Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RAÚL BORGES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES FACTOS GENÉRICOS DIREITOS DE DEFESA TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE CRIME ÚNICO NON BIS IN IDEM CASO JULGADO ABSOLVIÇÃO CRIME PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO TEMÁTICA FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200804020041973 | ||
Data do Acordão: | 04/02/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO | ||
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Sumário : | I - Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções. II - A afirmação «12. O arguido ES vinha vendendo heroína a consumidores, e em resultado dessa actividade vinha adquirindo, seja por troca directa, seja por compra com dinheiro obtido na venda de heroína, inúmeras coisas, que lhe foram apreendidas e que se encontram examinadas a folhas 142 a 145, para onde se remete, e de que destacam objectos de ouro, telemóveis, relógios, câmaras fotográficas e vestuário, além de outras» corresponde não propriamente a um facto, mas antes a uma imputação genérica, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto. III - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente. IV - Por isso, será de ter por não escrita aquela imputação genérica, resumindo-se a conduta do recorrente neste processo às duas vendas do dia 10-08-2004 [«No dia 10 de Agosto de 2004, cerca das 17.10 horas, o arguido ES saiu da residência onde vivia, na companhia de MC, no sítio dos B, em A, e, utilizando o ciclomotor de matrícula 1…, dirigiu-se para o Fun Park na Quinta da …, em A; Nesse local, o arguido apeou-se do ciclomotor, aproximou-se de um consumidor de droga, e vendeu-lhe pelo preço de 20 Euros a quantidade de 0,568 gramas de heroína, o que tinham previamente acordado, minutos antes, através do telemóvel do arguido, com o n.º 9…; Mais tarde, já cerca das 17.50 horas, no parque de estacionamento do hipermercado M, em A, o arguido aproximou-se de IK e vendeu-lhe pelo preço de 20 Euros a quantidade de 0,627 gramas de heroína, o que tinham também acordado previamente através do mesmo telemóvel; Preso entretanto no âmbito do processo n.º 2…, deixou o arguido ES de poder vender heroína(…)»], que, pela sua amplitude e demais circunstancialismo envolvente, só poderiam integrar um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01. V - Verificando-se que: - nos presentes autos, a única actividade provada do arguido tem a ver com as duas vendas de heroína no dia 10-08-2004 (duas doses, a perfazerem o total de 1,195 g), e no outro processo [em que foi condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, por autoria material de crime de tráfico de estupefacientes, por decisão transitada em 29-11-2005] está em causa a posse de 10,022 g de heroína e vendas, por três vezes, do mesmo produto, no dia 13-08-2004; - da vida anterior do recorrente nada se provou, cingindo-se a sua actividade global conhecida aos referidos factos, devendo tais intervenções do recorrente no mercado ser vistas como duas etapas de uma mesma e única actividade, como duas condutas parcelares, actos desdobrados de um mesmo desempenho, entre si conexionados por uma muito estreita proximidade temporal, estando-se perante crime que normalmente é de actuação prolongada no tempo; deve entender-se que a sua condenação pelo episódio do dia 13-08-2004 abarca toda a sua actividade, sob pena de violação do princípio ne bis in idem. VI - A solução será, assim, por verificação de caso julgado, absolver o recorrente desta segunda condenação. VII - Face ao que ficou dito relativamente à imputação genérica falece qualquer base para aplicação do disposto no art. 35.º do DL 15/93, pois a declaração de perda teria subjacente unicamente a prova da anterior conduta imputada de modo difuso, incerto e vago, sendo que neste particular o acórdão nada justificou, não constando uma linha a propósito, nem se mencionando sequer aquele preceito ou o art. 109.