

6 - Em relação a este tema, o acórdão recorrido aponta os acórdãos do STJ de 17/09/2014 e 28/05/2014, como arestos em que se admite a aplicação do fator de bonificação de 1.5 com a tabela de comutação.

7 - Mas a verdade é que inexiste qualquer acórdão, dos citados pelo tribunal a quo, que tenha aplicado a totalidade daqueles incrementos ao valor da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado, no que se traduz numa relevante questão jurídica cuja apreciação é necessária ser efetuada por este Colendo Supremo Tribunal.

8 - É precisamente sobre a compaginação das majorações contempladas nos referidos três diplomas legais que importa aqui dissecar.

9 - Relativamente à pensão mais favorável ao sinistrado, no caso de IPATH, em face de uma IPP, não são precisas palavras para justificar tal situação contemplada no art.º 48.º, n.º 3, al. b) da LAT, já que a uma situação mais grave para a condição física e capacidade de ganho do sinistrado deve corresponder uma reparação superior.

10 - A cumulação dessa situação mais vantajosa com o fator de bonificação de 1.5, respeitante à não reconversão no posto de trabalho, é também algo que já está suficientemente tratado na jurisprudência, havendo o entendimento, como se disse, que é cumulável a atribuição de IPATH à bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.

11 - O que ainda não está suficientemente debatido tem a ver com a sobreposição, às duas situações de acréscimo anteriormente referidas, da bonificação concedida pela tabela de comutação do RATPDP, sendo precisamente contra esta cumulação das três majorações que se insurge a recorrente.

12 - A tabela de comutação visa uma mais justa apreciação da situação do sinistrado face às especificidades resultantes de uma lesão quando este é um desportista profissional, tentando, assim, colmatar as eventuais desigualdades daí resultantes relativamente a um sinistrado que não utiliza, do mesmo modo, certas partes do corpo, na respetiva profissão.

13 - Nos presentes autos, os peritos médicos, por unanimidade, decidiram que o atleta padece de uma incapacidade permanente parcial de 19%, resultante de dois fatores: (i) No que respeita à partes moles do joelho, verifica-se uma hidrartrose crónica ou de repetição, pós-traumática, recidivante, com hipotrofia muscular superior a 2 cm, pontuada entre 7% e 15% pelo Cap. I, 12.1.4 b) da TNI, e relativamente à qual os médicos entenderam fixá-la em 10%, ou seja, nem sequer atribuíram o máximo pontuável; e (ii), no que concerne ao esqueleto (sequelas osteoarticulares), constata-se uma limitação (rigidez), na flexão, com mobilidade até 60º, pontuável entre 7% e 10% pelo Cap. I, 12.2.4.1 b), tendo os peritos médicos fixado, sob este aspeto, uma incapacidade de 9%, não tendo aqui, mais uma vez, chegado ao limite máximo previsto na tabela.

14 - Assim, a situação de facto real atinente a este atleta, no que respeita à sua incapacidade, de acordo com aquilo que constitui a junta médica levada a cabo nos presentes autos, é a de que o autor sofre de uma incapacidade de 19%. A incapacidade de 19% é a única incapacidade que está liberta de artifícios ou ficções legais porque resulta diretamente da análise clínica e avaliação médico-legal.

15 - Os médicos entenderam que uma incapacidade de apenas 19% causava uma absoluta incapacidade para o exercício da atividade de futebolista por causa das exigências próprias da atividade profissional em causa, no que às aptidões físicas diz respeito.

16 - O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, publicado no DR de 30/06, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.

17 - No caso dos autos, constatou-se que, dada a específica atividade do sinistrado, o seu regresso ao posto de trabalho não se revelava possível. Por outras palavras, se o autor não exercesse a atividade específica de jogador de futebol, os 19% de IPP não seriam, regra geral, incompatíveis com o seu regresso ao posto de trabalho.

18 - Nos termos da parte final do art.º 5.º do RATPDP, se da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais resultar um valor superior relativamente à tabela de comutação específica, será aquela a tabela aplicável.

19 - Por outro lado, é com base na idade do sinistrado e na "invalidez permanente genérica" que se calcula a "invalidez permanente específica" - cfr. anexo da Lei n.º 27/2011. Caso não existisse a tabela de comutação específica, ao autor seria aplicada a IPP de 19% que, acrescida do fator de bonificação de 1.5, pela não reconvertibilidade, resultaria numa IPP de 28,5%.

20 - Ora, sendo a incapacidade de 28,5 % inferior à resultante da aplicação da tabela de comutação específica sobre a incapacidade genérica de 19% - que atira a incapacidade específica para os 39,154% -, a tabela aplicável é a do RATPDP.

21 - Daí que se diga que a majoração resultante da bonificação de 1.5 já se deve considerar integrada no trabalho comutativo que resulta da aplicação da Lei n.º 27/2011, e, assim, conclui-se como nas alegações do recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, no sentido de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba, incorpora ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

22 - Extraindo-se consequências ao nível do que dispõe a CRP a este propósito, a recorrente está convicta de que solução contrária viola os princípios da igualdade e da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho, previstos nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. f), uma vez que a cumulação do fator de bonificação com a tabela de comutação constitui um agravamento desproporcional e injustificado em face do que são os direitos dos trabalhadores em geral, não praticantes profissionais de desporto, introduzindo-se uma desigualdade social.

23 - O diferente tratamento do que diferentemente deve ser tratado não será alcançado de forma justa, equilibrada e igualitária se se somar à majoração resultante da tabela de comutação específica a majoração da 5.ª instrução da TNI.

24 - Assim, a pensão anual e vitalícia a pagar ao autor, a cargo da recorrente, deverá corresponder ao valor de 80.963,12 €, assim discriminado:

140.000,00 € x 50% = 70.000,00 €

140.000,00 € x 70% = 98.000,00 €

98.000,00 € - 70.000,00 € = 28.000,00 €

28.000,00 € x 39,154% = 10.963,12 €

70.000,00 € + 10.963,12 € = 80.963,12 €

B - Quanto ao cálculo da pensão após os 35 anos

25 - A pensão correspondente ao período que decorrerá a partir da data em que o autor perfizer 35 anos, foi calculada, não sobre a IPP genérica, mas sobre a taxa de incapacidade agravada quer pela tabela de comutação quer pelo fator de bonificação do ponto 5, al. a), das instruções gerais da TNI.

26 - Não se pode aceitar que o valor da pensão anual, após os 35 anos, tenha em consideração a IPP comutada pela tabela da Lei n.º 27/11, simplesmente porque a partir dos 35 anos a prática de desporto profissional deixa de ser tida em consideração para efeitos de valoração da incapacidade que afeta o sinistrado.

27 - O estabelecimento no artigo 5.º da Lei 27/2011, de uma tabela de incapacidades específicas para a atividade de praticante desportivo profissional é o reconhecimento de que, por tais profissionais utilizarem o corpo no desempenho de atividades físicas de alta competição, uma incapacidade de grau idêntica ao de outro trabalhador representa, na sua atividade profissional, uma perda da capacidade de ganho superior, o que equivale a tratar de forma desigual duas situações materialmente distintas.

28 - Mas configura já um tratamento desigual e injustificado de situações manifestamente iguais calcular-se, para um ex-praticante desportivo profissional, a pensão anual e vitalícia devida a partir dos 35 anos, data a partir da qual se dedicará a uma profissão genérica, com base numa IPP específica de um praticante desportivo profissional, ao passo que qualquer outro sinistrado que nunca foi praticante desportivo profissional verá a sua pensão anual e vitalícia para uma profissão genérica ser calculada com base na IPP genérica que lhe foi atribuída.

29 - Por outro lado, como o fator de bonificação de 1.5 só faz sentido porque o sinistrado não pode desempenhar as funções essenciais à profissão de jogador profissional de futebol, o mesmo também não deve ser aplicado num período de vida do autor em que, com lesão ou sem lesão, nunca iria jogar futebol.

