Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PENA PARCELAR PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 83/2007, DE 6 DE JUNHO DE 2007, IN DR, I SÉRIE, N.º 119, DE 22 DE JUNHO DE 2007, P. 3.987 A 4.002. | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSO ORDINÁRIOS / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. | ||
Doutrina: | - Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 322 ; a propósito de prevenção da reincidência, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 325 ; Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, p. 332; - André Lamas Leite, A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas, Revista Julgar, N.º 12 (especial), Novembro 2010, p. 25 a 66; - Augusto Silva Dias, Materiais para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, p. 110; - Carmona da Mota, Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, p. 8 e 9; - Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, p. 94 -113; - Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, p. 151 a 166; - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 857; - Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, p. 1194; - Jorge Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, p. 65 a 111 ; Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, p. 183 a 185 ; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, p. 290/1; - M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 617; - Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 6.ª edição, 1992, p. 410 ; 12.ª edição, 1998, Almedina Coimbra, p. 540 ; 15.ª edição, p. 277 ; 16.ª edição, 2004, p. 375 ; 18.ª edição, 2007, 295; - Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o crime de maus tratos conjugais, Revista de Direito Penal, volume I, n.º 2, Ano 2002, edição da UAL, Universidade Autónoma de Lisboa, p. 32, 33 e 42; - Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica Revista Julgar, N.º 12 (especial), Novembro 2010, p. 10 a 24; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, p. 1186; - Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 1528/9; - Plácido Conde Fernandes, Violência Doméstica. Novo Quadro Penal e Processual Penal, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, n.º 8, p. 305; - Ricardo Jorge Bragança de Matos, Dos maus tratos a cônjuge à violência doméstica: um passo em frente na tutela da vítima?, in Revista do Ministério Público, ano 27, Julho–Setembro 2006, n.º 107, p. 89 a 120; - Rui Abrunhosa Gonçalves, Agressores Conjugais: Investigar, avaliar e intervir na outra face da violência conjugal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 4, Outubro - Dezembro 2004, p. 542 e 543. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 2, 77.º, N.º 1, 152.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C) E 2 E 164.º, N.º 1, ALÍNEA A). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 427.º E 432.º, N.º 1, ALÍNEA C). | ||
Legislação Comunitária: | DECISÃO – QUADRO 2001/220/JAI DO CONSELHO, DE 15 DE MARÇO DE 2001. ESTRATÉGIA EUROPEIA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, 2011 – 2015. RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 100/2010, DE 25 DE NOVEMBRO DE 2010. | ||
Referências Internacionais: | CONVENÇÃO (DA ONU) SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES (CEDAW) E RESPECTIVO PROTOCOLO ADICIONAL. CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA PARA A PREVENÇÃO E COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DECLARAÇÃO E PLATAFORMA DE ACÇÃO DE PEQUIM, DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), EM 1995. DIRECTIVA 2012/29/EU, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 25 DE OUTUBRO DE 2012. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 8/2007, DE 14-03-2007, PROCESSO N.º 2792/06, IN DR, I SÉRIE, N.º 107, DE 04-06-2007; - DE 22-05-2013, PROCESSO N.º 344/11.6PCBRG.G1.S1; - DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 512/13.3PGLRS.L1.S1; - DE 24-02-2016, PROCESSO N.º 389/14.4PDVNG.P1.S1; - DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 804/08.6PCCSC.L1.S1; - DE 7-12-2016, PROCESSO N.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1; - DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 952/14.3PHLRS.L1.S1; - DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1; - DE 18-01-2017, PROCESSO N.º 5/14.4GHSTC.E1.S1; - DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 976/15.3PAPTM.E1.S1; - DE 05-04-2017, PROCESSO N.º 25/16.4PEPRT.P1.S1; - DE 21-06-2017, PROCESSO N.º 580/15.6POLSB.L1.S1; - DE 15-11-2017, PROCESSO N.º 336/11.5GALSB.S1; - DE 22-11-2017, PROCESSO N.º 731/15.0JABRG.S1; - DE 07-02-2018, PROCESSO N.º 312/15.9POLSB.S1; - DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 129/16.3GILRS.L1-B.S1; - DE 7-03-2018, PROCESSO N.º 180/13.5GCVCT.G2.S1; - DE 09-05-2018, PROCESSO N.º 671/15.3PDCSC.L1.S1. | ||
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Sumário : | I - Está em causa um acórdão final condenatório proferido por um tribunal colectivo. A pena única aplicada foi de 5 anos e 9 meses de prisão. O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida da pena, que entende manifestamente exagerada, pugnando pela sua redução e suspensão da execução. Pelo que, o tribunal da relação excepcionou, e bem, a incompetência para apreciar o recurso, em vista do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP. II - O crime de violência doméstica está actualmente previsto no art. 152.º, do CP, tendo sido introduzido neste formato pela Lei 59/2007, de 04-09. O novo tipo legal insere-se na atenção que têm merecido as matérias relacionadas com violência doméstica, e justifica-se como corolário da evolução legislativa no tratamento destas matérias, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), violência familiar e os maus tratos familiares, como, mais especificamente, decorre de várias iniciativas da AR e do CM e de diversos diplomas legais. III - A pena aplicável ao crime em apreciação é de prisão de 3 a 10 anos. Na 1.ª instância foi fixada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Tendo em conta que a actividade delituosa do recorrente se desenvolveu entre 2006 a 2009, face às elevadas necessidades de prevenção geral, considera-se a pena aplicada pela 1.ª instância, quanto ao crime de violência doméstica, adequada. IV - No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. A pena única visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. V - Tendo em conta os bens jurídicos tutelados já referidos e que no caso do crime de violação de domicílio o bem jurídico protegido é a privacidade de uma pessoa física na vertente da privacidade do lar, isto é, de uma esfera privada espacial, há que ter em conta a estreita conexão entre os dois crimes, pois que o crime de violação de domicílio foi instrumental em relação ao crime de violência doméstica. Pelo que é de manter a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância. | ||
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Decisão Texto Integral: | No âmbito do processo comum colectivo n.º 372/17.8PBLRS, da Secção Criminal da Instância Central – Juízo Central de …, da Comarca de Lisboa Norte – Juiz …, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural de …, de nacionalidade portuguesa, nascido em 27-03-1958, divorciado, …, com domicílio na Praceta …, n.º …, 8.º C, em …. *** Pela acusação deduzida pelo Ministério Público, constante de fls. 100 a 105, vinha imputada ao arguido, a prática, em autoria material, concurso real, e na forma consumada, de: - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, do Código Penal, e com pena acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de violência doméstica, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do citado preceito legal; - Um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal; - Um crime de violação de domicílio agravado, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea f), ii), ambos do Código Penal. *** Pelo Ministério Público foi então requerido que, em caso de condenação do arguido, fosse arbitrada indemnização à ofendida BB, nos termos do disposto no artigo 82.º-A do CPP, aplicável ex vi do artigo 21.° da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. *** Realizado o julgamento, por acórdão do Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central – Juízo Central de … – Juiz …, da Comarca de Lisboa Norte, datado de 12 de Janeiro de 2018, constante de fls. 181 a 253, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 255, foi deliberado: a) Absolver o arguido AA do crime de violação, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), agravado pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, pelo qual se encontrava acusado; b) Condenar o arguido AA, pela prática de: - Um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2 do Código Penal, com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 164.° do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152.º), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Um crime de violação de domicílio, agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; d) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contacto - presencial, telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação -, com a vítima, pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal; e) Condenar oficiosamente o arguido AA, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima e do artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, a pagar à ofendida BB, a título de indemnização pelos danos morais avaliados até à presente data, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento; (…). *** Inconformado com o assim deliberado, o arguido, a fls. 256, veio interpor recurso, dirigido ao Tribunal da Relação de …, apresentando a motivação de fls. 258 a 265, que remata com as seguintes conclusões (realces do texto): 1 - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de direito do douto acórdão proferido nos presentes autos e que condenou o arguido AA pela prática, na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2 do C.P., com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do nº1 do artigo 164º do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152°), e de 1 (um) crime de violação de domicílio, agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 190°, nºs 1 e 3, do C.P, na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão. 2 - Discorda-se da decisão proferida por não exclusão de todas as outras penas não privativas da liberdade e por uma errónea fundamentação da medida da pena e da aplicação de uma pena de prisão efectiva. 3 - Andou mal o douto tribunal a quo ao condenar o arguido AA na pena efectiva de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena manifestamente desproporcionada e desadequada. 4 - Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 5 - Ora o douto tribunal a que não teve em consideração o facto de nada constar do seu certificado de registo criminal do arguido AA e que este demonstrou, durante os presentes autos respeito e obediência, cumprindo e continuando a cumprir com as medidas de coacção que lhe foram impostas, nomeadamente não mais contactou, nem procurou a ofendida. 6 - Resulta provado que o Arguido apresenta um baixo limiar de tolerância à frustração e de forma gratuita, reage, num registo de impulsividade e agressividade sendo que, de acordo com o relatório social de 12/12/2017 a fls., beneficiaria com a frequência do PAVD - Programa para Agressores de Violência Doméstica, de molde a promover a consciencialização face à responsabilidade em condutas violentas, bem como a aprendizagem de estratégias alternativas ao comportamento violento. 7 - Um dos fins primordiais das penas é o da prevenção, o de impedir o Arguido de fazer novos danos aos seus concidadãos e de dissuadir os outros de fazer o mesmo, pelo que, se tem que escolher as penas e o método de as infligir de modo a se conseguir atingir este fim. 8 - Pelo acima exposto, mais do que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, é assaz importante que o Arguido seja reeducado para o direito e, concretamente, para o reconhecimento da violência doméstica como um problema social com o consequente interiorizar do desvalor das suas condutas e o respeito pela pessoa da ofendida. 9 - Portanto, a aplicação ao Arguido de uma pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos e (6) seis meses terá um efeito contrário à pretendida finalidade da pena de “protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, pois que nada fará para mudar o seu modo de pensar e agir mais impulsivo, pelo contrário, poderá até o potenciar. 10 - Ficou demonstrado que o Arguido cumpre com as obrigações e deveres que lhe são impostos pelo que este irá cumprir com a aplicação de uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, e suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, nomeadamente a frequência do “Programa para Agressores de Violência Doméstica”, e acompanhada de regime de prova, e assim a finalidade da pena de protecção do bem jurídico e a reintegração do agente na sociedade ficará assegurada. 11 - Em conclusão, e com o devido respeito, o douto Tribunal a quo, ao não ter considerado todas as circunstâncias que abonam a favor do arguido e da sua ressocialização, com vista a reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida, violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal. 12 - Não podemos olvidar que segundo o legislador a “aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” segundo o n.º 1 do artigo 40.° do Código Penal. Ora é o próprio legislador que nos diz que uma das finalidades das penas é a “reintegração do agente na sociedade”, o que não foi tido em consideração pelo tribunal a quo quando escolheu aplicar uma pena efectiva em detrimento de uma pena suspensa na sua execução, quando podia e devia ter optado por uma pena suspensa. 13 - Assim sendo, podia e deveria ao douto tribunal a quo ter aplicado uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, aplicando assim o disposto no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 14 - O arguido AA encontra-se socialmente inserido, tem cumprido com as medidas de coacção que lhe foram impostas, nomeadamente não mais contactou, nem procurou a ofendida, não existindo notícias de qualquer ilícito criminal que lhe seja associado pelo que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente a finalidade da punição, pelo que o Tribunal a quo deveria ter optado pela pena prisão suspensa na sua execução conforme art. 50.° n.º 1 do Código Penal. 15 - No que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, com o devido respeito, violação do disposto nos artigos 40.º, 50.º,70.º e 71.º do Código Penal. 16 - Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção geral, sobre a possibilidade de ressocialização do arguido deverá deixar de decretar a execução da pena. 17 - Acresce que, o Tribunal pode, se entender conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, com vista à ressocialização do arguido, (cfr. art. n.º 2 do art. 50.º e seguintes do código Penal), ficando também desse modo assegurado as exigências de prevenção geral e especial. 18 - Desta forma, deveria ter o Tribunal a quo condenado o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto nos artigos, 40.° 50.°, 70.° e 71.º do Código Penal, pena essa que não deverá ultrapassar os 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, nomeadamente a frequência do “Programa para Agressores de Violência Doméstica”, e acompanhada de regime de prova, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade. Assim se fazendo a acostumada Justiça. *** O recurso foi admitido por despacho de 12-02-2018, a fls. 266, sem indicação de tribunal ad quem. *** O Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de … apresentou a resposta de fls. 269 a 276, concluindo: 1. Inconformado com o douto acórdão que condenou o arguido AA pelo cometimento de um crime de violência domestica, na forma consumada, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; um crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, na pena de 6 (seis) meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; na pena acessória de proibição de contacto por quaisquer meios de comunicação, com a vítima, pelo período de 4 (quatro) anos, dele recorre o arguido alegando, em sede de conclusões e em síntese, que ainda é adequada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada. 2. Entende o arguido recorrente que não tem antecedentes criminais e que demonstrou, durante o decurso do processo, respeito e obediência, cumprindo e continuando a cumprir com as medidas de coacção que lhe foram impostas, não tendo contactado, nem nunca mais procurado a ofendida. 3. O arguido não se conforma com a decisão recorrida sobre a matéria de facto, mormente, com a valoração da concreta pena aplicada por ser manifestamente desproporcionada e desadequada. 4. Sucede que, ao contrário do alegado pelo recorrente, foi tido em devida consideração pelo Tribunal a quo todas as circunstâncias legais que determinam não só a escolha como também a medida da pena. 5. Na decisão ora em crise produziu-se extensa fundamentação a propósito, não só da escolha e da medida da pena, como também pela opção da condenação em pena de prisão efectiva. 6. De igual modo, ao contrário do alegado pelo arguido, o Tribunal a quo ponderou a situação social e pessoal do arguido, tal como resulta da fundamentação de facto, não se encontrando vinculada ao relatório social elaborado, ao abrigo do artº 370º, do C.P. Penal. 7. Deste modo e face às prementes razões de prevenção geral e especial e de ressocialização do arguido que são elevadas, impõem-se a aplicação de uma pena de prisão. 8. E perante tal fundamentação, após enunciação de todos as circunstâncias de acordo com o artº 71 º, nº2, do CPenal, das quais se destaca a ponderação quanto à situação pessoal do arguido, a inexistência de qualquer acto que espelhe consciência da gravidade da conduta, a interiorização do desvalor da sua acção e o absoluto alheamento quanto às consequências das suas condutas na esfera da ofendida, a aplicação em concreto de 5 anos e 9 meses de prisão, mostra-se bem doseada e adequada. 9. O Tribunal quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido. 10. Todavia o Tribunal a quo optou, e bem, pela aplicação ao arguido de uma pena única de prisão superior a 5 anos, pelo que claramente extravasa a possibilidade da suspensão da pena, não se mostrando preenchido o pressuposto formal da aplicação deste instituto. Face a todo o exposto, entende-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício, não violou qualquer norma legal, mormente o disposto nos artºs 40º, 50º, 70º e 71 º, do C.Penal, devendo o recurso interposto ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Assim farão Vªs Exªs a costumada Justiça! *** Na Comarca, por despacho de 22-03-2018, proferido a fls. 277, foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de ….
