Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
825/21.3T8VCT.G2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PREVPAP
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ERRO MATERIAL
RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :

I - Não existe norma ou princípio jurídico derivado do regime jurídico do PREVPAP e da sua efetiva aplicação e concretização positivas que proíba ou obstaculize de alguma maneira o recurso à justiça do trabalho por banda dos trabalhadores que, embora integrados na Administração Direta ou Indireta do Estado por via daquele regime, se sintam, ainda assim, prejudicados devido à circunstância de, na sua perspetiva, só terem visto uma parte dos seus direitos ser devidamente acautelados com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas.


II – O artigo 12.º do CT/2009 contém uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [sem prejuízo da possibilidade de elisão da mesma pela empregadora - de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 dessa disposição legal, para fazer funcionar a mesma.


III - Ainda que nos movamos no quadro de uma figura que tem, fundamentalmente, reflexos de índole adjetiva e que consente que se extraia um facto desconhecido de outro conhecido, desde que estejam reunidas as condições de verosimilhança estabelecidas na lei, tal instituto não pode, em regra, ser aplicado retroativamente a contratos de trabalho celebrados entre as partes antes de 17/2/2009, conforme tem sido jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça quanto a tal problemática, que, nessa medida, aplica a legislação em vigor à data da celebração ou alteração da relação socioprofissional em discussão.


IV - Os índices ou sinais da existência de uma relação de trabalho subordinada mostram-se, todos eles e no caso concreto dos autos, claramente preenchidos, dado a atividade desenvolvida consecutivamente pelos Autores ser realizada em local ou locais determinados pelo Réu, com equipamentos e instrumentos de trabalho ao mesmo pertencentes, observando os onze Recorridos aqui abarcados períodos e horários semanais e normais de trabalho, auferindo uma remuneração liquidada mensalmente e estando sujeito a ordens, instruções, avaliações e fiscalização do IEFP.


V - Ainda que no caso dos autos não tenham os prévios procedimentos administrativos sido considerados no âmbito da contratação dos Autores e que, nessa medida, haja que qualificar de juridicamente nulos tais vínculos, certo é que os mesmos acham-se sujeitos às normas especiais constantes da LCT [artigos 14.º e 15.º] e dos Códigos do Trabalho de 2003 [artigos 114.º a 118.º] e de 2009 [artigos 121.º a 125.º] que determinam que tais relações de cariz laboral produzem os seus efeitos jurídicos normais, até que a sua invalidade seja invocada por uma das partes contra a outra [o que não se demonstrou minimamente nos autos], com consequências jurídicas distintas consoante o faça de boa-fé ou de má-fé.

Decisão Texto Integral:

RECURSO DE REVISTA N.º 825/21.3T8VCT.G2.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.)


Recorridos: AA


BB


CC


DD


EE


FF


GG


HH


II


JJ


KK


LL


MM


(Processo n.º 825/21.3T8VCT – Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo do Trabalho de ... [Juiz ...])


ACORDAM OS JUÍZES NA 4.ª SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I.RELATÓRIO


AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, na qualidade de Autores devidamente identificados nos autos, vieram intentar, no dia 18/03/2021 a presente ação declarativa com processo comum laboral emergente de contrato individual de trabalho contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), na sua qualidade de Réu, com os sinais de identificação constantes do processo, tendo para o efeito formulado as seguintes pretensões:


Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:


1 – Serem os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, bem como todas as consequências legais inerentes;


2 – Em face do sobredito, ser o Réu condenado a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 432.368,50 €, acrescido dos respetivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efetuados e os vincendos após citação e até efetivo pagamento.”.


2. - O Réu IEFP, I.P. contestou, terminando o seu articulado de defesa nos seguintes moldes:


«Termos em que, e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossa Excelência, deve julgar-se provada e procedente toda a matéria alegada na presente contestação e, em consequência:


1. Deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção dilatória da incompetência absoluta desse douto Tribunal para dirimir o presente litígio, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º e do n.º 2 do artigo 576.º, todos do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT e, em consequência, deverá o Réu ser absolvido da instância. Se assim se não entender, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder:


2. Deverá ser julgada totalmente procedente, por provada, a exceção perentória do abuso de direito e, em consequência, deverá o Réu ser totalmente absolvido dos pedidos, com a consequente extinção do efeito jurídico dos factos articulados pelos autores, de harmonia com o n.º 3 do artigo 576.º do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT, com as legais consequências.


Se assim se não entender, o que, uma vez mais, apenas se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder:


3. Deverá a presente ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, ser o Réu absolvido dos pedidos. »


3. – Os Autores responderam à contestação do Réu, tendo pugnado pela improcedência da exceção de incompetência em razão da matéria, exceção essa que veio a ser reconhecida pelo tribunal da 1.ª instância por decisão judicial de 24/6/2021e revertida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, através de Acórdão prolatado em 18/11/2021 e que julgou procedente o recurso de Apelação interposto pelos Autores, Aresto esse do tribunal da 2.ª instância que veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão proferido em 22/6/2022 e que não deu acolhimento à argumentação desenvolvida pelo Réu no seu recurso de Revista.


4. – Os autos seguiram a sua normal tramitação e o Tribunal da 1.ª Instância decidiu o litígio por sentença judicial proferida em 24/06/2021 [retificada por despacho judicial de 6/1/2023]:


“Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em conformidade, condena-se o Réu:


- a reconhecer que os Autores AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, estiveram a si vinculados por contrato de trabalho desde 01/03/2013 a 30/04/2020;


- a reconhecer que as Autoras BB e MM estiveram a si vinculadas por contrato de trabalho desde 01/11/2013 a 30/04/2020;


- a reconhecer que os Autores JJ e LL estiveram a si vinculadas por contrato de trabalho desde 01/01/2014 a 30/04/2020;


- a reconhecer que a Autora EE esteve a si vinculada por contrato de trabalho desde 01/02/2014 a 30/04/2020;


- a reconhecer que a Autora II esteve a si vinculada por contrato de trabalho desde 01/10/2014 a 30/04/2020;


- a pagar aos Autores AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, a título de férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal, as quantias de € 28.485,82 (vinte e oito mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos) e € 12.384,00 (doze mil trezentos e oitenta e quatro euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos;


- a pagar às Autoras BB e MM, a título de férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal, as quantias de €25.972,36 (vinte e cinco mil novecentos e setenta e dois euros e trinta e seis cêntimos) e €11.232,00 (onze mil duzentos e trinta e dois euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos;


- a pagar aos Autores JJ e LL, a título de férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal, as quantias de € 25.344,00 (vinte e cinco mil trezentos e quarenta e quatro euros) e € 12.672,00 (doze mil seiscentos e setenta e dois euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos;


- a pagar à Autora EE, a título de férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal, as quantias de € 22.673,46 (vinte e dois mil seiscentos e setenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) e € 12.528,00 (doze mil quinhentos e vinte e oitos euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos;


- a pagar à Autora II, a título de férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal, as quantias de € 22.830,54 (vinte e dois mil oitocentos e trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos) e de € 11.376,00 (onze mil trezentos e setenta e seis euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.


Vai o Réu absolvido de tudo o restante peticionado.


Custas por Autores e Réu, na proporção do respetivo decaimento.


Registe e notifique.”.


5. - O Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência dos recursos de Apelação interposto pelos Autores e do Réu acordou, por decisão judicial de 22/06/2023, no seguinte:


«Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores, condenando-se a ré a pagar o subsídio de refeição nos termos supra referidos.


Julga-se improcedente o recurso apresentado pela ré.


Custas nesta instância quanto à apelação dos Autores em 1/5 por estes e 4/5 pela ré. As da apelação da ré a cargo desta.”.


6. - O Réu interpôs recurso ordinário de revista e revista excecional, concluindo, em síntese:


«IV - CONCLUSÕES


1. O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão da Secção Social do venerando Tribunal da Relação de Guimarães, tirado em 22 de junho de 2023, com a Referência CITIUS n.º 8874186), que, pelo exposto, não foi concedido provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida;


2. Não pode o aqui Recorrente conformar-se com o teor desta decisão que, como veremos infra, desconsiderou totalmente a argumentação de direito apresentada pelo Recorrente, descurou os artigos 1.º, 6.º e 10.º, todos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aplicou incorretamente o artigo 11.º e 12.º, ambos do Código do Trabalho e a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, no que tange à natureza jurídica do vínculo laboral estabelecido entre o Recorrente e cada um dos Recorridos e calculou mal os créditos laborais;


DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO ORDINÁRIO DE REVISTA:


3. Se a douta Sentença absolveu o Recorrente dos pedidos relativos ao pagamento dos créditos laborais referentes ao subsídio de alimentação e se o douto Acórdão recorrido revogou este segmento decisório e condenou o Recorrente ao pagamento daqueles créditos, é evidente que não estamos perante dupla conforme;


4. Tendo presente a segunda parte do n.º 3 do artigo 671.º do CPC e os dispositivos da Sentença e do Acórdão aqui em causa, o douto Acórdão do venerando Tribunal da Relação de Guimarães não confirmou a decisão proferida na 1.ª instância, pelo que o presente Recurso deverá ser admitido como Recurso de Revista, nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do CPC;


DA ADMISSIBILIDADE, EM ALTERNATIVA, DO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL: DA RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS QUESTÕES EM CAUSA:


5. No caso vertente, como veremos de seguida, encontra-se preenchido o pressuposto processual contido na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, pois que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;


6. A derradeira intervenção desse colendo Tribunal justifica-se para clarificar se, ainda que se entenda que algum dos factos base da presunção de laboralidade previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho se verifique, tal verificação se revela totalmente irrelevante para a qualificação dos vínculos estabelecidos entre cada um dos Recorridos e o Recorrente, pois que, como salienta esse colendo Tribunal , de acordo com a legislação especial reguladora da formação profissional inserida no mercado de emprego e do seu regime de cofinanciamento pelo Fundo Social Europeu, o exercício da docência como formador em Centro de Formação Profissional pode processar-se ao abrigo de um contrato de trabalho ou de outra forma de contratação que não implique uma vinculação de natureza laboral, sendo que os indícios decorrentes da forma de execução da atividade, invocados pelos Recorrentes, estão presentes nas três formas de vinculação em causa: contratos individuais de trabalho, contratos de trabalho em funções públicas e contratos de prestação de serviços;


7. Admitindo que os vínculos em causa, estabelecidos entre o Recorrente e cada um dos Recorridos correspondem a relações laborais, a derradeira intervenção desse colendo Tribunal afigura-se necessária para saber se estamos perante relações de trabalho privadas, reguladas pelo Código do Trabalho ou relações de emprego público, disciplinadas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;


8. É que esse colendo Tribunal, na senda do Tribunal da Relação de Guimarães salientou que “(...) o tribunal judicial não será colocado na posição de vir de ter de apreciar uma relação jurídica de natureza administrativa, pois se concluir pela errada caracterização da relação jurídica, designadamente por se estar perante uma relação jurídica de emprego público, a ação improcederá e o Réu será absolvido do pedido”;


9. Importa, por isso, saber qual a tipologia da relação laboral, a cuja matéria as instâncias, entre as quais o Tribunal A Quo não prestaram qualquer atenção, salvo aquando da apreciação da exceção dilatória suscitada pelo Recorrente da incompetência em razão da matéria;


10. Afigura-se, pois, pertinente que esse colendo Supremo Tribunal clarifique a qualificação e a natureza das relações jurídicas prévias à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, ocorrida em 1 de maio de 2020;


11. Saber se o PREVPAP contribui para o esclarecimento do tipo de relação laboral em causa, justifica outrossim, a intervenção desse colendo Supremo Tribunal;