º do CP, e que, pertencendo todas as coisas existentes na moradia ao arguido e companheira, como constava da acusação, nada se referiu sobre a compropriedade, nem sobre os bens e objectos que a companheira do recorrente trazia no dia em que foi detida, incluindo naturalmente bens que seriam próprios e pessoais, não se fazendo qualquer destrinça a respeito de uns e outros dos bens apreendidos, sendo ainda certo que sempre seria obviamente de questionar a legitimidade de decretar o perdimento, quer de bens em regime de compropriedade, quer próprios da arguida, na ausência desta que não foi julgada neste processo, cominando-se um efeito de pena a quem não foi julgado. VIII - Acresce que não foi cumprida a vinculação temática proposta na acusação, pois não se dá como não provada a contitularidade dos bens, nem se coloca a questão de saber se alguns são bens próprios, pessoais, da arguida, do que sempre emergeria nulidade por inobservância do disposto no art. 374.º, n.º 2, do CPP, que aqui não é de considerar em função do afastamento da dita imputação genérica em que se ancorou a declaração deste efeito da condenação. | ||
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Decisão Texto Integral: | No âmbito do processo comum colectivo n° 699/04.9GAABF, do 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, solteiro, calceteiro, nascido a 26 de Dezembro de 1968, em Cabo Verde, filho de P. L. S. e de E. F., de nacionalidade cabo-verdiana, preso no EP de Vale Judeus, em cumprimento de pena à ordem do PCC nº 2011/04.8GBABF, do mesmo Juízo; e BB, nascido a 10 de Fevereiro de 1969, filho de C. M. V. de F. e de M. R. E., natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, ambos com os demais sinais dos autos. No início da audiência de julgamento foi ordenada a separação de processos com extracção de culpa tocante à co-arguida CC, pelo que a audiência prosseguiu para conhecimento de mérito somente quanto aos arguidos. Por acórdão de 16 de Março de 2007 proferido pelo Colectivo do Círculo Judicial de Loulé, foi o arguido AA condenado, por autoria material de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A anexa, na pena de seis anos e seis meses de prisão. Efectuado cúmulo jurídico da pena agora imposta, nos termos dos artigos 77° e 78° do Código Penal, com a pena de quatro anos e três meses de prisão aplicada ao mesmo arguido no processo comum colectivo nº 2011/04.8GBABF do mesmo 3° Juízo, foi condenado o arguido na pena única de oito anos de prisão. Foram declaradas perdidas a favor do Estado todas as coisas apreendidas (sic). E foi ordenada remessa de certidão do acórdão ao Processo Comum Colectivo nº 2011/04.8 GBABF do 3° Juízo. Inconformado, o arguido Emílio Semedo interpôs recurso, apresentando a motivação de fls.518 a 527, rematando com as seguintes conclusões (em transcrição): 1- O arguido, ora recorrente foi condenado pelo Tribunal "a quo" como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual, em cúmulo jurídico com a também pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, já transitada em julgado no âmbito do Processo Comum Colectivo com o n.º 2011/04.8GBABF, que correu termos no 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foi graduada na pena única de 8 (oito) anos de prisão. 2- Inconformado com tal decisão, vem o arguido interpor o presente recurso, pretendendo que, na procedência do mesmo, se revogue o Douto Acórdão, reduzindo-se a pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão ora aplicada, para uma pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, por considerar que a sua fixação se afigura excessiva, o mesmo considerando quanto à pena única de 8 (oito) anos de prisão, decorrente do cúmulo jurídico efectuado. 3- Mostrando-se assim, excessiva a sua fixação em 8 (oito) anos, até porque, tendo em consideração todas as circunstâncias atenuantes anteriormente expostas, o mínimo da pena a aplicar seria de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. 4- Conforme estabelece o art. 21°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos". 5- De acordo com o previsto no art. 40°, n. ° 1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegraçâo social do agente, sendo que, em caso algum, a pena poderá ultrapassar a medida da culpa. 6- Aquando da determinação da medida da pena, o Tribunal deverá seguir o plasmado nos art. 70° e 71 ° do Código Penal, ou seja, terá que ponderar o passado criminal do agente; o valor da acção e o resultado; o valor dos bens jurídicos em causa; o dano causado; a manutenção da conduta posterior lícita; a culpa do agente e as exigências da prevenção de futuros crimes. 