A ordenada remessa teve lugar, conforme fls. 281/2, em 26-03-2018, sendo lavrado termo de apresentação e exame a fls. 283, em 28-03-2018. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de … emitiu douto parecer, a fls. 286, afirmando que, versando o recurso exclusivamente matéria de direito, sendo a pena de prisão aplicada superior a 5 anos, atento o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é de excepcionar a incompetência material do Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer do recurso, promovendo a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
O Desembargador indigitado Relator, em despacho de 9-04-2018, a fls. 288, declarou a incompetência em razão da hierarquia do Tribunal da Relação de … para conhecer do recurso, devendo os autos ser remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, o que ordenou, com conhecimento à 1.ª instância.
A remessa teve lugar em 11-04-2018, conforme fls. 294, dando entrada neste Supremo Tribunal em 17-04-2018, como consta da capa, tendo sido distribuído no dia seguinte. *** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer de fls. 296 a 299, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente. *** Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou. *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação. *** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*** Questões propostas a reapreciação.
Atento o teor das conclusões, onde o recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, são as seguintes as questões a apreciar e decidir: Questão I – Medidas das penas parcelares – Conclusões 1.ª a 9.ª, 11.ª e 15.ª; Questão II – Medida da pena única – Conclusões 1.ª a 9.ª, 11.º e 15.ª; Questão III – Pena suspensa – Conclusões 10.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.º, 16.ª e 17.ª Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, traçado pelo arguido/recorrente, apreciar-se-á a questão prévia da competência para conhecer do presente recurso, o que sempre seria cognoscível oficiosamente, já que nos situamos no terreno da apreciação da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência. (Desde logo, nos termos do artigo 434.º do Código de Processo Penal e do artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro e alterada e republicada, conforme o artigo 11.º, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro, e pela segunda alteração operada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 25 de Agosto – aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e Internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa – alterando os artigos 47.º, n.º 4 e 54.º, n.º 3. Entretanto, a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23-08-2017, que procedeu à 44.ª alteração do Código Penal, versando pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, pelo artigo 11.º deu nova redacção à alínea k) do artigo 114.º). Abordar-se-á, previamente, a questão da definição da competência para cognição do recurso, face à manifesta indevida remessa do processo pelo tribunal recorrido, em cumprimento do despacho de fls. 277, para o Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com o errado endereço dado pelo recorrente. **** Apreciando. Fundamentação de facto. Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado. O Ministério Público no tribunal recorrido, na resposta apresentada, maxime, na conclusão 3.ª, entende que o recurso impugna matéria de facto, mas tal posição dever-se-á certamente a equívoco, pois que a valoração da pena, que o recorrente considera desproporcionada e desadequada, não é matéria de facto, mas matéria de direito. Factos Provados
1. O arguido e BB estiveram casados durante cerca de 33 anos, tendo-se divorciado no decurso do mês de Fevereiro de 2016, porém a coabitação do casal apenas cessou no mês de Julho de 2016. 2. Durante os últimos anos de convivência em comum o casal residiu na habitação sita na Praceta …., n.º …, 8 C, em …. 3. Deste relacionamento existem quatro filhos: CC, nascida a 02/09/1988; DD, nascida a 21/05/1986; EE, nascido a 14/02/1990; e FF, nascido a 15/05/1995. 4. Desde o início da convivência em comum, o arguido, devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas e por ciúmes, em número não determinado de vezes mas de forma recorrente, encetou discussões com BB, por vezes sem qualquer motivo ou por, de algum modo, estar contrariado, no decurso das quais lhe desferiu murros, chapadas e empurrões, no corpo, bem como, em uma das situações, um pontapé, causando-lhe dores e hematomas nas zonas atingidas. 5. Assim como, em número não determinado de vezes mas de forma recorrente, no decurso das aludidas altercações, o arguido, por diversas vezes, de modo agressivo, acusou BB “de ter outro homem”, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: “prostituta”, “não vales nada”, “não serves para nada”, “acabo contigo”, “rebento-te”, entre outras de idêntica natureza, o que ocorreu, no interior do domicílio comum e, por vezes, na presença dos filhos. 6. Em data que não se logrou apurar, situada nos anos de 2006 a 2009, no interior do domicílio comum o arguido desferiu várias chapadas e murros no rosto de BB, tendo, em consequência de tais agressões, fragilizado os dois dentes da frente, causando perda abundante de sangue e dores e acabando por impor a remoção dos mesmos. 7. Após a cessação da coabitação, BB fixou o seu domicílio na Rua da …, Lote …, fracção 2° Esq., em …. 8. Porém, o arguido e BB continuaram a conviver diariamente entre si, na exploração de um estabelecimento de cafetaria, até Março/Abril de 2017, altura em que a ofendida decidiu deixar este trabalho, tendo, no mês de Março de 2017, dado por falta das chaves da porta do seu novo domicílio. 9. Nesta altura, BB questionou o arguido sobre o paradeiro das aludidas chaves, tendo este negado tê-las na sua posse, tendo a ofendida, perante esta resposta, pensado que se haviam extraviado no interior do aludido estabelecimento de cafetaria. 10. Depois da cessação da coabitação, por inúmeras vezes, o arguido dirigiu as seguintes expressões, a BB: “nós só nos divorciamos no papel porque tu ainda és minha mulher”; “um dia acabo contigo”; “eu não tenho medo de ninguém”; o divórcio não vale nada, é apenas um papel, tu ainda és minha mulher”, entre outras. 11. Após a separação, em número não determinado de vezes mas de modo recorrente, o arguido realizou chamadas telefónicas ou compareceu no novo local de trabalho de BB, um lar de idosos, sito em C…, com o intuito de saber se a ofendida tinha outro homem na sua vida, bem como junto da residência desta, persistindo em falar com a ofendida, apesar desta, por diversas vezes, já lhe ter dito que não o desejava fazer, assim a importunando e impondo a sua presença indesejada e causando-lhe medo. 12. Desde que BB deixou de explorar o referido estabelecimento de cafetaria, o arguido, em número não determinado de vezes mas de modo recorrente, realizou chamadas telefónicas para a ofendida, a diferentes horas do dia e da noite, e conhecedor das rotinas diárias da ofendida, o arguido compareceu na paragem de autocarro que habitualmente a ofendida utiliza para ir para o seu local de trabalho. 13. No dia 13 de Maio de 2017, pelas 21h30m, encontrava-se BB numa paragem de autocarro, sita na Estrada Nacional nº. 115, em …, quando aí surgiu o arguido, e proferiu-lhe as seguintes expressões: “então ou Dona BB, tens tempo para ir às reuniões, mas não tens tempo para ir ao espaço (café)?”. 14. No dia 28 de Maio de 2017, pelas 22h00m, encontrava-se BB a dormir no interior do seu quarto quando foi acordada pelo som de diversos toques na campainha da porta, no entanto, apesar dos aludidos sons, decidiu não se levantar da cama, por as suas filhas, com quem coabita, terem chave para entrar. 15. Decorrido algum tempo, BB ouviu o som de uma chave a abrir a porta do seu domicilio, após o que foi surpreendida pela presença do arguido, no interior do seu quarto, com a luz do telemóvel a iluminar este espaço, assim tendo logrado aceder ao interior do domicilio da ofendida e aí permaneceu contra a vontade desta. 16. O arguido estava ébrio e constatou que a ofendida ali se encontrava, tendo esta lhe dito “ó meu, Deus o que me vais fazer”. 17. Nesta altura, o arguido disse a BB “porque é que tens estado a evitar-me, este tempo todo; eu não tive relações com ninguém; hoje, vais ter de ter relações comigo; vais fazer o que eu quiser; então como é, tiras tu a camisa ou queres que a tire?”. 18. Acto contínuo, o arguido retirou uma faca que transportava consigo a cintura, com 12 cm de lâmina e cabo 11,5 cm, que exibiu a BB e disse-lhe “fazes sexo comigo”. 19. Perante a descrita conduta, BB devido a estar sozinha com o arguido e por recear que este a molestasse fisicamente com a aludida faca, contra a sua vontade, retirou a camisa de dormir que tinha vestida. 20. De seguida, o arguido valendo-se do medo que incutiu em BB, obrigou-a a fazer-lhe sexo oral, após o que tentou introduzir o seu pénis no interior da vagina da ofendida, o que não logrou alcançar, por o seu pénis não se manter erecto. 21. O arguido apercebeu-se da entrada, no domicílio de BB, das duas filhas do casal e cessada a conduta, abandonou o local, sem levar as chaves da habitação, que abusivamente tinha utilizado, nem a faca que exibiu à ofendida, por esta, no entretanto, ter logrado escondê-las. 22. Após o sucedido, por recear o arguido, BB passou a dormir acompanhada da filha mais velha, por temer que o denunciado lhe surja a qualquer momento. 23. No dia 12 de Julho de 2017, cerca das 17horas, BB deslocou-se no interior da viatura automóvel de uma amiga e no regresso ao seu domicílio, encontrando-se apeada, ao chegar aí visualizou o arguido, motivo pelo qual acabou por dirigir-se a outro local, após o que chamou a entidade policial ao local, e o arguido aí foi localizado. 24. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido com o intuito concretizado de dirigir à ofendida as expressões supra, bem sabendo que as mesmas a atingiam e lesavam a sua honra e consideração e a envergonhavam, inferiorizavam e humilhavam. 25. O arguido determinou-se durante todo o lapso de tempo referenciado, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, cometendo de forma homogénea os repetidos actos e servindo-se dos mesmos métodos que, sucessiva e repetidamente, se foram revelando aptos para atingir os seus fins, não ignorando que violava a dignidade pessoal de BB. 26. Ao molestar fisicamente a ofendida como o fez, no interior do domicilio e na presença dos filhos menores, e ao proferir as supra citadas expressões, agiu o arguido com intenção de a molestar fisicamente, o que conseguiu, e de a perturbar no seu sentimento de segurança, bem sabendo que as expressões usadas, alusivas a morte, revestiam carácter de seriedade e eram susceptíveis de causar temor e insegurança na visada, como efectivamente causaram, sentindo-se aquela permanentemente inquieta, intimidada, e em estado de permanente tensão. 27. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de violar a intimidade da ofendida, que tinha o seu domicílio naquela casa, não ignorando que entrou na habitação de BB, de noite e sem o seu consentimento, pois que a chave que tinha na sua posse não lhe foi entregue pela ofendida, e que nela permaneceu apesar de saber que a ofendida não o tinha autorizado a aí entrar. 28. Quanto aos factos praticados no dia 28 de Maio de 2017, o arguido tinha perfeita consciência de que BB era sua ex-mulher e mãe dos seus filhos, que a coabitação já tinha cessado entre ambos, e não obstante, aproveitando-se desta relação familiar, compeliu-a nos moldes acima descritos, contra a vontade desta, a suportar os supra descritos actos sexuais com o intuito de concretizar os seus instintos concupiscentes, bem sabendo que violava a liberdade sexual daquela. 29. BB sofreu os actos sexuais acima descritos contra a sua vontade e sem o seu consentimento, por se encontrar sozinha com o arguido, se ter apercebido que este estava alcoolizado, e não possuir força física para oferecer resistência a este, ante a exibição de uma faca, e impedir o mesmo de concretizar os seus intentos, o qual fez-se valer do temor que causou na ofendida, assim a colocando na impossibilidade de resistir, não ignorando que esta não queria manter com ele quaisquer actos sexuais. 30. Agiu em tudo de forma deliberada, livre, e consciente, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei. 31. Nada consta do certificado de registo criminal referente ao arguido.
Das condições sócio-económicas do arguido 32. A infância e adolescência do arguido decorreram em … junto da sua família de origem composta pelos pais e seis irmãos. O pai trabalhava em cargas de navios e como … e era este que assegurava as necessidades do agregado. 33. Tem o equivalente ao nono ano de escolaridade, sem registo de anomalias. 34. Com vista à procura de melhores condições de vida, com dezanove anos deslocou-se para Portugal, país onde já vivia uma prima. Aqui, começou a trabalhar como …, área onde se veio a especializar e a efectivar a sua trajectória profissional, revelando entusiasmo com esta vertente da sua vida. 35. No campo afectivo, aquando dos seus vinte e cinco anos, contraiu matrimónio com a ofendida, união conjugal da qual nasceram os seus quatro filhos. 36. O casal esteve casado durante trinta e três anos. A vivência conjugal teve contornos difíceis, nomeadamente devido às dificuldades económicas com que se depararam. 37. No campo profissional, o arguido, desde há cerca de seis anos que não detém vínculo, exercendo trabalhos esporádicos na área da mecânica, sendo que durante o matrimónio mostrou-se sempre investido e muito responsável neste domínio. Aufere montante variável entre €5,00/€10,00, por cada dia de trabalho. Frequentou quatro cursos, nos últimos anos, recebendo €120,00 por cada mês, durante a frequência desses cursos. Paga a renda mensal de €40,00. 38. O arguido é uma pessoa autocentrada e sem capacidade para se colocar no lugar do outro e em lhe atribuir sentimentos e opiniões diferentes das suas. 39. Apresenta um baixo limiar de tolerância à frustração e de forma gratuita, reage, num registo de impulsividade e agressividade. 40. Na sequência da aplicação das medidas de coacção, no âmbito destes autos, o arguido deixou de perseguir a ofendida. **** Apreciando. Fundamentação de direito.
