Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
233/05.3TBVRM-G.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CITAÇÃO POR VIA POSTAL
CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
NULIDADE
OMISSÃO DE FORMALIDADES
CARTA REGISTADA
AVISO DE RECEÇÃO
ASSINATURA
TERCEIRO
LEI ESTRANGEIRA
PRESUNÇÃO LEGAL
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Constitui fundamento de procedência do recurso extraordinário de revisão a nulidade da citação do réu habilitado (cfr. art. 696.º, al. e), subal. i), do CPC) quando a mesma foi realizada na pessoa de terceiro sem observância das formalidades legais (cfr. arts. 228.º e 233.º do CPC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. AA intentou acção declarativa de pagamento de honorários, sob a forma de processo comum, a qual constitui o Apenso A, contra:

I – BB e CC;

II – Heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de DD e mulher, EE, representada pelos filhos, únicos e legítimos sucessores, FF, GG, HH, II, todos por si e como únicos interessados nas ditas heranças;

III – JJ e KK;

IV – LL;

V – MM.

2. Na pendência da acção faleceu o réu MM, tendo sido habilitados como seus herdeiros NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU (sentença de 07.10.2019, ref. Citius .......83, proferida no Apenso D).

3. Na acção que constitui o Apenso A veio a ser proferida sentença, em 24.11.2020, já transitada em julgado, que condenou solidariamente os réus a pagar ao autor a quantia de €33.989,46, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.

4. O réu SS interpôs recurso extraordinário de revisão pedindo que se anulem os termos do processo posteriores à sua citação, repetindo-se esta.

Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que nunca foi citado no apenso de habilitação de herdeiros e nunca foi citado na acção de honorários.

Concretamente, foi-lhe enviada carta para a Rua ..., ... (Brasil), sendo que não reside nesse local, mas noutro (que indicou), tendo a carta sido entregue a um terceiro, não identificado.

Não teve conhecimento da citação e foi por esse motivo que não contestou a acção.

Consequentemente, não tendo tido conhecimento da citação, por facto que não lhe é imputável, defende que a citação é nula.

5. Regularmente citado, o autor/recorrido respondeu defendendo que o recurso foi interposto intempestivamente mas que, a assim não se entender, o recurso deve ser julgado improcedente, uma vez que a citação foi regularmente efectuada.

6. Em 1.ª instância foi proferida sentença a julgar improcedente o recurso extraordinário de revisão, assim mantendo o anteriormente decidido na referida acção declarativa.

7. Desta decisão interpôs SS recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 27.06.2024, julgou a apelação procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgando procedente o recurso extraordinário de revisão e declarando nula a citação de SS realizada no Apenso D, bem como todos os actos subsequentemente praticados, quer nesse apenso, quer no Apenso A, incluindo a sentença proferida em 24.11.2020.

O acórdão da Relação de Guimarães mais determinou a repetição da citação declarada nula e a prossecução dos ulteriores trâmites processuais em conformidade.

8. Desta decisão veio interpor recurso AA, formulando as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, julgou o recurso Extraordinário de Revisão do ora Recorrido, SS, totalmente procedente e verificada a nulidade da citação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º do Código Processo Civil, por ter sido realizada “sem observância das formalidades legais impostas pelo art.º 228.º, n.ºs 1, parte final, 2, 3 e 4”.

2. O Recorrido, SS, sustentou o Recurso de Revisão nos termos do disposto no artigo 696.º al. e) e subalínea i) do Código Processo Civil, tendo invocado a falta de citação, (cfr., além do mais, item 57.º da “petição inicial” do Recurso de Revisão), pelo que a nulidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º do CPC. depende da arguição/reclamação expressa do citando, bem assim, da demonstração de que não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável e que foi prejudicado na sua defesa, (cfr. n.º 4 do artigo 191.º do CPC).

3. O Recorrido, além de nenhuma prova ter produzido a respeito da falta e/ou nulidade da citação, não invocou no Recurso de Revisão, (petição inicial), a nulidade da citação nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º do CPC, por preterição de formalidades do disposto no artigo 228.º do CPC., (tão só do artigo 233.º do CPC.).

4. O Acórdão do Tribunal a quo, tendo-se pronunciado sobre objecto não invocado pelo Recorrente no Recurso de Revisão, in casu, nulidade por preterição das formalidades do artigo 228.º do CPC, encontra-se, s.m.o., ferido também de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º e da al. c) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

5. E mesmo que se entendesse que o Recorrido SS, arguiu a nulidade por preterição das formalidades do disposto no artigo 228.º do CPC, o que se concebe tão só como mera hipótese de raciocínio, o mesmo não ilidiu a presunção do conhecimento da citação nos termos do disposto nos artigos 225.º n.º 4 e 230.º n.º 1 do CPC e artigo 350.º do Código Civil, cujos normativos configuram presunções legais e, podendo ser ilididas mediante prova em contrário, (cfr. artigo 350.º do Código Civil), impendia sobre o Recorrido o ónus de alegação e prova de que a citação é nula por preterição de formalidades e que não teve conhecimento da mesma por facto que não lhe é imputável.

6. O Recorrido, SS, não justificou nem demonstrou, como lhe incumbia, por que razão (alegadamente) não tomou conhecimento da citação e não cuidou sequer de apresentar qualquer documento probatório e/ou a arrolar testemunhas e/ou a prestar declarações de parte, sequer a comparecer em julgamento.

7. O legislador distingue claramente a falta de citação, (inexistência pura e simples do acto) da nulidade da citação, (preterição de formalidades) com consequências de arguição distintas e atento que a nulidade da citação pressupõe que a mesma foi realizada, embora com preterição de formalidades, o legislador impôs o ónus ao citando de alegação e demonstração que a carta de citação que lhe foi dirigida, não lhe foi entregue por motivo que não lhe é imputável, o que não ocorreu nestes autos, nem resulta da matéria de facto provada.

8. Sobre esta matéria, no mui douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2024, refere-se que, “A certeza de que o Réu toma conhecimento efectivo do processo só pode ter lugar quando a citação é feita por contacto directo entre ele e o Agente de Execução ou funcionário judicial (ou ainda o mandatário judicial, ou alguma das pessoas indicadas no art.º 237.º - pessoa indicada pelo mandatário para a efectuação da citação) ou quando o aviso de recepção é assinado pelo próprio Réu. Nos outros casos (utilização de intermediários na citação postal ou na citação com hora certa; citação por afixação da nota de citação; citação edital; citação por depósito da carta ou aviso, no caso de domicílio convencionado), a certeza do conhecimento é substituída pela presunção do conhecimento e, então, a garantia do direito à jurisdição exige que, para compensar a perda das garantias formais do acto, se admita, depois dele praticado, que o Réu seja reposto no estado anterior e admitido a defender-se quando se apresenta, fora do prazo para contestar, a ilidir a presunção.”23

9. A respeito também da nulidade da citação por preterição da formalidade do disposto no artigo 233.º do CPC., sem prejuízo do já referido supra, e embora despiciendo atento a matéria de facto provada e não provada, acrescenta-se que a generalidade da doutrina e da jurisprudência consideram que não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade, estando-se perante uma “diligência complementar e cautelar”.