7 - Atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que deponham a favor do agente, 8- Pelo que, sendo aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado, pena de prisão, a fixar entre 4 (quatro) a 12 (doze) anos, esta determinação deveria, salvo o devido respeito, seguir os critérios supra mencionados. 9- Uma vez que o enquadramento fáctico-jurídico, prevê que a determinação da medida da pena, dentro dos limites mínimos previstos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção. 10- Atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. 11- Sendo que neste caso, milita a favor do arguido, o facto de este, aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento, ter prestado ao tribunal os esclarecimentos solicitados, não ter antecedentes criminais à data dos factos e ter uma vida familiar estável, 12- Acrescendo ainda, o facto de que o ora recorrente é pai de 9 (nove) filhos. 13- Neste caso em concreto e, tendo em conta, entre outros factos, há também que ter em consideração, que apenas ficou provado que o recorrente vendeu heroína a apenas duas pessoas e em pequenas quantidades, nomeadamente, vendeu uma dose de 0,568 gramas e uma outra dose, com o peso de 0,627 gramas, não se podendo, de forma alguma, comparar a actuação do arguido/recorrente a, por exemplo, uma operação de tráfico de estupefacientes em larga escala, 14- Não podendo, portanto, ser indiferente perante a lei, o facto de o arguido ter traficado apenas as duas doses de heroína supra descritas, com o peso total de 1,295 gramas. 15- Pelo que, e não obstante as fortes exigências de prevenção geral, deveria e, salvo o devido respeito, fazer toda a diferença e ter bastante relevância, aquando da determinação da medida da pena, a quantidade de produto estupefaciente, envolvida no delito. 16- Por outro lado, e tendo em conta o estabelecido no art. 40°, n.º 1 do Código Penal, a pena tem uma vertente ressocializadora e visa a reintegração do arguido na sociedade, não podendo ultrapassar a medida da culpa, 17- Sendo a primeira função do sistema penal, a ressocialização do delinquente, 18- E, como se sabe, as prisões estão longe de ser o local ideal para a ressocialização ou reabilitação, tratam-se sim, do local que melhor instiga à criminalidade. 19- Havendo também que ter em conta que o arguido/recorrente se encontra preso desde Agosto de 2004 e ainda tem pela frente vários anos da sua vida na prisão, facto este, que vem certamente restringir as suas hipóteses de reintegração na sociedade. 20- Razão pela qual, e salvo o devido respeito, parece-nos na nossa modesta opinião, que a pena aplicada pelo Tribunal "a quo" se mostra superior à medida da culpa e vem, em grande parte, restringir a reintegração do ora recorrente na sociedade, 21- Pelo que, e considerando a idade do arguido (trinta e oito anos), a interiorizarão do desvalor dos actos e a sua situação familiar, tais factos, fundamentam um juízo de prognose favorável. 22- Pelo que, afigura-se, salvo o devido respeito por diversa opinião, suficientemente adequada às finalidades da punição e da prevenção geral, a redução da pena parcelar de prisão de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses, aplicada pelo Tribunal "a quo", para 4 (quatro) anos de prisão. 23- Para além disso e, conforme dispõe o art. 77°, n.°1, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado na pena única, sendo nesta considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Dispondo o art. 78° do Código Penal que, se depois de transitada em julgado uma condenação, mas antes do cumprimento da respectiva pena estar cumprida e, mostrando-se que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro crime, são aplicáveis os critérios do art. 77° do Código Penal. Estabelecendo este art. 77° do Código Penal, no seu n.°2 que, a pena aplicável terá como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas e, como limite mínimo, a mais elevada das penas aplicadas. 24- Mostrando-se assim, adequada a aplicação em cúmulo jurídico, da pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, com a pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, a condenação do ora recorrente numa pena única a fixar entre 4 (quatro) anos e 3 (três) meses a 5 (cinco) anos de prisão. 