12. Justifica-se a intervenção desse colendo Supremo Tribunal para saber se, uma vez regularizada a situação dos Recorridos, através do PREVPAP, havia necessidade da intervenção das secções sociais dos tribunais judiciais para declarar e reconhecer contratos individuais de trabalho dos tribunais da jurisdição laboral;


13. Justifica-se a intervenção desse colendo Supremo Tribunal para clarificar se os Recorridos careciam de um duplo reconhecimento dos seus vínculos laborais no lapso temporal compreendido entre a data da celebração e do início da execução do primeiro contrato de aquisição de serviços de formação profissional (contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas - contrato público de aquisição de serviços) até ao dia anterior àquele em que celebraram o contrato de trabalho em funções públicas;


14. A interpretação perfilhada pelas instâncias, na douta Sentença e no douto acórdão recorrido, sobre as normas aplicáveis ao reconhecimento da existência de contratos individuais de trabalho e ao PREVPAP afigura-se suscetível de gerar divergências, já que uma outra solução igualmente plausível é a de considerar os vínculos jurídicos dos Recorridos como contratos de trabalho em funções públicas ou contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas (contratos públicos de aquisição de serviços);


15. Esta solução, que nos parece, outrossim, juridicamente plausível coloca o problema de saber se, concluindo pela existência de vínculos de emprego público se os tribunais do trabalho podem determinar as consequências de tal constatação;


16. Esse colendo Tribunal, pelo menos, tendo em conta a jurisprudência publicada, ainda não teve o ensejo de se pronunciar acerca dos termos e das consequências da regularização extraordinária de vínculos precários quando a entidade em cujo mapa de pessoal os trabalhadores são integrados é abrangida pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, de acordo com a primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro;


17. É, assim, de admitir a revista excecional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, para ajuizar melhor sobre estas questões;


DA EXISTÊNCIA DE INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL:


18. Assumem relevo social os casos de regularização extraordinária de vínculos precários e as suas implicações na reconstituição da situação atual hipotética dos respetivos titulares, já que estão em causa aspetos fulcrais para a vida em sociedade, com múltiplos destinatários e influxo em muitas famílias;


19. Independentemente da solução que venha a ser dada no caso concreto por esse colendo Supremo Tribunal poderá exercer uma forte influência em outros casos semelhantes, designadamente no âmbito de outros processos que correm termos em tribunais judiciais;


20. Trata-se de questões que extravasam o presente caso concreto; 21. Não se circunscrevem, pois, à esfera dos interesses das partes;


DA IRRELEVÂNCIA DOS FACTOS BASE DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE, PREVISTOS NO N.º 1 DO ARTIGO 12.º DO CÓDIGO DO TRABALHO EM FUNÇÕES DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL:


22. Na vigência do Código do Trabalho de 2009, não bastam quaisquer dois dos requisitos referidos no n.º 1 do seu artigo 12.º para que se infira que o contrato é de trabalho, não estando o intérprete dispensado de um trabalho interpretativo que , em cada caso, ache , de entre as características legalmente possíveis, as pertinentes à qualificação daquele contrato , como de trabalho;


23. De acordo com a legislação especial reguladora da formação profissional inserida no mercado de emprego e do seu regime de cofinanciamento pelo Fundo Social Europeu, o exercício da docência como formador em Centro de Formação Profissional pode processar-se ao abrigo de um contrato de trabalho ou de outra forma de contratação que não implique uma vinculação de natureza laboral;


24. Nesta mesma legislação, o formador é sempre definido funcionalmente em termos homogéneos e há vários aspetos do exercício da sua atividade que têm regulação expressa, aplicando-se quer a formadores internos, quer a formadores externos;


25. O regime jurídico que enquadra o exercício da atividade de formação implica que características indiciadoras da existência de contrato de trabalho percam neste contexto peso e relevo, entre as quais, (i) a forma de enquadramento da atividade docente prosseguida, (ii) o horário de trabalho, (iii) o controlo de assiduidade, (iv) o exercício da atividade docente em instalações pertencentes ao Réu e (v) a pertença ao Réu dos equipamentos e instrumentos de trabalho;


26. Os indícios decorrentes da forma de execução da atividade, invocados pelos Recorridos, estão presentes nas três formas de vinculação: contratos individuais de trabalho, contratos de trabalho em funções públicas e contratos de prestação de serviços;


27. A existência de horário para ministrar as sessões de formação não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num serviço de formação profissional, com diversas salas de formação, vários formadores (internos e externos) e múltiplos e heterogéneos formandos em diferentes modalidades de formação, é essencial a existência de horários para que a formação funcione com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos formadores;


28. O facto de a atividade formativa, exercida pelos Recorridos, ser desenvolvida em local definido pelo Centro de Emprego e Formação Profissional ... é irrelevante, já que um formador exerce, habitualmente, a sua atividade em salas de formação pertencentes à entidade formadora, não sendo normal que disponha de equipamentos, instrumentos e instalações próprias onde desenvolva a sua atividade;


29. A subordinação hierárquica, a que aludem as instâncias, mais não é do que o cumprimento dos preceitos legais e regulamentares aplicáveis, tanto a formadores internos, como a formadores externos;


30. A circunstância de os Recorridos receberem formação, estarem sujeitos a orientações gerais e deverem obediência aos normativos do Recorrente não significa, só por si, que exista subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação, com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador;


31. No que diz respeito à subordinação, o facto de os Recorridos receberem, no exercício das suas funções, diretivas técnicas emitidas pelo Recorrente, predominantemente através de correio eletrónico, relativas aos documentos a elaborar e aos prazos de entrega não basta para concluir que o beneficiário da atividade orientava a sua prestação, refletindo antes a exigência de uma certa conformação ou qualidade no resultado das sessões de formação e na necessidade de harmonização pedagógica;


32. As reuniões de acompanhamento são perfeitamente compatíveis com o contrato de prestação de serviços de formação profissional, já que num Serviço de formação profissional, com a presença de múltiplos formadores, tem de haver harmonização pedagógica dos conteúdos lecionados e dos critérios de avaliação dos formandos;


33. Os Recorridos possuíam e possuem, no âmbito da atividade formativa propriamente dita, elevado grau de autonomia relativamente aos métodos e técnicas pedagógicas a utilizar;


34. Destarte, os factos base, previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho não podem ser invocados em favor da existência de contratos individuais de trabalho, no contexto da formação profissional financiada;


DA QUALIFICAÇÃO DO VÍNCULO LABORAL PRÉVIO À CELEBRAÇÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS:


35. Admitindo a existência de vínculos laborais entre cada um dos Recorridos e o Recorrente, prévios à celebração dos respetivos contratos de trabalho em funções públicas, tais vínculos emergem, indubitavelmente, de relações jurídicas administrativas, estabelecidas entre o Recorrente e cada um dos Recorridos;


36. Os factos jurídicos concretos de que sobrevém o direito invocado pelos Recorridos emergem de princípios e normas jurídicas administrativas, concretizadas nos avisos de abertura dos procedimentos concursais, no Código dos Contratos Públicos e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com forte influência da Lei do PREVPAP e inserem-se numa indubitável ambiência pública;


37. Ou seja, a existir um vínculo laboral, como pretendem os Recorridos, estaríamos perante contratos de trabalho em funções públicas ou contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas (contratos públicos de aquisição de serviços);


38. Os Recorridos pretendem o melhor dos dois mundos: por um lado, o reconhecimento da existência de contratos individuais de trabalho para perceber os respetivos créditos laborais, por outro a existência de um contrato de trabalho em funções públicas, para efeitos de reconstituição da carreira profissional e eventual alteração do posicionamento remuneratório;


39. Se os contratos em funções públicas, celebrados entre cada um dos Recorridos e o Recorrente, em 1 de maio de 2020, retroagem a 1 de janeiro de 2015 para efeitos de reconstituição das carreiras, temos dois contratos em execução entre 1 de janeiro de 2015 e 30 de abril de 2020: o contrato individual de trabalho, reconhecido e declarado pelo Tribunal A Quo, e o contrato de trabalho em funções públicas para a reconstituição da carreira profissional dos Recorridos;


40. Os contratos celebrados entre o Recorrente e cada um dos Recorridos, prévios à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, são, pois, de direito público, já que as relações jurídicas administrativas gravitam em torno destes instrumentos de prossecução da atividade administrativa e convocam sempre normas e princípios de direito administrativo;


DAS REPERCUSSÕES DO PREVPAP NA SITUAÇÃO LABORAL DOS RECORRIDOS:


41. O PREVPAP distingue, categórica e inequivocamente, a Administração Pública (setor público administrativo) do Sector Empresarial do Estado (setor público empresarial);


42. Os n.ºs 4 e 5, ambos do artigo 3.º da Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, distinguem, claramente, a apreciação das situações de exercício efetivo de funções em órgão ou serviço da administração direta ou indireta do Estado, incluindo ao abrigo de contratos de prestação de serviço, da apreciação das situações de exercício efetivo de funções em entidade do setor empresarial do Estado;


43. A Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, distingue as pessoas abrangidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas das pessoas abrangidas pelo Código do Trabalho (cfr. n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 14.º);


44. O legislador deu indícios claros de estarmos perante relações jurídicas público-administrativas contaminadas pelo PREVPAP, nos vínculos prévios à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ao consignar a celebração dos contratos de trabalho em funções públicas sem período experimental, ao prever, inter alia, a integração das pessoas recrutadas através do procedimento concursal na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e ao prever a relevância do tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária para o desenvolvimento da carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório e para a carreira contributiva;


45. Ao passo que, nos órgãos ou serviços abrangidos pela LTFP a integração das pessoas nos mapas de pessoal dos respetivos órgãos, serviços ou autarquias locais é feita mediante a constituição de vínculos de emprego público por tempo indeterminado e precedida de aprovação em procedimento concursal, em órgãos, serviços ou entidades, cujas relações laborais são abrangidas pelo Código do Trabalho, a integração é feita sem a precedência de qualquer procedimento concursal;


46. Em cumprimento do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, os Autores foram opositores aos procedimentos concursais para preenchimento dos postos de trabalho para atividades de formação no IEFP, I. P.;


47. Deste modo, está totalmente vedada a hipótese de os Recorridos serem ou terem sido titulares de contratos individuais de trabalho, reconhecidos pelo PREVPAP, o que, hic et nunc, se invoca com todas as consequências legais;


48. Se esse colendo Supremo Tribunal concluir, como se espera, que o vínculo dos Recorridos anterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas é de direito público e que, por isso, foram admitidos através do PREVPAP, não terá competência material para, daí, extrair quaisquer consequências;


49. Não é possível reconhecer a existência de contratos individuais de trabalho no IEFP, I. P., designadamente para efeitos de integração no PREVPAP nem este procedimento extraordinário os reconheceu;


DOS CRÉDITOS LABORAIS PETICIONADOS:


50. No caso presente, não ficou demonstrado que os Recorrentes prestaram trabalho efetivo nos dias que vinham alegados;


51. Incumbe aos Recorrentes,, e não ao Recorrido, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência dos créditos laborais que reclamam, a título de subsídios de alimentação, uma vez que são constitutivos do alegado direito que pretendem ver reconhecido;


52. O apuramento das médias está, por provar, bem como dos dias em que os Autores prestaram serviço efetivo;


53. Se a consideração das trinta horas semanais era uma média horária, não é possível provar que os Recorrentes cumpriram os horários diários que alegam e que prestaram efetiva atividade;


54. O valor diário de subsidio de refeição que era pago aos demais trabalhadores tinha em conta, como muito bem refere a douta Sentença, a efetiva prestação de trabalho;


55. O subsídio de alimentação, sendo pago com carácter de continuidade e regularidade, apenas é devido quando o trabalhador preste efetivamente trabalho;


56. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias dos 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª Recorridos, respetivamente AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, a considerar são seis - de 01/01/2014 a 30/12/2019 - e não 7, como pretende a douta Sentença recorrida;


57. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias das Recorridas, BB e MM, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são seis - de 01/01/2014 a 30/12/2019 - e não 7, como pretende a douta Sentença recorrida;


58. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias da Recorrida EE , os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 – de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6, como pretende a douta Sentença recorrida;


59. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias da Recorrida, II, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 - de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6;


60. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias dos Recorridos, JJ e LL, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 - de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6, como pretende a douta Sentença recorrida;


61. No cálculo dos proporcionais do último ano, apenas deverão ser considerados, relativamente a todos os Recorridos, dois meses - de 01/01/2020 a 29/02/2020, porquanto nos meses de março e abril beneficiaram do apoio da Segurança Social;


62. No cálculo do subsídio de Natal devem ser considerados os mesmos anos completos tidos em conta no cálculo do subsídio de férias;


63. Os Proporcionais do Subsídio de Natal correspondentes ao Ano de 2020, devem ter em conta apenas 2 meses (de 01/01/2020 a 29/02/2020);


64. Os cálculos deverão, pois, ser corrigidos de acordo com os que foram efetuados no corpo alegatório, para cujo ponto se remete.