Questão Prévia – Recurso directo / Da definição da competência para cognição do recurso.
Como se viu, o recurso interposto pelo arguido AA do acórdão do Colectivo da Secção Criminal da Instância Central – Juízo Central de … – Juiz …, da Comarca de Lisboa Norte, foi, a fls. 256, incorrectamente dirigido ao Tribunal da Relação de …. Acontece que o despacho de admissão do recurso, proferido em 12-02-2018, a fls. 266, não especificou o tribunal ad quem, vindo o despacho de 22-03-2018, de fls. 277, ordenar, erroneamente, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de …, sendo que o Ministério Público na Comarca, na resposta apresentada ao recurso interposto pelo arguido, não suscitou a questão prévia da incompetência do Tribunal da Relação de …, admitindo, implicitamente, a competência da Relação. Certo é que o processo foi em 26-03-2018 indevidamente remetido ao Tribunal da Relação de …, conforme fls. 281/2, sendo lavrado termo de apresentação e exame em 28-03-2018 (fls. 283), tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação, a fls. 286, de forma certeira, opinado no sentido da incompetência do Tribunal da Relação de …, e o Exmo. Desembargador, proposto Relator, a quem em sorte coube o processo, em decisão de fls. 288, de 9-04-2018, excepcionou a incompetência da Relação para conhecer do recurso, determinando a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça, o que se verificou em 11-04-2018 (fls. 294), dando entrada em 17-04-2018, sendo distribuído no dia seguinte. Esta opção da Comarca de Lisboa Norte determinou a produção de processado anómalo, no caso, não tributado, e demoras de evitar, sendo que, datando o despacho de admissão do recurso de 12-02-2018 (fls. 266), o processo foi dirigido em 26-03-2018 para o Tribunal da Relação de …, onde se manteve até 11-04-2018, dando entrada neste Supremo Tribunal de Justiça em 17-04-2018, o que significa perda de tempo escusado, para além de dar causa a encargos extra, perfeitamente dispensáveis, dando ainda esta errada solução azo a outras consequências, como conduzir a distribuições nas Relações causadoras de desequilíbrios, pois a quem couber em sorte um processo nestas condições pode dar baixa do mesmo com ligeira decisão sumária ou despacho ao correr da pena, tendo recentemente sido aposto um célere “Como se promove”, por parte do Exmo. Desembargador de turno, o que aconteceu no processo n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1. Dir-se-á que, infelizmente, não é caso único. Longe disso. Casos há em que a indevida circulação dos autos ocupa dois ou três meses. Poder-se-ia ter evitado o trilho percorrido pelos autos no qual foi gasto período de cerca de três semanas, tendo em conta a data da indevida remessa para o Tribunal da Relação de … e a entrada neste Supremo Tribunal de Justiça. Porque não é raro tal acontecer, há que tomar posição expressa, até porque o Tribunal da Relação (... e ...), estando em causa pena única fixada em acórdão cumulatório superior a oito anos de prisão, apreciou mesmo o recurso, quando não tinha competência material no caso concreto, o que ocorreu por duas vezes, como se verá infra.
Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:
Está em causa um acórdão final condenatório proferido por um tribunal colectivo. A pena única aplicada foi a de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão. O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida da pena, que entende manifestamente exagerada, pugnando pela sua redução e suspensão da execução. O Tribunal da Relação de … excepcionou, e bem, a incompetência para apreciar o recurso, em vista do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
Vejamos.
Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”. É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal. Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri. Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007. Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação. Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência: «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça». Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco). Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. O preceito passou a estabelecer: Artigo 432.º […]
1 – Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) ………………………………………………………… b) ……………...………………………………………… c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) [Anterior alínea e)]. 2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º
[Esta redacção permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração, alterando o artigo 318.º -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º e pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro – Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018 – 30.ª alteração – alterando a redacção dos artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º].
Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007.
Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere: “Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”. No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.
A partir da revisão do Verão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, de 18-01-2017, de 15-02-2017, de 5-04-2017, de 15-11-2017, de 22-11-2017, de 7-03-2018, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1 (violência doméstica), n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1, n.º 976/15.3PAPTM.E1.S1, n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1, n.º 336/11.5GALSB.S1, n.º 731/15.0JABRG.S1 (incêndio florestal), n.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, todos por nós relatados. No acórdão de 22 de Maio de 2013, por nós relatado no processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas. Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência. O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal, e não como promovido, fora enviado ao tribunal de 1.ª instância, para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…). Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”. No acórdão de 3 de Junho de 2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”. No acórdão de 9 de Julho de 2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4 de Novembro de 2015, por nós igualmente relatado, no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que haviam conhecido de recursos, em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso, e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento, num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos dois recursos. Como se referiu no citado acórdão de 4 de Novembro de 2015, relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso. Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”. Como se disse no acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”. No acórdão de 7 de Julho de 2016, por nós relatado no processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007. A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”. E no acórdão de 7 de Julho de 2016, por nós relatado no processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, pode ler-se: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso. Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”. Do mesmo modo no acórdão de 14 de Dezembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, com condenações por crimes de violência doméstica, nas penas de prisão de 4 anos e 3 meses, de 2 anos e 9 meses, de 2 anos e 3 meses, de 2 anos e 3 meses e de 2 anos e pena única de 7 anos de prisão. De igual modo ainda no acórdão de 15 de Fevereiro de 2017, por nós relatado no processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1, em que estavam em causa penas de 9 e de 6 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes, tendo os recursos sido indevidamente dirigidos ao Tribunal da Relação de Évora. No acórdão de 7 de Março de 2018, por nós relatado no processo n.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, foi apreciado caso em que interposto recurso de acórdão cumulatório realizado pelo Colectivo de Viana do Castelo, que fixou a pena única de 10 anos de prisão, no Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão sumária (!) de 11-08-2017, foi negado provimento ao recurso. Tal decisão foi declarada nula, por incompetência material e funcional, passando-se a apreciar o acórdão do Colectivo de …, e tendo-se suprido nulidades verificadas, foi concedido parcial provimento ao recurso. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 6 de Outubro de 2011, proferido no processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada. Do mesmo modo o acórdão de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.
Revertendo ao caso concreto No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, tendo sido aplicada a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso, apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da medida da pena e suspensão da execução), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso. Conclui-se assim que nestes casos o recurso é directo, sendo o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido. *** Passando às questões suscitadas no recurso. *** Questão I – Medidas das penas parcelares. Atento o teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, há que assinalar que das penas parcelares aplicadas, o recorrente apenas dissente da pena aplicada pelo crime de violência doméstica em concurso aparente com o crime de violação, pois que ao longo das conclusões 1.ª a 9.ª, 11.ª e 15.ª, não refere a pena de seis meses de prisão aplicada pela prática do crime de violação de domicílio, referindo-se expressamente, e em exclusivo, à pena de 5 anos e 6 meses de prisão nas conclusões 3.º e 9.ª. Assim sendo, apreciar-se-á apenas a pena cominada pelo primeiro crime. Começando pela caracterização do crime de violência doméstica. O crime de violência doméstica está actualmente previsto no artigo 152.º do Código Penal, tendo sido introduzido neste formato pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. O novo tipo legal insere-se na atenção que têm merecido as matérias relacionadas com violência doméstica, e justifica-se como corolário da evolução legislativa no tratamento destas matérias, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), violência familiar e os maus tratos familiares, como, mais especificamente, decorre de várias iniciativas da Assembleia da República e do Conselho de Ministros, e de diversos diplomas legais, da forma que de seguida se expõe. Vejamos a evolução legislativa da chamada defesa contra a violência doméstica, que culminou em 2013 (Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2013, que procedeu à 29.ª alteração ao Código Penal), com a inclusão/consagração da igualdade de género nos exemplos padrão qualificativos do crime de homicídio, previstos no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, concretamente na alínea f), infra referenciada. A questão da violência intra - familiar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II - Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família - elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984), especificou o conceito de violência física no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cfr. Boletim do Ministério da Justiça, BMJ, n.º 335, págs. 5 a 22). Muitos outros instrumentos internacionais têm abordado o tema, de que são exemplo: A Convenção (da ONU) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e respectivo Protocolo Adicional, adoptada em 1979 e ratificada sem reservas por Portugal em 1980, a qual estabelece um conjunto de condutas que constituem actos discriminatórios contra as mulheres, bem como a agenda que deve orientar as acções nacionais de combate a tais discriminações. A Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, define a violência doméstica como configurando uma grave violação dos direitos humanos, onde se considera que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz, e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais. A Decisão – Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, substituída pela Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade. A Estratégia Europeia de Combate à Violência contra as Mulheres, 2011 – 2015, visou a erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres no espaço da União Europeia. Muitíssimos outros podem ver-se nas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 100/2010, de 25 de Novembro de 2010, que aprovou o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013) e n.º 5/2011, de 15 de Dezembro de 2010, que aprovou o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013. Mais recentemente, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul em 11 de Maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 4/2013, de 14 de Dezembro de 2012, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de Janeiro de 2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de Janeiro de 2013, constando a versão portuguesa de pág. 413 a 427. De acordo com o artigo 2.º a Convenção aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica que afecta desproporcionalmente as mulheres. No artigo 3.º incluem-se as “definições” nas alíneas a) a f): a) «Violência contra as mulheres» b) «Violência doméstica» c) «Género» d) «Vítima de género exercida contra as mulheres» e) «Vítima» f) «Mulheres» abrange as raparigas com menos de 18 anos de idade. A indemnização está prevista no artigo 30.º e no n.º 2, a indemnização estatal. O mecanismo de monitorização da Convenção foi confiado ao GREVIO – Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.
No plano do direito interno, na consecução destes objectivos de política criminal, temos a considerar os seguintes diplomas legais: A Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 189, de 17-08-1988), estabeleceu as garantias dos direitos das associações de mulheres, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre mulheres e homens. A Lei n.º 33/91, de 27 de Julho (Diário da República, I Série-A, n.º 171, de 27-07-1991), pelo artigo único revogou o artigo 10.º da antecedente Lei, que dispunha: “A presente lei é regulada pelo Governo no prazo de 180 dias”. A Lei n.º 10/97, de 12 de Maio (Diário da República, I Série-A, n.º 109, de 12-05-1997) reforçou os direitos das associações de mulheres, com o objectivo de eliminar todas as formas de discriminação e assegurar o direito à igualdade de tratamento. (Estas três Leis foram revogadas pela Lei n.º 107/2015, de 25 de Agosto). A Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 185, de 13-8-1991) - Garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência (abrangendo, nomeadamente, os casos de crimes sexuais e de maus tratos a cônjuge, bem como de rapto, sequestro ou ofensas corporais – artigo 7.º, n.º 2 – e criação de um gabinete SOS – artigo 6.º – com a possibilidade de as associações de mulheres se constituírem assistentes em representação da vítima no processo penal e de deduzirem o pedido indemnizatório e requerer o adiantamento pelo Estado da indemnização cabida – artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, prevendo no artigo 16.º a medida de coacção de afastamento da residência). O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Diário da República – I Série-A, n.º 250, de 30-10-1991) - Estabelecia as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas dos crimes violentos, determinando que a concessão da indemnização era da competência do Ministro da Justiça (alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, e n.º 136/99, de 28 de Agosto, e Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março), aprovando o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos. O diploma instituiu um mecanismo de reparação de danos compreendido como uma espécie de «seguro social», de acordo com o espírito que enformava o então n.º 1 do artigo 129.º (actual artigo 130.º) do Código Penal. Revogado pelo artigo 25.º, alínea b), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro. O Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro (Diário da República – I Série-B, n.º 44, de 22-02-1993) regulamentou o anterior, ou seja, definiu as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas de crimes violentos. Alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. Revogado pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro. A Lei n.º 33/98, de 18 de Julho (Diário da República – I Série-A, n.º 164, de 18-07-1998) criou os Conselhos Municipais de Segurança, integrando a violência doméstica e a sinistralidade rodoviária no âmbito dos seus objectivos e competências. Alterada, nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, pela Lei n.º 106/2015, de 25 de Agosto. A Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 25 de Março, in Diário da República, I Série-A, n.º 87/99, de 14 de Abril de 1999, pronunciou-se pela necessidade de regulamentação e execução, com carácter urgente e prioritário, da legislação que garante a protecção às mulheres vítimas de violência, ou seja, das medidas previstas na Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 27 de Maio de 1999, publicada no Diário da República, I Série-B, n.º 137/99, de 15 de Junho de 1999, págs. 3426/8, aprovou o I Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (PNCVD), no qual se considerou que «é-se vítima de violência por parte de outrem quando as manifestações agressivas deste, pela sua intensidade, criam no outro uma situação de constrangimento e de submissão de que não consegue sozinho(a) libertar-se, ficando, portanto, numa situação de sofrimento e risco psíquico e ou físico, de que o outro abusa de forma arbitrária e injusta». A Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 179, de 3-08-1999) - Cria a rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência. Regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro. Revogada pela Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
A Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 194, de 20-08-1999) - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal. Revogada pelo artigo 25.º, alínea a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro.