10. Tem, pois, sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art.º 233º do CPC., não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção do tribunal não determina a “falta de citação”, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” nos termos do disposto no artigo 191º, nos 1 e 2 do CPC., dependendo também a procedência dessa nulidade da alegação e prova pelo citando de que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro que a recepcionou e que, por isso, por motivo que não lhe é imputável, não teve conhecimento da citação.

11. No caso sub judice, não houve sequer preterição da formalidade elencada no artigo 233.º do CPC., como se demonstrou na referenciada Sentença, ao dizer: (…) “aqui não se trata de total incumprimento do art.º 233.º do CPC, note-se que o preceito impõe dar a conhecer ao destinatário da carta de citação recebida por terceiro: a) data e o modo por que o ato de citação se considera realizado; b) o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) o destino dado ao duplicado; e d) a identidade da pessoa em que a citação foi realizada”,

12. acrescentando ainda: “sendo que neste caso a secção após constatar que a citação tinha sido recebida por terceiro, a 27.9.2018, remete carta registada para a mesma morada notificando o recorrente nos seguintes termos “fica V. Ex.a notificado para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a habilitação de herdeiros acima identificada, sob pena de não o fazendo, vir a ser julgado sucessor do(s) falecido(s) referido(s) no duplicado junto, para consigo prosseguir a causa principal”, mais lhe remetendo o requerimento inicial e duplicados”. E acrescentando que “Com a contestação, deverá apresentar o rol de testemunhas e quaisquer documentos que queira produzir. O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”, no fundo, a secção acaba por repetir os termos da citação antes feita, denominando-a de notificação, mas, quanto a nós, tal até representa um “mais” em relação ao exigido pelo art.º 233.º, pois, embora omitindo aqueles elementos supra aludidos, mormente, quem recebeu a carta, a data e o modo por que o ato de citação se considera realizado e onde estão os duplicados, confere-lhe um novo prazo para contestar e remete-lhe os elementos já antes remetidos com a citação.”

13. Reiterando o referido supra, o Recorrido, SS, não ilidiu a presunção da citação realizada nem demonstrou que a citação não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável, bem assim que ficou prejudicado no seu direito de defesa, pelo que errou o Tribunal ad quo ao julgar verificada a nulidade da citação por preterição de formalidade.

14. Sem conceder, dispõe o n.º 2 do artigo 239.º do CPC. que “Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais”, porém, o Tribunal a quo, não revelando e/ou desconhecendo quais as determinações do “regulamento dos serviços postais” no Brasil, (nem podia conhecer face a total ausência de prova nesse sentido), sustentou a preterição da formalidade, concretamente, do n.º 3 do artigo 228.º do CPC., como se no Brasil, e atento a data da citação, fosse obrigatória a anotação dos elementos do documento de identificação.

15. Compulsadas as restantes citações, cujos Avisos de Recepção se encontram junto aos autos da acção de honorários e respectivas habilitações, (todas elas realizadas no Brasil), constata-se que nenhuma compreende, - seja realizada na própria pessoa, seja em terceira pessoa -, o número de identificação civil ou elemento de documento oficial da pessoa que recebeu a carta, demonstrando, na falta de melhor prova, que para recepção de carta registada no Brasil é bastante a assinatura do citando ou da pessoa que se encontra em condições de entregar a carta ao citando, como sucedeu in casu.

16. Acresce que não resulta da Matéria de Facto Provada (MFP) que o distribuidor postal não tenha feito advertência do dever de pronta entrega, (artigo 228.º n.º 4 do CPC.), pelo que, ressalvado o devido respeito, o Tribunal a quo extraiu ilação que não tem qualquer sustentação probatória.

17. O Tribunal a quo fez ainda errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 228.º e 239.º, tanto mais quando conjugados com os factos provados, como o 21, 6, 7, 8, 9, 13, 14, 15 e 18, e os factos não provados (“A”, “B” e “C”, pelo que, além do douto Acórdão ser nulo nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º e da al. c) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC., violou, entre outros, os artigos 3.º n.º 1, 5.º n.º 1, 191.º. 196.º, 197.º, 198.º, 199.º, 200.º, 225.º, 227.º, 228.º, 230.º, 233.º, 239.º, 249.º, 552.º n.º 1 al. d) e 696.º al. e) do Código Processo Civil e 350.º do Código civil.”.

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, repristinando-se a decisão do Tribunal da 1.ª instância.

9. O recorrido SS contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

“I. Verificam-se consecutivas nulidades processuais nas notificações e citações expedidas no âmbito da Ação de Honorários intentada pelo ora Recorrente que somadas à revelia absoluta de grande parte dos Réus, inclusive do Recorrido, compromete a validade processual da sentença condenatória objeto do Recurso de Revisão interposto pelo ora Recorrido.

II. No dia 24/03/2016 o Dr. AA (aqui Recorrente), intentou ação declarativa de processo comum, Ação de Honorários, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juiz ... contra, entre outros, MM (o avô do Recorrido), peticionando a condenação dos réus, de forma solidária, a pagar ao autor, Recorrente, a quantia de 33.989,46€ (trinta e três mil novecentos e oitenta e nove euros e quarenta e seis cêntimos) acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento (“Ação de Honorários” – Proc. n.º 233/05.3TBVRM-A).

III. De um total de 5 (cinco) notificações/citações expedidas pelo Tribunal Judicial de Braga para a suposta residência do Recorrido sita na Rua ..., ..., Brasil e endossadas a este, apenas UMA, expedida a 29/05/2018 no âmbito da Habilitação de Herdeiros, foi rececionada, o que foi feito nas seguintes condições: (i) o A/R foi assinado por VV, pessoa diversa do citando, porque os nomes não coincidem; (ii) não se encontra assinalada a quadrícula do aviso de receção destinada a indicar se o aviso foi assinado pelo destinatário ou por pessoa a quem foi entregue, pois essas quadrículas estão em branco; (iii) na parte relativa à identificação da pessoa que recebeu o objeto não consta nenhum elemento, designadamente o bilhete de identidade ou outro documento oficial.; (iv) nada consta relativamente à advertência expressa feita pelo distribuidor.