Termos em que, e pelo muito que Vossas Excelências, venerandos Conselheiros, mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e, em consequência, absolver o Recorrente de todos os pedidos, com as legais consequências e, dessa forma, será feita, em nome do povo, a CONSTANS, PERPETUA ET VERA IUSTITIA!»


7. - Os Autores, notificados de tais alegações, responderam às mesmas dentro do prazo legal, tendo elaborado as seguintes conclusões:


«CONCLUSÕES:


1 - O recurso foi interposto pelo Réu do Acórdão da Secção Social da Relação de Guimarães, que confirmou a sentença do Juízo do Trabalho de ..., tendo declarado, no essencial, a existência de uma relação laboral no período anterior a 1 de Maio de 2020, ou seja, anterior à agregação dos Autores como funcionários do Réu nos termos do PREVPAP.


2 - A revista não pode ser aceite uma vez que o Réu, quanto à questão do reconhecimento do contrato de trabalho, existe nos autos uma dupla conforme, uma vez que o TRG manteve integralmente a sentença no que respeita à apelação trazida pelo Réu.


3 - No segmento decisório impugnado em sede de revista - no caso, a existência da relação laboral - existe uma situação de dupla conformidade de decisões, sendo absolutamente irrelevante para a questão da admissibilidade do recurso a divergência verificada quanto no outro segmento decisório - no caso, referente aos subsídios de refeição - nesse sentido entre muitos Acórdão do nosso STJ de 19-01-2016 - Revista n.º 1368/11.9TBVNO.E1.S1 - 6.ª Secção - José Rainho (Relator) - Nuno Cameira - Salreta Pereira.


4 - Daí, a revista deve ser liminarmente rejeitada, só se entendendo a mesma com a vontade do Réu em adiar o pagamento dos créditos dos trabalhadores, usando de forma inadequada a máquina judicial.


5 - Creem os recorridos que, também, a revista excecional deve ser rejeitada por manifesta falta de concretização objetiva de algum fundamento excecional!


6 - O n.º 2 do art.º 672.º do CPC é claro ao prescrever que o recorrente deve indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a apreciação da questão tem clara relevância jurídica e quais os concretos interesses de particular relevância social, que não os objetivamente imputáveis ao recorrente, que pretende ter uma terceira instância.


7 - Contudo, o recorrente não concretizou o que, a ter feito, sempre o deveria ser de forma objetiva e clara a relevância jurídica do tema e muito menos indica o porquê da relevância social do assunto.


8 - O tema contrato de prestação de serviços versus contrato de trabalho está exaustivamente tratado por este Supremo Tribunal e de forma clara, compreensível e unânime.


9 - O Réu refere-se ao facto de ter existido o PREVPAP e não se ter ainda pronunciado o STJ sobre o tema com referência e esse programa… Pois, mas o PREVPAP nada alterou na legislação laboral cuja aplicação sustenta a condenação do Ré… Nada!


10 - Mais, o STJ já se pronunciou quanto ao tema, entre outros:


- Processo 20152/21.5T8LSB.L1.S1, 4.ª SECÇÃO, Relator: RAMALHO PINTO, data do Acórdão: 08-03-2023


- Processo 987/19.0T8BRR, 4.ª SECÇÃO, Relator PEDRO BRANQUINHO DIAS, data do Acórdão 22-06-2022


- Processo 18638/17.5T8LSB.L2.S1, 4.ª SECÇÃO, Relator LEONOR CRUZ RODRIGUES, data do Acórdão 23-11-2021:


11 - Mais, em termos jurisprudenciais esta questão dos formadores agregados no PREVPAP, tem sido consensual: tratava-se de contratos de trabalho.


- Acórdão do TRL de 26/06/2019, Proc.º 6132/17, in www.dgsi.pt


Sendo a ré uma entidade abrangida pelo art.º 2.°-1 da Lei n.º 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários - PREVPAV), ao celebrar com a autora o contrato de trabalho sem termo, tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho”


Acórdão do TRC de 19/01/2018 - Proc. 1020/17 , in www.dgsi.pt


A Portaria n° 150/2017, de 03/05, prevê um PREVPAP (programa de regularização dos vínculos precários na administração Pública e no setor Empresarial do Estado), no âmbito do combate à precaridade, sendo que no setor empresarial do Estado a regularização das situações decorre do regime estabelecido no CT e a apreciação das situações de exercício efetivo de funções em entidade do setor empresarial do Estado que correspondam a necessidades permanentes será feita com apelo à verificação das caraterísticas descritas no art.º 12.º do CT que legitimam a presunção de contrato de trabalho.


- Acórdão do TRE de 28/06/2023, ainda inédito, Proc. 603/22.2T8PTG:


Sumário elaborada pela relatora:


I - Juízos conclusivos e questões de direito não podem integrar o elenco dos factos provados.


II - Factos que se revelem inócuos para a boa decisão da causa, não devem ser objeto de reapreciação da prova, atento o princípio da limitação dos atos, consagrado no artigo 130.° do Código de Processo Civil.


III - Numa ação em que se pede a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes processuais como contrato de trabalho subordinado, compete ao Autor alegar e provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho previstos no artigo 11.º do Código do Trabalho, ou a verificação de algumas das características previstas no artigo 12.º do mesmo compêndio legal.


IV - Tendo os formadores contratados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP., logrado demonstrar a verificação de quatro das características previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, e tendo, ainda, conseguido demonstrar a existência de subordinação jurídica, há que qualificar as relações jurídicas estabelecidas corno contratos de trabalho subordinado.


V - Com o PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento das relações pré-existentes.


VI - Não agiam em abuso de direito, os trabalhadores subordinados que só depois de terem sido integrados nos quadros do IEFP, LP. na sequência do PREVPAP, vieram interpor ação judicial a pedir o reconhecimento da existência de relações laborais anteriores a essa integração e a condenação do Réu a pagar -lhes férias, subsídios de férias, subsídios de Natal e subsídios de refeição em dívida.


Évora, 28 de junho de 2023


Paula do Paço (Relatora)


Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)


Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)


- Acórdão do TRP de 18/09/2023, Processo 7769/21.7T8PRT, ainda inédito:





12 – Os Autores não vieram à lide requerer a sua integração como funcionários do IEFP, isso o Estado fê-lo de motu próprio, apenas quiseram a reposição de alguns dos direitos que lhes foram sonegados: férias, subsídios de férias, de Natal e de alimentação.


Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso improceder, sendo mantida a decisão recorrida nos seus exatos termos, assim se fazendo JUSTIÇA!»


8. – O presente Recurso de Revista Excecional foi admitido pela formação prevista no número 3 do artigo 672.º do CPC/2013, por força do artigo 87.º, número 1 do CPT.


9. – O Ministério Público emitiu, com data de 14/2/2024, parecer no sentido da improcedência da revista, parecer esse que foi objeto de resposta discordante por parte do recorrente, que reiterou para o efeito o teor das suas alegações.


10. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, face ao disposto no artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


11. - Os Tribunais da 1.ª e da 2.ª Instância consideraram provados os seguintes factos:


Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:


1. Os 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª Autores foram contratados pelo Réu, para o Centro de Emprego ..., com quem celebraram consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, contratos anuais precedidos de procedimentos de contratação.


2. Os 2.ª, 5.ª, 9.ª, 10.º, 12.ª, 13.ª Autores, infra identificados, iniciaram a prestação trabalho para o Réu em data posterior através de um contrato anual, e os assinalados em 1. Tinham trabalhado no regime de prestação de serviços “à peça”:


- BB, iniciou a relação laboral com o Réu, em Novembro de 2013 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


- EE, iniciou a relação laboral com o Réu, em Fevereiro de 2014 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


– II, iniciou a relação laboral com o Réu, em Junho de 2000 como formadora “à peça” contratada alegadamente como prestadora de serviços, junto do Centro de Emprego .... Após Outubro de 2014 continuou a trabalhar para o Réu no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 30 de Abril na Delegação ... do IEFP, sendo que atualmente está colocada em ...;


– JJ, iniciou a relação laboral com o Réu, em Janeiro de 2014 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


– LL, iniciou a relação laboral com o Réu, em Outubro de 2003 como formadora “à peça” contratada alegadamente como prestadora de serviços, junto do Centro de Emprego .... Após Janeiro de 2014 continuou a trabalhar para o Réu no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 30 de Abril nas Delegações ... e de ...;


– MM, iniciou a relação laboral com o Réu, em Novembro de 2013, contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ....


3. As contratações “à peça” significavam que ao invés de terem um contrato anual, durante esse período, outorgavam contratos com o IEFP para cada uma das formações que eram incumbidos de ministrar.


4. Os contratos anuais de aquisição de serviços de formação, foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012 e 1/2015, ações estes que visavam a contratação para os Centros de Emprego e Formação Profissional do INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e 2016/2018 e um último procedimento inominado para o período de 1 de Janeiro de 2020 a 30 de Junho de 2020.


5. Quer o teor, quer a estrutura dos sucessivos contratos celebrados entre os Autores e o Réu foram tendencialmente idênticos.


6. Através dos mesmos, os Autores foram contratados para o desenvolvimento de atividades de formação para o Instituto de Emprego e Formação Profissional de, na qualidade de formadores – cf. documentos n.ºs 9 e 10 juntos com a P.I., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


7. Cada um dos Autores foi contratado ao abrigo do suprarreferido procedimento para dar formação de acordo com as suas habilitações académicas:


1 - AA – Matemática;


2 - BB - Português e Inglês;


3 - CC - Informática;


4 - DD - Matemática e Informática;


5 - EE - Filosofia;


6 - FF - Português e Francês;


7 - GG - Geografia e Informática;


8 – HH - Filosofia;


9 – II - História;


10 – JJ - Informática;


11 – KK - Físico-Química;


12 – LL - Matemática


13 – MM - Matemática e TIC.


8. Com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de Maio de 2020, os Autores integraram os quadros do IEFP como trabalhadores.


9. O primeiro passo para a vinculação ao Estado foi os Autores solicitarem a avaliação da sua situação através da apresentação de um requerimento disponível no sítioprevpap.gov.pt, até ao dia 17 de Novembro de 2017.


10. Os Autores foram reconhecidos como necessidades permanentes do Estado e foi avaliado o vínculo jurídico ao abrigo do qual os Autores exerciam funções.


11. A avaliação da adequação do vínculo ao exercício de funções em causa por parte do trabalhador teve em consideração os diversos tipos de vínculos, sendo os mais frequentes os contratos de trabalho e os contratos de prestação de serviço.