A alteração ao Código Penal, com a nova redacção dada ao artigo 152.º, e ao Código de Processo Penal, com a reformulação da redacção dos artigos 281.º e 282.º, operada pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio. (Diário da República – I Série-A, n.º 123, de 27 de Maio de 2000), que introduziu a 5.ª alteração ao Código Penal e a 9.ª ao Código de Processo Penal, reforçando as medidas de protecção a pessoas vítimas de violência. O I Relatório Intercalar de Acompanhamento do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica elaborado pela Comissão de Peritos para o acompanhamento da execução de tal plano, em Maio de 2000, definindo violência doméstica como «Qualquer conduta ou omissão que inflija, reiteradamente, sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico ou que, não habitando, seja cônjuge ou companheiro ou ex-cônjuge ou ex-companheiro, bem como ascendentes ou descendentes» - cfr. “Violência Doméstica”, Seminário realizado em Lisboa, em 16 de Junho de 2000, promovido pela Procuradoria - Geral da República e pelo Ministério para a Igualdade, págs. 17 e 31. O Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro (Diário da República – I Série-A, n.º 291, de 19 de Dezembro de 2000) regulamenta a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, que estabeleceu o quadro geral da rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência. Revogado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. Pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (Diário da República – I Série-A, n.º 109, de 11 de Maio de 2001), foram definidas medidas de protecção para as situações de união de facto. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003, aprovada em 13 de Junho de 2003, publicada no Diário da República, I Série -B, n.º 154, de 7 de Julho de 2003, págs. 3.866 a 3.871, aprovou o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2003-2006), definindo a violência doméstica como «toda a violência física, sexual ou psicológica que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a, maus tratos, abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica». O Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março (Diário da República – I Série-A, n.º 69, de 22 de Março de 2004), face à alteração introduzida ao artigo 508.º do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março, reequaciona a remissão feita no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91 para os limites máximos de indemnização que se aplicariam também nos casos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes violentos, alterando a redacção do preceito. O Decreto - Regulamentar n.º 1/2006, de 25 de Janeiro (Diário da República – I Série-B, n.º 18, de 25 de Janeiro de 2006) regulamentou as condições de organização, funcionamento e fiscalização das casas de abrigo previstas na Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto e no Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro. Aprovou o modelo de regulamento interno de funcionamento das casas de abrigo. O Decreto - Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro (Diário da República – 1.ª série, n.º 208, de 27 de Outubro de 2006) aprova a Lei de Organização do Ministério da Justiça. Nos termos do artigo 7.º No âmbito do MJ funcionam: b) A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. No artigo 24.º - Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, consta do n.º 1: 1 - A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes tem por missão a instrução dos pedidos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes. O n.º 1 do artigo 24.º foi alterado pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro. A Resolução da Assembleia da República n.º 17/2007, aprovada em 12 de Abril de 2007, publicada no Diário da República – 1.ª série, n.º 81, de 26 de Abril de 2007, pronunciou - se sobre a iniciativa “Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres”. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 6 de Junho de 2007, publicada no Diário da República, I Série, n.º 119, de 22 de Junho de 2007, págs. 3.949 a 3.987, aprovou o III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010). O III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010) corresponde a uma fase de consolidação da política nacional no domínio da igualdade de género, dando cumprimento aos compromissos assumidos quer a nível nacional, nomeadamente no programa do XVII Governo Constitucional e nas Grandes Opções do plano (2005 -2009), quer a nível internacional no roteiro para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2006-2010) da Comissão Europeia. Aí se pondera que “A igualdade de género é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa e um direito humano essencial para o desenvolvimento da sociedade e para a participação plena de homens e mulheres enquanto pessoas”. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2007, de 6 de Junho de 2007, publicada no Diário da República, I Série, n.º 119, de 22 de Junho de 2007, págs. 3.987 a 4.002, aprovou o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2010). Lê-se na introdução: “A violência doméstica identifica vários sub-universos de pessoas-vítimas, coabitantes ou não, sejam estas adultas ou crianças, do sexo masculino ou feminino. Contudo, apesar da violência doméstica atingir igualmente as crianças, os idosos, pessoas dependentes e pessoas com deficiência, a realidade indica que as mulheres continuam a ser o grupo onde se verifica a maior parte das situações de violência doméstica, que neste contexto se assume como uma questão de violência de género. A violência doméstica é um forte impedimento ao bem estar físico, psíquico e social de todo o ser humano e um atentado aos seus direitos à vida, à liberdade, à dignidade e à integridade física e emocional”. A Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 12 de Junho de 2007), em execução do artigo 10.º da Decisão Quadro 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, cria um regime de mediação penal relativa ao estatuto da vítima em processos penal. Tal Lei exclui do seu âmbito material de aplicação os crimes de violência doméstica, exclusão que decorre desde logo, do facto de se ter restringido a possibilidade de mediação penal a alguns crimes particulares em sentido amplo, como defende Cláudia Cruz Santos em Violência Doméstica e Mediação Penal: Uma Convivência Possível? in Revista Julgar, n.º 12, Especial - Crimes no seio da família e sobre menores, Novembro de 2010, págs. 67 a 79, que adianta: “Todavia, o novo regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, constante da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, criou a possibilidade daquilo a que se resolveu chamar-se um “encontro restaurativo”, o qual supõe “um encontro entre o agente do crime e a vítima” assim como “a presença de um mediador penal credenciado para o efeito”. A Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, publicada no Diário da República, I Série, n.º 168, da mesma data, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99, de 23 de Maio de 2006), que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal, proclama como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, alínea a) e 4.º, alínea a) e respectivo Anexo, onde se explicita que o período abrangido vai de 1 de Setembro de 2007 a 1 de Setembro de 2009. A Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, de 20 de Julho de 2009, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal, proclama igualmente como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção prioritária e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea a) e respectivo Anexo, que delimita com precisão o período temporal abarcado, compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011. A Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 178, de 14 de Setembro) aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, como concretiza no artigo 1.º, distinguindo no Capítulo I o adiantamento da indemnização às vítimas de crimes violentos – artigos 2.º a 4.º – e no Capítulo II, o adiantamento da indemnização às vítimas de violência doméstica – artigos 5.º e 6.º. Foi criada a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, extinguindo-se a Comissão para a Instrução dos pedidos de Indemnização às Vítimas de Crimes Violentos, prevista no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e no Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro. Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 (artigo 27.º). Pelo artigo 25.º foram revogados a Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro. (Alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro de 2015). Esta lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27 de Outubro), regulando a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. Pelo artigo 13.º foi alterado o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro de 2006 (Lei de Organização do Ministério da Justiça). Pelo artigo 17.º foi revogado o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 180, de 16 de Setembro de 2009, págs. 6.550 a 6.561) estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando pelo artigo 82.º a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro. No Capítulo III define os princípios e no Capítulo IV o Estatuto da vítima. O diploma previu a aplicação por parte dos tribunais de dois instrumentos fundamentais de protecção às vítimas do crime de violência doméstica, os meios técnicos de teleassistência e de controlo à distância (artigo 35.º). Versando o diploma pode ver-se André Lamas Leite, Revista Julgar, n.º 12, Novembro 2010, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, págs. 59 a 64. Entretanto, esta Lei foi alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (29.ª alteração ao Código Penal), que modifica os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7, pelo artigo 173.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2015), Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º e pela Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, que alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei 112/2009. A Portaria n.º 220-A/2010, de 16 de Abril (Diário da República, I Série, n.º 74, de 16 de Abril de 2010) estabelece as condições de utilização inicial dos meios técnicos de teleassistência previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 20. º e dos meios técnicos de controlo à distância previstos no artigo 35.º, ambos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, vigorando para os tribunais com jurisdição nas comarcas dos distritos do Porto e Coimbra. A Portaria n.º 63/2011, de 3 de Fevereiro (Diário da República, I Série, n.º 24, de 3 de Fevereiro de 2011) procede à primeira alteração à Portaria n.º 220/-A/2010, de 16 de Abril, revê o âmbito territorial de experimentação, estendendo a utilização dos meios a todo o território nacional, vigorando para os tribunais competentes com jurisdição em todas as comarcas do território nacional (artigo 4.º da Portaria alterada). A Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de Abril (Diário da República, I Série, n.º 79, de 23 de Abril de 2010 – Suplemento), aprova os modelos de documentos comprovativos da atribuição do estatuto de vítima, previsto no n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2009 (Anexo I) e no n.º 3, situações excepcionais (Anexo II), estabelecendo os direitos (v.g., requerer a sua constituição como assistente) e deveres que aquele estatuto importa. O Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27 de Outubro de 2010), regula a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, em regulamentação da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, alterando pelo artigo 13.º o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro, e revogando pelo artigo 17.º o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2010, aprovada em 25 de Novembro de 2010, publicada no Diário da República, I Série, n.º 243, de 17 de Dezembro de 2010, págs. 5763 a 5773, aprova o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica - PNCVD - (2011-2013), publicado em Anexo. No início do Capítulo I pode ler-se: “A violência doméstica configura uma grave violação dos direitos humanos, tal como foi definido na Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995. Nestes documentos assume-se que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz e que viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Ainda no Capítulo I, pág. 5766, afirma-se que “no âmbito do IV PNCVD, o conceito de violência doméstica abrange todos os actos de violência física, psicológica e sexual perpetrados contra pessoas, independentemente do sexo e da idade, cuja vitimação ocorra em consonância com o conteúdo do artigo 152.º do Código Penal. Importa salientar que este conceito foi alargado a ex-cônjuges e a pessoas de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem co-habitação”. “A violência de género resulta de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres, que se traduz em actos de violência física, psicológica e sexual, cujas vítimas são na sua grande maioria mulheres, e que no seu extremo podem conduzir ao homicídio conjugal. Assim, as medidas contempladas no IV PNCVD centram-se necessariamente no combate à violência exercida sobre as mulheres”. Aborda a prevenção da vitimação na população juvenil e a violência nas relações de namoro. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 15 de Dezembro de 2010, publicada no Diário da República, I Série, n.º 12, de 18 de Janeiro de 2011, págs. 296 a 321, aprova o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013. Ao iniciar o enquadramento geral afirma: “A igualdade entre mulheres e homens e a não discriminação constituem princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa e do Tratado que institui a União Europeia – Tratado de Lisboa. O IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013, é o instrumento de políticas públicas de promoção da igualdade e enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias instâncias internacionais e europeias, com destaque para a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho da Europa (CoE) e a União Europeia (UE). Em qualquer destas organizações a estratégia de integração da dimensão de género em todas as políticas e programas, mainstreaming de género, é um princípio fundamental de boa governação. De relevar a autonomização da «Área estratégica n.º 9 - Violência de Género» (págs. 312/3), onde depois de se afirmar que “a violência de género é um obstáculo à concretização dos objectivos da igualdade, desenvolvimento e paz e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” e de se acentuar que “a violência de género está associada a estereótipos, assimetrias de poder e representações sociais que condicionam atitudes e identidades de masculinidade e feminilidade e conduzem à reprodução das desigualdades. Está relacionada com as desigualdades de género e intimamente ligada aos processos de socialização”, se conclui que “Importa apostar no desenvolvimento de políticas e medidas que combatam a violência de género em todas as suas dimensões, promovendo a eliminação dos estereótipos de género e uma cultura de não violência”. Mas não deixa de anotar-se que “Este domínio exige uma particular articulação entre este Plano, o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica e o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos”. No contexto, há que anotar que Portugal assinou em 6 de Março de 1997 a Convenção Europeia Relativa à Indemnização das Vítimas de Crimes Violentos, a qual de acordo com o Aviso n.º 148/97, publicado in Diário da República, I Série - A, n.º 108, de 10-05-1997, entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 1998, sendo que pelo Aviso n.º 135/2001, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 301, de 31 de Dezembro, foi tornado público que, contrariamente a tal Aviso, entraria em vigor em 1 de Dezembro de 2001. A Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2013), que procedeu à 29.ª alteração ao Código Penal, modificou a redacção dos artigos 69.º, 120.º, 132.º, 152.º, 204.º, 207.º, 213,º, 224.º, 231.º, 240.º, 347.º, n.º 3 e 359.º do Código Penal, aditou o artigo 348.º-A, procedeu a alteração sistemática ao Código Penal e introduziu a primeira alteração à supra referida Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, modificando os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7.
A alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção: “Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima”. E o artigo 152.º passou a estabelecer: 1 – ………….…………………………………………………… b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou ma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite. 5 – A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. A Lei n.º 106/2015, de 25 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 165, de 25 de Agosto, págs. 6.276/7/8) procede à primeira alteração à Lei n.º 33/98, de 18 de Julho, integrando a violência doméstica e a sinistralidade rodoviária no âmbito dos objectivos e competências dos conselhos municipais de segurança. Republica a Lei n.º 33/98, a págs. 6.277/8. No que ora importa, foi alterado o artigo 3.º (Objectivos). Constituem objectivos dos conselhos: e) Proceder à avaliação dos dados relativos ao crime de violência doméstica e, tendo em conta os diversos instrumentos nacionais para o seu combate, nomeadamente os Planos Nacionais de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género – 2014-2017, e apresentar propostas de ações que contribuam para a prevenção e diminuição deste crime. A Lei n.º 107/2015, de 25 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 165, de 25 de Agosto, págs. 6.278/9) procede à consolidação da legislação em matéria de direitos das associações de mulheres (revoga as Leis n.º 95/88, de 17 de Agosto, n.º 33/91, de 27 de Julho, e n.º 10/97, de 12 de Maio). Estabelece o artigo 1.º (Objeto): A presente lei visa a consolidação dos direitos das associações de mulheres com o objetivo de eliminar todas as formas de discriminação e assegurar o direito à igualdade de género. A Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170, de 1 de Setembro, pág. 6.637) – Introduz a primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica). A Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro), alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, já antes alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro que aprovou a Lei do Orçamento para 2015, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º. A Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, de 4 de Setembro, págs. 7.004 a 7.010) procede à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão – Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001. Altera os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita o artigo 67.º-A e procede a alteração sistemática do Código de Processo Penal. Aprova em anexo o Estatuto da Vítima. A Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho (Diário da República, 1.ª série, n.º 139, de 20 de Julho), aprova a Lei de Política Criminal – Biénio de 2015-2017 – entrando em vigor em 1 de Setembro de 2015 (artigo 15.º). Define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal. No artigo 2.º, alínea f), a violência doméstica é considerada fenómeno criminal de prevenção prioritária e pelo artigo 3.º, alínea c), crime de investigação prioritária. No Anexo, onde se encontram os fundamentos das prioridades e orientações da política criminal a que se refere o artigo 14.º, consta: “O crime de violência doméstica continua a registar números muito elevados, pois foi assinalada, em comparação com o ano de 2013, uma mera redução de 0,004/prct., o que corresponde a menos um caso. As ocorrências em 2014 cifraram-se, deste modo, em 27.317”. Actualmente está em vigor, desde 24 de Agosto de 2017, a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando no artigo 2.º como fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, na alínea f), a violência doméstica, e como crimes de investigação prioritária, entre outros, na alínea b), a violência doméstica. No Anexo, onde se encontram os fundamentos das prioridades e orientações da política criminal a que se refere o artigo 17.º, consta: “A violência doméstica contra cônjuge ou análogos subiu 1,4% (22.469 casos em 2015 e 22.773 em 2016) e os outros crimes de violência doméstica subiram 3% (3.651 casos em 2015 e 3.762 em 2016)”. A Resolução da Assembleia da República n.º 67/2017, in Diário da República, 1.ª série, n.º 80, de 24 de Abril de 2017, recomenda ao Governo que reforce as medidas para a prevenção da violência doméstica e a protecção e assistência às suas vítimas. No plano processual penal releva o artigo 200.º do Código de Processo Penal. Sob a epígrafe “Proibição e imposição de condutas”, estabelece: 1 – Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de: a) Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes. A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, aditou à alínea a) do n.º 1 a expressão “ou na residência” e alterou para “onde habitem” a expressão “onde residam”. A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, acrescentou as alíneas e) e f) e eliminou o n.º 4 originário, tendo mudado a epígrafe de “Proibição de permanência, de ausência e de contactos” para “Proibição e imposição de condutas”. Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, págs. 812/3, refere: “Como norma especial, mantém-se em vigor o art. 31.º da Lei n.º 112/2009, de 26-09, com a redacção da Lei n.º 129/2015, de 03-09, que prevê “medidas de coação urgentes” em matéria de violência doméstica. Pelo contrário, deve considerar-se (tacitamente) revogado o art.º 16.º da Lei n.º 61/91, de 13-08”. A execução destas medidas de coação pode ser fiscalizada por intermédio de meios técnicos de controlo à distância (arts. 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16-09, e 1.º, e), e 26.º a 28.º da Lei n.º 33/2010, de 2-09). ***** Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, podem ver-se, entre outros, os acórdãos de 15-01-1997, proferido no processo n.º 32/96, in CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 197 (maus tratos a filhos a passar fome), de 14-11-1997, processo n.º 1225/97, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 235 (maus tratos a cônjuge através de ofensas corporais), de 30-10-2003, processo n.º 3252/03-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208, infra referido, de 19-06-2008, processo n.º 438/08-5.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 258 (homicídio em conjugação e na sequência de maus tratos). Com interesse, abordando a temática da violência doméstica, podem ver-se os acórdãos, por nós proferidos, de 2 de Julho de 2008, no processo n.º 3861/07, versando caso de maus tratos conjugais, sendo a versão então vigente a conferida pela Lei n.º 7/2000, o acórdão proferido na providência de habeas corpus de 13 de Julho de 2011, n.º 552/11.0PWPRT-A.S1-3.ª, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 189 (consta como sendo de 13 de Junho, mas a data é feriado municipal de Lisboa, dia de Santo António), acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, no processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1, versando homicídio qualificado em cenário de união de facto e de 14 de Dezembro de 2016, no processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, versando violência doméstica sobre mulher e quatro filhos. No acórdão de 24-03-2011, por nós relatado no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, estavam em causa crime de homicídio qualificado (uxoricídio), violência doméstica e dois crimes de ameaças agravadas. Por se verificar dupla conforme, o recurso foi rejeitado no que toca a apreciação das penas aplicadas pelos crimes de violência doméstica e ameaças, sendo conhecido quanto à pena do homicídio qualificado e pena única. No acórdão de 28-04-2016, por nós relatado no processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, versando crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, vinha o arguido condenado, respectivamente, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 3 meses de prisão e na pena única de 8 anos, tendo sido apreciada a pena aplicada pelo crime de violência doméstica, que veio a ser reduzida para 2 anos de prisão, passando a pena única a 7 anos de prisão. O acórdão de 2 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 3861/08, versou sobre maus tratos a cônjuge, no quadro normativo traçado pelo artigo 152.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na redacção resultante da terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entretanto alterado pelas Leis n.º 65/98, de 2 de Setembro e n.º 7/2000, de 27 de Maio, constituindo este o regime legal aplicável vigente à data da prática dos factos - artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, do Código Penal, respigando-se do mesmo os passos seguintes: «Este preceito [artigo 152.º] integra-se no âmbito da legislação que tem em vista prevenir o fenómeno da violência doméstica (conjugal), da violência familiar e dos maus tratos familiares e de que se dará conta infra. A protecção do cônjuge contra os maus tratos surge pela primeira vez no Código Penal na versão do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09, sendo consagrada no n.º 3 do artigo 153.º do Código Penal de 1982 e introduzido na fase final dos trabalhos preparatórios, visando a protecção de quem se encontra carecido de assistência contra maus tratos infligidos pelo seu cônjuge - cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 6.ª edição, 1992, pág. 410. A esse tempo, para a integração do crime, era indispensável a verificação de uma específica motivação, o dolo específico consubstanciado na expressão “devido a malvadez ou egoísmo”, constante da parte final do n.º 1 daquele artigo 153.º, exigência que foi suprimida na versão de 1995, no actual artigo 152.º. Previamente à análise do âmbito de protecção da norma em causa, no que respeita ao bem jurídico protegido, Ricardo Jorge Bragança de Matos, Dos maus tratos a cônjuge à violência doméstica: um passo em frente na tutela da vítima?, in Revista do Ministério Público, ano 27, Julho–Setembro 2006, n.º 107, págs. 89 a 120, esclarece, a págs. 95, que, enquadrando-se o direito penal no princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem jurídica axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos, daqui decorre que os bens jurídicos que cada uma das normas penais visa proteger devem ser procurados no seu confronto com os valores constitucionalmente protegidos, por forma a justificar a restrição, que o direito penal envolve, de direitos, liberdades e garantias, como meio de salvaguarda daqueles interesses (cf. art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Estabelece o artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República que «A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros». Afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 857) que «Não existe apenas, enquanto tal, o direito da família à protecção da sociedade e do Estado (…); existe também o direito das famílias às condições que propiciem a realização pessoal dos seus membros (n.º 1, 2.ª parte). Fica assim claramente afirmado que, constitucionalmente, a família é feita de pessoas e existe para realização pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que a constituem, muito menos contra elas». Nas palavras de Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., págs. 95-96), «Foi esta conceptualização constitucional que determinou a tutela jurídico-criminal da dignidade e integridade das pessoas na sua veste de participante na sociedade conjugal (e nas suas vertentes de saúde física, psíquica, mental e emocional). (…) Na prática, tal consagração exprime que a comunidade entende ser um dever do Estado intervir face a atentados a este bem jurídico, e fazê-lo da forma mais gravosa, quando as condições propiciadoras à realização de cada um dos participantes na conjugalidade enquanto pessoa é posta em causa». Considerando que o artigo 152.º está, sistematicamente, integrado no Título I do Código Penal, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, epigrafado de “crimes contra a integridade física”, entende Américo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, pág. 332) que «A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (…) A ratio deste art. 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas». Acrescenta que «o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agravem as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde». Para Augusto Silva Dias, Materiais para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, a págs. 110, bens jurídicos protegidos pelo tipo incriminador do art. 152.º são a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana (no caso das als. b) e c) do nº 1) em contextos de subordinação existencial (n.º 1), coabitação conjugal ou análoga (n.º 2), estreita relação de vida (n.º 3) e relação laboral (n.º 4). Maria Manuela Valadão e Silveira, no trabalho Sobre o crime de maus tratos conjugais, Revista de Direito Penal, volume I, n.º 2, ano 2002, edição da UAL, Universidade Autónoma de Lisboa, págs. 32/3 e 42, depois de sublinhar a inserção sistemática da cláusula, encontrando-se por isso na primeira linha de protecção dos bens jurídicos essenciais ao funcionamento da sociedade, afirma: «Na Constituição, o direito à integridade pessoal insere-se, juntamente com a vida, a liberdade, a segurança, num núcleo de direitos fundamentais, sendo que a violação desses direitos denega, desde logo, a própria dignidade essencial da pessoa humana, que é o primeiro princípio em que se funda Portugal.Neste contexto, o n.º 2 do art.º 152.º protege em primeira linha a integridade, a saúde, nas suas dimensões física e psíquica. Contribui, desta forma e em uníssono, com os outros tipos incriminadores do capítulo, para densificar o valor constitucional da integridade, que se analisa no n.º 1 do art.º 25.º da Constituição, em integridade moral e física. E isto, em si, nada terá de extraordinário; é um juízo que vale para todo e qualquer crime contra a integridade física». Adianta que «a “mais valia” que o tipo incriminador trouxe à sociedade portuguesa, a partir de 1982, foi o reconhecimento ou, até, o aviso expresso de que o bem jurídico integridade pessoal é tutelado penalmente, mesmo quando as denegações desse bem jurídico ocorram intra muros de uma sociedade conjugal. Ou seja, a integridade pessoal mantém o seu valor, apesar da família». No mesmo sentido, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que é exemplo o acórdão de 30-10-2003 (processo n.º 3252/03 - 5.ª), publicado em CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 208 e ss., no qual se considerou que «O bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar». Veja-se no mesmo sentido o acórdão de 04-02-2004, no processo n.º 2857/03-3.ª. Afirma Plácido Conde Fernandes, em Violência Doméstica. Novo Quadro Penal e Processual Penal, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, n.º 8, pág. 305, o seguinte: «Seguindo o entendimento maioritário na jurisprudência e de acordo com a noção proposta por Taipa de Carvalho, a tutela funda-se no princípio da igual dignidade da pessoa humana, proclamado no artigo 1.º da Constituição da República. Trata-se de eliminar desigualdades que, atingindo níveis insuportáveis, têm vindo a ser corrigidas também pela intervenção do direito penal. A que acresce a garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, consagrada no artigo 25.º da Constituição da República, que constitui o “núcleo de protecção absoluta do direito fundamental à liberdade pessoal”. Não se vê, assim, razão para alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral. A dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos». O ilícito em referência pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo: “quem infligir ao cônjuge ou a quem com ele conviver em condições análogas (…)”. Nas palavras de Américo Taipa de Carvalho (ob. cit., pág. 333) «Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente (…), numa relação de coabitação conjugal ou análoga». Como tal, o crime de maus tratos a cônjuge é um crime específico, isto é, conforme explicam Leal-Henriques e Simas Santos (Código Penal, 2.ª ed., 2.º vol., pág. 181), um delito que só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas, no caso, por quem tenha «dever de solidariedade conjugal, em relações de pura igualdade». Maria Manuela Valadão e Silveira, loc. cit., pág. 33, defende a mesma caracterização, referindo que se trata de um tipo que só poderá fundamentar legalmente a punibilidade de quem, cometendo os factos descritos, detenha em relação à vítima a qualidade de cônjuge, em termos formais ou de facto, isto é, o tipo recorta o cônjuge (formal ou de facto) como único agente possível. Já para Ricardo Bragança Matos, loc. cit., pág. 97, o crime assume a natureza de crime específico impróprio (na definição de Figueiredo Dias, crimes específicos impróprios são aqueles em que a qualidade do autor ou o dever que sobre ele impende não servem para fundamentar a responsabilidade, mas unicamente para a agravar), uma vez que só o agente com essa característica subjectiva relacional é passível de o cometer. Segundo Augusto Silva Dias, loc. cit., pág. 111, trata-se de crime específico impróprio pela qualidade do agente. Analisando os elementos objectivos integradores do ilícito em causa, de forma a aferir se os factos praticados pelo arguido se enquadram nas condutas previstas e punidas pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (na já referida redacção resultante da revisão operada pelo DL 48/95, de 15 de Março, alterada pelas Leis n.º 65/98, de 2 de Setembro e n.º 7/2000, de 27 de Maio), cumpre precisar o significado da expressão “maus tratos” constante do citado n.º 2 (“maus tratos físicos ou psíquicos”). Esclarece Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., págs. 102-103), que: «Tal expressão visa traduzir uma específica realidade sociológica que pode ser caracterizada pelo exercício de inúmeras formas de violência, que ocorre num específico espaço social, em que surgem como agressor e vítima os membros de uma relação conjugal (ou de uma relação a esta análoga, ou de uma relação familiar de âmbito mais alargado) e que visa, a maior parte das vezes, a manutenção na prática de concepções estereotipadas dos papéis atribuídos ao homem e à mulher, concepções essas fundamentadas numa visão ainda patriarcal da sociedade. Mas, em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício de violência». Vejamos os acórdãos mais recentes, sendo na maioria a violência doméstica apenas integrante de concurso de crimes, na confecção de pena única.