30 - A interpretação do Tribunal a quo dos artigos 48.º, n.º 3, alínea c) da LAT e 5.º da Lei 27/2011, segundo a qual o sinistrado e desportista profissional que esteve a auferir uma pensão por IPATH até aos 35 anos de idade tem direito, a partir dessa idade, a uma pensão anual e vitalícia calculada com base na incapacidade específica de desportista profissional, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), ambos da Constituição da República Portuguesa.

31 - A referida interpretação representa um tratamento desigual entre trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho, que favorece aqueles que desempenharam a atividade de desportista profissional, ao calcular as respetivas pensões por IPP, após a idade que o legislador considera ser aquela em que estes terminam a sua carreira, com base numa IPP específica de desportista profissional, quando o que se pretende é somente indemnizar a perda da capacidade de ganho genérica de que ficam a padecer após o término da carreira.

32 - O RATPDP previu ou ficcionou, com base na experiência da vida, que, em média, a carreira de um praticante desportivo profissional termina aos 35 anos de idade. Em coerência com esse pressuposto, o RATPDP não prevê que o sinistrado possa ser ressarcido, após a referida idade, como se ainda pudesse exercer a atividade de desportista profissional.

33 - Por mais voltas que se dê, não se logra como se consegue justificar a atribuição de uma pensão a um atleta profissional a partir dos 35 anos, com base numa situação inexistente, qual seja a de que continuar a sua carreira para lá dessa idade e, pior, até ao fim da sua vida!

34 - Como a Lei n.º 27/2011 não prevê expressamente a aplicação da tabela de comutação ao atleta que aos 35 anos sai da situação de IPATH, essa lacuna deverá ser integrada nos termos do art.º 10.º do C. Civil, sendo que, de acordo com o n.º 1 dessa norma legal, os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

35 - Afigura-se à recorrente que os casos análogos só podem ser os previstos no art.º 48.º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ou seja, os casos que se referem à incapacidade permanente parcial genérica de que padeceria o cidadão comum, e que no caso dos autos corresponde à IPP de 19%.

36 - Relativamente à questão da inconstitucionalidade suscitada, fundamentada nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. f) da CRP, o tribunal a quo apresentou a tese oposta de que a mesma não existe porque o praticante desportivo profissional vê amiúde limitada a sua educação profissional e a sua capacidade para, mais tarde, procurar outra profissão, pelo que há que compensá-lo.

37 - Não se compreende esta tutela jurisprudencial, dir-se-ia quase paternal, a uma forma consciente de opção de vida por parte de um determinado cidadão, que será comum a muitas outras situações.

38 - Pior do que o atleta profissional que, associando a arrecadação de vencimentos, muitas vezes, elevadíssimos, ao prazer da prática do desporto, estão aqueles em que a falta de condições económicas e as agruras da vida não permitiram sequer continuar os estudos ou formar-se a um nível superior. No entanto, para estes, não está prevista qualquer bonificação em termos de pensão por acidente de trabalho caso venham a ter a infelicidade de sofrer algum!

39 - Acresce, na perspetiva da recorrente, que inexiste nexo de causalidade adequada entre o percurso de vida pessoal prévio à aquisição da condição de atleta profissional, e a conceção, por parte do legislador, das regras de cálculo de uma pensão por incapacidade, estritamente ligadas à remuneração que o trabalhador aufere à data do sinistro.

40 - A lei é geral e abstrata e, a partir do momento em que não se perfilam exigências de proteção do trabalhador nas concretas funções de praticante desportivo profissional quando o mesmo finda a sua carreira ou quando, na ficção da lei, se deva considerar a mesma finda a partir dos 35 anos, não se antolham razões para que o mesmo aufira uma pensão calculada de forma diferente dos restantes trabalhadores.

41 - Digamos que o atleta profissional, quando envereda pela profissão que livremente escolheu, já sabe que a sua carreira vai ser mais curta e que, por isso, também se deve preparar mais cedo para a nova vida profissional que lhe irá surgir pela frente após o terminus da prática profissional de desporto.

42 - Discorda-se da especial tutela que deva merecer o praticante desportivo profissional vítima de acidente de trabalho com IPATH, por ir ter uma dificuldade, ainda mais acrescida, de se adaptar a funções que tenderá a procurar na sua área e para as quais estará em desvantagem.

43 - No caso dos autos, em que o jogador de futebol profissional ficou afetado de uma IPP genérica de 19%, pergunta-se o que o distingue de outros trabalhadores para, depois dos 35 anos, e dentro das atividades ligadas ao futebol que não correspondam à sua prática, as poder exercer, coisa que um cidadão comum não terá acesso com facilidade, como, por exemplo, ser dirigente desportivo, empresário ligado ao futebol ou mesmo treinador.

44 - Apenas se poderá dizer que o exercício dessas atividades acarretará, no presente caso, esforços suplementares acrescidos na percentagem de 19%.

45 - Por conseguinte, a pensão anual e vitalícia devida ao autor a partir dos 35 anos de idade deve ser calculada com base na IPP genérica de 19% para toda e qualquer profissão, com o limite máximo previsto no artigo 4.º, alínea b) da Lei 27/2011 [14 x (5x RMMG)]. O valor da pensão anual passará a ser, então, no que à responsabilidade da recorrente diz respeito, de 18.620,00 € (SA 140.000€ x 70% x 19% = 18.620,00 €), com o limite de 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a rmmg em vigor quando o sinistrado fizer 35 anos.

46 - Porém, caso assim se continue a não entender, continuando a aplicar-se a tabela de comutação, a IPP a tomar em consideração deverá ser a de 39,154% e nunca a de 58,731%, estritamente ligada à IPATH que deixou de existir a partir dos 35 anos. Neste último caso, a pensão a cargo da recorrente será de 38.370,932 € (SA 140.000,00 € x 70% x 39,154%), com o limite de 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a rmmg em vigor quando o sinistrado fizer 35 anos.

Da contradição do acórdão recorrido com o acórdão da Relação de Lisboa, transitado em julgado, proferido em 11/04/2018, no processo n.º 25552/16.0T8LSB.L1-4

47 - A intervenção deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça na presente revista excecional servirá não só para deslindar as relevantes questões jurídicas acima mencionadas, mas também para dirimir a contradição entre o acórdão proferido pelo tribunal a quo e o acórdão acima identificado, do Tribunal da Relação de Lisboa.

48 - O acórdão-fundamento teve por base, designadamente, a seguinte factualidade:

– Em 18/04/2015, o sinistrado, durante um jogo de futebol, ao esticar mais a perna, fez uma rotura muscular (inserção isquiotibiais da coxa direita);

– Quando prestava o seu trabalho de praticante desportivo profissional de futebol ao serviço da sua entidade empregadora;

– O sinistrado teve alta clínica na data de 12/10/2016;

– O sinistrado nasceu em …….1989.

̶  O sinistrado ficou a padecer de uma incapacidade em consequência do acidente de trabalho, fixada numa IPP de 18%, a que corresponde uma invalidez permanente específica de 37,695% (art. 5.º da Lei nº 27/2011, de 16/06), desde 12/10/2016.

49 - Mediante esta factualidade dada como provada na primeira instância, a Relação de Lisboa viria, no seguimento do recurso instaurado pelo sinistrado, a considerar que não se poderá deixar de considerar que o sinistrado se mostra igualmente portador de uma incapacidade permanente e absoluta para o seu trabalho habitual (IPATH) de jogador profissional de futebol, com efeitos desde o dia 13/10/2016, dia seguinte ao da alta definitiva, dadas as exigências próprias desta atividade como, por maioria, concluíram os senhores peritos em sede de junta médica.

50 - Mas, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, a Relação de Lisboa não aplicou, no cálculo da pensão após os 35 anos de idade, o fator de bonificação 1.5, previsto para os casos de não reconvertibilidade em relação ao posto de trabalho.

51 - Há três etapas perfeitamente distintas que nesta vexata quaestio há que tomar em consideração:

1 - A primeira etapa tem a ver com a consideração de que uma situação de IPATH resulta automaticamente numa situação de não reconversão em relação ao posto de trabalho e, em consequência, no incremento na pensão do fator de bonificação 1.5.

O acórdão-fundamento não tem esse entendimento, na medida em que se o tivesse teria de aplicar o fator de bonificação no cálculo da pensão anual e vitalícia do sinistrado, e não o fez.