12. Em 1 de Maio de 2021, os Autores integraram os quadros de pessoal do IEFP, desenvolvendo, não fosse a pandemia originada pela COVID-19 que os colocou em teletrabalho, as funções de formador que sempre desempenharam para o Réu as mesmas funções, nos mesmos termos e circunstâncias que anteriormente.


13. Os contratos celebrados entre os Autores e o Réu são denominados de “contratos de aquisição de serviços de formação”.


14. Os Autores trabalhavam e executavam as suas funções sob as ordens, direção e fiscalização do Réu - IEFP, IP..


15. Nos contratos anuais de todos os Autores, mais especificamente na cláusula quinta, lê-se que: “1. Considerando que o horário de funcionamento dos serviços de formação do IEFP, I.P. está dependente do fluxo de candidatos, as atividades objeto do presente contrato são prestadas, predominantemente, no período entre as oito e as vinte horas, sem prejuízo de algum ajustamento a acordar entre as partes em função de necessidades supervenientes. 2. Para efeitos do desenvolvimento da atividade de formação, nos termos do número 3 da cláusula segunda, a prestação de serviço do Segundo Outorgante corresponde a uma carga horária média semanal de trinta horas.


16. O Réu elaborava e entregava os mapas de horários de trabalho, nos quais estavam contidas o número de horas de formação e bem assim o local onde esta deveria ser ministrada.


17. Os horários nos quais era ministrada formação eram unilateralmente impostos pelo Réu, atendendo às necessidades de cada curso, que depois os comunicava aos Autores na forma de cronograma.


18. Os Autores proporcionavam a formação contratada nos horários que lhes eram unilateralmente transmitidos pelo IEFP, em harmonia com as entidades parceiras (se aplicável).


19. Os Autores não podiam alterar o seu horário de trabalho.


20. Independentemente de existir ou não trabalho de formação, os Autores tinham de permanecer nas instalações do Réu em ... até à hora prevista de saída.


21. Existindo trabalho de formação, o horário era das 9h00 às 17 horas.


22. O Réu controlava o cumprimento dos horários de trabalho dos Autores, exigindo o preenchimento de folhas de registos diários ao longo dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, bem como dos livros de ponto das diferentes ações de formação de que estavam incumbidos.


23. Na eventualidade de faltarem, os Autores tinham de repor as horas de formação em falta.


24. As funções levadas a cabo pelos Autores eram predominantemente desempenhadas no Centro de Emprego e Formação Profissional ... e respetivas NUT’s ou noutros locais indicados pelo Réu.


25. O local de trabalho era determinado unilateralmente pelo Réu.


26. As deslocações que os Autores efetuavam às entidades protocoladas eram inerentes às suas funções e eram contadas para efeitos de tempo de trabalho.


27. Quando estes não se encontravam a ministrar formação, com os contratos anuais, estavam presentes nas instalações do referido Centro, organizando o serviço e formação assim como participando em reuniões, acolhendo os formandos que atendiam pessoal ou telefonicamente.


28. Todos os instrumentos de trabalho que os Autores utilizavam no desempenho da sua atividade eram fornecidos pelo Réu. (a título exemplificativo: quadros, marcadores, projetores, fotocópias, instalações, etc.).


29. Ocasionalmente, os requerentes utilizavam o seu próprio computador portátil, mas por opção própria, com o intuito de facilitar o trabalho.


30. No Centro de Emprego e Formação Profissional, existia uma sala reservada aos formadores, dispondo os Autores de secretária, cadeira, computador, impressora, telefone (estes dois últimos partilhados).


31. Cada formação ministrada tinha um livro de ponto próprio, que os Autores tinham de preencher e um dossier técnico-pedagógico que os Autores tinham de organizar e arquivar nas instalações do Réu.


32. Os Autores não tinham qualquer opção ou escolha sob quem eram os formandos, em cuja escolha não participavam direta ou indiretamente.


33. Os Autores encontravam-se na dependência hierárquica e funcional do respetivo diretor e dos coordenadores de formação do Centro de Emprego e Formação Profissional ..., a quem eram reportados quaisquer problemas ou ocorrências.


34. Os Autores recebiam as indicações respeitantes ao modo de execução do seu trabalho, estando igualmente sujeitos aos regulamentos, ordens e diretrizes internas do Réu.


35. Recebiam ainda, por parte do IEFP, diversos cronogramas relativos à forma temporal de execução do seu trabalho.


36. Eram convocados para comparecer em reuniões de coordenação.


37. Os Autores, por imposição do Réu, chegaram a assumir a coordenação de turmas sendo verdadeiros “diretores de turma”.


38. Os Autores estavam sujeitos a auto e heteroavaliação que tinha por desiderato atestar o seu desempenho enquanto formadores bem como as qualidades pedagógicas destes.


39. Tinham de seguir os programas pré-definidos das disciplinas, bem como efetuar os relatórios das avaliações nos prazos que o Réu fixava.


40. Os Autores eram obrigados a entregar relatórios referentes à execução dos programas dos cursos de formação.


41. Parte do tempo de trabalho dos Autores não era despendido com formações mas antes em outras tarefas, nomeadamente:


- colaboração na planificação e organização da formação do Centro;


- participação em reuniões de coordenação geral e das respetivas equipas formativas;


- conceção de recursos pedagógico-didáticos de apoio à formação;


- registos nas aplicações informáticas de gestão da formação;


- elaboração de documentos de natureza técnico-administrativa e pedagógica de suporte à organização, desenvolvimento e avaliação da formação;


- articulação com outros formadores e/ou técnicos de formação;


- deslocações.


42. Os Autores auferiam uma remuneração mensal do Réu, que era calculada com base no número de horas que lecionavam em cada mês, estando o valor da hora contratualmente fixado em € 14,40, acrescido de IVA.


43. E a carga média semanal em 30 horas.


44. A constância da quantia paga pelo trabalho desenvolvidos pelos Autores manteve-se ao longo dos anos de acordo com a respetiva antiguidade.


45. Os Autores assinaram sem qualquer negociação nem discussão prévia, os contratos que lhes foram sendo apresentados e emitiram os recibos verdes que lhes eram exigidos pelo Réu.


46. Desde o início de funções, nunca os autores receberam qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição.


47. Os Autores 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª, respetivamente, AA, CC, DD, FF, GG, HH E KK, trabalharam para o Réu entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, sem nunca auferiram qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal.


48. A Autora BB começou a trabalhar para o Réu em Novembro de 2013, não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


49. A Autora EE começou, em Fevereiro de 2014, a trabalhar para o Réu não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


50. A Autora II no período de Outubro de 2014 a Abril de 2020, trabalhou para o Réu, sem receber férias e subsídios de férias e de Natal.


51. O Autor JJ foi contratado, em Janeiro de 2014, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 não auferiu as férias e subsídios de férias e de Natal.


52. A Autora LL foi contratada em Outubro de 2003, para trabalhar para o Réu e até 30/04/2020 não auferiu férias e subsídios de férias e de Natal. [1]


53. A Autora MM foi contratada, em Novembro de 2013, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 nunca recebeu férias, subsídios de férias e de Natal.


*


B. FACTOS NÃO PROVADOS:


a. Os Autores encontravam-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferiam do Réu, com a qual contavam para o pagamento de todas as suas despesas familiares e pessoais.


b. Inexistindo trabalho de formação o horário era das 9h30 às 17h30.


c. Os atrasos e faltas dos autores eram objeto de registo, que não se cingia apenas aos dias em que estes tinham formações agendadas.


d. Os Autores estavam a cumprir um horário de trabalho similar ao dos demais funcionários do IEFP, IP., com os quais faziam “equipas de trabalho”.


e. A sala reservada aos formadores era exclusiva para os dos contratos anuais.


f. O Réu determinava e impunha quer os procedimentos, quer os métodos de trabalho a serem seguidos pelos Autores.


g. As reuniões de coordenação eram obrigatórias.


h. Os Autores sempre compareceram a tais reuniões independentemente de serem com a direção do Centro ou para coordenar as ações de formação.


i. O Réu, através da Direção do Centro ou coordenação dos cursos, fixava-lhes prazos para a entrega de relatórios e avaliações.


j. Os Autores estavam ainda sujeitos à entrega de registos mensais de atividades.


k. Entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, os Autores 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª trabalharam os seguintes dias:


- Ano de 2013 – 188 dias úteis


[…]


- Ano de 2014 - 231 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 - 232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


l. A Autora BB prestou trabalho efetivo para o Réu nos seguintes dias:


- Ano de 2013 – 41 dias úteis


[…]


2014 - 231 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 - 232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


m. A Autora EE prestou trabalho efetivo para o Réu nos seguintes dias:


- Ano de 2014 - 209 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 - 232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


n. A Autora II prestou trabalho efetivo para o Réu nos seguintes dias:


- Ano de 2014 - 62 dias úteis


[…]


Ano de 2015 - 232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


o. O Autor JJ prestou trabalho efetivo para o Réu nos seguintes dias:


- Ano de 2014 - 209 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 - 232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


p. A Autora LL prestou trabalho efetivo para o Réu nos seguintes dias:


- Ano de 2014 - 209 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 -232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 - 227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 - 230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 - 233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


q. A Autora MM prestou trabalho efetivo para o réu nos seguintes dias:


- Ano de 2013 – 41 dias úteis


[…]


- Ano de 2014 - 231 dias úteis


[…]


- Ano de 2015 -232 dias úteis


[…]


- Ano de 2016 - 229 dias úteis


[…]


- Ano de 2017 -227 dias úteis


[…]


- Ano de 2018 -230 dias úteis


[…]


- Ano de 2019 -233 dias úteis


[…]


- Ano de 2020 - 86 dias úteis


[…]


r. Nas circunstâncias supra referidas em 47. a 53., os Autores trabalharam exclusivamente para o Réu.».


III. - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


**


A – REGIME ADJETIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 18/03/2021 , ou seja, significativamente depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada também muito após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência sucessiva da LCT e legislação complementar e dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, que entraram em vigor, respetivamente, em 1/12/2003 e em 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes derivados desses diplomas legais que aqui irão ser chamados essencialmente à colação, em função da factualidade considerada (tudo sem prejuízo, naturalmente, da convocação de outra legislação que, atendendo aos contornos específicos do litígio em presença, se justifique, como será o caso do que consagrou e regulou o PREVPAP).


B – QUESTÕES SUSCITADAS NA PRESENTE REVISTA EXCECIONAL


O Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.) suscita, no âmbito do presente recurso de revista excecional as duas seguintes questões [a que se referia ao subsídio de alimentação já se mostra definitivamente decidida por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que, nessa parte, transitou em julgado]:

a. Se os contratos celebrados entre os Autores e o Réu antes de 1.05.2020 (data em que os Autores passaram a integrar os quadros do Réu na sequência de procedimento concursal aberto no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) aprovado pela Lei n.º 112/2017 de 29 de Dezembro) devem ser qualificados como contratos de trabalho;


b) Se os cálculos dos valores devidos a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal devem ser corrigidos por terem considerado um número incorreto de anos e, quanto aos proporcionais do ano de 2020, por terem considerado os meses de Março e Abril de 2020 em que os Autores não trabalharam e receberam apoios da Segurança Social.


C – PREVPAP – ENQUADRAMENTO E INTERPRETAÇÃO DO REGIME JURÍDICO


Importa, ainda que de uma forma sumária, ter em atenção o «Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública», designado, habitualmente, pelo seu acrónimo PREVPAP e que conheceu o seu pontapé de saída com o artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE para o ano de 2016) e teve depois o seu seguimento no artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (LOE para o ano de 2017), na Portaria n.º 151/2017 de 3/5, que veio a ser alterada pela Portaria n.º 331/2017, de 3/11 e finalmente na Lei n.º 112/2017 de 29 de Dezembro.