IV. Não obstante a completa desconsideração das formalidades legais exigidas para o ato de citação, bem como a situação de revelia absoluta do Recorrido em todos os apensos e os circunstancialismos envolvendo as constantes e reiteradas notificações infrutíferas, foi proferida, em 24/11/2020, Sentença no âmbito da Ação de Honorários ajuizada pelo ora Recorrente.

V. Considerando que o Recorrido não teve a oportunidade de exercer plenamente seu direito de defesa – tendo tomado conhecimento da Ação e seus apensos apenas após o trânsito em julgado das decisões impugnadas –, e constatando sucessivas nulidades processuais nas notificações e citações expedidas no âmbito da Ação de Honorários promovida pelo ora Recorrente, o ora Recorrido interpôs recurso extraordinário de revisão, solicitando a anulação dos atos processuais posteriores à sua citação, com a devida repetição desta.

VI. Em sede de primeira instância foi proferida Sentença que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão.

VII. Por não poder concordar com a Sentença de primeira instância, o Recorrido apresentou o competente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

VIII. Após análise cuidada e minuciosa, o Tribunal a quo julgou procedente o Recurso interposto pelo aqui Recorrido, em consequência da verificação da “nulidade da citação em crise por inobservância das formalidades legais pelo art.º 228.º, n.ºs 1, parte final, 2, 3 e 4”, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º, todos do CPC.

IX. O Recorrente, em nota prévia ao Recurso, entre declarações caluniosas e depreciativas, distorce as alegações do Recorrido, dando a entender que este mentiu sobre a sua morada. O Recorrente fundamenta sua retórica em uma procuração outorgada pelo ora Recorrido, datada de 2017 (ano anterior à situação em causa nos autos), onde este declara residir na morada para onde foi remetida a citação.

X. A interpretação distorcida do Recorrente, ao alegar que o Recorrido teria mentido sobre sua morada, baseia-se em premissas desconexas, o que torna sua conclusão ilógica. Ademais, tal conclusão carece de plausibilidade, especialmente à luz do comportamento esperado do homem médio.

XI. O Recorrente alega ainda, não possui o Recorrido interesse prático no Recurso de Revisão, dando a entender existir falta interesse em agir da parte do Recorrido, alegação não só infundada como maliciosa.

XII. Ora, o resultado prático da ação, à luz da responsabilidade solidária dos réus, conforme o disposto no artigo 512.º do Código Civil, permite ao credor exigir a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores. Nesse sentido, é evidente o 'interesse em contradizer' por parte do aqui Recorrido.

XIII. A mais, pelo facto de ter sido condenado a pagar ao Recorrente de forma solitária a quantia de 33.989,46€ (trinta e três mil novecentos e oitenta e nove euros e quarenta e seis cêntimos) acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento, também tem o Recorrido legitimidade para recorrer da decisão, conforme o artigo 630.º do CPC, por configurar como parte vencida.

XIV. Por outro lado, para revogar a decisão que condenou o Recorrido este necessita recorrer à tutela jurisdicional, visto que não tem ao seu alcance um meio extrajudicial para a obtenção do pretendido.

XV. O Recorrente afirma que a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães comporta riscos elevados, o que faz, ignorando, por um lado, a concreta situação do caso em apreço; e, por outro, com total desmerecimento da crucial importância do ato de citação.

XVI. O ato de citação tem como objetivo assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, um pilar fundamental de qualquer Estado de direito democrático. A sua falta ou irregularidade configura nulidade processual, nos termos dos artigos 187.º a 192.º do CPC, devendo, por conseguinte, ser tratada com a devida atenção pelas instâncias judiciais.

XVII. Contrariamente ao alegado, não é a interpretação dos Venerandos Juízes Desembargadores da Relação de Guimarães que acarreta riscos concretos e elevados, mas sim a interpretação do Recorrente no presente caso, a qual implica a violação dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, garantidos constitucionalmente (v. artigos 13.º e 20.º, n.ºs 2 e 4 da Constituição).

XVIII. Conclui-se, portanto, que as alegações vertidas na nota prévia do Recorrente são infundadas e contrárias aos princípios fundamentais do processo civil, devendo ser completamente rejeitadas.

XIX. Já em sede de motivação, o Recorrente argumenta que o Acórdão da Relação de Guimarães está ferido de nulidade por excesso de pronúncia, com fundamento nos artigos 615.º, n.º 1, al. d) e 674.º, n.º 1, al. c) do CPC.

XX. Tal alegação é, desde logo, refutada, uma vez que o Tribunal de primeira instância, contrariamente ao alegado, efetivamente apreciou a nulidade da citação por preterição das formalidades previstas nos artigos 228.º e 233.º do CPC, embora tenha concluído erradamente que não se verificava qualquer nulidade ou falta de citação – o que não podia concluir sem a apreciação antecedente onde discutiu as formalidades aplicáveis à citação por carta registada, incluindo a identificação do terceiro recebedor e a advertência ao citando.

XXI. A mais, denote-se que o Recorrente baseia a sua alegação de nulidade no argumento de que, em sede de recurso de revisão, o Recorrido não teria invocado a nulidade da citação por preterição de formalidades, mas apenas a falta de citação.

XXII. A análise dos autos revela que o Recorrido não apenas invocou a falta de citação, mas também a nulidade da mesma, nomeadamente por inobservância das formalidades previstas nos artigos 228.º e 233.º do CPC, o que configura a apresentação de pedidos subsidiários e não uma omissão de arguição.

XXIII. Assim, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o Recorrido invocou expressamente a nulidade da citação por preterição de formalidades nos artigos 33.º a 39.º da petição inicial do Recurso de Revisão, e ainda que, se admitisse que o Recorrido não o fez de forma expressa, certo é que o direito ao contraditório foi preservado na sua totalidade, uma vez que o próprio Recorrente impugnou a invocação da nulidade no momento adequado, compreendendo claramente a arguição feita. Assim, não se verifica qualquer preclusão do direito de arguir a nulidade, pois a finalidade processual foi atingida.

XXIV. A mais, cumpre notar que o Tribunal a quo teve o cuidado de especificar e delimitar o objeto de recurso no qual inclui, naturalmente, a invocação da falta e/ou nulidade da citação. E, em conformidade com a análise efetuada, conclui-se, e bem, pela verificação da nulidade da citação por preterição das formalidades. Portanto, por qualquer ótica, não assiste razão a invocação feita pelo Recorrente quando vem afirmar ter havido excesso de pronúncia pelo Tribunal a quo.