2 - Uma segunda etapa, prende-se com a consideração de que, no caso do desportista profissional, é possível cumular o fator de bonificação 1.5 pela não reconversão, com a incapacidade permanente parcial majorada pela tabela de comutação, incrementando, dessa forma, a pensão devida até aos 35 anos de idade.

Ao contrário do acórdão recorrido, a recorrente defende a não cumulação.

3 - Finalmente, a terceira etapa é aquela em que há que decidir se, após os 35 anos de idade, continua a ser aplicável, no cálculo da pensão, o fator de bonificação associado à IPATH, cessada quando o sinistrado atingiu essa idade.

52 - O acórdão-fundamento, não tendo aplicado o fator de bonificação 1.5, arredou a discussão quanto à sua aplicação cumulativa antes ou depois dos 35 anos de idade.

53 - Afigura-se, no que concerne à acima catalogada "terceira etapa", não haver pronúncia por parte de nenhuma da jurisprudência citada no acórdão recorrido. Apenas as decisões da primeira e segunda instância, proferidas neste caso concreto, se pronunciaram favoravelmente à manutenção daquele fator de bonificação.

54 - Há, portanto, dir-se-ia, como que um vazio jurisprudencial em torno desta última questão, qual seja a de se manter, para lá dos 35 anos de idade, o fator de bonificação de 1.5 em cumulação com a IPP majorada pela tabela de comutação.

55 - Como a recorrente já deu a entender à saciedade, está em desacordo com:

a) A cumulação do fator de bonificação com a tabela de comutação, antes dos 35 anos;

b) A aplicação da tabela de comutação, depois dos 35 anos;

e, por maioria de razão,

c) A aplicação do fator de bonificação juntamente com a tabela de comutação, após os 35 anos.

56 - São, essencialmente, estas as três questões objeto do presente recurso, sendo certo que, no que respeita à invocada oposição de julgados, o que está em causa é aplicação do fator de bonificação antes ou depois dos 35 anos, quando o atleta sofra de IPATH, sendo certo que o acórdão-fundamento não aplicou esse fator.

Disposições legais que se entende não terem sido cumpridas pelo acórdão recorrido

57 - O acórdão recorrido violou, designadamente, as disposições consagradas nos arts. 48.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/2009, de 04/09, os arts. 13.º e 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP e os arts. 3.º, n.º 2, 4.º e 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16/06. (Fim da transcrição das conclusões da recorrente seguradora)

3.  A R. empregadora formulou as seguintes conclusões com pertinência para o recurso de revista excecional:

14.ª- Para o caso, que por dever de patrocínio se considera, de o recurso de revista “normal” acima interposto não ser admitido por se considerar existir a situação de dupla conformidade do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, ou de se entender que, na parte relativa à decisão de mérito, não existe diferente fundamentação e que, por conseguinte, o acórdão da Relação só pode ser impugnado através da revista excecional, entende a Recorrente que sempre deverá ser admitida esta revista e, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC.

15.ª- Entende a Recorrente que são questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, as do conceito de retribuição para efeitos de acidente de trabalho; a da aplicação do fator de bonificação de 1,5% pela não reconvertibilidade no posto de trabalho a quem tem uma IPATH; a da aplicação do fator de bonificação de 1,5% pela não reconvertibilidade no posto de trabalho aos praticantes desportivos; e a da manutenção da comutação da IPP prevista na Lei n.º 27/2011 depois dos 35 anos de idade do praticante desportivo.

16.ª- Tais questões têm uma utilidade que transcende esta concreta situação de facto e são de carácter geral, podendo a decisão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça servir de orientação para futuras situações semelhantes.

17.ª- No que respeita à primeira questão, a mesma tem suscitado as maiores dúvidas interpretativas, existindo uma variedade de entendimentos que o douto acórdão recorrido não clarificou, bem pelo contrário, sendo necessária, desde logo, a clarificação sobre se a retribuição para efeitos de cálculo da pensão, no caso de acidentes de trabalho, deve ou não incluir apenas prestações que são contrapartida da atividade contratada.

18.ª- Além disso, está também em causa a interpretação do artigo 71.º da LAT quanto aos conceitos indeterminados como “carácter de regularidade” e “custos aleatórios”, nomeadamente no sentido de definir se o seu preenchimento tem a ver “com despesas feitas ou a fazer pelo trabalhador por razões ligadas à prestação do trabalho”, e se existe alguma relação entre o conceito de custos aleatórios e a natureza “pessoal” (por contraposição à “motivada pelo trabalho”), das despesas, ou se o mesmo conceito se refere apenas à incerteza e eventualidade da realização destas.

19.ª- Tem também sido debatida na jurisprudência o sentido, no caso de trabalhadores estrangeiros, da expressão, utilizada no acórdão, “despesa que o trabalhador [sempre] teria de suportar”, e, bem assim, se é ou não o trabalhador que tem que provar que a importância acordada excedia as despesas normais decorrentes de se encontrar deslocado.

20.ª- No que respeita à segunda questão, entende a Recorrente que a posição que vem sendo seguida recentemente na jurisprudência, de aplicação automática do fator de bonificação previsto no ponto 5 alínea a) das Instruções Gerais da TNI, a trabalhadores com IPATH, deve ser reformulada, através de uma abordagem diferente, nomeadamente tendo em conta a perspetiva histórica da estipulação do dito fator, o enquadramento sistemático da Instrução em causa, e o carácter de sobreposição dos benefícios, que, de acordo com a interpretação estritamente literal da Instrução n.º 5, alínea a), da TNI, que tem vindo a ser feita, seriam concedidos a tais trabalhadores, que são já favorecidos com a majoração que decorre da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT.

21.ª- A questão aqui em apreço tem evidente relevo jurídico e crê a Recorrente que nenhum dos Acórdãos do STJ que se pronunciou sobre o assunto desconstruiu verdadeiramente as posições contrárias assumidas pelos recorrentes e nos acórdãos recorridos, das Relações, limitando-se a frisar não haver incompatibilidade entre os benefícios, que devem ser cumulados.

22.ª- Entende a Recorrente que, ainda que se mantenha a posição de que o fator de bonificação 1.5, decorrente da não reconvertibilidade em relação ao posto de trabalho que a vítima ocupava antes do acidente deva ser aplicado aos trabalhadores com IPATH e, por conseguinte, ser cumulado, para os trabalhadores em geral, com a majoração que decorre da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, o certo é que, no caso específico dos presentes autos, estamos perante um trabalhador que era praticante desportivo profissional, e que, por esse motivo, beneficia da comutação prevista na Lei n.º 27/2011, que constitui uma bonificação que engloba e/ou absorve a bonificação prevista nas Instruções Gerais da TNI.

23.ª- A questão da cumulação destes dois benefícios tem também inegável relevância jurídica, tal como vem plasmado nas alegações da Ré Seguradora, que, com a devida vénia, aqui se seguem, e não está ainda suficientemente debatida.

24.ª- No que respeita à quarta questão, relacionada com a manutenção da comutação da IPP prevista na Lei n.º 27/2011 depois dos 35 anos de idade, também a Recorrente segue o entendimento expresso pela Ré Seguradora nas alegações do recurso de revista que apresentou, e que transcreveu nas presentes alegações.

25.ª- Se é o próprio legislador que considera que após a idade dos 35 anos, os praticantes desportivos terminam a sua carreira, a prática de desporto profissional não pode continuar a ser considerada para efeitos de valoração da incapacidade que afeta o sinistrado.

26.ª- Também no caso de se manter o fator de bonificação de 1.5 acima referido aos trabalhadores em geral, e aos praticantes desportivos profissionais, sempre se verifica que, relativamente à sua aplicação a estes após os 35 anos de idade, verifica-se que há um “vazio jurisprudencial em torno desta questão, que merece a apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

27.ª- Assim, na eventualidade, que por dever de patrocínio se considera, de o recurso de revista “normal” acima interposto não ser admitido por se considerar existir a situação de dupla conformidade do art.º 671.º, n.º 3, do CPC (no seu todo ou na parte respeitante à matéria atinente ao mérito da causa), deverá admitir-se a revista excecional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

28.ª- Por outro lado, salienta-se que, nas duas últimas questões, são suscitados problemas de inconstitucionalidade, com referência ao princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e ao princípio da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho, plasmado no art.º 59.º, n.º 1, al. f) da CRP.