Segundo informações constantes do sítio da Internet relativo a tal Programa (https://prevpap.gov.pt/ppap/index?windowId=eb9) [consultado, pela última vez, no dia 9 de abril de 2024], «através do PREVPAP os trabalhadores da Administração Central e do Setor Empresarial do Estado puderam regularizar o seu vínculo laboral com o Estado.


O Programa de Governo do XXI Governo Constitucional prevê a limitação do uso pelo Estado de trabalho precário, estabelecendo uma política clara de eliminação progressiva do recurso a trabalho precário e a programas de tipo ocupacional no setor público como forma de colmatar necessidades de longa duração para o funcionamento dos diferentes serviços públicos.


Para cumprir essa meta, a Lei do Orçamento do Estado para 2017, no artigo 25.º, determinou a criação de um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no Setor Empresarial do Estado - PREVPAP.


O PREVPAP desenvolve-se em 3 fases distintas mas consecutivas.


Foi elaborado um relatório onde foram identificados os casos de contratação com vínculos não permanentes no conjunto de todos os órgãos, serviços e entidades da Administração Pública central e local e do Setor Empresarial do Estado.


A Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 331/2017, de 3 de novembro, estabelece os procedimentos da avaliação de situações a submeter ao PREVAP, no âmbito da estratégia plurianual de combate à precariedade, prevista no artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, no artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro, e cria as Comissões de Avaliação Bipartida (CAB), constituídas por representantes ministeriais, dos serviços e das associações sindicais. Esta fase tem como objetivo avaliar se as funções exercidas pelos trabalhadores correspondem a necessidades permanentes e, se assim for, se os vínculos jurídicos ao abrigo dos quais essas funções são exercidas são adequados.


A última fase decorrerá em 2018. Uma vez criados os lugares necessários nos mapas de pessoal decorrerão os procedimentos para recrutamento dos trabalhadores, com base em regime a definir em lei da Assembleia da República.»


A Lei em causa é a acima identificada com o número 112/2017 de 29 de Dezembro e, na parte que para aqui releva, estipula o seguinte:


« Artigo 1.º


Objeto


1 - A presente lei estabelece os termos da regularização prevista no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, sem vínculo jurídico adequado, a que se referem o artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro.


2 – (…)


Artigo 2.º


Âmbito de aplicação


1 - A presente lei abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho, 42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, e 73/2017, de 16 de agosto, bem como de instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional, de entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho, com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direção desses órgãos, serviços ou entidades, sem vínculo jurídico adequado.


2 – No âmbito da administração direta, central ou desconcentrada, da administração indireta do Estado e do setor empresarial do Estado, nas situações de exercício de funções relativamente às quais exista parecer da Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da respetiva área governamental, homologado pelos membros do Governo competentes, nos termos do artigo 15.º da Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, que reconheça que as mesmas correspondem a necessidades permanentes e que o vínculo jurídico é inadequado, consideram-se verificados estes requisitos para efeito do disposto no número anterior.


3 – (…)


4 – (…)


Artigo 7.º


Carreira e categoria de integração


As pessoas recrutadas através do procedimento concursal são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e, no caso de carreiras pluricategoriais, na respetiva categoria de base.


Artigo 11.º


Período experimental


O tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração definida para o período experimental da respetiva carreira.


Artigo 14.º


Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho


1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento:


a) De que as entidades ficam, para este efeito, dispensadas de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo;


b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;


c) De que os contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo ao abrigo dos quais essas funções são exercidas se consideram desde o seu início sem termo, ou se converteram em contratos de trabalho sem termo, de acordo com o artigo 147.º do Código do Trabalho;


d) De que, havendo trabalho temporário prestado à entidade em causa com base em contrato de utilização de trabalho temporário celebrado fora das situações de admissibilidade, o trabalhador se considera vinculado à mesma entidade por contrato de trabalho sem termo, de acordo com o n.º 3 do artigo 176.º do Código do Trabalho.


2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.


3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis.


4 - As entidades da Administração Pública não pertencentes à administração direta ou indireta do Estado, cujas relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, procedem à identificação de situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes e sem vínculo adequado, sendo aplicável a regularização formal das situações de acordo com o disposto no n.º 1.


5 - O procedimento de regularização dos vínculos precários nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho termina em 31 de maio de 2018.» (Sublinhados a negrito da nossa autoria)


Visitando alguma da jurisprudência que se debruçou sobre a existência e o objetivo do PREVPAP, consultem-se os seguintes Arestos dos nossos tribunais superiores:


- Acórdão do Tribunal da Relação do Coimbra de 19/1/2018, Processo n.º 1020/17.1T8GRD.C1, relatora: Maria Paula Roberto, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário parcial:


«I – (…)


III – A Portaria n.º 150/2017, de 03/05, prevê um PREVPAP (programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no setor Empresarial do Estado), no âmbito do combate à precaridade, sendo que no setor empresarial do Estado a regularização das situações decorre do regime estabelecido no CT e a apreciação das situações de exercício efetivo de funções em entidade do setor empresarial do Estado que correspondam a necessidades permanentes será feita com apelo à verificação das características descritas no art.º 12.º do CT que legitimam a presunção de contrato de trabalho.


IV – (…)


V – Por força das normas constantes das Leis do Orçamento do Estado de 2016 e 2017, a contratação de trabalhadores por parte de empresas públicas e entidades empresariais do setor empresarial do Estado só é possível mediante a verificação de um conjunto de requisitos previstos e definidos nas mesmas, sob pena de nulidade do ato de constituição do vínculo laboral.»


- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/6/2019, Processo n.º 6132/17.9T8FNC.L1-4, relator: Duro Cardoso, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:


«I - Sendo a Ré uma entidade abrangida pelo art.º 2.º-1 da Lei n.º 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários – PREVPAV), ao celebrar com a Autora o contrato de trabalho sem termo, tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho.


II - Sendo a Lei PREPAV de carácter imperativo, não podiam Autora e Ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade.


III - É nula a parte da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAV de onde conste que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira.


III - Ainda que a cláusula fosse válida e consubstanciasse uma remissão abdicativa a mesma também não seria válida por outro motivo, pois havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde data anterior, por força da Lei PREVPAV, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre Autora e Ré.


IV - Estando a Ré abrangida nas entidades referidas nos arts. 14.º-1 e 2.º-1 da Lei PREVPAV, não se aplica o disposto no n.º 3 do art.º 14.º da mesma Lei, mas o disposto no seu n.º 2, não podendo haver alteração do valor das retribuições anteriormente estabelecidas com a entidade empregadora durante o vínculo pré-existente.


V - Os Tribunais do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecerem dos pedidos de condenação da Ré a proceder aos descontos para a Segurança Social.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/6/2022, Processo n.º 987/19.0T8BRR.L2.S1, relator: Pedro Branquinho Dias, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:


«I - O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública e setor empresarial do Estado (PREVPAP) não cria vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes.


II - O Regulamento interno constitui, hoje, um importante instrumento, na vida das empresas, sobre a organização e disciplina no trabalho.


III - Tratando-se de uma regularização, para efeitos de reclassificação no âmbito da integração da Autora nos quadros da Ré, uma entidade pública empresarial, não constitui impedimento para ser atribuído o nível previsto no art.º 18.º do Regulamento Interno de Carreiras Profissionais (RICP) o facto de aquela desempenhar funções no estrangeiro sem ser no regime de comissão de serviço.»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2023, Processo n.º 20152/21.5T8LSB.L1.S1, relator: Ramalho Pinto, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:


«I - O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado (PREVPAP) não cria vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes;


II - Estando a Autora ligada por contrato de trabalho à Ré desde data anterior à celebração formal desse contrato, a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, sendo que são devidos os subsídios de férias e de Natal desde o início da relação contratual, e está ferido de nulidade, por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, o segmento da cláusula que fixou a remuneração mensal ilíquida da Autora em montante inferior ao que vinha auferindo desde aquele início.» [2]


Chegados aqui e tendo em atenção a transcrita legislação [3], a interpretação que dela fazem os nossos tribunais ou secções sociais e os factos dados como provados, constata-se que os 13 demandantes, a partir do dia 1 de maio de 2020 e ao abrigo do regime jurídico do PREVPAP, passaram a exercer funções para o IEFP, IP por força dos contratos de trabalho em funções públicas que firmaram com o Réu, cenário esse que, ao contrário do que é defendido pelo recorrente, não obsta a que tais trabalhadores, face à desconformidade temporal entre o início da prestação de funções que é por eles alegado e o reconhecimento formal por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional da ilegalidade do vínculo existente e da sua regularização apenas a partir daquela data, venham propor uma ação judicial para que seja declarado que tal vínculo [qualificado juridicamente como de trabalho] começou nas datas articuladas pelos recorridos na respetivas Petição Inicial e para que daí sejam retiradas as consequências jurídicas que estão previstas nas normas laborais pertinentes [designadamente, quanto ao direito ao pagamento da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal, como é o caso dos presentes autos).


Não existe norma ou princípio jurídico derivado do regime jurídico do PREVPAV e da sua efetiva aplicação e concretização positivas que proíba ou obstaculize de alguma maneira o recurso à justiça do trabalho por banda dos trabalhadores que, embora integrados na Administração Direta ou Indireta do Estado por via daquele regime, se sintam, ainda assim, prejudicados devido à circunstância de, na sua perspetiva, só terem visto uma parte dos seus direitos ser devidamente acautelados com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas.


Tal possibilidade e necessidade de propositura de uma nova ação apenas não existirá em cenários de absoluta coincidência entre o efetivo começo da relação laboral e aquele declarado no contrato de trabalho em funções públicas firmado ao abrigo do PREVPAV, assim como da aceitação e total satisfação por parte da empregadora das diversas prestações e direitos que se tenham constituído ao longo desse período temporal e que sejam impostas por lei [4].


Importa também referir, acerca deste regime do PREVPAV e do tipo de vínculo laboral que o mesmo regularizou no que que toca aos 13 trabalhadores dos autos, que as dúvidas relacionadas com a competência material deste Supremo Tribunal de Justiça para apreciar a matéria controvertida neste recurso, foram julgadas positiva e definitivamente por Acórdão deste mesmo tribunal, datado de 22/6/2022 e já transitado formalmente em julgado [conforme resulta do Relatório deste aresto].


D – NATUREZA JURÍDICA DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS ANTES DE 1 DE MAIO DE 2020


A controvérsia que subjaz ao presente recurso de revista tem a ver com o período anterior a 1 de maio de 2020, em que os Autores terão desenvolvido atividade de formação para o Réu, sendo que sete deles [AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK] o fizeram entre março de 2013 e 30 de abril de 2020 ao abrigo de consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação [“à peça”], ao passo que outros quatro iniciaram tal relacionamento profissional mediante a celebração de contratos anuais de aquisição de serviços [contratos esses precedidos de procedimentos de contratação] em novembro de 2013 [BB e MM], fevereiro de 2014 [EE] e janeiro de 2014 [JJ], tendo os dois últimos Autores conhecido um regime misto de contratação, pois começaram por prestar serviços de formação “à peça” desde junho de 2000 [II] e outubro de 2003 [LL], vindo depois ambas a continuar a realizar formação pra o IEFP segundo os referidos contratos anuais, desde, respetivamente, outubro de 2014 e janeiro de 2014.