XXV. Em forma de desespero, o Recorrente sustenta, ainda, em seu recurso que o Tribunal a quo terá feito a errada interpretação e aplicação do Direito uma vez que incumbiria ao Recorrido ilidir a presunção do disposto nos artigos 225.º n.º 4 e 230.º n.º 1 do CPC. e artigo 350.º do CC e atento a que nenhuma prova foi produzida a esse respeito o Tribunal a quo errou ao decidir existir nulidade da citação,

XXVI. Por questão de economia processual e por entender que o Tribunal a quo já responde cabal e objetivamente ao fundamentar o Acórdão recorrido, o que faz de forma clara, o Recorrido dá aqui como reproduzido tudo o que o Douto Tribunal já teve de cuidado de explicar.

XXVII. A mais, no caso concreto, não se coloca sequer em causa a necessidade de ilidir a presunção prevista no art. 230.º n.º 1 do CPC, porquanto, para que seja verificada a nulidade da citação, conforme estipula o artigo 191.º do CPC, apenas é exigido que (i) haja a preterição de formalidades legais (art. 228.º e 233.º, ambos do CPC) e (ii) seja demonstrado que a falta cometida prejudicou a defesa do citando.

XXVIII. E, conforme bem descreve o Tribunal a quo, “de forma incontroversa, que ocorreu uma situação de revelia absoluta, porquanto o recorrente não interveio de forma alguma nos apensos D e A.”, o que, somado aos demais circunstancialismos envolvendo a ação em causa e já detalhados nas presentes contra-alegações, restou evidente que a inobservância das formalidades legais que se impunham fez com que o Recorrido ficasse prejudicado em sua defesa.

XXIX. Assim, com o devido perdão pela repetição, restou demonstrada não só a inobservância das formalidades legais exigidas para o ato de citação, mas também que o Recorrido, enquanto parte na Ação de Honorários, não teve a oportunidade de exercer o seu direito de defesa, em virtude do incumprimento das formalidades previstas nos artigos 228.º e 233.º do CPC.

XXX. E que este prejuízo decorreu diretamente da nulidade da citação, uma vez que o Recorrido não foi devidamente informado da ação, situação agravada pelo facto de que nenhum dos 27 réus ter contestado a referida ação, gerando uma revelia coletiva.

XXXI. Atendendo aos elementos dos autos, verifica-se que estão reunidos os dois pressupostos para a verificação da nulidade da citação: (i) a inobservância das formalidades legais e (ii) o prejuízo causado ao Recorrido pela impossibilidade de apresentar defesa. Portanto, a conclusão correta só pode ser a de que a citação é nula, tendo o Tribunal a quo feito uma correta aplicação das normas processuais pertinentes, devendo, em consequência, improceder o presente recurso.

XXXII. Aliás, considerando que o Recorrente defende a aplicação do direito brasileiro ao caso concreto, em razão do local da citação, importa destacar que, ao contrário das presunções feitas pelo Recorrente, assim como em Portugal, no Brasil tambémé obrigatório que o funcionário indique no aviso de receção (A/R) o nome legível da pessoa a quem entrega a correspondência, bem como um documento identificativo dessa pessoa.

XXXIII. Resulta da simples pesquisa que os serviços postais no Brasil exigem, assim como em Portugal, o preenchimento de determinadas informações, como a identificação legível da pessoa que recebe a citação e o número de um documento de identificação oficial – o que se retira também pelo facto do A/R no Brasil conter essas informações para preenchimento dos serviços postais.

XXXIV. Sem conceber, é de referenciar que no que diz respeito às citações o legislador brasileiro é muito mais formalista e exigente que o nosso legislador, é entendimento pacifico que advém do previsto no art. 242.º do Código de Processo Civil brasileiro que a citação da pessoa singular, quando feita por carta registada, só pode ser rececionada pelo próprio citando, sob pena de nulidade.

XXXV. Nestes termos, outra não pode ser a conclusão, senão a de que o Douto Acórdão a quo não merece qualquer censura, pelo que se requer a Vossas Excelências seja o presente recurso julgado totalmente improcedente, mantendo-se, em consequência, na íntegra o decidido, e bem decidido, pelos Venerados Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães.”.

10. Por acórdão da conferência de 31.10.2024 pronunciou-se o tribunal a quo pela não verificação da invocada nulidade do acórdão recorrido.

II – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Saber se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia por ter concluído pela nulidade da citação, situação, que, na perspectiva do recorrente, não foi invocada no recurso de revisão;

• Saber se ocorreu a falta de citação do recorrente ou se a mesma é nula.

III – Fundamentação de facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

1 - No dia 24.3.2016, pelo Dr. AA, ... foi interposta a acção de honorários que deu origem ao processo nº 233/05.3TBVRM- A.

2 - Ali figuravam como RR BB, ..., e mulher, CC, residentes em ..., Brasil, HERANÇAS ILÍQUIDAS E INDIVISAS ABERTAS POR ÓBITO DE DD E MULHER, EE, aqui representada pelos filhos, únicos e legítimos sucessores, FF, casado com WW, residentes na Rua ..., cidade de ..., Brasil, GG, divorciada, residente na Rua ..., estado de ..., Brasil, HH, solteira, maior, residente na Rua ..., da cidade de ..., Brasil, II, separado judicialmente, residente na Praça ..., ..., Brasil, todos por si e como únicos interessados nas ditas heranças, JJ e mulher, KK, residentes na morada indicada no doc. 23, Rua ... Brasil, e com domicílio ..., Brasil, LL, viúva, residente na morada indicada no doc. 23 Rua ... Brasil ou na Rua ..., Brasil, MM, divorciado, reformado, residente na morada indicada no doc. 23, Rua ... Brasil ou na ..., Brasil.

3 - Havendo notícia nos autos do falecimento de MM, por despacho de 2.5.2017 foi determinada a suspensão da instância.

4 - Pelo ali A. (o ora recorrido) foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros – que deu origem ao apenso D – a 4.4.2018.

5 - Nesse incidente figuravam como requeridos NN, OO, PP, QQ, RR, o aqui Recorrente SS, TT e UU.

6 - A 29.5.2018 foi expedida carta para citação, naquele apenso D) do aqui recorrido, SS, para a Rua ..., BRASI, Brasil.

7 - Tal missiva foi recebida a 14.6.2018, naquela morada, por VV.

8 - Tendo o A/R, dado entrada neste tribunal a 6.8.2018.

9 - A 27.9.2018, foi remetida carta registada para a mesma morada notificando o aqui recorrente nos seguintes termos “fica V. Ex.ª notificado para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a habilitação de herdeiros acima identificada, sob pena de não o fazendo, vir a ser julgado sucessor do(s) falecido(s) referido(s) no duplicado junto, para consigo prosseguir a causa principal”, mais lhe foi remetido o requerimento inicial e duplicados.

Com a contestação, deverá apresentar o rol de testemunhas e quaisquer documentos que queira produzir.

O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”.

