Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5/05.5TBPTS.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
REFORMA DE ACÓRDÃO
CONVOLAÇÃO
RETIFICAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ALÇADA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO MORTE
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDO O PEDIDO DE REFORMA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Há manifesto lapso sobre o valor da alçada da Relação, quando se especifica € 30 000,01 em vez de € 14 963,64, vigente à altura da propositura da ação.

II - A modificação pelo STJ da indemnização por dano não patrimonial apenas se justifica quando seja manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade.

III - Situando-se as indemnizações atribuídas pelo Supremo, nos últimos anos, em regra, entre € 60 000,00 e € 80 000,00, não há motivo para alterar a indemnização fixada no valor de € 70 000,00, pelo dano de perda do direito à vida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – AA, Autora, veio reclamar do acórdão proferido em 29 de outubro de 2020, arguindo a sua nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, na parte em que não admitiu o recurso por si interposto, conforme requerimento de fls. 972 a 974, tendo alegado, nomeadamente, satisfazer as condições de recorribilidade previstas no art. 629.º, n.º 1, do CPC, tendo em conta o valor da alçada da Relação (€ 14 963,94), à data da propositura da ação (5 de janeiro de 2005).

A R. Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., notificada, não respondeu.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – 2.1. Embora venha arguida a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, a questão subsume-se antes no âmbito da reforma do acórdão, nomeadamente nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 616.º do CPC, pelo que se justifica a sua convolação (art. 5.º, n.º 3, do CPC).

Com efeito, o acórdão pronunciou-se sobre o recurso interposto pela Autora, não o admitindo, embora incorrendo em manifesto lapso, quanto à especificação do valor da Relação (€ 30 000,00), quando devia ter sido referido o valor de € 14 963,94, constante da lei aplicável em 5 de janeiro de 2005, altura da propositura da ação, o que viciou o raciocínio, nomeadamente quanto ao valor do decaimento confrontado com o valor da alçada da Relação.

Neste contexto, corrigindo o lapso manifesto e, assim, encontrando-se reunidos os requisitos de recorribilidade previstos no art. 629.º, n.º 1, do CPC, nada obsta ao conhecimento do recurso interposto pela Autora, passando-se de imediato a conhecer do seu objeto.

2.2. No recurso da Autora, questionou-se a culpa do acidente, atribuindo-a unicamente ou em maior grau ao condutor do veículo automóvel, assim como o valor da indemnização pela perda do direito à vida (€ 70 000,00), pugnando-se por valor não inferior a € 80 000,00.

No acórdão proferido, concluiu-se que o peão e o condutor do veículo contribuíram, com culpa, para o acidente de viação ocorrido no dia … de fevereiro de 2003, embora sem entrar na fixação da proporção de cada interveniente no acidente, que agora, porém, importa fixar, dada também a impugnação da A., sendo certo que o acórdão recorrido a fixou em 50 %.

Neste contexto, ponderando as condutas do peão e do condutor do veículo automóvel estabelece-se a sua contribuição, para o acidente, em um terço e dois terços, respetivamente.

Na verdade, a culpa do condutor do veículo, pela natureza e perigo deste, tende a ser superior, sendo tal proporção adequada ainda às circunstâncias concretas do acidente de viação.

Por outro lado, no tocante ao dano pela perda do direito à vida, o acórdão recorrido estabeleceu o valor de € 70 000,00, pretendendo a A., por sua vez, a sua determinação em, pelo menos, € 80 000,00.

A indemnização pelo dano não patrimonial, como o referido, é fixada segundo a regra da equidade (art. 496.º do CC).

A modificação da indemnização segundo a regra da equidade apenas se justifica, nesta sede, quando a indemnização seja manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2019 (107/17.5T8MMC.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

No caso, porém, não se verificando qualquer desproporção ou violação do princípio da igualdade, não há motivo para alterar a indemnização fixada no acórdão recorrido, sendo certo ainda que as indemnizações atribuídas pelo Supremo, nos últimos anos, situam-se, em regra, entre os € 60 000,00 e € 80 000,00.

Nestes termos, atingindo o valor global dos danos a quantia de € 95 000,00 (€ 10 000,00 + € 15 000,00 + € 70 000,00), deve a indemnização, em correspondência com a proporção da contribuição de dois terços do condutor do veículo automóvel para o acidente de viação, fixar-se no valor global de € 63 334,00, superior ao fixado no acórdão recorrido (€ 60 000,00).

Nesta conformidade, procede em parte a revista interposta pela Autora e improcede a revista interposta pela Ré, justificando-se, por aquele motivo, a alteração do acórdão recorrido.

2.3. A Ré e a Autora, na medida em que ficaram vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das respetivas custas, nas diversas instâncias – art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – Pelo exposto, e reformando o acórdão de fls. 950 a 964, decide-se:

1) Negar a revista à Ré.

2) Conceder a revista parcial à Autora e, em consequência, condenar a Ré Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., a pagar, à Autora, a quantia de € 63 334,00 (sessenta e três mil e trezentos e trinta quatro euros), acrescida dos juros de mora legais, sobre a quantia de € 16 667,00, desde a citação até integral pagamento, e sobre a quantia de € 46 667,00, desde 20 de fevereiro de 2020 até integral pagamento, e negar a revista à Ré.

3) Condenar a Ré e a Autora no pagamento das respetivas custas, nas diversas instâncias.

Lisboa, 10 de dezembro de 2020

          

Olindo dos Santos Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Oliveira Abreu

O Relator atesta que os Juízes Adjuntos votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a conferência decorreu em videoconferência.