Tal desenvolvimento de funções foi concretizado em duas fases, que é como quem diz, foi efetuado a partir de 1/5/2020 nos termos de um contrato de trabalho para funções públicas assinado entre os referidos Autores e o Réu, por força da aplicação do PREVPAV e, anteriormente, desde as datas antes mencionadas até 30/4/2020, por força dos sucessivos contratos à «peça» ou anuais que deixámos acima referenciados e que as instâncias reconduziram juridicamente a contratos de trabalho de natureza privada, muito embora sem se terem pronunciado quanto à sua nulidade ou validade jurídicas [o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães aflora tal matéria mas não envereda, a[final] e em termos decisórios, por esse caminho].


Socorreram-se, para efetuar tal qualificação jurídica, da presunção ilidível constante do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, embora o tenham feito de uma forma mais ou menos expressa [a sentença da 1.ª instância convoca-a claramente, ao passo que o Acórdão do TRG, ainda que pareça aplicar o método indiciário, acaba por aí se reconduzir igualmente].


Ora, como ressalta da matéria de facto dada como assente e resumida mais acima, se existem onze [11] Autores que iniciaram a sua relação profissional com o Réu depois de 12 de fevereiro de 2009 e que, nessa medida e segundo posição uniforme que tem sido tomada por este Supremo Tribunal de Justiça, devem ver a mesma confrontada, em termos da sua qualificação jurídica, com as cinco alíneas do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, já as duas Autoras – JJ e LL – que conheceram o começo da sua relação profissional com o IEFP em junho de 2000 e outubro de 2003, ou seja, bem antes da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2009 e mesmo do Código do Trabalho de 2003, têm de ver a sua qualificação jurídica passar pelo crivo do vulgarmente chamado e muito questionado «método indiciário», em vigor à data da LCT e legislação complementar.


E – APLICAÇÃO NO TEMPO DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE DO ARTIGO 12.º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009


O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise através de tal «método» e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º [5], uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora PALMA RAMALHO, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, Almedina, dezembro de 2012, páginas 46 e seguintes, Professor JÚLIO GOMES, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 140 e seguintes e Professor MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, , páginas 150 a 152).


Tal presunção de laboralidade conhecia então, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que entrou em vigor a 1 de maio de 2023, a seguinte previsão legal:


Artigo 12.º


Presunção de contrato de trabalho


1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:


a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;


b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;


c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;


d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;


e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.


2 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.


3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.


4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º


A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [6] de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do C.T./2009 [7], para fazer funcionar a mesma.


Não ignoramos, naturalmente, a posição que parte da nossa doutrina [8] e jurisprudência (como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/2014, Processo n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4, relator: Ferreira Marques, publicado em www.dgsi.pt.) tem defendido e que vai no sentido da aplicação imediata da presunção constante do artigo 12.º do atual Código do Trabalho a relações jurídico-profissionais que tenham sido firmadas em data anterior a 17/2/2009 – data da entrada em vigor daquele diploma legal -, como é o caso do vínculo em discussão nos autos.


Muito embora compreendamos os argumentos desenvolvidos por tal tese – designadamente, que a presunção legal contida no atual artigo 12.º do CT/2009 se traduz num mero meio de facilitação de prova do vínculo jurídico-laboral e que, no fundo, não veio inovar relativamente aos indícios que eram anteriormente considerados pela nossa doutrina e jurisprudência para qualificar como contrato de trabalho um dado acordo de execução continuada e de cariz profissional -, não podemos deixar de ponderar que a mesma implica a possibilidade de aplicação retroativa e inesperada dessa presunção ilidível de laboralidade, quando a mesma tem como seus antecedentes legais as duas presunções já antes transcritas e consagradas no âmbito do Código do Trabalho de 2003 e para trás de 1/12/2003, nenhum tipo de prova dessa natureza (cfr. artigos 349.º a 351.º do Código Civil).


Ainda que nos movamos no quadro de uma figura que tem, fundamentalmente, reflexos de índole adjetiva e que consente que se extraia um facto desconhecido de outro conhecido, desde que estejam reunidas as condições de verosimilhança estabelecidas na lei, afigura-se-nos que tal instituto não pode, em regra, ser aplicado retroativamente a contratos de trabalho celebrados entre as partes antes de 17/2/2009, conforme tem sido jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça quanto a tal problemática, aplicando a legislação em vigor à data da celebração ou alteração da relação socioprofissional estabelecida e em discussão nos processos que lhe chegam em recurso.


Vejam-se, por exemplo, os seguintes Arestos tirados no quadro do Código do Trabalho de 2003:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012, processo n.º 30/80.4TTLSB.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial):


«2. Discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu, desde 15 de Julho de 2000 até 31 de Dezembro de 2006, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos essenciais daquela relação, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, não tendo aplicação a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.» [9]


Fazendo uma atualização da jurisprudência do nosso mais alto tribunal, chamemos à colação ainda os seguintes Arestos:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2019, processo n.º 457/14.2TTLSB.L2.S1, relator: António Leones Dantas, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):


Estando em causa uma relação jurídica estabelecida em 1 de abril de 2003 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2022, processo n.º 3347/19.9T8BRR.L1.S1, relator: Ramalho Pinto, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial):


« I - Tendo a relação entre as partes tido início em 1 de Setembro de 2003 é inaplicável a presunção de laboralidade contida no artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que há que recorrer ao método indiciário ou tipológico a fim de se aferir se entre as partes vigorou um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço;» [10]


Logo e em conclusão, consideramos como inaplicável às relações profissionais das Autoras JJ e LL a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.


F – PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE


Tendo-se concluído pela aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º do Código de Trabalho a 11 dos Autores da presente ação, atenta a data do início da respetiva relação profissional com o Réu IEFP e cruzando os factos dados como provados - de onde se destacam os que se acham descritos nos Pontos da Factualidade dada como Provada com os números 1., 2. [com exceção das Autoras JJ e LL], 3., 10., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 30., 31., 33., 34., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43. e 44. [11] - com os diversos indícios de laboralidade que constam do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, pode afirmar-se, sem grande margem para dúvidas, que tais índices ou sinais da existência de uma relação de trabalho subordinada se mostram, todos eles, claramente preenchidos, dado a atividade desenvolvida consecutivamente pelos Autores ser realizada em local ou locais determinados pelo Réu, com equipamentos e instrumentos de trabalho ao mesmo pertencentes, observando os onze Recorridos aqui abarcados [1.º Autor à 8.ª Autora e 10.º, 11.ª e 13.ª Autoras] períodos e horários semanais e normais de trabalho, auferindo uma remuneração liquidada mensalmente e estando sujeito a ordens, instruções, avaliações e fiscalização do IEFP, IP.


O Recorrente, por seu turno, não logrou ilidir tal presunção legal, dado não ter alegado e provado factos suscetíveis de demonstrar um cenário alternativo, em que as funções formativas e outras fossem exercidas pelos aludidos Autores de uma forma independente, autónoma, despojada de qualquer regulação, controlo e supervisão externas e intrusivas.


Sendo assim, temos de encarar como possuindo natureza laboral os períodos temporais de trabalho que mediaram entre março de 2013, novembro de 2013, janeiro de 2014 e fevereiro de 2014 e o dia 30/4/2020, em que os aqui Recorridos desenvolveram ações de formação e outras tarefas de maneira continuada e integrada na organização e atividade prosseguida pelo IEFP, IP e em benefício desta, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária regular e periódica.


F - AUTORAS JJ e LL – REGIME LEGAL – MÉTODO INDICIÁRIO


Tendo em linha de conta que as relações jurídicas destas duas Autoras tiveram início em junho de 2000 e outubro de 2003, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1152.º do Código Civil e 1.º da LCT, por serem as disposições juridicamente definidoras do contrato de trabalho, que é a figura negocial que as Recorridas reclamam para si e que tendo sido reconhecidas pelos tribunais da 1.ª e 2.ª instância, são contestada pela aqui Recorrente.


Tais dispositivos legais (aliás coincidentes, em termos de redação) rezam o seguinte:


Artigo 1152.º


Noção


Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.


Artigo 1.º


Noção


Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção destas.


Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho [nas datas de início das correspondentes relações profissionais entre as partes], podia definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, Almedina, dezembro de 2012, páginas 19 e seguintes e Professor JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes.


Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma outra pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, pedra de toque essa que, no entanto, não ressalta, as mais das vezes, com nitidez e assertividade, das relações jurídicas que se estabelecem no terreno da nossa vida social entre trabalhadores e empregadores, obrigando o aplicador do direito a, nessa medida, deduzir a sua existência a partir de diversos sinais ou elementos (indícios) que, de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, fazem pressupor a mesma.


No âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:


- Dr. LUÍS BRITO CORREIA, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:


“(...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.


E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...


Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.


Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)


3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.


Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)


A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...


Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.


Já no quadro do Código do Trabalho de 2003, o Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES [12], sustentava o seguinte:


«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.


Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)


Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)


A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)


Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?


Resta o elemento-chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)


Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)


A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)


Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.


Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto para que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico.


É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.


II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem”.


Por seu turno, a Professora PALMA RAMALHO [13], já no âmbito do Código de Trabalho de 2009, sustenta o seguinte:


«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)


Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:


i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)


ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)


iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)


iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)


v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)


Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:


i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)


ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)


iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)


iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)


v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)


vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)


vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)


viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…)


ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)


(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)


(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)


(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho (…)» (cf., também, Professor JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho , 2.ª Edição, publicação conjunta de WOLTERS KLUWER e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, também já no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor JÚLIO GOMES, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos). [14/15/16].


Ora, chegados aqui e convocando para aqui os mesmos factos que se acham descritos nos Pontos da Factualidade dada como Provada com os números, 2. [com referência às Autoras JJ e LL], 3., 10., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 30., 31., 33., 34., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43. e 44., facilmente se chega a idêntica conclusão que se chegou quanto aos restantes 11 trabalhadores recorridos, pois da conjugação de toda essa matéria de facto emerge, da mesma maneira, uma manifesta situação de subordinação jurídica no que toca aos vínculos estabelecidos pela s 9.ª e 12.ª Autoras com o Réu IEFP, IP, desde junho de 2000 e outubro de 2003, também aqui se podendo afirmar que a atividade multifacetada desenvolvida consecutivamente pelas mesmas, estando sujeita a ordens, instruções, avaliações e fiscalização do IEFP, IP, foi realizada em local ou locais determinados pelo Réu, com equipamentos e instrumentos de trabalho ao mesmo pertencentes, observando as duas Recorridas, para o efeito, períodos e horários semanais e normais de trabalho externamente determinados e auferindo, como contrapartida das funções exercidas, uma remuneração liquidada mensalmente.


Logo, também quanto a estas duas Autoras, não existem dúvidas quanto à natureza laboral firmada com o Réu entre o começo de tais relações profissionais e o dia 30/4/2020.


Chegados aqui e não obstante as restrições que, em termos legais e à data do início dos contratos de trabalho dos 13 Autores, se mostravam consagradas ao nível da contratação para os quadros da Administração Pública [aqui encarada em termos latos], o Réu não vem arguir a sua nulidade [ainda que a ela se refira nas suas alegações, em termos genéricos, como válvula de segurança do referido regime] nem nenhuma das instâncias a reconheceu e a declarou.


Diremos, a este respeito, como já aliás foi afirmado no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 6/3/2024, Processo n.º 459/21.2T8VRL.G1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Domingos José de Morais e que se mostra publicado em www.dgsi.pt [17] que, ainda que no caso dos autos não tenham os referidos procedimentos sido considerados no âmbito da contratação dos Autores e que, nessa medida, haja que qualificar de juridicamente nulos tais vínculos, certo é que os mesmos acham-se sujeitos às normas especiais constantes da LCT [artigos 14.º e 15.º] e dos Códigos do Trabalho de 2003 [artigos 114.º a 118.º] e de 2009 [artigos 121.º a 125.º] que determinam que tais relações de cariz laboral produzem os seus efeitos jurídicos normais, até que a sua invalidade seja invocada por uma das partes contra a outra [o que não se demonstrou minimamente nos autos], com consequências jurídicas distintas consoante o faça de boa-fé ou de má-fé.