10 - Por sentença de 7.10.2019, onde se fez constar além do mais “Citados os requeridos ainda não citados para a acção principal e notificados os restantes, não foi apresentada contestação” - sendo um dos requeridos ainda não citados para a acção principal o aqui Recorrente - foram habilitados, como herdeiros do co-Réu MM, os requeridos NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU, a fim de com eles prosseguirem os termos da acção de honorários, no lado passivo.

11 - Tal sentença transitou a 11.11.2019.

12 - A 6.3.2020, foi proferido o seguinte despacho na acção de honorários – apenso A:

“Transitadas em julgado as decisões proferidas no âmbito dos incidentes de habitação, os presentes autos principais irão agora prosseguir os seus ulteriores termos.

*

Proceda, agora, à notificação dos Réus não citados nos presentes autos (tratando-se de notificação, uma vez que já se encontram citados no âmbito das habilitações) para contestarem, querendo, a acção de honorários.”.

13 - No cumprimento do ordenado a 9.3.2020, foi remetida a missiva para notificação do aqui recorrente, para a morada onde havia sido citado para os termos da habilitação de herdeiros – no apenso D - dando-lhe conta que pendia contra ele a acção de honorários, enviando-lhe a petição instruída com a documentação junta e notificando-o que dispunha “do prazo de 30 dias, para contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es). Com a contestação, deverá o citando, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, de acordo com o artº 572º do Código de Processo Civil.

O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.”

14 - Tal missiva foi devolvida a este tribunal.

15 - A 10.9.2020 foi proferido o seguinte despacho “Uma vez que as notificações para a apresentação da contestação foram remetidas para a morada onde os habilitados já se encontravam citados, atento o disposto no art. 249º nºs 1 e 2 do C.P.C., as mesmas presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao registo.”.

16 - A 19.10.2020 foi proferido o seguinte despacho: “Uma vez que os Réus, regularmente citados, não apresentaram contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

Assim, notifique ambos os mandatários constituídos, nos termos do nº 2 do art. 567º do C.P.C..”.

17 - A 24.11.2020 foi proferida sentença onde foram os RR condenados a pagar solidariamente ao A. a quantia de € 33.989,46, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.

18 - Foi remetida carta para notificação da sentença ao aqui recorrente a 25.11.2020, para a morada onde havia sido citado no apenso D.

19 - Tal missiva foi devolvida a este tribunal.

20 - A sentença transitou em julgado a 12.1.2021.

21 - Consta destes autos – a fls. 18 – uma procuração outorgada a 29.3.2017, pelo aqui recorrente a 29.3.2017, onde se refere que tem morada na Rua ..., SÃO PAULO,

Factos dados como não provados:

A - que o recorrente não residisse na Rua ..., Brasil à data da citação e notificações que lhe foram dirigidas no apenso D e A;

B - que não teve o recorrente conhecimento da citação para os termos da habilitação, por não lhe ter sido entregue a carta por quem a recebeu;

C - que não teve o recorrente conhecimento das notificações que lhe foram remetidas para Rua ... ..., BRASI, Brasil, no âmbito da acção de honorários e da habilitação, por facto que não lhe é imputável.

IV – Fundamentação de direito

1. Recorde-se que são as seguintes as questões objecto do presente recurso:

• Saber se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia por ter concluído pela nulidade da citação, situação, que, na perspectiva do recorrente, não foi invocada no recurso de revisão;

• Saber se ocorreu a falta de citação do recorrente ou se a mesma é nula.

2. Apreciemos a questão da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.

Nas suas alegações, o recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), argumentando, para o efeito, que o “Acórdão do Tribunal a quo, tendo-se pronunciado sobre objecto não invocado pelo Recorrente no Recurso de Revisão, in casu, nulidade por preterição das formalidades do artigo 228.º do CPC, encontra-se, s.m.o., ferido também de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º e da al. c) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC” (cf. 4ª conclusão).”.

O recorrido pronunciou-se sobre a nulidade invocada, considerando que a mesma não se verifica, designadamente porque o “recorrido não apenas invocou a falta de citação, mas também a nulidade da mesma, nomeadamente por inobservância das formalidades previstas nos artigos 228.º e 233.º do CPC, o que configura a apresentação de pedidos subsidiários e não uma omissão de arguição.”.

O fundamento da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, deriva do incumprimento do disposto no art. 608.º, n.º 2, do mesmo Código, do qual consta o seguinte: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

O recorrente considera que o recorrido não invocou a nulidade da citação, por preterição de formalidades, muito menos as formalidades previstas no art. 228.º do CPC, pelo que o acórdão não podia conhecer desta questão e, ao fazê-lo, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia.

Comecemos por analisar o requerimento inicial do recurso de revisão.

Analisado o aí peticionado pelo ora recorrido, constata-se que o mesmo invocou, por um lado, que nunca foi citado na habilitação de herdeiros, nem foi notificado na acção de honorários, não tendo a sua citação sido feita de forma regular, visto que o foi por carta registada com aviso de receçpão para uma morada onde o recorrido não morava e foi feita em pessoa diversa (artigos 11.º, 15.º a 20.º da P.I.).

Nessa sequência, o recorrido acrescentou que, mesmo que se pudesse considerar a citação realizada, nos termos do art. 228.º, n.º 2 do CPC, em pessoa diversa do citando, a citação deveria proceder à identificação do terceiro a quem a carta foi entregue, nos termos do art. 228.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, não sendo suficiente a indicação do seu nome, e tinha que ser feita advertência ao citando, nos termos do art. 233.º do CPC, o que não foi observado (artigos 32.º, 35.º, 38.º e 39.º da P.I.).

Neste contexto, a decisão da 1ª instância apreciou a questão decidenda sob a dupla perspectiva da falta de citação e da nulidade da citação, tendo concluído pela sua improcedência.

No âmbito do recurso de apelação, o recorrente voltou a sustentar a tese de que que há falta ou nulidade da citação e de que foram incumpridas formalidades legais, não podendo a citação considerar-se realizada de forma válida e regular.

No que ora releva (invocação da nulidade da citação), formulou o apelante as seguintes conclusões:

“XI. Ainda, resulta da matéria dada como provada na sentença recorrida que de todas as cartas enviadas com o intuito de citar ou notificar o Recorrente, a única carta que foi recebida por alguém, foi recebida por um indivíduo de nome “VV” (Cfr. doc. com referência Citius .....25 do apenso D (Habilitação de Herdeiros), junto aos autos a 06/08/2018), não constando em tal documento qualquer outra informação sobre a pessoa que recebeu, o que torna impossível ao Recorrente produzir prova adicional sobre a sua falta de conhecimento de tal missiva.