Para o acórdão de 5-11-2008, processo n.º 2504/08-3.ª Secção, versando o crime p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção da Lei n.º 7/2000, de 27-05, o bem jurídico protegido na incriminação, tendo em conta a sua inserção sistemática, era a pessoa do cônjuge (ou equiparado), a sua integridade física, a sua saúde e a sua dignidade, enquanto pessoa humana, e não a instituição familiar. No acórdão de 12-03-2009, processo n.º 236/09-3.ª Secção, considera-se que no crime protege-se a saúde física e mental do cônjuge, sendo que esse bem pode ser violado por todo o comportamento que afecte a dignidade pessoal daquele, designadamente por ofensas corporais simples, invocando os acórdãos de 30-10-2003, já citado, e de 04-02-2004, processo n.º 2857/03-3.ª. Mantém o montante de 20.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais. Para o acórdão de 28-04-2010, processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, existe concurso aparente entre o crime de violência doméstica e os dois crimes de ofensa à integridade física qualificada imputados ao arguido, relativamente às agressões de que foi vítima a ofendida. E, porque daquelas ofensas físicas praticadas pelo arguido contra a ofendida resultou perigo para a vida desta, a conduta do arguido subsume-se à previsão do artigo 152.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal. No acórdão de 09-06-2010, processo n.º 583/07.4GFSTB.L1.S1 - 5.ª Secção, estava em causa apenas indemnização, tendo sido ponderado que face à vida em comum durante 38 anos, às pancadas e ameaças sofridas, era de fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 25.000,00. No acórdão de 24 de Março de 2011, por nós proferido no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, foram apreciadas apenas a pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado (uxoricídio) e a pena única, tendo sido rejeitado o recurso quanto aos crimes de sequestro, punido com 4 anos de prisão, de violência doméstica, punido com 2 anos e 8 meses de prisão e dois crimes de ameaças agravadas, punidos cada um, com um ano de prisão, por verificada dupla conforme. Abordada a questão da violência intra-familiar e a evolução do direito interno sobre o tema, sendo mantida a pena pelo homicídio qualificado, de 21 anos de prisão e reduzida a pena única de 24 anos e 6 meses para 23 anos de prisão. No acórdão de 16-06-2011, proferido no processo n.º 600/09.3JAPRT.P1.S1 - 5.ª Secção, abordando caso de uxoricídio, reporta a violência doméstica como fenómeno enformador do exemplo padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. No acórdão de 13 de Julho de 2011, proferido na providência de habeas corpus n.º 552/11.0PWPRT-A.S1, por nós relatado, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 189, estava em causa crime de violência doméstica, tendo-se abordado o bem jurídico tutelado e a evolução do tratamento da questão no direito interno, considerando-se que o crime constitui criminalidade violenta e que justifica a aplicação da medida de prisão preventiva por cair na previsão dos artigos 1.º, alínea j) e 202.º, n.º 1, alínea b), do CPP, não havendo qualquer excesso de prazo por ter sido sujeito à medida em 21-06-2011. No acórdão de 3-10-2013, proferido no processo n.º 45/10.2GGBJA.E2.S1-5.ª Secção, o recurso foi rejeitado quanto ao crime de violência doméstica, face à pena de 2 anos de prisão e a confirmação pela Relação em registo de dupla conforme. No acórdão de 24-10-2013, proferido na providência de habeas corpus n.º 496/13.0PBSXL-A.S1-5.ª Secção, foi considerado que o crime de violência doméstica integra o conceito de criminalidade violenta previsto na alínea j) do artigo 1.º do CPP e conforma o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º do CPP. O acórdão de 29-10-2013, proferido no processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1 - 5.ª Secção, em caso de recurso directo, conhecendo das penas parcelares, considera correctas as penas de 5 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, aplicadas pelos crimes de incêndio e de violência doméstica, respectivamente, mantendo a pena única de 7 anos de prisão. No acórdão de 22-07-2015, processo n.º 119/13.8JBLSB.L1.S1-3.ª Secção, foi rejeitado o recurso quanto a impugnação de matéria de facto e invocação de violação do princípio in dubio pro reo, tendo no caso o crime de violência doméstica sido punido com pena de prisão de 7 anos e 6 meses de prisão e sanção acessória de proibição de contactos. O acórdão de 23-06-2016, processo n.º 125/15.8PHSNT.S1 - 3.ª Secção, pondera que é unânime, ao nível jurisprudencial e doutrinal que, por força da cláusula de subsidiariedade expressa prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 152.º do CP, que o crime de violência doméstica cede ante o de ofensa á integridade física qualificada, que aquele absorve, punindo a ofensa mais gravemente. O acórdão de 7-07-2016, proferido no processo n.º 603/12.0GAVVD.G1.S1-3.ª Secção, versa a natureza urgente do processo, notificação e intempestividade do recurso. Passando aos casos em que teve lugar a fixação de pena única, face ao concurso com outros crimes. Acórdão de 23-11-2011, processo n.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção (abrangendo homicídio qualificado de companheira e violência doméstica). Acórdão de 30-11-2011, processo n.º 112/10.2JALRA.C1.S2 - 3.ª Secção (versando homicídio qualificado de filho de 6 meses de idade, punido com 24 anos de prisão e dois crimes de violência doméstica, sendo um na pessoa da mulher, punido com 4 anos de prisão e outro na pessoa daquele filho, punido com 3 anos e 6 meses de prisão). Acórdão de 05-06-2012, processo n.º 1276/10.0PAESP.P1.S1 - 3.ª Secção (concurso abrangendo dois crimes de violência doméstica, dois de extorsão e detenção de arma). Acórdão de 07-11-2012, processo n.º 711/11.5PBAGH.L1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, em caso de concurso de homicídio qualificado tentado, violência doméstica, três violações e detenção de arma proibida. Acórdão de 02-12-2013, processo n.º 742/11.5TACTX.E1.S1 - 3.ª Secção (caso de autoria em série, sendo vítimas a mulher e enteadas, com concurso de 234 crimes de violação, 10 crimes de abuso sexual de criança agravados, três crimes de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida, tendo sido desagravada em função da primariedade, a pena única de 25 para 23 anos de prisão). Acórdão de 27-02-2014, processo n.º 798/12.3GCBNV.L1.S1 - 5.ª Secção (concurso nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, de dois homicídios qualificados tentados, violência doméstica, violação de domicílio e detenção de arma). Acórdão de 07-05-2014, processo n.º 2064/09.2PHMTS-A.S1 - 3.ª Secção (concurso de 4 burlas, burlas qualificadas, violência doméstica e maus tratos). Acórdão de 11-02-2015, processo n.º 175/12.5GBLLE.E1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (concurso de violência doméstica, furto, detenção de arma proibida e extorsão). Acórdão de 18-03-2015, processo n.º 351/13.4JAFAR.E1.S1 - 3.ª Secção (concurso de uxoricídio, punido com 19 anos de prisão, violência doméstica e detenção de arma proibida – pena única de 21 anos). Acórdão de 25-03-2015, processo n.º 224/09.5PAOLH.E1.S1 - 3.ª Secção (pena única de 13 anos de prisão para o conjunto de violência doméstica, quatro roubos, 12 falsificações, burla e abuso de confiança). Acórdão de 11-06-2015, processo n.º 41/10.0JBLSB.S1 - 5.ª Secção (pena única de 5 anos de prisão para conjunto de violência doméstica, falsificação de documento e detenção de arma proibida). Acórdão de 25-06-2015, processo n.º 814/12.9JACBR.S1 - 5.ª Secção (pena única de 9 anos de prisão para o conjunto de um crime de violência doméstica, 4 crimes de violação agravada e dois crimes de ameaças agravadas). Acórdão de 31-07-2015, processo n.º 248/12.5GBRMZ.E2.S1 - 3.ª Secção (pena única de 11 anos de prisão, englobando crimes de violência doméstica, maus tratos, violação e dois crimes de ameaças agravadas). Acórdão de 17-09-2015, processo n.º 78/15.2T8VCD.S1 - 5.ª Secção (concurso englobando violência doméstica, furto qualificado e falta de carta de condução). Acórdão de 22-10-2015, processo n.º 295/15.5T8VCD.P1.S1 - 5.ª Secção (concurso englobando violência doméstica, tráfico de estupefacientes e falsificação de documento). Acórdão de 05-11-2015, processo n.º 588/11.0JACBR.C2.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única para o conjunto homicídio qualificado e violência doméstica). Acórdão de 26-11-2015, processo n.º 371/13.9JAFAR.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única abrangendo as penas aplicadas por crime de homicídio simples, agravado nos termos do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 e por crime de violência doméstica). Acórdão de 24-02-2016, processo n.º 389/14.4PDVNG.P1.S1 - 3.ª Secção (fixação de pena única para homicídio qualificado e violência doméstica). Acórdão de 25-02-2016, processo n.º 13/13.2PJOER.S2 - 5.ª Secção (fixação de pena única para tráfico de estupefacientes, extorsão e violência doméstica). Acórdão de 25-05-2016, processo n.º 914/13.8PAVNG - 3.ª Secção (fixação de pena única para homicídios tentados e violência doméstica). Acórdão de 25-05-2016, processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única de 16 anos de prisão para um crime de violência doméstica e 80 crimes de violação). Acórdão de 9-06-2016, processo n.º 41/14.0SULSB.L1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única de 18 anos de prisão para homicídio qualificado, ofensa à integridade física grave qualificada e dois crimes de violência doméstica, estes punidos com 2 anos e 6 meses de prisão e 3 anos de prisão). Acórdão de 16-06-2016, processo n.º 262/13.3PAPTM.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única de 3 anos e 6 meses de prisão para ofensa à integridade física qualificada, punida com 3 anos e um crime de violência doméstica, punido com 2 anos de prisão). Acórdão de 23-06-2016, processo n.º 162/11.1JAGRD.C1.S1 - 3.ª Secção (fixação de pena única de 6 anos e 2 meses de prisão para um crime de violência doméstica – 2 anos de prisão - e crime de abuso sexual de crianças – 5 anos e 6 meses de prisão). Acórdão de 8-09-2016, processo n.º 442/14.4T9EVR.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática pela arguida de cinco crimes de violência doméstica sobre os seus cinco filhos). Acórdão de 29-09-2016, processo n.º 459/14.9PBEVR.4T9EVR.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 4 anos de prisão, pela prática pela arguida de crime de violência doméstica sobre a filha menor, punido com 3 anos de prisão e dois crimes de ameaças punidos com 6 meses e 1 ano de prisão). Acórdão de 26-10-2016, processo n.º 3367/15.2JAPRT.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (fixação de pena única de 16 anos e 6 meses de prisão para homicídio qualificado e violência doméstica). Acórdão de 7-12-2016, processo n.º 1216/15.0T8EVR.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 5 anos de prisão efectiva, englobando falsificação de documento, violência doméstica, detenção de arma proibida, desobediência e lenocínio). Acórdão de 4-05-2017, processo n.º 52/15.9PEEVR.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, englobando crime de violação punido com 4 anos de prisão e violência doméstica, punido com 2 anos e 6 meses de prisão). Acórdão de 4-05-2017, processo n.º 83/15.9GILRS.L1.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 13 anos de prisão, englobando homicídio qualificado, punido com 12 4 anos de prisão e violência doméstica, punido com 3 anos de prisão). Acórdão de 18-05-2017, processo n.º 1514/15.3PBPDL.L1.S1 - 5.ª Secção (fixação da pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, englobando crime de violência doméstica, punido com 3 anos de prisão, crime de violação de imposições e proibições, punido com 1 ano de prisão e crime de ameaças, punido com 6 meses de prisão). Acórdão de 7-06-2017, processo n.º 1160/15.1PAPTM.E1.S1 - 3.ª Secção (fixação da pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, englobando crime de violência doméstica e homicídio qualificado na forma tentada). Acórdão de 21-06-2017, processo n.º 580/15.6POLSB.L1.S1 - 3.ª Secção (elevação da pena única de 9 anos pra 12 anos de prisão, englobando crime de violência doméstica e dois homicídios qualificados na forma tentada). Passando à determinação da medida concreta da pena. A moldura abstracta penal cabível ao crime de violência doméstica, em concurso aparente com o crime de violação, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, e artigo 164.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, é, por força do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 152.º - se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal -, de prisão de 3 a 10 anos. Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. *** No domínio da versão originária do Código Penal de 1982 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 – artigo 2.º), alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição inicial os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 3 8627- 3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério – graduação da pena concreta a partir da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta – foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e pelo Advogado Alfredo Gaspar, neste caso, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Maio de 1985 (onde foi defendido: “são de dosear as penas respectivas em medida um tanto superior ao ponto médio entre os limites mínimos e máximos legais, até mais perto dos máximos…”), in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73, onde foi ponderado: “A individualização judicial da pena pressupõe proporcionalidade entre aquela e a culpabilidade, não sendo correcto utilizar, como ponto de partida na graduação da pena, a média entre os limites mínimo e máximo da pena”. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46.701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255, citando o acórdão de 18-10-1989, proferido no processo n.º 40.101, assinalando que a medida da pena é questão de direito e não de facto, valendo a máxima latina «da mihi facta dabo tibi jus». E no acórdão de 27-02-1991, in Actualidade Jurídica, ano 3.º, n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, proferido no processo n.º 47.549, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que “na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar”. No aludido acórdão de 15 de Fevereiro de 1995, versando caso de crime de roubo, foi afirmado: “Para a determinação do quantum da pena não se deve partir do «meio da moldura penal aplicável», agravando ou atenuando depois em função das circunstâncias. A determinação da pena é feita em função da culpa e da prevenção”. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, processo n.º 42 040, BMJ n.º 410, pág. 360, podendo ler-se neste: “Na determinação da medida da pena concreta, a culpa perfila-se como primeiro e inviolável princípio, a conjugar a reprovação com a dissuasão (individual e colectiva) e com a reinserção social (na esfera da prevenção especial). Funciona, a respeito, uma simbiose de diversas solicitações, em interacção, cujas fronteiras se demarcam por um limite mínimo (já adequado à culpa) e por um limite máximo (ainda adequado à culpa), dentro de critério que muito tem a ver com a teoria da margem de liberdade, formulada por Roxin”.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Jorge Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo A. Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. O Autor, em 1985, em “Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal. Análise Histórica, Sentido e Limites”, Coimbra, 1985, pág. 96, nota 172, defendera que a culpa não é uma grandeza matemática. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito. Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena». Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1-3.ª; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1-3.ª; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1-3.ª; de 15-02-2017, processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1-3.ª; de 21-03-2018, processo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª. Como enunciou o acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1: “A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, processo n.º 2537/05, da 3.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, em caso de homicídio qualificado, na forma tentada, afirma-se: “Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in SASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção. Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pág. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum]. Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.
Revertendo ao caso concreto. A pena aplicável ao crime em apreciação é de prisão de 3 a 10 anos.