25- Considerando-se assim, na nossa modesta opinião, que a condenação do arguido, ora recorrente, nesta pena de prisão se mostrará suficiente para garantir que este não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial. 26- Podendo ainda, ser de conceder ao ora recorrente uma última oportunidade que este certamente irá aproveitar. 27 - Pelas razões amplamente deduzidas, não tendo o Tribunal "a quo" considerado todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do arguido, na aplicação da medida concreta da pena aplicada ao arguido, foram violadas as disposições dos art. 40°, 70°, 71 ° e 77° do Código Penal. Pede seja dado provimento ao recurso, com a revogação da decisão recorrida, no que concerne à redução da pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido, a qual em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, foi graduada na pena única de 8 (oito) anos de prisão, substituindo-a por uma pena parcelar, de 4 (quatro) anos de prisão e, consequentemente, a proceder à redução da pena única, a qual em cúmulo jurídico, deverá ser fixada numa pena única situada entre 4 (quatro) anos e 3 (três) meses a 5 (cinco) anos de prisão. * O recurso foi admitido por despacho de fls. 530, mas mandado subir apenas em 10-10-2007, por ter ficado a aguardar transcrição da prova produzida quando o recurso era restrito a matéria de direito. O Mº Pº junto do Tribunal recorrido respondeu conforme fls. 534 a 537, defendendo a total confirmação do acórdão recorrido. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, dizendo nada obstar ao conhecimento do recurso. Tendo o recorrente requerido a produção de alegações por escrito, foi marcado o prazo de 8 dias. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto apresentou as alegações de fls. 590 a 594, defendendo que seja concedido parcial provimento ao recurso, mostrando-se ajustada uma pena única situada entre os 6 anos e 6 meses/7 anos de prisão. O recorrente apresentou as alegações de fls. 495 a 603, repetindo as conclusões já apresentadas. * O presente recurso vem interposto de acórdão de tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito.Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde resume as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o âmbito do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. FACTOS PROVADOS 1p. No dia 10 de Agosto de 2004, cerca das 17.10 horas, o arguido AA saiu da residência onde vivia, na companhia de CC, no sítio dos Brejos, Albufeira, e, utilizando o ciclomotor de matrícula …-…-…-…, dirigiu-se para o 'Fun Park' na Quinta da Bela Vista, em Albufeira. 2p. Nesse local, o arguido apeou-se do ciclomotor, aproximou-se de um consumidor de droga, e vendeu-lhe pelo preço de 20 Euros a quantidade de 0,568 gramas de heroína, o que tinham previamente acordado, minutos antes, através do telemóvel do arguido, com o n° …... 3p. Mais tarde, já cerca das 17.50 horas, no parque de estacionamento do hipermercado “Modelo”, em Albufeira, o arguido aproximou-se de Igor Kabanovsky e vendeu-lhe pelo preço de 20 Euros a quantidade de 0,627 gramas de heroína, o que tinham também acordado previamente através do mesmo telemóvel. 4p. Preso entretanto no âmbito do processo n° 2011/04.8GBABf, deixou o arguido AA de poder vender heroína, o que passou a ser feito pela dita CC. 5p. Para poder deslocar-se e contactar com os vários consumidores, a CC, que não conduzia, contactou o arguido BB, para que este a transportasse no seu automóvel …-…-… quando tal fosse necessário. 6p. CC deu conhecimento ao arguido BB do fim a que se destinavam as suas deslocações, tendo este assentido em prestar a sua colaboração. 7p. Sabia o arguido BB que ao agir dessa forma prestava auxílio material indispensável à CC na sua actividade, o que o arguido quis fazer. 8p. Assim, no dia 18 de Agosto de 2004, pelas 16.40 horas, o arguido BB transportou a referida CC no automóvel …-…-…, para que esta, em frente ao 'Hotel …..', em Albufeira, vendesse heroína a dois consumidores, nas quantidades de 0,728 gramas e de 1,155 gramas. 9p. No dia 19 de Agosto de 2004, pelas 16.30 horas, o arguido BB transportou mais uma vez a mencionada CC no dito veículo, numa altura em que ela tinha consigo, para venda a consumidores, a quantidade de 20,392 gramas de heroína. 