XII. Ora, o Recorrente se desincumbiu de todo o eventual ônus que sobre ele poderia recair, sendo certo que o Recorrente também não consegue decifrar porque o terceiro “VV” terá recebido essa carta que se destinava a ele Recorrente, pessoa desconhecida. Aliás, pelos dados que foram coletados em tal diligência de citação (nenhum), sequer é possível afirmar que o VV em questão existe (!)

XIII. Como se demonstrou no presente recurso, o Tribunal a quo errou – ou persistiu no erro do anterior julgado – quando considerou o Recorrido "regularmente citado" por via postal (carta registada com A/R), correspondência esta que (i) foi recebida por terceira pessoa; (ii) em país estrangeiro (Brasil); (iii) no âmbito da Habilitação de Herdeiros – e não na Ação de Honorários; (iv) não tendo sido remetidos junto a tal carta quaisquer elementos que fizessem menção a Ação de Honorários; (v) sendo que a referida terceira pessoa foi identificada pelo carteiro apenas pelo nome, nome este bastante comum no Brasil; o que se repele, de todas as formas, por violação inequívoca do texto da Lei.”.

Temos, pois, que a questão da nulidade da citação foi suscitada nos autos tanto no requerimento inicial do recurso de revisão como no recurso de apelação.

Entende-se, assim, que, o acórdão recorrido se limitou a abordar as questões em que se desdobra a questão essencial a decidir acerca da existência e regularidade da citação, sem extravasar os termos do litígio tal como trazidos a juízo pelas partes, respeitando assim o disposto no n.º 1 do art. 609.º do CPC.

Conclui-se assim pela não verificação da invocada nulidade por excesso de pronúncia.

3. Passemos a apreciar a questão nuclear do persente recurso: a falta ou nulidade da citação do recorrido.

Nos presentes autos de recurso de revisão de sentença transitada em julgado, veio o recorrente, ora recorrido, invocar como fundamento do meio impugnatório extraordinário em apreço a previsão da alínea e) do art. 696.º do CPC. Dispõe o referido preceito legal que

“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

(…)

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior”.

Para o efeito, alegou, em síntese, que não residia na morada onde foi considerado citado na habilitação de herdeiros, desconhecendo quem aí residia, apontando, ainda, que houve incumprimento do formalismo processual a observar, o que, no seu entendimento, integra a previsão de nulidade da citação.

3.1. Em 1ª instância, foi proferida sentença a julgar improcedente o recurso extraordinário de revisão, por se ter entendido que o recorrente não logrou afastar a presunção de que a carta de citação, assinada por terceira pessoa, não lhe chegou ao conhecimento, tendo sido considerada devidamente cumpridas as formalidades prescritas no art. 233.º do CPC.

Na fundamentação da sentença afirma-se que “a citação pessoal ou quase pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto no nº 1 do art. 230º do n.C.P.Civil, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário – que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.”.

Conclui a referida decisão que, “presumindo-se, salvo demonstração em contrário, e aqui nada o recorrente demonstrou, que a carta de citação foi oportunamente entregue ao recorrente, mais não resta que concluir que o recorrente teve oportuno conhecimento da citação que lhe foi dirigida, sendo que nenhum facto ficou demonstrado - não houve prova alguma da parte do recorrente, repete-se novamente – que permita concluir, como em termos conclusivos alegava, que não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável.”. [negritos nossos]

Em consequência, concluiu o tribunal da 1ª instância que o ora recorrido não afastou a presunção prevista no art. 249.º do CPC, pelo que foram julgadas válidas e regulares as notificações que lhe foram dirigidas na acção de honorários (Apenso A).

O acórdão da Relação, decidindo em sentido divergente, considerou que, não estando em causa uma situação de falta de citação (por a factualidade provada não se enquadrar em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 188.º do CPC), ficou, no entanto, provado que foram preteridas as formalidades da citação impostas pelo art. 228.º, n.º 1, parte final, e n.ºs 2, 3 e 4 do CPC.

A este propósito, escreve-se no acórdão recorrido o seguinte:

Não constando dos autos qualquer declaração de VV, pessoa a quem foi entregue a citação, de que se encontrava em condições de a entregar prontamente ao destinatário citando SS, nem a advertência expressa feita ao mesmo pelo distribuidor postal de que tinha o dever de prontamente lhe entregar a correspondência que recebeu, nem estando o terceiro identificado com elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação, estamos perante irregularidades que podem ter prejudicado a defesa do citando.

De destacar que a identificação do terceiro a quem a carta foi entregue mediante recurso aos elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação não é uma mera formalidade supérflua ou despicienda, antes assumindo um caráter de essencialidade, pois só essa completa identificação permitirá saber a quem a carta foi entregue e averiguar, designadamente por contacto direto com o referido terceiro, se o mesmo procedeu ou não à entrega da carta ao citando, possibilitando-se, por esta via, que a presunção constante do art. 230º, nº 1, possa ser ilidida.

Conclui-se, assim, que a citação é nula, por ter sido realizada sem as mencionadas formalidades que se encontram prescritas na lei, existindo fundamento que justifica a procedência do recurso de revisão, nos termos do art. 696º, al. e), subal. i).”. [negrito nosso]

Inconformado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação, veio o ora recorrente alegar, em síntese, o seguinte:

“5. E mesmo que se entendesse que o Recorrido SS, arguiu a nulidade por preterição das formalidades do disposto no artigo 228.º do CPC, o que se concebe tão só como mera hipótese de raciocínio, o mesmo não ilidiu a presunção do conhecimento da citação nos termos do disposto nos artigos 225.º n.º 4 e 230.º n.º 1 do CPC e artigo 350.º do Código Civil, cujos normativos configuram presunções legais e, podendo ser ilididas mediante prova em contrário, (cfr. artigo 350.º do Código Civil), impendia sobre o Recorrido o ónus de alegação e prova de que a citação é nula por preterição de formalidades e que não teve conhecimento da mesma por facto que não lhe é imputável.

6. O Recorrido, SS, não justificou nem demonstrou, como lhe incumbia, porque razão (alegadamente) não tomou conhecimento da citação e não cuidou sequer de apresentar qualquer documento probatório e/ou a arrolar testemunhas e/ou a prestar declarações de parte, sequer a comparecer em julgamento.

7. O legislador distingue claramente a falta de citação, (inexistência pura e simples do acto) da nulidade da citação, (preterição de formalidades) com consequências de arguição distintas e atento que a nulidade da citação pressupõe que a mesma foi realizada, embora com preterição de formalidades, o legislador impôs o ónus ao citando de alegação e demonstração que a carta de citação que lhe foi dirigida, não lhe foi entregue por motivo que não lhe é imputável, o que não ocorreu nestes autos, nem resulta da matéria de facto provada.