29.ª- A revista excecional é também interposta ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, do CPC, através do confronto do acórdão recorrido com os acórdãos da Relação de Lisboa, um datado de 18/05/2011, proferido no processo 4589/03.4TTLSB.L2-4, e do acórdão da mesma Relação, e outro datado de 11/04/2018, proferido no processo 25552/16.0T8LSB.L1. Ambos se prendem com a questão, essencial para os presentes autos, da aplicação cumulativa do fator de bonificação de 1,5%, previsto para o caso de a vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, aos sinistrados aos quais tenha sido atribuída uma IPATH. O segundo Acórdão referido, referindo-se à situação específica dos desportistas profissionais, respeita também a outra questão, essencial para os presentes autos, da a aplicação do referido fator de bonificação ao sinistrados que se enquadrem neste grupo profissional e cuja incapacidade permanente parcial se encontra, nessa medida, já majorada pela tabela de comutação.

30.ª- Estes acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação (ponto 5º, alínea a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, doravante «TNI» aplicável ao cálculo das pensões anuais devidas até aos 35 anos e depois dos 35 anos, bem como o artigo 3.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de junho e artigo 48.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (atual LAT), que corresponde ao anterior artigo 17.º, n.º 1, alínea b) da Lei 100/97 (anterior LAT)) e sobre as mesmas questões fundamentais de direito do acórdão recorrido, sendo que os quadros fácticos presentes em ambas as situações são semelhantes e permitem esta comparação.

31.ª- Verificam-se, assim, todos os requisitos legalmente exigidos na interposição de recurso de revista excecional por contradição de acórdãos, incluindo aquele, que decorre a contrario do disposto na parte final da referida disposição legal (al. c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC que exige que não tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com a questão fundamental de direito em apreço.

32.ª- Diga-se, a este propósito, que, contrariamente ao que o acórdão recorrido poderá fazer crer, o acórdão uniformizador do STJ nº 10/2014, publicado no DR nº 123, 1ªS, de 30-06-2014, apenas uniformizou jurisprudência na parte da concretização da expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, como se pode constatar do seu capítulo V (pág. 3563). Apenas marginalmente aí é dito, na parte da fundamentação do acórdão, que “na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho”. E nada mais é dito nesta matéria (note-se, referimo-nos a uma única frase, apresentada de forma marginal e a propósito da citação de doutrina em matéria de avaliação do dano corporal), revelando-se assim evidente que esta questão, para além de não ter sido criticamente apreciada, não foi objeto de uniformização.

37.ª- A Recorrente entende que o subsídio de habitação que era pago ao Recorrido não deverá ser considerado retribuição, para efeitos de cálculo da pensão por acidente de trabalho, como o fez o douto acórdão recorrido, seja porque não se traduz numa contrapartida do trabalho, seja porque se não destinava a custear “despesas pessoais do trabalhador” mas sim despesas feitas ou a fazer por ele por razões ligadas à prestação do trabalho, seja ainda porque o Recorrido não fez prova de que a importância que lhe era paga excedia os encargos deste com habitação, decorrentes da sua situação de deslocação.

38.ª- A redação do ponto 5 dos factos provados, alterada pelo acórdão, deu à comparticipação da Recorrente o carácter de prestação em espécie que se equipara a uma ajuda de custo ou prestação análoga, e, por outro lado, evidencia a aleatoriedade desta prestação, o que implica que a mesma não possa ser considerada como retribuição.

39.ª- Com efeito, estando tal prestação dependente da realização das viagens, e esta realização dependente da vontade e capacidade do Recorrido de as concretizar, e, bem assim, do cumprimento dos requisitos acordados quanto ao momento e itinerário das mesmas, a comparticipação da Recorrente no respetivo custo não era certa nem regular, mas sim condicionada e eventual, uma vez que, nas épocas em que este não fizesse as específicas viagens referidas no acordo, esta não lhe entregava os respetivos valores de comparticipação nem lhe entregava qualquer outra prestação sucedânea.

40.ª- A Recorrente também discorda, com o devido respeito, da afirmação feita no acórdão recorrido de que tais viagens são “pessoais e não profissionais, sendo o autor nacional do ....... para onde se deslocava”, uma vez que justamente cabe aqui o argumento quanto ao subsídio de habitação: a comparticipação não se justificaria, nem teria sido acordada, se o Autor fosse português ou tivesse residência habitual em Portugal, sendo apenas feita para que o mesmo se deslocasse a Portugal para exercer a sua atividade como jogador do Sporting Clube de Braga e posteriormente regressar.

41.ª- Acresce ainda que, também relativamente a esta prestação, a mesma não excedia os montantes normais das despesas que lhe estão subjacentes ‒ o que é notório atento o facto de estarem em causa viagens transatlânticas.

42.ª- Com vista a prevenir a eventualidade de o Tribunal ad quem não dar provimento ao pedido de remessa dos autos remetido à Relação para apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao facto provado sob o n.º 10 e para reapreciação da prova nesse âmbito indicada pela Recorrente, importa frisar que, mesmo nessa eventualidade, sempre deverá o Tribunal ad quem alterar a decisão de direito sobre estes prémios de objetivos, impondo-se que os considere excluídos do conceito de retribuição para efeitos de cálculo de pensão por incapacidade para o trabalho.

43.ª- A Recorrente entende que não poderá ser a simples circunstância de as partes terem previsto contratualmente a possibilidade da atribuição deste prémio, se verificadas determinadas condições, que poderá fundamentar a sua qualificação como retribuição.

44.ª- Importa, antes, perceber se o prémio em causa era ou não antecipadamente garantido no sentido de exigir um especial esforço ou qualidade de serviço. Ora, conclui-se que não está em causa um prémio antecipadamente garantido porque o preenchimento da condição de participar em 20 jogos, durante pelo menos 45 minutos, vai muito além dos padrões mínimos de conduta esperados e mesmo do que é exigido ao jogador médio, dependendo ainda das escolhas do treinador, que se baseia em muitos fatores que não se prendem simplesmente com o desempenho do Recorrido e que, nesse medida, este não podia influenciar.

45.ª- Acresce que o prémio em causa não assume natureza regular, não sendo de atribuição normal, já que o seu vencimento depende de uma condição que está sujeita a diversas variáveis e que a mesma só se tinha verificado por uma vez no período antes do acidente.

50.ª- Parece evidente à Recorrente, e tem esperança de o demonstrar na presente revista, que a Instrução Geral n.º 5, alínea a), teve em vista compensar os lesados com IPP que se vejam impossibilitados de ocupar o seu posto de trabalho anterior, não podendo ser reconvertidos nele, e que, sem tal aplicação, se diferenciavam desfavoravelmente relativamente aos que tinham idêntica IPP mas continuavam a trabalhar no posto anterior, uma vez as regras gerais de cálculo da incapacidade/pensão não se revelam suficientemente protetoras e adequadas à sua condição específica mais grave, tendo em conta que a alínea c) do n.º 3 do artigo 48.º da LAT prevê que o sinistrado que com IPP tem apenas direito a uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho, independentemente de ser ou não reconvertível ao seu posto.

51.ª- Acresce que a TNI atualmente em vigor (de 2007), publicada na vigência da LAT de 1997, aditou uma instrução — a 5-A — específica para os trabalhadores com IPATH, que mandou atender, na atribuição desta incapacidade, à “capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente”.

52.ª- Tal significa que o “esforço acrescido de adaptação a distintas funções”, que a jurisprudência vem entendendo como justificativo da aplicação a trabalhadores com IPATH do fator de bonificação previsto no ponto 5, foi acautelado no ponto 5-A das Instruções Gerais, uma vez que a adaptação a “outra profissão” constitui um plus relativamente a “distintas funções”.

53.ª- Além disso, parece evidente que, se o legislador da TNI pretendesse que a instrução da alínea a) do ponto 5 devesse ser aplicada aos sinistrados com IPATH tê-lo-ia dito, neste ponto 5-A, ou teria nele incluído também um qualquer fator de bonificação.