G - CÁLCULO DOS VALORES DEVIDOS A TÍTULO DE FÉRIAS, SUBSÍDIO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE NATAL


Recordemos aqui as conclusões do recurso de revista excecional quanto a esta matéria:


«56. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias dos 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª Recorridos, respetivamente AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, a considerar são seis - de 01/01/2014 a 30/12/2019 - e não 7, como pretende a douta Sentença recorrida;


57. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias das Recorridas, BB e MM, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são seis - de 01/01/2014 a 30/12/2019 - e não 7, como pretende a douta Sentença recorrida;


58. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias da Recorrida EE , os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 – de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6, como pretende a douta Sentença recorrida;


59. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias da Recorrida, II, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 - de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6;


60. No que diz respeito aos créditos laborais, relativos às férias e ao subsídio de férias dos Recorridos, JJ e LL, os anos completos, subsequentes ao ano de admissão, são 5 - de 01/01/2015 a 30/12/2019 - e não 6, como pretende a douta Sentença recorrida;


61. No cálculo dos proporcionais do último ano, apenas deverão ser considerados, relativamente a todos os Recorridos, dois meses - de 01/01/2020 a 29/02/2020, porquanto nos meses de março e abril beneficiaram do apoio da Segurança Social;


62. No cálculo do subsídio de Natal devem ser considerados os mesmos anos completos tidos em conta no cálculo do subsídio de férias;


63. Os Proporcionais do Subsídio de Natal correspondentes ao Ano de 2020, devem ter em conta apenas 2 meses (de 01/01/2020 a 29/02/2020);


64. Os cálculos deverão, pois, ser corrigidos de acordo com os que foram efetuados no corpo alegatório, para cujo ponto se remete.»


Os factos dados como provados, com relevância direta nesta matéria, são os seguintes:


«1. Os 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª Autores foram contratados pelo Réu, para o Centro de Emprego ..., com quem celebraram consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, contratos anuais precedidos de procedimentos de contratação.


2. Os 2.ª, 5.ª, 9.ª, 10.º, 12.ª, 13.ª Autores, infra identificados, iniciaram a prestação trabalho para o Réu em data posterior através de um contrato anual, e os assinalados em 1. tinham trabalhado no regime de prestação de serviços “à peça”:


- BB, iniciou a relação laboral com o Réu, em Novembro de 2013 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


- EE, iniciou a relação laboral com o Réu, em Fevereiro de 2014 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


– II, iniciou a relação laboral com o Réu, em Junho de 2000 como formadora “à peça” contratada alegadamente como prestadora de serviços, junto do Centro de Emprego .... Após Outubro de 2014 continuou a trabalhar para o Réu no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 30 de Abril na Delegação ... do IEFP, sendo que atualmente está colocada em ...;


– JJ, iniciou a relação laboral com o Réu, em Janeiro de 2014 contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ...;


– LL, iniciou a relação laboral com o Réu, em Outubro de 2003 como formadora “à peça” contratada alegadamente como prestadora de serviços, junto do Centro de Emprego .... Após Janeiro de 2014 continuou a trabalhar para o Réu no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 30 de Abril nas Delegações ... e de ...;


– MM, iniciou a relação laboral com o Réu, em Novembro de 2013, contratada no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, na delegação do Réu de ....


46. Desde o início de funções, nunca os Autores receberam qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição.


47. Os Autores 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª, respetivamente, AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, trabalharam para o Réu entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, sem nunca auferirem qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal.


48. A Autora BB começou a trabalhar para o Réu em Novembro de 2013, não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


49. A Autora EE começou, em Fevereiro de 2014, a trabalhar para o Réu não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


50. A Autora II no período de Outubro de 2014 a Abril de 2020, trabalhou para o Réu, sem receber férias e subsídios de férias e de Natal.


51. O Autor JJ foi contratado, em Janeiro de 2014, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 não auferiu as férias e subsídios de férias e de Natal.


52. A Autora LL foi contratada em Outubro de 2003, para trabalhar para o Réu e até 30/04/2020 não auferiu férias e subsídios de férias e de Natal.


53. A Autora MM foi contratada, em Novembro de 2013, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 nunca recebeu férias, subsídios de férias e de Natal.»


Começando por abordar a última problemática elencada nas conclusões do Recorrente, dir-se-á que nada ficou demonstrado em termos de Factualidade dada como Provada que nos permita afirmar que todos os Autores beneficiaram nos meses de março e abril de 2020 do apoio da Segurança Social, o que isenta o IEFP de se responsabilizar pelos proporcionais da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal quanto aos referidos dois meses.


Que apoio da Segurança Social foi esse, a que título [ainda que se possa especular que teve a ver com o confinamento iniciado em 15 de março de 2020, por força da pandemia do Covid 19?] e traduzido em que valor?


Tal alegação e prova, em termos de repartição do respetivo ónus, competia ao IEFP, IP, tendo este último decaído totalmente no cumprimento de ambos, o que implica a desconsideração total de tal matéria no quadro deste Aresto.


Resta-nos então abordar as demais questões suscitadas e que se radicam, no fundo e em princípio, na contraposição entre os regimes legais aplicáveis ao regime das férias, ao direito ao recebimento da respetiva retribuição, inerente subsídio e ainda ao direito ao subsídio de Natal.


A sentença da 1.ª instância fundou a condenação do Réu em tais prestações na seguinte argumentação jurídica:


«Posto isto, ficou provado, que:


- os Autores 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª, respetivamente AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK, trabalharam para o Réu entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, sem nunca auferirem qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal.


- A Autora BB começou a trabalhar para o Réu em Novembro de 2013, não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


- A Autora EE começou, em Fevereiro de 2014, a trabalhar para o Réu não tendo recebido até 30/4/2020 as férias e subsídios de férias e de Natal.


- A Autora II no período de Outubro de 2014 a Abril de 2020, trabalhou para o Réu, sem receber férias e subsídios de férias e de Natal.


- O Autor JJ foi contratado, em Janeiro de 2014, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 não auferiu as férias e subsídios de férias e de Natal.


- A Autora LL foi contratada em Janeiro de 2014, para trabalhar para o Réu e até 30/04/2020 não auferiu férias e subsídios de férias e de Natal.


- A Autora MM foi contratada, em Novembro de 2013, para trabalhar para o Réu e até Abril de 2020 nunca recebeu férias, subsídios de férias e de Natal.


- Ficou contratualmente estabelecida uma carga horária semanal média de 30 horas, estando o valor de cada hora fixado em € 14,40 + IVA.


Em face da matéria provada é seguro concluir que, mensalmente, cada um dos Autores auferia uma média de € 1.728,00 (30 h x 4 semanas x € 14,40).


Ora, tendo ficado demonstrado que os Autores não receberam durante o período de vigência dos contratos qualquer quantia a título de compensação por férias e respetivo subsídio e de subsídio de Natal, considerando o disposto nos artigos 237.º, n.º 1, 239.º, 263.º e 264.º do CT têm os mesmos direito aos seguintes valores a este título:


 Autores AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão (01/03/2013 a 30/12/2013): 20 dias de férias = € 1.728,00 x 22 d x 20 d = € 1.570,91


- Anos subsequentes: 01/01/2014 a Abril de 2020 = 7 anos x 1.728,00 = € 12.096,00


- Proporcionais do último ano de 01/01/2020 a 30/04/2020: 4 meses = € 1.728,00:12 x 4 = € 576,00.


Total subsídio férias: €14.242,91.


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: Proporcional de 10 meses (Março a Dezembro de 2013): € 1.728,00:12 x 10 m = € 1.440,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio Natal: € 12.384,00.


 Autora BB:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão (Nov. 2013 a Dezembro): 4 dias de férias – 1.728,00:22 d x 4 d = € 314,18.


- Anos subsequentes: 01/01/2014 a Abril de 2020 = 7 anos x 1.728,00 = € 12.096,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio férias: € 12.986,18


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: Proporcional de 2 meses (Nov./Dez.): € 1.728,00:12 x 2 = € 288,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 11.232,00.


 Autora EE:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão: Proporcional de 11 meses (Fev. 2014 a Dez.): 5 dias de férias = € 1.728 : 22 d x 5 d = € 392,73


- Anos subsequentes: 01/01/2015 a Abril 2020: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4 = € 576,00.


Total subsídio de férias: € 11.336,73.


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: Proporcional de 11 meses (Fev./Dez.): €1.728,00:12 x 11 = € 1.584,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 12.528,00.


 Autora II:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão: (Out. 2014 a Dez.): 3 meses: € 1.728,00 : 22 d x 6 d = € 471,27


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00 :12 x 4 = € 576,00.


Total subsídio férias: € 11.415,27.


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão - Proporcional de 3 meses (Out./Dez.): € 1.728,00:12 x 3 = € 432,00


- Anos subsequentes: 6 anos x €1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 11.376,00.


 Autor JJ:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão: (Jan. 2014 a Dez.): 12 meses: € 1.728,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsidio férias: € 12.672,00.


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: €1.728,00


- Anos subsequentes: 6 anos x €1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 12.672,00.


 Autora LL:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão: (Jan. 2014 a Dez.): 12 meses: € 1.728,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00 :12 x 4 = € 576,00.


Total subsídio férias: € 12.672,00.


 2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: € 1.728,00


- Anos subsequentes: 6 anos x € 1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 12.672,00.


 Autora MM:


1. A título de subsídio de férias:


- Ano de admissão (Nov. 2013 a Dezembro): 4 dias de férias – 1.728,00:22d x4d = € 314,18


- Anos subsequentes: 01/01/2014 a Abril de 2020 = 7 anos x 1.728,00 = € 12.096,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio férias: €12.986,18


2. A título de subsídio de Natal:


- Ano de admissão: Proporcional de 2 meses (Nov./Dez.): € 1.728,00:12 x 2 = € 288,00


- Anos subsequentes: 6 anos x €1.728,00 = € 10.368,00


- Proporcionais do Ano de 2020: (Janeiro a Abril): € 1.728,00:12 x 4= € 576,00.


Total subsídio de Natal: € 11.232,00.»


O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/06/2023, no que toca a esta temática, decidiu o seguinte:


«Dos créditos laborais peticionados:


Refere errada contagem dos anos para efeitos de férias e subsidio de férias e de Natal. Os créditos mostram-se devidamente calculados, tendo em conta, como se refere no douto parecer, a norma dos artigos 237.º do CT .


Refere a norma:


1 - O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de janeiro.


2 - O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço.


(…)


Nos termos do artigo 239.º do CT, no ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato.


Nos termos do artigo 245.º do CT, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.


Estes direitos não estão condicionados à efetividade do serviço, salvo o regime próprio do impedimento prolongado, que não vem alegado nem demonstrado.


É de confirmar o decidido.»


Ora, chegados aqui, importa recordar que nos movemos no seio de um recurso de revista [excecional] e que, nessa perspetiva, não podemos extravasar o exato âmbito e limites do seu objeto, ou seja no caso vertente, da questão que nos ocupa e que se centra sobre a errada consideração pelas instâncias do número de anos completos que devem ser contabilizados para efeitos da atribuição das prestações que os Autores reclamaram, segundo as normas legais aplicáveis em cada ano.


Se interpretamos bem esta última problemática do recurso do Réu, deparamo-nos, em rigor e no fim das contas feitas, com um simples pedido de retificação dos cálculos efetuados pela 1.ª instância e confirmados, incorretamente, pela 2.ª instância, que se reconduz ao regime conjugado dos artigos 249.º do Código Civil e 613.º, número 2, 614.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil de 2013, pois tal lapso material, como podemos constatar da singela e superficial leitura da parte da fundamentação da sentença do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo que deixámos acima reproduzida, ressalta pronta e claramente da mesma, sem necessidade de quaisquer conhecimentos jurídicos ou sequer dos contornos fácticos e de direito do pleito dos autos.