10p. Conheciam os arguidos a natureza estupefaciente do produto que o arguido AA transportava e vendia, e que o arguido BB transportava para venda pela CC. 11p. Ambos os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, querendo praticar os factos que lhes são imputados, embora soubessem que são punidos pela lei como crimes. 12p. O arguido AA vinha vendendo heroína a consumidores, e em resultado dessa actividade vinha adquirindo, seja por troca directa, seja por compra com dinheiro obtido na venda de heroína, inúmeras coisas, que lhe foram apreendidas e que se encontram examinadas a folhas 142 a 145, para onde se remete, e de que destacam objectos de ouro, telemóveis, relógios, câmaras fotográficas e vestuário, além de outras. 13p. Em troca do transporte que o arguido BB proporcionava à dita CC, dava-lhe ela dinheiro para combustível e droga, e esta o arguido usava para seu consumo pessoal. 14p. O arguido BB, que concluiu o 8° ano de escolaridade, era habitual consumidor de heroína e por essa razão tem-se submetido a tratamento, esforçando-se por arranjar trabalho no ramo da publicidade, de cujos proventos se sustenta presentemente, encontrando-se a viver na companhia da sua mãe. 15p. O arguido AA foi condenado no Processo Comum Colectivo n° 2011/04.8 GBABF do 3° Juízo desta Comarca de Albufeira na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, por autoria material de crime de tráfico perpetrado no dia 13 de Agosto de 2004, tendo a decisão transitado no dia 29 de Novembro de 2005. 16p. O arguido BB é isento de passado criminal. MATÉRIA NÃO INCLUÍDA Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa. Não foram consignadas, igualmente, considerações gerais, nem foram incluídos factos implicitamente decorrentes de outros, e já explicitamente provados ou não provados na sede própria. PROVAS DOS FACTOS E SEU EXAME CRÍTICO 1 - Os arguidos confessaram os factos, deles assumindo ambos plena responsabilidade e prestando ao Tribunal todos os esclarecimentos que lhes foram pedidos. 2 - a - Foram ouvidas testemunhas, das quais se destaca DD, agente da GNR, que encabeçou uma acção de investigação no terreno, e que presenciou as actividades dos arguidos, que foram observados, seguidos e vigiados, até plena confirmação da prática daquelas. b - Esta testemunha esclareceu que a investigação se iniciou na sequência de denúncias anónimas feitas pelo telefone. 3 - As demais testemunhas pertencentes à GNR - EE, FF, GG e HH - confirmaram também as actividades dos arguidos, por as terem presenciado, sendo certo que o seu conhecimento é fraccionado, por ter a intervenção destes agentes sido confinada a acções limitadas. 4 - A testemunha II veio confirmar que era consumidor de heroína e que a comprou duas vezes ao arguido AA. 5 - A testemunha GG, também consumidor, declarou que não conhece os arguidos. 6 - O relatório do LPC de folhas 238 confirma qual a droga de que se tratava e quais as suas quantidades. 7 - O certificado do registo criminal de folhas 423 confirma a ausência de antecedentes criminais do arguido BB. 8 - A condenação anterior do arguido AA consta de certidão datada de 22 de Fevereiro de 2007, junta aos autos e extraída do Processo Comum Colectivo nº 2011/04.8GBABF. Apreciando. O recorrente ao longo da motivação e das repetitivas conclusões manifesta a sua discordância tão somente em relação à medida da pena aplicada, pugnando pela sua redução para 4 anos de prisão, fixando-se a pena única entre 4 anos e 3 meses e 5 anos de prisão. Muito embora nas conclusões 13ª, 14ª e 15ª, o recorrente aflore um outro problema, a verdade é que não o aprofunda nem dele extrai as devidas consequências. Alega ali o recorrente ter ficado provado ter vendido heroína a apenas duas pessoas, sendo uma dose de 0, 568 e uma outra de 0, 627 gramas, com o peso total de 1,295 gramas, não se podendo comparar a sua actuação a uma operação de tráfico em larga escala. Aquele objectivo único assim expresso pelo recorrente não impede, porém, este Supremo Tribunal de indagar, por iniciativa própria, da correcção da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, ou averiguar se efectivamente se está perante caso de concurso real de infracções, como tem sido entendido por este Tribunal em vários arestos, invocando-se o Acórdão 4/95, de 07-06-1995, in DR, I Série, de 06-07-1995, e BMJ 448, 107, que então decidiu:”O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”. Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções. Como se diz no acórdão de 15-02-2007, processo 15/07-5ª: “Constitui, pois, núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes”- cfr. acs. de 04-12-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, 246, de 17-01-2002, CJSTJ 2002, tomo 1, 183, de 20-03-2003, proc. 504/03-5ª, de 05-02-2004, CJSTJ 2004, tomo 1, 195, de 04-12-2004, processo 3293/03-5ª, de 12-07-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, 239, de 24-01-2007, processo 3647/06-3ª. Podendo/devendo este Tribunal reexaminar a correcção da qualificação da conduta do recorrente, resultará desse exame, numa primeira fase, o afastamento do enquadramento efectuado pela 1ª instância, o que passa necessariamente pela análise da relevância que deverá merecer o que se contem no ponto de facto provado nº 12, extraído de parágrafo da acusação em que a matéria era descrita com outros contornos e maior abrangência e indagar se o que aí se contem vale como facto ou se estamos perante mera imputação genérica. A acusação constante de fls. 252 a 258 foi deduzida contra os dois arguidos supra identificados e ainda CC, então companheira do ora recorrente, que não foi aqui julgada, tendo sido ordenada a extracção de certidão de culpa tocante, como se viu. Após a peça acusatória mencionar as duas vendas efectuadas pelo recorrente no dia 10 de Agosto de 2004 e de se referir à sua prisão “entretanto” efectuada no âmbito do processo 2011/04.8GBABF, são descritas as intervenções de CC e de BB nos dias 18 e 19 de Agosto do mesmo ano, tendo neste último dia sido detectados na posse destes 20,392 gramas de heroína. Mais à frente consta da peça acusatória: «Como resultado de anteriores vendas de produto estupefaciente a diversos outros consumidores, cujas identidades não foram determinadas, detinham o arguido AA e a arguida CC na moradia que partilhavam, nos Brejos e na posse desta última quando foi detida no Mato Escarapão, os objectos examinados e avaliados em auto de fls. 144 e segs, cujo teor aqui se dá por reproduzido». Foi elaborado neste processo “Auto de exame directo e avaliação”, constante de fls. 142 a 145 (e não fls. 144 e segs., como refere a acusação), realizado em 25 de Agosto de 2004, intervindo como peritos um corrector de ourivesaria e um soldado da GNR, começando pelo exame e avaliação de brincos, anéis, telemóveis e leitores de CD e MP3, para além de uma faca usada e sem valor, realizados no Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Albufeira, passando-se depois a referir, sem qualquer explicação ou introdução mínima, exame feito em diversas dependências de uma casa, incluindo casa de banho e cozinha, onde se encontravam dois relógios da UEFA Euro 2004, no valor total de 40 €, não havendo sequer o cuidado de a identificar, mas que se supõe seja a da arguida a que se refere a acusação, sendo examinados e avaliados anéis, pulseiras em ouro, aparelhagens, sapatilhas, sapatos, chinelos, chegando a alistar-se e avaliar-se bens como um pente de cor preto, no valor de 1 €, uma tesoura, de marca “Stainless”, nova, no valor de 2 €, um par de cordões para sapatos, novos, no valor de 2 €, uma capa de marca “Babyliss”, nova, no valor de 5 €, um recipiente com óleo, sem valor, sendo de anotar que não é feita qualquer destrinça entre os objectos que se encontravam na moradia dos Brejos e aqueloutros que estariam na posse da companheira do recorrente aquando da sua detenção. Antes de deduzir acusação o Mº Pº absteve-se de o fazer contra dois outros arguidos por não terem sido “reunidos indícios suficientes sobre a sua participação nessa actividade ou sequer que tivessem conhecimento sobre o desenvolvimento da mesma, prestando alguma colaboração”. Acontece que um dos arguidos em causa é precisamente o cidadão JJ, o qual, como se vê da certidão junta aos autos, foi julgado conjuntamente com o ora recorrente no âmbito do citado processo nº 2011/04.8GBABF, por factos ocorridos no dia 13-08-2004 e porque viria a ser condenado por crime de tráfico, p. p. pelo artigo 21º do DL 15/93, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora. Acontece que a acusação deduzida nesse