54.ª- Entende, assim, a Recorrente que, salvo melhor entendimento e o devido respeito, que é muito, será de inverter a tendência mais recente da jurisprudência e regressar à posição já antes defendida em diversos arestos dos nossos tribunais superiores, como é o caso do acórdão-fundamento invocado na presente revista — Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 18.05.2011 no âmbito do processo n.º 4589/03.4TTLSB.L2-4, e os acórdãos da Relação do Porto, de 22.05.2006 (proc. n.º 0610709A) e de 12.05.2005 (proc. n.º 0513917, e o da Relação de Lisboa, 02.08.2012 (proc. n.º 270/03.2TTVFX.L1-4).

55.ª- Veja-se que o argumento que vem sendo utilizado, de que “não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar”, como vem referido, por exemplo, no Acórdão do STJ de 5.03.2013, não é, salvo o devido respeito, compreensível, uma vez que, na realidade, a lei trata diversamente os dois casos aí referidos, no artigo 48.º da LAT, que, na alínea c) do n.º 3, não prevê que, caso o trabalhador com IPP não seja reconvertível ao posto de trabalho que ocupava antes da lesão, a “redução sofrida” na capacidade geral de ganho aí prevista deva sofrer um aumento.

56.ª- Desta forma, não deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, quanto ao período até aos 35 anos de idade do Recorrido, o coeficiente geral de incapacidade permanente parcial a base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, constante do DL n.º 352/2007, de 23 de outubro, mas apenas o artigo 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, bem como na respetiva tabela anexa, à IPP de 19%, o que resultou numa IPP com IPATH de 39,154%.

57.ª- Mantém a Recorrente igualmente o entendimento de que a interpretação defendida pelo Tribunal a quo viola o preceito constitucional que estabelece o princípio da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho (59º/1/f, CRP). Essa violação verifica-se por a “reparação” proporcionada não ser justa, mas, mais, não ser sequer uma reparação, mas antes uma bonificação sem qualquer causa justificativa. A única bonificação que tem causa justificativa é a derivada da IPATH, já que, num caso de IPATH, a atribuição de nova bonificação, por aplicação do fator de 1.5, apresenta “causa” sobreposta com aquela (não reconvertibilidade no posto de trabalho) e, por essa circunstância, carece de uma verdadeira causa.

58.ª- Nessa medida, e para todos os efeitos, invoca-se essa inconstitucionalidade, desde já se expondo que a norma resultante da base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais que integra o DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, interpretada no sentido de que o coeficiente de incapacidade de sinistrado que sofra de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual e que, por esse motivo, não possa ser reconvertido também ao posto de trabalho, deve beneficiar da aplicação do fator de 1.5 devido em caso de a vítima não ser reconvertível no posto de trabalho é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

59.ª- Ainda que se entenda ― no que não se concede ― que o fator de bonificação de 1.5 pode ser aplicado aos sinistrados com IPATH, importará atender à tripla bonificação/majoração que se verifica no caso sub judice, já que o referido fator é aplicado a um sinistrado cuja IPATH já se encontrava aumentada pela tabela de comutação da Lei n.º 27/2011.

60.ª- Relativamente ao enquadramento e consequência jurídica, a aqui Recorrente concorda, na generalidade, com as alegações da Seguradora, às quais adere. Este segmento do recurso apresenta-se de forma subsidiária relativamente ao alegado quanto à inaplicabilidade do fator 1,5 a qualquer sinistrado e para a eventualidade de essas alegações não procederam, pelo que é neste contexto que se adere à parte das alegações da Seguradora que admitem que, para a generalidade dos sinistrados com IPATH, o fator de bonificação de 1.5 por não reconvertibilidade lhes poderá ser aplicável.

61.ª- Assim, a majoração resultante da bonificação de 1.5 já se deve considerar integrada no trabalho comutativo que resulta da aplicação da Lei n.º 27/2011, e, desta forma, a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba, incorpora ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

62.ª- Desta forma, não deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, quanto à pensão a fixar até aos 35 anos de idade do Recorrido, o coeficiente geral de incapacidade permanente parcial a base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, constante do DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, mas apenas o artigo 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, bem como na respetiva tabela anexa, à IPP de 19%, o que resultou numa IPP com IPATH de 39,154%.

63.ª- Nessa medida, e para todos os efeitos, invoca-se novamente a inconstitucionalidade já antes requerida, desde já se expondo que as normas resultantes do artigo 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de junho, bem como na respetiva tabela anexa, e da base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais que integra o DL n.º 352/2007, de 23 de outubro, interpretadas no sentido de que o coeficiente de incapacidade de um praticante desportista profissional, que sofra de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual e que não possa ser reconvertido ao posto de trabalho, e depois de comutado enquanto praticante desportista profissional, deve, até aos 35 anos de idade, beneficiar da aplicação do fator de 1.5 devido em caso de a vítima não ser reconvertível no posto de trabalho é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

64.ª- No que respeita ao período a partir dos 35 anos de idade do sinistrado, o Tribunal a quo entendeu que seria de manter a aplicação, decidida na sentença, do fator de bonificação de 1.5.

65.ª- Ora, o exposto supra nestas alegações não só tem plena aplicação no cálculo da pensão a pagar a partir dos 35 anos de idade do sinistrado, como ganha ainda maior relevância e sentido neste período. Nessa medida, remete-se para o exposto nos referidos pontos, ainda que com as adaptações que se impõem.

66.ª- Não há qualquer justificação para referir, após os 35 anos de idade de um jogador profissional, importa compensar o Autor pela impossibilidade de reconversão no concreto posto de trabalho que ocupava, já que, a partir dessa data, a lei ficciona que esse posto jamais existiria, pelo que essa impossibilidade de ocupação do referido posto não resultaria da incapacidade para o trabalho, mas antes do natural decurso da idade ativa para esta profissão.

67.ª- Não se consegue alcançar como dois conceitos (IPATH e não reconversão no posto de trabalho) são usados pelo Tribunal a quo de forma cumulativa até aos 35 anos e, passada esta barreira, que corresponde precisamente à ficção da idade ativa do desportista profissional, o primeiro conceito deixa de valer (como não podia deixar de ser), mas o segundo, relacionado com um posto que só até aos 35 anos pode ser ocupado, se mantém.

68.ª- Desta forma, não deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, quanto à pensão a fixar a partir dos 35 anos de idade do Recorrido, ao coeficiente geral de incapacidade permanente parcial (de 19%) a base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, constante do DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

69.ª- Para todos os efeitos, invoca-se novamente a inconstitucionalidade já antes requerida, desde já se expondo que a norma resultante da base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais que integra o DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, interpretada no sentido de que o coeficiente de incapacidade de praticante desportivo profissional deve beneficiar da aplicação do fator de 1.5 devido em caso de a vítima não ser reconvertível no posto de trabalho mesmo após aquele completar 35 anos de idade e deixar de se considerar afetado por incapacidade permanente para o trabalho habitual é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

70.ª- A Recorrente entende que, a partir dos 35 anos de idade do sinistrado, esta incapacidade deve ser apurada tendo em conta as disposições do artigo 48.º, n.º 3, alínea c), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, sem qualquer comutação. Nessa medida, para efeitos de cálculo da pensão anual e vitalícia devida a partir dos 35 anos, esta deveria ser calculada com base na IPP genérica (i.e. sem comutação especial) fixada em 19%.

71.ª- Por se concordar com o exposto nas alegações de revista apresentadas pela Seguradora, remete-se para o que aí foi dito a este propósito.

72.ª- Desta forma, não deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, quanto à pensão a fixar a partir dos 35 anos de idade do Recorrido, a comutação prevista na Lei n.º 27/2011 e respetivo anexo.