Na 1.ª instância foi fixada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar. Sobre a determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, de fls. 235 a 241, nestes termos (realces do texto): “IV Da medida da pena Feito o enquadramento jurídico da conduta do arguido AA, importa determinar, dentro da medida abstracta da pena estabelecida, a pena concreta correspondente aos crimes praticados. Dispõe o art.º 40º, nº 1, do C.P. que "A aplicação das penas ( ... ) visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade", acrescentando o seu nº 2 que "Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial: a pena concreta é delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa; dentro deste limite máximo é a sanção apurada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração cujo limite superior é dado pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura (abstracta) de prevenção geral de integração, a medida da pena irá ser encontrada em função de existências de prevenção especial, em regra positiva ou de ressocialização excepcionalmente negativa, de intimação ou segurança individuais, devendo ter sempre um sentido pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com o objectivo primeiro de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada e, em última instância, na eficácia do próprio sistema jurídico-legal. Em conclusão, a pena serve primacialmente, por um lado, para a responsabilização do arguido, atenta a sua culpa e a intensidade do bem jurídico violado, contribuindo, ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a sua reinserção, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que o estritamente necessário. A determinação da medida concreta da pena é efectuada de acordo com os critérios gerais estabelecidos no nº 1 do artigo 71º do C.P. conjugado com o artigo 40º do mesmo diploma – os parâmetros a que deve obedecer toda e qualquer fixação da pena, em atenção às finalidades que lhe são legalmente assinaladas – e os especiais constantes do nº 2 – designadamente, grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos, condições pessoais do agente, conduta anterior e posterior ao facto. O crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, do Código Penal, tem como moldura abstracta a pena de prisão com o limite mínimo de 2 (dois) e o limite máximo de 5 (cinco) anos. O crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, n.º 1, do Código Penal, tem como moldura abstracta a pena de prisão com o limite mínimo de 3 (três) anos e o limite máximo de 10 (dez) anos. Como de [se] explicitou, com a sua conduta o arguido incorreu em responsabilidade pela prática de um crime de violação [violência doméstica], previsto e punido pelo art. 152°, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do nº1 do artigo 164° do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152º: “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”): moldura abstracta da pena de prisão com o limite mínimo de 3 (três) anos e o limite máximo de 10 (dez) anos. O crime de violação de domicílio, agravado, previsto e punido pelo artigo 190º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, tem como moldura abstracta a pena de prisão com o limite mínimo de 1(um) mês e o limite máximo de 3 (três) anos ou com pena de multa até 360 (trezentos e sessenta dias) dias. Dispõe o artigo 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Desde já se adianta que, considerando os ilícitos praticados pelo arguido, os interesses protegidos pela incriminação de tais condutas e a inexistência de qualquer acto que espelhe consciência da gravidade da conduta, a interiorização do desvalor da sua acção e o absoluto alheamento quanto às consequências das suas condutas na esfera da ofendida, a aplicação de pena distinta da pena de prisão não satisfaz as exigências da punição, o que se deixa consignado. No crime de violência doméstica são elevadas as exigências de prevenção geral tendo em conta a frequência com que ocorre a prática deste ilícito, com consequências muito nefastas para a saúde, física e psíquica, das pessoas violentadas. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/10/2015, proferido no processo nº 735/14.0plsnt-3 pode ler-se “As exigências de prevenção geral, quanto ao cometimento de crimes de violência doméstica a cônjuge ou a ex-cônjuges, são profusas, atento o elevado número de vítimas deste tipo de crime que, sempre proliferaram pela sociedade, embora de forma camuflada e que, felizmente, hoje em dia, têm vindo a ser combatidos, conseguindo a sociedade e o Estado, através do sistema penal, responder com a adequada punição. Não se deverá olvidar que as condutas que integram este tipo de crime são cíclicas, de intensidade crescente, sendo que os ciclos tendem a repetir-se, com mais frequência entre si, aumentando a gravidade das condutas até desfechos trágicos – não será de somenos relembrar que, só no ano passado, os meios de comunicação social deram conta da morte de 40 mulheres, por terem sido vítimas de violência doméstica, perpetradas pelos cônjuges, companheiros ou ex-cônjuges ou ex-companheiros. Este tipo de criminalidade é grave, porque atenta contra o bem-estar, a saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana, sendo profuso, quer em zonas urbanas, quer em zonas rurais e perpassa todas as classes económicas e sociais. Trata-se de uma criminalidade geradora de alarde social e intranquilidade pública entre as populações”. O crime de violação de domicílio foi instrumental em relação ao crime de furto [SIC]. Na determinação da medida da pena de prisão e de harmonia com o disposto no art.º 71 º do Código Penal, há a salientar: a) a acentuada necessidade de prevenção geral – já explicitada –, quer por se tratar de crime com elevado grau de ressonância ética negativa no tecido social e gerador de considerável alarme social; quer atendendo ao papel que a Família, enquanto instituição, representa para a sociedade; quer pela frequência com que se assiste ao cometimento deste ilícito, em tendência crescente, sendo este tipo de criminalidade pois, contra o bem-estar, a saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana; quer, ainda, pela necessidade de uma consciencialização da inadequação, da gravidade e perniciosidade desses comportamentos; b) o grau de ilicitude, bastante elevado, considerando: b.1_ o período temporal ao longo da qual a conduta agressiva do arguido se manifestou; b.2_ a agressividade relevada nos actos do arguido; c) a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo (artigo 14º, nº1, do C.P.); d) o comportamento anterior e posterior do arguido, salientando-se que nada consta do certificado de registo criminal; f) as condições pessoais do arguido, respectivas habilitações literárias e situação económica. Encontra-se demonstrado que a infância e adolescência do arguido decorreram em Cabo Verde junto da sua família de origem composta pelos pais e seis irmãos. O pai trabalhava em cargas de navios e como pedreiro e era este que assegurava as necessidades do agregado. Tem o equivalente ao nono ano de escolaridade, sem registo de anomalias. Com vista à procura de melhores condições de vida, com dezanove anos deslocou-se para Portugal, país onde já vivia uma prima. Aqui, começou a trabalhar como mecânico de automóveis, área onde se veio a especializar e a efectivar a sua trajectória profissional, revelando entusiasmo com esta vertente da sua vida. No campo afectivo, aquando dos seus vinte e cinco anos, contraiu matrimónio com a ofendida, união conjugal da qual nasceram os seus quatro filhos. O casal esteve casado durante trinta e três anos. A vivência conjugal teve contornos difíceis, nomeadamente devido às dificuldades económicas com que se depararam. No campo profissional, o arguido, desde há cerca de seis anos que não detém vínculo, exercendo trabalhos esporádicos na área da mecânica, sendo que durante o matrimónio mostrou-se sempre investido e muito responsável neste domínio. Aufere montante variável entre €5,00/€10,00, por cada dia de trabalho. Frequentou quatro cursos, nos últimos anos, recebendo €120,00 por cada mês, durante a frequência desses cursos. Paga a renda mensal de €40,00. É uma pessoa autocentrada e sem capacidade para se colocar no lugar do outro e em lhe atribuir sentimentos e opiniões diferentes das suas. Apresenta um baixo limiar de tolerância à frustração e de forma gratuita, reage, num registo de impulsividade e agressividade. Na sequência da aplicação das medidas de coacção, no âmbito destes autos, o arguido deixou de perseguir a ofendida. Conforme se explicitou, o modo de actuação do arguido é revelador de elevado grau de ilicitude, perdurando as agressões ao longo da vivência em comum e após a cessação da vivência em comum, evidenciando indiferença face às consequências nefastas do crime para a ofendida, e os efeitos do mesmo. Além das prementes exigências de prevenção geral que se fazem neste tipo de crime, dada a frequência com que ocorre e as consequências tão negativas no seio familiar para a saúde física e psíquica da lesada, são acentuadas as exigências de prevenção especial evidenciadas pela personalidade do arguido, marcada pela ausência de autocrítica, de arrependimento ou interiorização do desvalor da sua conduta. Tendo presente que as condutas que integram o crime de violência doméstica são cíclicas, repetindo.se com intensidade crescente, assume particular relevância o arrependimento do arguido, o juízo crítico revelado e a interiorização que o mesmo tenha feito da gravidade do ilícito. Nos presentes autos, nenhuma destas situações se verificou. Escrevem Catarina Fernandes, Helena Moniz e Teresa Magalhães, em artigo publicado na Revista do CEJ 2013-I («Avaliação e controlo do risco na violência doméstica»), que “…embora o crime de violência doméstica seja punível com pena de prisão até 5 anos, os nossos tribunais raramente aplicam penas de prisão efectiva, a qual parece estar reservadas para os arguidos reincidentes, ou para situações especialmente graves. Pode dizer-se que, muitas vezes, as penas aplicadas pecam pela sua brandura pondo em dúvida que correspondam às exigências de prevenção consagradas no Código Penal – o que é patente quando se compara este tipo de criminalidade com os crimes contra o património ou os crimes contra as pessoas, em que nenhuma vinculação existe entre agressor e vítima. No fundo, dever-se-á cada vez mais pensar que uma pena criminal só cumpre a sua finalidade, se efectivamente for sentida pelo condenado, sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei – como bem se opina no Acórdão da Relação de Coimbra datado de 19/10/2011 (Proc. nº 58/08.4GATBU.C1, relator: Jorge Dias, in www.dgsi.pt), «só assim se entende a designação de penas, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não fossem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral». Diga-se ainda que a sentença imposta num caso de violência doméstica se deverá mais determinar pela seriedade e gravidade da ofensa do que pela vontade expressa da vítima...”. Ponderando todos estes factores, as exigências, muito acentuadas, de prevenção geral e especial e as condições pessoais do arguido, o tribunal entende por ajustadas e adequadas as seguintes penas: a. a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alíneas a) e c), e n.º 2 do Código Penal, com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do nº1 do artigo 164° do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152º:“se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”). b. a pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de violação de domicílio, agravado, previsto e punido pelo artigo 190º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal”. *** Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir a pena aplicada pelo crime de violência doméstica, como vem peticionado pelo recorrente. Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal de violência doméstica e de violação. Começando pelo primeiro. Para além do acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2003, proferido no processo n.º 3252/03 - 5.ª Secção, publicado em CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 208 a 222, no qual se considerou que «O bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar», do acórdão de 4-02-2004, proferido no processo n.º 2857/03, da 3.ª Secção, em que foi considerado que “o bem jurídico tutelado por este crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade, como as injúrias, humilhações, ameaças e outros”, de 6-04-2006, onde se inclui a prática de factos que atinjam de forma grave a dignidade de outro, e do já referido no acórdão de 2 de Julho de 2008, por nós relatado no processo n.º 3861/07, com transcrição parcial supra de fls. 46 a 50 deste acórdão, e outros já mencionados, como os acórdãos de 5-11-2008, processo n.º 2504/08, de 12-03-2009, processo n.º 236/09, de 13-07-2011, no habeas corpus n.º 552/11.0PWPRT-A.S1, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 189 e de 14-12-2016, processo n.º 952/11.0PHLRS.L1.S1, Mais recentemente, pode ler-se no acórdão de 09-03-2017, proferido no processo n.º 1006/15.0JABRG.G1.S1 - 5.ª Secção: “O recorrente, condenado pelo crime de homicídio qualificado tentado procurou lesar um bem jurídico fundamental, a vida humana, logo por aí se revelando também um grau de ilicitude especialmente elevado, e certamente que a tutela eficaz desse bem torna muito prementes as necessidades de prevenção geral. E consumou, no crime de violência doméstica pelo qual também foi condenado, a lesão de outros bens de elevado significado pessoal e social como são a integridade psíquica, da liberdade e até a honra. O que evidencia, na imagem global do facto, um traço da sua personalidade que é o da falta de contenção para a ofensa de bens jurídicos de carácter pessoal”. Com o mesmo Relator do anterior consta do acórdão de 20-04-2017, proferido no processo n.º 2263/15.8JAPRT.P1.S1, da 5.ª Secção, consta: “Na identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos no crime de violência doméstica generalizadamente, se apontam como carecidas de protecção a saúde e a dignidade da pessoa entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar pois é a estrutura “família” que se toma como ponto de referência da normativização acobertada nas alíneas a) a d) do nº 1 do art. 152º o que não significa porém, que seja a “família” a figura central alvo de protecção mas antes essa pessoa que nela se insere, individualmente considerada. A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto. Mas pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido. Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar. Se a violência doméstica pressupõe aquela durabilidade relacional familiar e aquela outra situação de domínio e de constrangimento da livre determinação da vítima, de disposição da sua vida, num sentido mais geral, ou, dito de modo mais expressivo, «a eliminação do núcleo fundamental de autonomia da vontade e de disposição livre da mesma pela vítima» naturalmente que a intenção de matar pressupõe um “ir mais além”; pressupõe a intenção de atacar a vida da vítima, pondo-lhe fim e de, por essa via, terminar todo o envolvimento relacional que “possibilitava” uma certa conduta do agente. Atentar contra a vida humana é um plus significativo relativamente a martirizá-la com maior ou menor intensidade. Ainda do mesmo Relator, pode ler-se no acórdão de 28-02-2018, proferido no processo n.º 129/16.3GILRS.L1-B.S1, da 5.ª Secção: “Acerca da identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos pelo crime de violência doméstica é generalizado o entendimento de que são carecidas de protecção a saúde e a dignidade da pessoa entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar pois é a estrutura “família” que se toma como ponto de referência da normativização acobertada nas als. a) a d) do n.º 1 do art. 152.º do CP. Assim, fica evidenciado que as dimensões da integridade física e da liberdade pessoal estão entre aquelas que o tipo legal visa proteger o que torna possível à luz da conjugação das disposições citadas a imposição da prisão preventiva”.