(…)

13. Reiterando o referido supra, o Recorrido, SS, não ilidiu a presunção da citação realizada nem demonstrou que a citação não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável, bem assim que ficou prejudicado no seu direito de defesa, pelo que errou o Tribunal ad quo ao julgar verificada a nulidade da citação por preterição de formalidade.

14. Sem conceder, dispõe o n.º 2 do artigo 239.º do CPC. que “Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais”, porém, o Tribunal a quo, não revelando e/ou desconhecendo quais as determinações do “regulamento dos serviços postais” no Brasil, (nem podia conhecer face a total ausência de prova nesse sentido), sustentou a preterição da formalidade, concretamente, do n.º 3 do artigo 228.º do CPC., como se no Brasil, e atento a data da citação, fosse obrigatória a anotação dos elementos do documento de identificação.

15. Compulsadas as restantes citações, cujos Avisos de Recepção se encontram junto aos autos da acção de honorários e respectivas habilitações, (todas elas realizadas no Brasil), constata-se que nenhuma compreende, - seja realizada na própria pessoa, seja em terceira pessoa -, o número de identificação civil ou elemento de documento oficial da pessoa que recebeu a carta, demonstrando, na falta de melhor prova, que para recepção de carta registada no Brasil é bastante a assinatura do citando ou da pessoa que se encontra em condições de entregar a carta ao citando, como sucedeu in casu.

16. Acresce que não resulta da Matéria de Facto Provada (MFP) que o distribuidor postal não tenha feito advertência do dever de pronta entrega, (artigo 228.º n.º 4 do CPC.), pelo que, ressalvado o devido respeito, o Tribunal a quo extraiu ilação que não tem qualquer sustentação probatória.”.

Cumpre apreciar e decidir.

3.2. O problema central do litígio em causa consiste em saber se, diversamente do decidido, se deve considerar que o ora recorrido foi devidamente citado/notificado no processo a que este recurso de revisão está apensado, com as consequências daí decorrentes.

No caso concreto, impendia sobre o ora recorrido o ónus de alegação e de prova dos factos por si alegados, nos termos do art. 342.º, n.º 1 do CPC, designadamente dos factos negativos constitutivos do seu direito (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 09.12.2021, proc. 146/20.9YRLSB-A.S1 e de 09.03.2021, proc. n.º 3424/16.8T8CSC.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

No articulado inicial por si apresentado, o ora recorrido começou por alegar a falta de citação, que é regulada no art. 188.º do CPC, para depois invocar a nulidade da citação, situação distinta e prevista no art. 191.º do mesmo diploma legal.

Resulta do preceituado no n.º 1 do art. 219.º do CPC que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama o réu ao processo para se defender.

É, pois, um acto processual essencial uma vez que visa assegurar o direito do demandado a defender-se, constituindo o corolário lógico do princípio do contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 1, do CPC).

Conforme explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, pág. 279, nota 2):

“Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição”.

Ocorre a falta de citação quando o acto se omitiu (inexistência pura) ou, ainda que efectuado, quando tenha sido feito com grave atropelo à lei, que deva ser equiparado à falta de citação.

Por sua vez, verifica-se a nulidade da citação quando o acto se praticou, mas não se observaram, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (cfr. art. 191.º, n.º 1, do CPC).

Enquanto a falta de citação integra uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso, e determina a anulação de todo o processado após a petição inicial (cfr. art. 187.º, alínea a), do CPC), a nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, só podendo ser invocada pelo demandado.

No caso concreto, no que se refere à invocada falta de citação, não oferece dúvidas que a factualidade dada como não provada, em particular o facto não provado B), não permite enquadrar a situação em causa em qualquer das alíneas do art. 188.º, n.º 1, do CPC, pelo que se segue, nesta parte, a posição adoptada pelo acórdão recorrido.

Vejamos, porém, se, como entendeu o acórdão recorrido, se verifica uma situação de nulidade da citação, por não se mostrarem observadas as formalidades prescritas na lei para a citação por via postal, visto que o ora recorrido foi citado nessa modalidade.

Neste contexto, assiste razão ao recorrente quando invoca, para o efeito, considerando a morada para onde foi expedida a citação, sita no Brasil, o regime estatuído no art. 239.º, n.º 2, do CPC, que dispõe o seguinte:

“1 - Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.

2 - Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.

3 - Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.

4 - Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º.”.

Não existe tratado ou convenção entre Portugal e o Brasil em matéria de citação, pelo que, na situação vertente, foi utilizada a via postal registada com aviso de recepção, sendo que a entrega da carta ao destinatário obedece às regras que localmente estiverem em vigor. Porém, uma vez devolvido o aviso de recepção, deverá ser averiguada a regularidade formal e a data da citação (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 306, notas 5 e 6), o que deverá ser feito à luz das exigências processuais do nosso direito interno.

Para a realização de uma tal citação devem observar-se, nos termos do transcrito n.º 2 do art. 239.º, “as determinações do regulamento local dos serviços postais e, tanto quanto possível, o disposto no Código de Processo Civil Português, sendo certo que, no que se reporta à sua execução no país da residência, aplicar-se-ão as determinações dos serviços postais respetivos, como elementos formais do ato de citação” (ponto I do sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2007 (proc. n.º 1846/05.9TBVIS.C1), consultável em www.dgsi.pt.

No nosso direito interno, no que se refere à citação pessoal, rege, por sua vez, o art. 225.º, n.º 4, do CPC:

“Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.”.

Por sua vez, de acordo com o previsto no art. 228.º do CPC:

“1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.

2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.

4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.”.

No caso concreto, consta dos autos (factos provados 7 e 8) o aviso de recepção, datado de 06.08.2018 (Apenso D), do qual resulta que a citação efectuada ao ora recorrido foi entregue a uma pessoa de nome VV.

O aviso de recepção mostra-se conforme o utilizado pelos serviços postais brasileiros e é, no que respeita às informações a constar acerca da identificação de quem recebe a carta, similar ao utilizado nos serviços postais nacionais, não se assinalando, assim, diferença particular nas menções que devem constar a respeito do destinatário ou do terceiro que recebe a carta de citação.

Como assinala o acórdão recorrido, não se mostra, além do mais, assinalada a quadrícula do aviso de recepção destinada a indicar se o aviso foi assinado pelo destinatário ou por terceiro, concluindo-se que não foi pelo destinatário apenas porque os nomes não coincidem.

Por sua vez, na parte relativa à identificação da pessoa que recebeu o objecto não consta nenhum elemento, designadamente o bilhete de identidade, cartão de cidadão ou, na nomenclatura brasileira, o número de cadastro de pessoa física, mostrando-se o aviso de recepção preenchido de forma incompleta nesta parte (cfr. o referido gaviso de recepção junto no Apenso D em 06.08.2018).