73.ª- Para todos os efeitos, invoca-se novamente a inconstitucionalidade já antes requerida, desde já se expondo que as normas resultantes dos artigos 48.º, n.º 3, alínea c) da LAT e 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, bem como na respetiva tabela anexa, interpretadas no sentido de que, após os 35 anos, ao coeficiente de incapacidade de um praticante desportista profissional, que sofra de uma incapacidade permanente parcial e que não possa ser reconvertido ao posto de trabalho, dever ser aplicada a comutação específica para o praticante desportista profissional é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

74.ª- O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas:

— do art.º 71.º, n.ºs 1 a 3, da LAT, ao considerar que o conceito de retribuição aí previsto para efeitos de cálculo da pensão inclui o valor do subsídio de habitação mensal, assim como o valor correspondente a quatro viagens de e para ……….., quando aquela disposição legal deve ser interpretada no sentido de incluir apenas prestações que são contrapartida da atividade contratada, que são regulares e que não se destinam a compensar custos aleatórios;

— do art.º 71.º, n.ºs 1 a 4, da LAT, ao considerar que o conceito de retribuição aí previsto para efeitos de cálculo da pensão inclui o valor do prémio devido em caso de participação em pelo menos 20 jogos oficiais durante o período mínimo de 45 minutos cada, quando aquelas disposições legais devem ser interpretadas no sentido de incluir apenas prémios que tenham uma natureza regular e que sejam antecipadamente garantidos;

— do art.º 48.º, n.º 3, alínea b) da LAT, da base 5. a) da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, constante do DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e do artigo 3.º da Lei n.º 27/2011, de 16 de junho, ao, por um lado, ter calculado a pensão devida até aos 35 anos de idade do Recorrido com aplicação de fator de bonificação por não reconversão no posto de trabalho, quando este fator não se aplica a quem tenha IPATH, aplicando-se apenas uma IPP comutada; por outro lado, ao ter calculado a pensão devida a partir dos 35 anos mantendo a comutação dos desportistas profissionais e aplicando o referido fator de bonificação, quando se deve entender que nenhuma destas majorações se aplica a desportistas profissionais a partir dos 35 anos de idade, aplicando apenas a IPP normal. (Fim da transcrição parcial das conclusões da Ré empregadora)

4. Foi proferido despacho liminar, no qual se considerou: que o recurso é tempestivo; que os recorrentes têm legitimidade; que estão preenchidas as demais condições gerais relativas à admissibilidade do recurso, bem como a existência de dupla conforme.

5. O processo foi distribuído a esta formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excecional referidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

6. Cumpre apreciar e decidir:

 6.1  A revista excecional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

A admissão do recurso de revista, pela via da revista excecional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.

Assim, só é possível a admissão do recurso pela via da revista excecional se estiverem preenchidos os pressupostos gerais de admissão do recurso de revista e se esta não for possível pela existência da aludida situação de dupla conforme.

Nos presentes autos, como resulta do despacho liminar estão preenchidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso decorrentes do artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sendo certo que, como já se referiu, a decisão recorrida confirmou, sem mais, a decisão proferida pela 1.ª instância, pelo que estamos perante uma situação de dupla conforme, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

Os recorrentes invocam como fundamento da admissão dos respetivos recursos o disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte:

1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) …

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Relativamente à primeira exceção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao art.º 672.º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), «Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»

Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: «Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.

As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.

Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador).»

No que se refere à terceira exceção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 383) refere que a mesma está ligada ao vetor da uniformidade jurisprudencial e da certeza na aplicação do direito.

O citado autor acrescenta que «A coerência interpretativa é promovida pela verificação de costumes jurisprudenciais ou de jurisprudência constante ou consolidada, o que determina que certos impulsos em sentido divergente sejam naturalmente atenuados pela previsível revogação em caso de interposição de recurso».

6.2 No caso concreto dos autos, as recorrentes invocam que as questões que suscitam, pela sua relevância jurídica, exigem  clara e necessariamente uma apreciação do STJ, em sede de revista excecional, para uma melhor aplicação do direito.

A Ré seguradora equacionou as seguintes questões:

a) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI;

b) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6;

c) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

Por seu turno, a Ré empregadora equacionou as seguintes questões:

a) Saber se o subsídio de habitação, as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” e o prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais, durante o período mínimo de 45 minutos, devem integrar o conceito de retribuição;

b) Saber se são compatíveis a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade;

c) Saber se é aplicável aos praticantes desportivos o  fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI, quando não sejam reconvertíveis no seu posto de trabalho;

d) Saber se é possível a manutenção da comutação da IPP, prevista na tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, depois dos 35 anos de idade do praticante desportivo.

As recorrentes invocaram, ainda, que o acórdão recorrido está em contradição com outros, já transitados em julgado, proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, acrescentando que não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

A recorrente seguradora indicou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/4/2018, proferido no processo n.º 25552/16.0T8LSB.L1-4, que segundo alegou não aplicou, no cálculo da pensão anual, após os 35 anos de idade, a praticante desportivo profissional, a quem foi atribuída uma IPATH, o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

A recorrente empregadora indicou o mesmo acórdão e ainda outro do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/5/2011, proferido no processo 4589/03.4TTLSB.L2.4, que versa sobre a aplicação cumulativa do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI, no caso de a vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, por lhe ter sido atribuída uma IPATH.

                                                                      

6.3 Uma das questões suscitadas pela R. empregadora  consiste em saber se o subsídio de habitação, as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” e o prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais, durante o período mínimo de 45 minutos, devem integrar o conceito de retribuição.

O Acórdão recorrido apreciou esta questão da seguinte forma:

«Saber se o subsídio de habitação e as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” integram o conceito de retribuição.

A propósito do recurso do autor, já se acentuou que o conceito de retribuição difere no âmbito da reparação de danos por acidente de trabalho e é mais lato relativamente àquele outro que vigora no âmbito do contrato de trabalho onde serve de medida de outros direitos dos trabalhadores, designadamente para a indemnização a atribuir nos despedimentos ilícitos ou para o regime de garantias laborais.

Na verdade, no Código do Trabalho a retribuição é essencialmente entendida como “contrapartida do trabalho” - 258º/1, CT/09. Ao passo que, no domínio dos acidentes de trabalho, visa-se compensar a redução da capacidade de ganho e de trabalho.

Para isso, e detalhando um pouco mais, segundo o artigo 71º/2 da NLAT, para efeito de acidentes de trabalho a retribuição mensal engloba: «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios» e, conforme artigo 71º/3, NLAT, a retribuição anual incluiu “…outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”.

A definição legal de retribuição sustenta-se sempre no “seu carácter de regularidade” ou em prestações “a que o sinistrado tenha direito como carácter de regularidade”.

A regularidade (anual, mensal, trimestral, bimensal…), consistindo num pagamento repetido, indicia uma vinculação e cria legítimas expectativas no trabalhador, que com ele conta para as suas despesas pessoais. Mas, como supra se referiu, o direito à prestação, ou seja, o seu carácter obrigatório, pode logo decorrer do título atributivo, a saber contrato, lei, IRCT ou usos. Seja como for, quer a regularidade/obrigatoriedade seja indiciada de uma cadência de valores pagos repetidamente ou decorrente do título atributivo, esta característica é incompatível como a mera liberalidade, onde não há vinculação, de que são exemplo as recompensas ou prémios não garantidos antecipadamente.

A lei realça que as importâncias pagas de modo regular só não integrarão a retribuição se tiverem por causa custos aleatórios.

E: “Têm a característica de custos aleatórios as importâncias que, apesar de pagas regularmente, se destinam a satisfazer despesas feitas ou a fazer pelo trabalhador por razões ligadas à prestação de trabalho, representando apenas o reembolso delas e não um efetivo acréscimo de rendimento do trabalho. Englobam-se nesta categoria as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e abonos de instalação e outros equivalentes”  .

Ou seja, este tipo de importâncias mais não são do que o reembolso de custos que o trabalhador sofreu por causa da prestação do trabalho e que não lhe aumentam o seu rendimento, nem tão pouco lhe reduzem uma despesa pessoal. Importa não confundir o pagamento de ajudas de custo por despesas motivadas pelo trabalho (ex. quando o trabalhador se desloca em serviço e lhe é paga o valor do transporte, do alojamento e da alimentação), daquelas outras prestações que custeiam despesas pessoais do trabalhador, como o subsidio de alimentação, o pagamento de subsídio de renda de casa, de água, de eletricidade, a atribuição de viatura para uso pessoal além de profissional, etc…

Todas estas prestações serão retribuição caso elas resultem do título atributivo ou sejam pagas com regularidade, porque redundam numa diminuição das despesas pessoais do trabalhador e porque, como bem se diz na sentença, “as prestações retributivas não são apenas aquelas que se traduzem num aumento do património do trabalhador, mas também aqueles que evitam um empobrecimento, traduzindo-se no pagamento de uma despesa que o trabalhador teria de suportar”.