Debruçando-nos, então, nessa perspetiva meramente formal, sobre a última matéria suscitada pela Ré neste recurso, há que constatar que a mesma tem razão de ser e abarca todos os Autores, quanto ao direito ao recebimento do subsídio de férias por referência aos anos completos de serviço.


Verificamos que, de facto, existe um erro de cálculo quanto a tal prestação, que se expressa nos seguintes moldes:


AA – 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


BB - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


CC - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


DD - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


EE - 5 anos e não 6 anos [1/1/2015 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 8 640, 00 € [1.728,00 € x 5 anos]


FF - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


GG - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


HH - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


II - 5 anos e não 6 anos [1/1/2015 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 8 640, 00 € [1.728,00 € x 5 anos]


JJ – 5 anos e não 6 anos [1/1/2015 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 8 640, 00 € [1.728,00 € x 5 anos]


KK - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos]


LL - 5 anos e não 6 anos [1/1/2015 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 8 640, 00 € [1.728,00 € x 5 anos]


MM - 6 anos e não 7 anos [1/1/2014 a 31/12/2019] e que é correspondente a um valor total de 10 368,00 € [1.728,00 € x 6 anos].


No que toca ao subsídio de Natal já não se nos afigura que a sentença da 1.ª instância – confirmada pelo Acórdão da 2.ª instância - tenha incorrido em qualquer lapso ou erro de cálculo no que toca às contas acima reproduzidas [com especial enfoque sobre os anos completos que foram para o efeito percecionados].


Logo, no que toca aos montantes devidos pelo Réu IEFP aos 13 Autores, há que, por força desta retificação material do descrito erro de cálculo, diminuir à importância global em que o mesmo foi condenado, para cada um deles, a título de subsídio de férias, a quantia de 1.728,00 €, o que implica que as importâncias a esse respeito devidas aos trabalhadores em questão sejam, efetivamente, as seguintes:


- 1.ª, 3.ª, 4.º, 6.ª, 7.º, 8.ª e 11.ª Autores - 12.514,91 € [14.242,91 € – 1.728,00 €].


- 2.ª e 13.ª Autoras – 11.258,18 € [12.986,18 € - 1.728,00 €].


- 10.º e 12.ª Autores - 10. 944,00 € [12.672,00 € - 1.728,00 €].


- 5.ª Autora – 9 608,73 € [11.336,73 € - 1.728,00 €].


- 9.ª Autora – 9 687,27 € [11.415,27 € - 1.728,00 €].


Procede, assim, parcialmente e quanto a esta questão o recurso de revista interposto pelo Réu, com a retificação dos montantes condenatórios totais a pagar pelo IEFP, IP aos 13 Autores a título de subsídio de férias para os valores acima descritos.


IV. - DECISÃO


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o presente recurso de revista excecional interposto pelo Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), retificando-se, nessa medida e ao abrigo dos artigos 249.º do Código Civil e 613.º, número 2, 614.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil de 2013, o Acórdão do Tribunal de Guimarães recorrido [por referência ao erro de cálculo constante da sentença da 1.ª instância, que aquele confirmou integralmente], no sentido de o recorrente ser condenado a pagar aos 13 Autores, a título de subsídio de férias e em substituição das importâncias determinadas pelas instâncias, os seguintes valores totais:


- Autores AA, CC, DD, FF, GG, HH e KK - 12.514,91 €.


- Autoras BB e MM11.258,18 €.


- Autores JJ e LL - 10. 944,00 €.


- Autora EE9 608,73 €.


- Autora II - 9 687,27 €.


No demais, mantêm-se o Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães [por referência à sentença da 1.ª instância, que confirmou integralmente].


Custas da ação e do recurso de revista a cargo do Réu e dos Autores, na proporção do decaimento que se estabelece em 14/15 e 1/15 avos, respetivamente – artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil de 2013


Notifique e registe. D.N.


Lisboa 24 de abril de 2024





José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro relator]


Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro adjunto]


Júlio Gomes [Juiz-Conselheiro adjunto]





____________________________________________________

1. Texto original que padecia de erro material que se corrigiu oficiosamente, nos termos dos artigos 249.º do Código Civil e 613.º, número 2, 614.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil de 2013:

«52. A Autora LL foi contratada em Janeiro de 2014, para trabalhar para o Réu e até 30/04/2020 não auferiu férias e subsídios de férias e de Natal.»↩︎

2. A sentença da 1.ª instância refere ainda a seguinte jurisprudência:

«Aliás, em nossa opinião e na senda da jurisprudência que consultamos, a integração nos quadros do réu no âmbito do PREVPAP traduz o reconhecimento da existência do contrato de trabalho.

Neste sentido, refere o acórdão da R.G. de 13/07/2022 (proc. 1688/21.4T8BRG.G1, in www.dgsi.pt):

I - No âmbito do PREVPAP não podia a Universidade X ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.3 da lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, exceto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação coletiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º n.º 1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de Natal.

II – Tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré-existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de Natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.

III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efetuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma exceção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efetuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respetivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.

Também o acórdão da R.G. de 20/10/2022, (proc. 5692/20.1T8BRG.G1, in www.dgsi.pt):

I – No âmbito do PREVPAP o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento de relações pré-existentes, pelo que é de considerar que a antiguidade do trabalhador deve retroagir ao início das suas funções.

II – A retribuição do trabalhador deve ser fixada com referência ao valor que por último auferia, e não de um qualquer valor inferior, sob pena de tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.º 3 da Lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos princípios de direito laboral, que proíbem a diminuição da retribuição, exceto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação coletiva do trabalho, acrescendo os subsídios de férias e de Natal; os valores pagos pela ré à autora referentes ao reembolso do seguro social voluntário a que esta voluntariamente aderiu não entram para o cômputo da retribuição, posto que não constituem contrapartida do trabalho da autora.

III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola nem o art.º 2.º nem o art.º 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efetuada de acordo com o estabelecido no PREVPAP (o qual constitui uma exceção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública).

No mesmo sentido, ainda, os Acs. da R.G. de 03/02/2022, 16/12/2021, 21/10/2021 e 15/06/2021 e o Acs. do STJ de 22/06/2022 e de 23/11/2021, todos disponíveis in www.dgsi.pt.↩︎

3. Assim como a Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, com as suas subsequentes alterações, conhecida como Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e a Lei Orgânica e os Estatutos do Réu IEFP, IP, constantes, respetivamente, do Decreto-Lei n.º 143/2012, de 11/7 e Portaria n.º 319/2012, de 12/10 [esta última alterada pela Portaria n.º 191/2015, de 29/06].↩︎

4. Cf., acerca desta matéria e no quadro de uma ARECT e de uma inutilidade superveniente da lide, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2021, Processo n.º 20152/21.5T8LSB.L1.S1, relatora: Leonor Cruz Rodrigues, publicado em www.dgsi.pt.↩︎

5. O referido artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 conheceu duas redações muito diversas ao longo da vigência desse diploma, importando ainda relacionar as mesmas com a definição de contrato de trabalho que consta do artigo 10.º, que igualmente se transcreve de imediato:

Artigo 10.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.

Artigo 12.º

Presunção

Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;

b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;

d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;

e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.

Artigo 12.º

Presunção

Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.↩︎

6. Melhor dizendo, recai a elisão ou afastamento de aludida presunção sobre a entidade demandada como sendo a empregadora do demandante.↩︎

7. Cf., por todos, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra citada, páginas 46 a 50 e JOÃO LEAL AMADO, obra citada, páginas 74 a 82.↩︎

8. Cfr. os seguintes autores e textos:

- JOÃO LEAL AMADO em «Presunção de Laboralidade: Nótula sobre o art.º 12.º do Novo Código do Trabalho e o seu Âmbito Temporal», Prontuário de Direito do Trabalho n.º 82, CEJ, pág. 159 e segs e em «Contrato de Trabalho», 4.ª Edição, pág. 91 em nota.

- MILENA ROUXINOL em «Notas Sobre a Eficácia Temporal do artigo 12.º do Código do Trabalho» em Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, 2014, n.º 4 pág. 70 e segs.

- JOANA NUNES VICENTE em «Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade», publicado em «Código do Trabalho – A Revisão de 2009», pág. 59 a 73.

- MONTEIRO FERNANDES em «Direito do Trabalho», 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 anos, maio de 2017, Almedina, págs. 148 e segs.↩︎

9. Cf., também, os seguintes Arestos deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, processo n.º 08S3045, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2010, processo n.º 4401/04.7TTLSB.S1, relator: Mário Pereira, publicado em www.dgsi.pt.↩︎

10. Cf., também, os seguintes Arestos deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, Processo n.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1/06/2017, processo n.º 470/13.7TTOAZ.P1.S1, relator: Gonçalves Rocha, publicado em www.dgsi.pt

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/2017, processo n.º 2011/13.7TTLSB.L2.S1, relator: Ferreira Pinto, publicado em www.dgsi.pt

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/07/2018, processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1, relator: Chambel Mourisco, publicado em www.dgsi.pt↩︎

11. O Ponto 14. da Factualidade dada como Provada possui uma redação manifestamente conclusiva e jurídica [Os Autores trabalhavam e executavam as suas funções sob as ordens, direção e fiscalização do Réu - IEFP, IP.] que não pode, por tal motivo, ser por nós considerada, dado que a subordinação jurídica que aí se mostra sumariamente sintetizada ter de ser extraída dos factos acima identificados, quando cruzados com as cinco alíneas do número 1 do artigo 12.º do CT/2009.↩︎

12. Em “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148.↩︎

13. Em “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, 2012, Almedina, páginas 19 e seguintes e, mais especificamente, páginas 33, 35, 36 e 40 a 42.↩︎

14. Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56.↩︎

15. Cf., também, com manifesto interesse para a problemática abordada, JOANA NUNES VICENTE, “A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei”, junho de 2008, Coimbra Editora.↩︎

16. Teremos que contrabalançar, de alguma forma, o que se deixou afirmado no corpo deste Aresto e que respeita ao progressivo desvirtuamento das características típicas da relação tradicionalmente qualificada e encarada como autónoma, com o movimento oposto, que parece verificar-se no quadro das clássicas relações de trabalho subordinado, em que alguns dos seus traços mais marcantes e individualizadores perderam fulgor e evidência, apostando-se antes e em alternativa na cada vez maior liberdade e independência funcional e decisória do «colaborador» ou «pessoa» e na atenuação, espacial e/ou temporal, dos poderes de direção e fiscalização do empregador, aferindo-se a atividade a objetivos globais que devem ser atingidos, sem que tal implique obrigatoriamente um cenário de picagem de ponto, controlo constante, presença permanente, ordens expressas ou muito definidas, posto de trabalho fixo, etc.

Esta progressiva viragem do avesso destes dois tipos contratuais, com a inerente mudança de paradigma dificulta, naturalmente, a tarefa do intérprete e aplicador do direito.↩︎

17. Com o seguinte Sumário:

« I. - A qualificação de uma relação contratual, como contrato individual de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do CT, está apenas dependente da verificação, no caso concreto, de factos constitutivos - pelo menos dois - da presunção de laboralidade prevista nesse normativo, e não da natureza jurídica da entidade - pública, privada, cooperativa ou social * artigo 80.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa - que figure como empregador.

II. - Está legalmente vedado a instituto de direito público admitir trabalhadores ao seu serviço através de contratos individuais de trabalho de direito privado.

III. - A declaração de nulidade de contrato de trabalho não afeta os direitos do trabalhador adquiridos na vigência desse contrato.»↩︎