Ora, neste contexto particular, não resulta cabalmente preenchida a identificação do terceiro que recebeu a carta de citação, sendo que tal menção surge como elemento a preencher no A/R utilizado pelos serviços postais locais, conforme o dito documento que se mostra junto aos autos, documento esse que, conforme entendimento que já sublinhámos, não pode deixar de ser analisado por parte do tribunal, a fim de aferir acerca da regularidade da citação.

Por sua vez, a identificação completa da pessoa que recebeu a citação, não pode deixar de se assumir como uma formalidade essencial, uma vez que não deve ser omitida a referência a factos cujo conhecimento possa ter interesse para aferir, desde logo, da validade da citação, como é o caso.

Sublinhe-se que o art. 239.º, n.º 2, do CPC, referindo que, à entrega da carta, se aplicam os modelos e regras previstos no regulamento local dos serviços postais, o que bem se compreende, não visa, com isso, inutilizar as directrizes estipuladas no nosso ordenamento processual para efeitos de apreciação da validade do acto de citação.

Não assiste, assim, razão ao recorrente quando parece defender a aplicação do direito processual civil brasileiro ao caso (o que não teria, aliás, de ser alegado pelas partes, na medida em que se insere na actividade de interpretação e aplicação do direito), sendo certo que, caso tal tese merecesse algum tipo de aceitação, sempre a posição do recorrente sairia fragilizada. Com efeito, basta uma breve análise ao art. 248.º do Código de Processo Civil Brasileiro (de 2015) e à jurisprudência firmada a esse propósito para constatar que, no âmbito do direito processual civil brasileiro, a validade da citação pessoal quando transmitida a terceiros tem sido afastada, conforme é disso exemplo o decidido no acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no Recurso Especial 1.840.466/SP1 que concluiu o seguinte: “na situação de pessoas físicas, a assinatura do aviso de recebimento da carta de citação por pessoa estranha ao feito viola as normas processuais civis relativamente à citação por via postal, quais sejam os artigos 248, § 1º e 280, ambos do CPC/2015.”.

Não assiste, assim, razão ao recorrente nas conclusões que apresenta a propósito desta problemática.

Nesta medida, não merece censura o acórdão recorrido quando retirou as devidas consequências da não observância de formalidades essenciais a constar do acto de citação, como a relativa à não identificação completa do terceiro que recebeu a notificação. Como aí se afirma, a identificação do terceiro a quem a carta foi entregue mediante recurso aos elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação não é uma mera formalidade supérflua ou despicienda, antes assumindo um caráter de essencialidade, pois só essa completa identificação permitirá saber a quem a carta foi entregue e averiguar, designadamente por contacto direto com o referido terceiro, se o mesmo procedeu ou não à entrega da carta ao citando, possibilitando-se, por esta via, que a presunção constante do art. 230º, nº 1, possa ser ilidida.”. [negrito nosso]

Sublinhe-se que só a observância cabal das formalidades previstas para o acto de citação permite fazer operar a presunção de entrega a que se refere o art. 230.º do CPC.

Nesta medida, concluindo-se pela não observância das referidas normas processuais, com carácter de essencialidade, não há que aferir se o recorrido logrou ou não ilidir a presunção de que a carta lhe foi entregue e que teve conhecimento da citação que lhe foi dirigida, uma vez que tais considerações dependem da existência (prévia) de uma citação válida e regular.

A circunstância de não ter o recorrido feito prova, no presente processo, de que não vivia na morada para onde foi enviada a carta de citação, não afasta a conclusão de que foi irregular a citação por via postal nos termos em que esta se mostra feita, conclusão que impossibilita o desencadear da presunção, de que partiu a decisão de 1ª instância, de que aquele vivia naquela morada e de que o terceiro que recebeu a carta lhe deu disso conhecimento.

Conforme consta do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 06.06.2019 (proc. n.º 1202/15.0TBBJA-A.E1.S1), não publicado:

“I - O funcionamento das presunções ilidíveis a que aludem o n.º 4 do art. 225.º e o n.º 1 do art. 230.º, ambos do CPC, depende da observância das formalidades prevenidas pelo n.º 1 do art. 228.º do mesmo diploma e, em particular, da circunstância de o terceiro a quem foi entregue a carta para citação se encontrar, nessa ocasião, na residência ou no local de trabalho do citando, pois só assim se pode ter por verosímil a entrega/recebimento da citação por este.

(…)”.

Importa ainda acrescentar uma consideração quanto ao cumprimento da formalidade a que alude o art. 233.º do CPC (“Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) A data e o modo por que o ato se considera realizado; b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) O destino dado ao duplicado; e d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada”), tratando-se esta de uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da acção.

Analisada a carta que foi remetida para cumprimento do referido formalismo (cfr. facto provado 9), constata-se que a mesma também não se mostra efectivada de acordo com as prescrições legais, pois que, na carta expedida, não foi dado conhecimento de que havia sido anteriormente remetida uma carta de citação, que esta havia sido recebida por terceiro, nem há qualquer indicação acerca da data em que o acto de citação se considera realizado, nem sequer a identidade da pessoa em que a citação foi realizada, menções que, nos termos das alíneas a) e d) do art. 233.º do CPC, se têm como obrigatórias.

Se é certo que o não cumprimento do preceituado no art. 233.º do CPC não determina a falta de citação, pode determinar a nulidade da citação a que alude o art. 191.º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPC, desde que a falta cometida seja susceptível de prejudicar o direito de defesa.

Deste modo, a indicação da missiva, pese embora confira ao citando um novo prazo para contestar (facto que levou a 1ª instância a considerar que não ficou prejudicado o direito de defesa do ora recorrido), não satisfaz plenamente todos os imperativos legais e constitucionais em matéria de garantias dos direitos de defesa, desde logo, em matéria de impugnação da validade da citação, uma vez que as indicações omitidas, designadamente no que se refere à identificação do terceiro que recebeu a carta, podem em muito dificultar ou mesmo impossibilitar, como sucedeu in casu, a ilisão da presunção constante do art. 230.º, n.º 1 do CPC.

Atento o exposto, considera-se que, apesar da aposição da assinatura no aviso de recepção, por terceiro, não estão, neste caso, reunidas as condições para que se considere presumida a citação/notificação pessoal do recorrido.

Sendo assim, tendo o processo corrido à revelia do ora recorrido, não tendo este sido citado/notificado pessoalmente, haverá que, nos termos do art. 701.º, n.º 1, alínea c), do CPC, anular o processado no que se refere aos actos levados a cabo no sentido dessa citação/notificação, devendo proceder-se à respectiva repetição.

Conclui-se, em síntese, que o acórdão recorrido não merece censura, tendo feito a correcta aplicação do direito à factualidade apurada.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025

Maria da Graça Trigo (relatora)

Emídio Santos

Fernando Baptista

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