Passando à Doutrina. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, no ponto II, § 4.º, pág. 332, partindo da consideração de que o artigo 152.º está, sistematicamente, integrado no Título I do Código Penal, dedicado aos “Crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, com a epígrafe “Crimes contra a integridade física”, entende que “A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (…) A ratio deste art. 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas”. Acrescenta que «o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agravem as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde”. O Autor, na 2.ª edição, de Maio de 2012, no ponto I, § 1.º, págs. 511/2, mantém o texto com pequenas alterações, como a seguir a cônjuge constar “(ex-cônjuge, ou pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges)” e a seguir a doentes, passou a constar “que, mesmo que não sejam familiares do agente, com este coabitem”, sendo eliminada a parte final “ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde”, invocando os acórdãos do STJ de 30-10-2003, de 4-02-2004 e de 6-04-2006, supra assinalados. No âmbito do crime de violência doméstica, novo tipo legal de crime introduzido com a reforma de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 04-09), segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, Universidade Católica Editora, pág. 464, os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexual e até a honra. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 617, reportam um conceito de bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e a liberdade, nas suas expressões sexual e de natureza pessoal. Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica Revista Julgar, N.º 12 (especial), Novembro 2010, págs. 10 a 24, em que é analisado o quadro normativo da resposta penal à violência doméstica saído da revisão penal de 2007, formado pelos crimes de homicídio qualificado, de ofensa à integridade física qualificada e de violência doméstica. O Autor considera, pág. 23, que a principal e mais substancial novidade não reside no crime de violência doméstica, mas na alteração ao crime de homicídio qualificado, concretamente a introdução do exemplo-padrão que consta da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, por sua vez aplicável às ofensas à integridade física. Através desta modificação foi o sistema penal português dotado de um regime de tutela específica reforçada em todas as dimensões possíveis do fenómeno da violência doméstica. Entende, a págs. 14, que a dignidade humana por muitos considerado como o bem jurídico protegido pela incriminação de violência doméstica não deve ser erigida a específico bem jurídico da violência doméstica. “A dignidade humana como valor fundante e transversal a todo o sistema jurídico não está em condições de desempenhar a função de específico referente e padrão crítico da criminalização que deve ser própria de um bem jurídico-penal. Para quem queira, ainda assim, conferir-lhe o estatuto de bem jurídico-penal, será em todo o caso mais prudente reservar-lhe esse eventual papel para situações em que a vítima é submetida a uma condição infra-humana, por acção de um seu semelhante, com um consequente absoluto aniquilamento da sua dignidade pessoal. Ora, o delito em apreço pretende dirigir-se e actuar sobre condutas que estão muito longe de assumir uma tal gravidade” Afastando-se da maioria da doutrina que o considera crime de dano, considera – págs. 16/7 - que o crime de violência doméstica assume a natureza de crime de perigo, nomeadamente, de crime de perigo abstracto. “É, com efeito, o perigo para a saúde do objecto de acção alvo da conduta agressora que constitui motivo da criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstracto”. Entende que o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação prende-se com os sérios riscos para a integridade psíquica da vítima, que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolonguem no tempo. E a págs. 18 considera que os maus tratos devem ser encarados na perspectiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima. Na mesma Revista Julgar, N.º 12 (especial), Novembro 2010, págs. 25 a 66, André Lamas Leite, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, analisa alguns aspectos do regime do crime, p. e p. pelo artigo 152.º do Código Penal, apenas no que contende com a «violência relacional íntima», ou seja, aquela que é perpetrada entre cônjuges ou quem vive em condições análogas. Afirma o Autor a págs. 45: “Os «maus tratos físicos ou psíquicos» devem ser interpretados como lesões graves, pesadas de incolumidade corporal e psíquica do ofendido, diríamos que no campo de tensão entre os tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e a tutela da integridade física e moral”. Ao abordar o bem jurídico começa por dizer que difícil será apontar um tipo legal em cuja base se encontre um bem jurídico tão multímodo como o da violência doméstica. Explicita, pág. 49, que no seu modo de ver o fundamento último das acções e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo. A págs. 52 sustenta que se exige no crime de violência doméstica uma certa estabilidade na relação interpessoal, a existência de uma proximidade existencial efectiva. Do mesmo passo, meros namoros passageiros, ocasionais, fortuitos, flirts, relações de amizade, não estão recobertas pelo âmbito incriminador do art. 152.º, n.º 1, al. b).”. Por outras palavras, sublinha, que “ter-se-á de provar que há uma relação de confiança entre agente e ofendido, baseada em fundamentos relacionais mais ou menos sólidos, em que cada um deles é titular de uma «expectativa» em que o outro, por via desse laço, assuma um dever acrescido de respeito e abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro (a).” Segundo Rui Abrunhosa Gonçalves, no estudo Agressores Conjugais: Investigar, avaliar e intervir na outra face da violência conjugal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 4, Outubro - Dezembro 2004, págs. 542/3, a expressão “violência conjugal” - que se distingue de conceitos mais abrangentes como os de “violência doméstica”, “violência familiar” ou “maus tratos familiares”, em que podem ser afectados outros elementos da família ou que coabitem com o casal - abarca um conjunto variado de actos agressivos que se distinguem entre si pela sua gravidade, mas que têm em comum o facto de serem exercidos por um elemento do casal (geralmente o homem) sobre o outro, de forma consciente, envolvendo a noção de que de que tais actos podem ocorrer numa fase pré matrimonial ou de vida em conjunto, durante esse período ou mesmo após esse período, quando o matrimónio ou a união de facto se encontra em vias de dissolução. Nas palavras de Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., pág. 103), «a prática de maus tratos entre cônjuges parece então poder analisar-se na perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária». No que tange ao crime de violação, o tipo, p. e p. pelo artigo 164.º, enquadra-se na categoria “Dos crimes contra as pessoas” - Título I, do Livro II – (Parte especial), e mais especificamente, no Capítulo V, “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” – artigos 163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 171.º – e com a agravação constante da disposição comum do artigo 177.º (Secção III), para além das igualmente comuns normas dos artigos 178.º (queixa) e 179.º (inibição do poder paternal), este actualmente revogado. Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs 163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção (cfr. solução n.º 115, constante do artigo 3.º- A - Relativamente à parte geral - da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09, rectificada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995). Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 12.ª edição, 1998, Almedina Coimbra, em comentário ao artigo 164.º, pág. 540, refere que o crime de violação é o mais grave dos crimes contra a liberdade sexual por ser o que mais intensamente lesa a liberdade e a autenticidade da vida sexual das pessoas. O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 164.º do Código Penal é a liberdade de determinação sexual - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 466. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro 2008, pág. 449, na 2.ª edição actualizada, de Outubro de 2010, pág. 511, e na 3.ª edição actualizada, de Novembro de 2015, pág. 654: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa. Quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, a violação é um crime de dano. Quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, é um crime de mera actividade”. Concretizando. Em primeiro lugar, dir-se-á que acompanhamos no geral as considerações tecidas pelo acórdão recorrido, que se mostram certeiras e fundamentadas, importando reter o seguinte. No que respeita ao período temporal, a actividade delituosa do recorrente descrita em termos concretos desenvolveu-se entre 2006 a 2009, conforme FP 6, com agressões que levaram à remoção de dois dentes e depois surgindo concretizações apenas em 28 de Maio de 2017, consubstanciadas na ameaça com a faca e violação da ex-mulher, nos termos descritos nos FP 14 a 21 e 28. No que toca aos antecedentes criminais, nada a considerar. No que tange a motivações da conduta, maxime, no que toca aos factos de Maio de 2017, tem-se por certo estar presente a não conformação com a separação. As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime de violência doméstica – a saúde, a integridade física e psíquica e a liberdade pessoal e honra – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e das conhecidas consequências para os elementos dos agregados familiares, justificando resposta punitiva firme. Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno, que em 2013 registou 27.318 ocorrências e em 2014 produziu 27.317 casos, como consta do Anexo da Lei de Política Criminal para o Biénio 2015-2017. Como refere o psicólogo e investigador António M. C. Castanho em Homicídios e violência doméstica: Análise retrospectiva de homicídios ocorridos em relações de intimidade, na Revista do CEJ, 2015, 1, págs. 104, em Portugal o crime de violência doméstica tem permanecido sem variação significativa de redução. Como se viu, no Anexo da Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, consta: “A violência doméstica contra cônjuge ou análogos subiu 1,4% (22.469 casos em 2015 e 22.773 em 2016) e os outros crimes de violência doméstica subiram 3% (3.651 casos em 2015 e 3.762 em 2016)”. Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime. Como assinala o acórdão de 07-02-2018, proferido no processo n.º 312/15.9POLSB.S1 - 3.ª Secção: “A nível da prevenção geral, as exigências são fortíssimas, atendendo à persistência e à disseminação do fenómeno da violência doméstica, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adotadas. As últimas estatísticas conhecidas, relativas ao ano de 2016, confrontadas com as de 2015, revelam a grande dimensão a nível nacional e a persistência (inclusivamente a expansão) deste fenómeno criminal”. A considerar que o tipo legal de violência doméstica integra o conceito de «Criminalidade violenta», na definição da alínea j) do artigo 1.º do CPP, com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, integrando a violação o conceito de “Criminalidade especialmente violenta”, de acordo com a alínea l) do mesmo preceito. Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como se expressou o acórdão do STJ de 4 de Julho de 1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de 3 a 10 anos de prisão, ponderando todos os elementos enunciados, entende-se não se justificar intervenção correctiva, afigurando-se equilibrada e adequada a pena imposta no acórdão recorrido, pelo crime de violência doméstica. Improcede, pois, o recurso nesta parte. Questão II – Medida da pena única O recorrente nas conclusões 1.ª a 10.ª, 11.ª, 13.ª, 15.ª e 18.ª, pugna pela fixação da pena única em medida inferior a cinco anos de prisão – conclusões 10.ª e 13.ª – e não ultrapassando os quatro anos, como na conclusão 18.ª. de modo a ser suspensa na sua execução.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro; n.º 60/2013, de 23 de Agosto; Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto; Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto; n.º 69/2014, de 29 de Agosto; n.º 82/2014, de 30 de Dezembro; Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração); n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, e n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração)]: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”. Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 5 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão. A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal. Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”. A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal. Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”. ***** No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª. Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade. ***** Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª; de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1. Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. *** Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 (dois), de 13 de Julho de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 9 de Novembro de 2016 e de 22 de Novembro de 2017, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processos n.º 23/14. 2GBLSB.L2.S1 e n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1e processo n.º 731/15.0JABRG.G1.S1: “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”. ***** Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso. Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta. Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª. Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias. Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. No mesmo sentido, e do mesmo relator, o acórdão de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª Secção. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª). A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras. Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 17-10-2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1, de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1; de 17-06-2015, processo n.º 161/12.6PBFAR.S1; de 09-07-2015, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1; de 09-09-2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1; de 2-03-2016, processo n.º 8/08.8GALHH.L1.S1; de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1; de 23-06-2016, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2; de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1; de 7-09-2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1; de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1; de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1; de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1; de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SNLSB-H.L1.S1; de 14-12-2016, processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1; de 4-01-2017, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1e de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena. Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”. Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa. Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª. Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”. Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”. Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos). Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª. Analisando. Como se referiu, a moldura penal do concurso relativa ao recorrente situa-se entre 5 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão. A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas. Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou. Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido. Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25 -09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração. No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção. No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2). E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção. Revertendo ao caso concreto. O acórdão recorrido sobre a determinação da pena única, a fls. 241, disse: “Do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicada aos arguidos Nos termos dos artigos 30º, nº1, e 77º, ambos do Código Penal, haverá que aplicar uma pena única. Dispõe o nº1 do artigo 77º do Código Penal que "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, estabelecendo o nº2 que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos varias crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes” (nº2). A moldura abstracta da pena de prisão do arguido tem como limite máximo a pena de 6 (seis) anos e o limite mínimo de 5(cinco) anos e 6(seis) meses de prisão (artigo 77º, nº 2, do Código Penal). Sobre a medida da pena a determinar no cúmulo, escreve o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72º, nº1 (actual 71º, nº1), um critério especial: o do artigo 77°, nº1, 2ª parte. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunto. (…). De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)" (“Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290 a 292). Conforme já foi referido, a favor dos arguidos (SIC) assinala-se a inexistência de antecedentes criminais, a inserção familiar e os hábitos consolidados de trabalho. São elevadas as exigências de prevenção geral tendo em conta, entre o mais, as consequências muito nefastas deste ilícito para a saúde, física e psíquica, das pessoas violentadas. O fenómeno da violência doméstica no nosso país tem sido sinalizado como um problema social a exigir medidas para a sua resolução, que têm vindo a ser adoptadas nas sucessivas alterações nesta matéria ao Código Penal, assim como a adopção de um Plano Nacional contra a Violência Doméstica. Como se explicitou, o arguido demonstrou indiferença face às consequências dos ilícitos praticados e não existe nenhum sinal de autocrítica ou arrependimento efectivo, demonstrando assim não ter interiorizado o desvalor das suas condutas. Ponderando os factores acima expostos e atenta a globalidade dos factos que resultam das respectivas condenações e a personalidade (artigo 77º, nº 2, do Código Penal), bem como as finalidades da punição (prevenção geral e especial), o tribunal julga adequadas a pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) anos de prisão.”
Tendo em conta os bens jurídicos tutelados já referidos e que no caso do crime de violação de domicílio o bem jurídico protegido é a privacidade de uma pessoa física na vertente da privacidade do lar, isto é, de uma esfera privada espacial, há que ter em conta a estreita conexão entre os dois crimes, pois que o crime de crime de violação de domicílio foi instrumental em relação ao crime de violência doméstica, perpetrado no dia 28 de Maio de 2017, e não de furto, como, por manifesto lapso de escrita, se disse no acórdão recorrido a fls. 240.
Por todo o exposto, não se justifica intervenção correctiva, mantendo-se a pena única aplicada. Questão III – Suspensão da execução da pena O recorrente nas conclusões 10.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.ª, 16.ª e 17.ª pugna pela suspensão da execução da pena, o que pressupunha a pretendida redução da pena parcelar aplicada pelo crime de violência doméstica e consequentemente da medida da pena única aplicada para patamar compatível com a pretendida substituição (o recorrente pugna pela fixação da pena conjunta em medida inferior a 5 anos de prisão, ou não ultrapassando os 4 anos). No presente recurso apenas num cenário de uma redução na medida da pena única aplicada, poderia equacionar-se tal eventualidade, pois face à pena aplicada no acórdão de 1.ª instância não era possível ventilar a hipótese, por encontrar-se ultrapassado o limite de 5 anos, o que ora vem confirmado, o que conduz à improcedência da pretensão. Decisão Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em julgar o recurso improcedente, quer no que toca à medida da pena parcelar, aplicada pelo crime de violência doméstica, quer à medida da pena única, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal). Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2017, conforme estabelece o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018). Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 2009. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 13 de Setembro de 2018 Raul Borges (Relator) Manuel Augusto Matos |