Volvendo ao caso dos autos facilmente se concluiu que o pagamento do subsídio de habitação previsto no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” integra o conceito de retribuição. Primeiro, porque é regular (mensal) e assumido com carácter de obrigatoriedade, por via negocial, para vigorar durante todo o contrato. Segundo, porque não compensa custos aleatórios, mas antes uma despesa pessoal do autor que vê aumentada a sua economia pela subtração de uma despesa, tendo legítima expectativa no seu pagamento .

O mesmo acontece com as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo”. Trata-se de prestações regulares que são obrigatórias para a ré, que as teria de assegurar caso o autor resolvesse viajar à sua terra natal, porque a ré a elas se vinculou por via negocial. E são viagens pessoais e não profissionais, sendo o autor nacional do ....... para onde se deslocava, sendo-lhe assegurado 2 viagens (a si e a acompanhante, ida/volta cada) no início, e outras duas no fim de cada época, com destino e/ou regresso do ........... Ou seja, não são despesas profissionais, na medida em o autor não se deslocava por causa do serviço, para ir prestar a sua atividade de jogador.

Finalmente, pouco importa que o valor das passagens de avião não fosse entregue diretamente ao autor e que lhe fosse antes assegurado o serviço de transporte (porque diretamente tratado pela empregadora perante as operadoras aéreas), já que a retribuição pode integrar “…o valor de bens (máxime de consumo) e do uso pessoal de outros bens…” .

Improcede assim a alegação.

O caracter retributivo ou não do prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais durante o período mínimo de 45 minutos:

Na sentença recorrido considerou-se que o mesmo integrava o conceito de retribuição.

A ré contesta, em parte por falta de prova sobre este facto, em parte porque o dano futuro não deveria ser considerado, em parte porque o valor que foi considerado (50.000€) está incorreto, devendo atender-se no máximo ao valor de 26.000, conforme 71/4 NLAT (média do ano anterior).

Ora, a impugnação da matéria de facto foi julgada improcedente, tendo ficado provado o facto virtual de que o autor preencheria os requisitos necessários à atribuição do prémio e pré-definidos, caso não fosse a lesão, pelo que decai este argumento.

Também já se enunciou suficientemente o conceito de retribuição e realçou o seu significado mais lato quando interpretado no âmbito dos acidentes de trabalho. Remete-se, assim, para o dito a propósito do artigo 71º/ 1/ 2/3, da NLAT, e quanto ao facto de a retribuição compreender as prestações a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, que não se destinem a compensar custos aleatórios. Abrangendo-se as prestações dependentes do desempenho ou mérito do trabalhador se estiverem antecipadamente garantidas, por força do “título atributivo”. O que é o caso dos autos, porque ficou também provado que esta prestação era obrigatória porque a ré a ele se vinculou por via do contrato de trabalho

Na sentença recorrida depois de se discorrer exaustivamente sobre o dano de chance e em moldes com os quais concordamos e para o que se remete, conclui-se:

“Transpondo estes princípios para o caso dos autos, temos que estamos perante um dano futuro previsível. A quantia ilíquida de € 50.000,00 que foi acordada para a participação do autor em vinte jogos oficiais com um mínimo de quarenta e cinco minutos por jogo tinha uma componente de imprevisibilidade, uma vez que não dependia apenas do autor. Todavia, esta componente é típica dos danos futuros e não afasta a sua indemnização. O que interessa é saber se, pese embora esta componente de imprevisibilidade, o recebimento pelo autor da quantia ilíquida de € 50.000,00 se aproximava mais de um dano futuro previsível ou de um dano futuro imprevisível, consistindo numa mera possibilidade ou hipótese. Tendo o autor completado vinte jogos oficiais com um mínimo de quarenta e cinco minutos por jogo na época anterior e recebido esta quantia e já tendo completado treze jogos na época em que ocorreu o acidente, numa altura em que a época ainda estava no início, cremos que tinha uma legítima expectativa de ganho relativamente a esta quantia. Com efeito, de acordo com a normalidade, tudo indicava que o autor iria receber esta quantia, tal como havia acontecido na época anterior.

Importa ainda acrescentar dois aspetos. O primeiro é que não estava em causa uma condição demasiado exigente. O autor apenas tinha de completar vinte jogos oficiais e jogar metade do tempo em cada jogo. O segundo é que, sendo verdade que o autor estava dependente da decisão do treinador no sentido de o convocar e colocar a jogar, também é verdade que esta decisão não era absolutamente subjetiva ou arbitrária. Os treinadores decidem em função dos jogadores que foram contratados para a equipa principal, como acontecia com o autor, da capacidade técnica dos jogadores, da sua forma física e do seu empenhamento nos treinos e nos jogos anteriores. Era, pois, uma decisão do treinador, mas enquadrada em aspetos objetivos que estavam relacionados com o autor e que este podia influenciar.”

Concordamos com a sentença recorrida sendo a probabilidade de o autor preencher a condição muito maior do que menor, considerando também que era jogador titular e capitão de equipa o que à partida lhe garantia a sua escolha para participar nos jogos, contando já como 13 efetivados.

Quanto ao valor desta prestação haverá apenas que recorrer ao contrato, por via do qual se acordou no pagamento de um valor fixo – 50.000€-, pelo que não há necessidade de recorrer a médias retributivas do ano anterior que apenas têm lugar quando os valores são variáveis.

Improcede a alegação, sendo correta a base de cálculo utilizada para aferir a pensão do autor. (Fim da transcrição parcial do acórdão recorrido)

O Código do Trabalho dedica um capítulo ao conceito de retribuição e outras prestações patrimoniais, elencando logo no seu art.º 258.º os princípios gerais sobre a retribuição:

1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.

O conceito de retribuição encontra-se muito tratado pela doutrina e jurisprudência, nomeadamente quanto à retribuição em espécie e quanto às prestações incluídas ou excluídas da retribuição.

A questão colocada pela R. empregadora  consistente em saber se o subsídio de habitação, as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” e o prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais, durante o período mínimo de 45 minutos, devem integrar o conceito de retribuição, assume um carácter muito particular que deriva do que foi efetivamente contratado no caso concreto com o trabalhador.

 Nessa medida, a questão não apresenta um carácter paradigmático e exemplar, cuja solução possa, sem mais, ser  transposta para outras situações com relevo  autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas nos presentes autos.

Como refere o autor acima citado «As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.»

Também não estamos perante legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências suscetíveis de originar decisões contraditórias.

Assim, relativamente a esta questão não se admite a revista excecional interposta pela R. empregadora.

6.4  A R. empregadora colocou a questão de saber se, em termos gerais, são compatíveis a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade.

Quanto a esta questão existe já uma jurisprudência consolidada do STJ, no sentido de que não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI (Acórdãos de 20/5/2020, Proc. n.º 4380/17.0T8VNF.G1.S1, de 6/2/2019, Proc. n.º 639/13.4TTVFR.P1.S1, de 03-03-2016, Proc. n.º 447/15.8T8VFX.S1,  de 28-01-2015, Proc. n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1, 28-01-2015, Proc. n.º 28/12.8TTCBR.C1.S1, de 05-03-2013 Proc. n.º 270/03.2TTVFX.1.L1.S1 e  de 24-10-2012, Proc. n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1).

Na verdade, estamos perante uma questão que tem sido trabalhada desde há muito, como se refere no último Acórdão citado, de 24-10-2012, Proc. n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1).

No caso concreto dos autos o acórdão recorrido seguiu a uma corrente jurisprudencial consolidada, constatando-se que o recurso da R. empregadora, nesta parte, denota mero inconformismo perante a decisão recorrida.

Também quanto a esta questão não se admite a revista excecional interposta pela R. empregadora.

Nesta linha, fica assim prejudicada a questão suscitada pela R. empregadora da  alegada contradição do acórdão recorrido com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/5/2011, n.º 4589/03.4TTLSB.L2.4, pois a posição defendida neste acórdão de que «A multiplicação pelo fator 1.5 …não é aplicável quando a vítima sofra de incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH), caso em que se aplicará o regime previsto no art.º 17.º, n.º 1, al. b), da Lei 100/97», encontra-se em oposição com a corrente jurisprudencial consolidada do STJ sobre a matéria.

6.5 As R.R. seguradora e empregadora suscitaram ainda uma série de questões relacionadas com a articulação da interpretação da Lei dos Acidentes de Trabalho (prestações por incapacidade- IPATH), a instrução geral n.º 5 alínea a) da Tabela Nacional de Incapacidades e o disposto na Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos.

Sintetizando a problemática suscitada pelas R.R. as questões, que no entender  merecem ser apreciadas pelo STJ, em sede de revista excecional, dada a sua relevância jurídica, com vista a uma melhor aplicação do direito, são as seguintes:

a) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI;

b) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6;

c) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

A Lei n.º 27/2011, de 16 de junho, que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos, sucedeu à Lei n.º 8/2003, de 12 de maio, versa sobre uma matéria relativamente recente, não existindo ainda corrente jurisprudencial consolidada acerca da sua articulação com a Lei dos Acidentes de Trabalho e as instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.

Abordando o problema, numa determinada vertente específica, temos os Acórdãos do STJ de 28/5/2014 e 17/9/2014, o primeiro de uniformizador de jurisprudência, proferidos nos processos n.os 1051/11.5TTSTB.E1.S1 e 2426/10.2TTLSB.L1.S1, nos quais se sumariou:

I -    A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.

II -  Não é possível bonificar, nos termos da alínea a) do n.º 5 daquelas Instruções Gerais, o coeficiente de incapacidade geral de um profissional de futebol decorrente de acidente de trabalho, de 22 anos à data do acidente, e que retomou, logo após a alta, as tarefas correspondentes ao posto profissional que ocupava antes do acidente.

Ainda do STJ, no âmbito da Lei n.º 8/2003, de 12 de maio, que antecedeu a Lei  n.º 27/2011, de 16 de junho, temos o acórdão de 23-09-2009, proferido no Recurso n.º 3918/08 , em que foi sumariado:

I -  Tendo o sinistrado, praticante desportivo profissional, ficado afetado, em consequência de acidente de trabalho, de uma IPP de 5%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, e não constando das Condições da Apólice a exclusão da responsabilidade da seguradora relativamente à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a seguradora responde, em função do salário transferido, pelo pagamento da pensão correspondente àquelas duas incapacidades e não só pelo pagamento da pensão correspondente à IPP de 5%, independentemente da idade do sinistrado.

II - A Grelha de Comutação anexa ao contrato de seguro não exclui a responsabilidade decorrente da IPATH.

Também os Tribunais da Relação já se tinham pronunciaram sobre alguns aspetos da Lei n.º 8/2003, de 12 de maio, que antecedeu a Lei  n.º 27/2011, de 16 de junho.

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2013, proferido no processo 2776/10.8TTLSB.L1-4, foi sumariado:

I – Nos termos do art. 2.º da Lei n.º 8/2003, de 12/05 – que estabelece um regime específico de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais – as pensões devidas, seja por morte ou incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, seja por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou incapacidade permanente parcial, estão sujeitas a limites máximos, sendo que no segundo caso os limites são ainda diferentes consoante o sinistrado tenha 35 ou menos anos ou tenha mais de 35 anos.

II – Em contrapartida, a tabela específica anexa a tal diploma legal beneficia o praticante desportivo profissional de qualquer idade, dentro de certos limites atinentes ao grau de desvalorização, embora o valor do benefício decresça com a idade e se fixe a partir dos 34 anos, não podendo em qualquer caso deixar de ser aplicado o regime mais favorável que eventualmente decorra da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais, por força da parte final do n.º 3 do citado art. 2.º.

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto  de 5/10/2015, proferido no processo n.º 267/14.7T4AVR.P1sumariou-se:

I - Ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, salvo se da primeira resultar valor superior.

II - Esta tabela não prevê a comutação da IPP fixada em termos decimais, no entanto, a solução mais justa e respeitadora dos princípios constitucionais da igualdade e da justa reparação, consiste em encontrar a diferença entre as IPP comutadas.

III - Encontrando-se o sinistrado afetado de uma IPP de 6,6885%, sendo que à IPP de 6% corresponde a IPP comutada de 6,14% e à IPP de 7% a de 7,397%, cumpre apurar a diferença entre estas duas IPP comutadas que é de 1,257% (7,397-6,14) e, após, encontrar nessa diferença a percentagem correspondente à IPP do sinistrado, ou seja, o que excede a respetiva unidade já determinada (6), acrescida da majoração que seja correspondente em termos proporcionais ao citado intervalo (0,6885%x1,257= 0,8654445 e que deve ser somada à IPP comutada de 6,14%, obtendo, assim, a IPP comutada de 7,0054445% (0,8654445+6,14).

A referida Lei  n.º 27/2011, de 16 de junho, estabelece um regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, no que concerne às pensões por morte (art.º 2), pensões por incapacidade permanente absoluta (art.º 3.º) e pensões por incapacidade permanente parcial (art.º 4).

O seu artigo 5.º, sob a epígrafe Tabela de incapacidades específicas, estabelece que «Nos casos previstos nos artigos anteriores, ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa à presente lei, da qual faz parte integrante, salvo se da primeira resultar valor superior».

Esta disposição legal exige que se faça uma articulação entre a tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais e a tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16 de junho.

Como já se referiu, estamos perante um regime jurídico relativamente recente, reconhecendo‑se que as questões jurídicas suscitadas apresentam um carácter paradigmático e exemplar, que pode ser transponível para outras situações, assumindo assim relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas.

Assim, no que diz respeito a estas questões suscitadas pelas R.R. seguradora e empregadora admite-se a revista excecional.

6.6 As recorrentes invocaram, ainda, que o acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/4/2018, proferido no processo n.º 25552/16.0T8LSB.L1-4, que, segundo alegaram, não aplicou, no cálculo da pensão anual, após os 35 anos de idade, a praticante desportivo profissional, a quem foi atribuída uma IPATH, o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

Um vez que a questão colocada pelas recorrentes, ao invocar a alegada contradição, se prende com a aplicação no cálculo da pensão anual, após os 35 anos de idade, a praticante desportivo profissional, a quem foi atribuída uma IPATH, o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI, torna-se desnecessária a sua apreciação, pois a revista excecional, na parte em que foi admitida, incide sobre tal questão.

6.7 Por todo o exposto, acorda-se em:

1. Não admitir a revista excecional interposta pela R. empregadora relativamente às seguintes questões:

a) Saber se o subsídio de habitação, as quatro viagens por época previstas no aditamento ao “Contrato de Trabalho Desportivo” e o prémio devido em caso de participação em, pelo menos, 20 jogos oficiais, durante o período mínimo de 45 minutos, devem integrar o conceito de retribuição;

b) Saber se, em termos gerais, são compatíveis a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade.

2. Admitir a revista excecional, interposta pelas R.R., no que concerne às seguintes questões:

a) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI;

b) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6;

c) Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma  IPATH, tem direito a uma pensão anual após os  35 anos, calculada com base num grau de  incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

Custas da revista interposta pela R. empregadora a seu cargo, na proporção do decaimento que se fixa em 50%, devendo a parte restante ser suportada nos termos em que venha a ser decidido no acórdão que conheça da revista.

Custas da revista interposta pela R. Seguradora em conformidade com o que venha a ser decidido no acórdão que conheça da revista.

Transitado, remetam-se os autos à distribuição, nos termos do Provimento n.º 23/2019, de S. Ex.ª, o Presidente deste Tribunal

Lisboa, 13 de janeiro de 2021

Chambel Mourisco (relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Júlio Manuel Vieira Gomes e Maria Paula  Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.