processo data de 21-12-2004 e a explicação para o desfasamento na consideração da realidade envolvente dos dois casos poderá estar na circunstância de a acusação no presente processo ter sido deduzida apenas em 16-01-2006, estando o processo concluso para o efeito desde 30-01-2005, como se vê de fls. 252 e 258. Tendo os dois inquéritos sido instruídos no mesmo período, a acusação neste processo veio a ser deduzida já após o outro processo, por factos coevos deste, ter sido julgado, subido em recurso ao Tribunal da Relação de Évora e transitado em 29-11-2005. Correndo dois processos relativos a factos ocorridos na mesma cidade, no mesmo mês, com a distância de poucos dias – o daquele em 13 de Agosto de 2004 e este, entre 10 e 19 de Agosto do mesmo ano, para considerar a actividade de todos os arguidos - , estando em investigação em ambos os casos tráfico de heroína levado a cabo na rua, com vendas de doses pequenas, sem laivos de qualquer complexidade a nível de investigação e não só, havendo em ambos os processos dois arguidos comuns – o recorrente AA e o referido JJ – sendo os dois processos tramitados nos mesmos Serviços do Mº Pº e com intervenção da mesma GNR, por factos que têm a ver com uma mesma actividade num período muito curto, é significativo o desconhecimento num processo da existência do outro e demonstrativo de que por vezes a investigação se faz de costas voltadas, ignorando-se por completo o que se faz paredes meias, sem qualquer sentido de gestão processual e de optimização de recursos, não se encetando a tomada de providências e de esforços mínimos conducentes à apensação dos dois processos, o que no caso faria todo o sentido, com apreciação conjunta dessas actividades, com todas as vantagens daí decorrentes para todas as partes e intervenientes e obviamente da celeridade processual. No acórdão recorrido deu-se como provado que: “12. O arguido AA vinha vendendo heroína a consumidores, e em resultado dessa actividade vinha adquirindo, seja por troca directa, seja por compra com dinheiro obtido na venda de heroína, inúmeras coisas, que lhe foram apreendidas e que se encontram examinadas a folhas 142 a 145, para onde se remete, e de que destacam objectos de ouro, telemóveis, relógios, câmaras fotográficas e vestuário, além de outras”. Na mesma linha de indefinição e indeterminação e de falta de precisão, concretização, individualização e clareza, a propósito da escolha da pena, consta no acórdão o seguinte: «…vinha vendendo droga com regularidade, em “pontos de venda” certos e determinados» e «O arguido AA dedicava-se à actividade de venda de heroína, e dela recolheu, aliás, benefícios patrimoniais patentes nas coisas apreendidas…». Esta indefinição continua em sede de subsunção da conduta provada do recorrente. Em termos de qualificação jurídico-penal no que concerne ao recorrente, do acórdão recorrido consta apenas isto: “1- a - Dos factos provados, resulta que o arguido AA, durante um período que se prolongou até ao dia 10 de Agosto de 2004, possuiu, deteve e vendeu a consumidores quantidades indeterminadas de heroína, dirigindo-se para o efeito a locais onde os consumidores o abordavam e lhe compravam a droga. b - Tal conduta constitui autoria material do crime doloso consumado de TRÁFICO, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A anexa, em abstracto, com a pena de 4 a 12 anos de prisão”. O mesmo se passa quando é abordado o tema da escolha e medida da pena «O arguido AA dedicava-se à actividade de venda de heroína, e dela recolheu, aliás, benefícios patrimoniais patentes nas coisas apreendidas, e por isso as exigências de prevenção especial que lhe dizem respeito são particularmente agudas». O constante do ponto de facto provado nº 12 corresponde não propriamente a um facto, mas antes a uma imputação genérica, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto, como vem sendo acentuado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal. Como se extrai do acórdão do STJ, de 06-05-2004, processo 908/04-5ª - Não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado (“procediam à venda de estupefacientes”, “essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos”, “a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína”, “utilizavam também correios”, “utilizavam também crianças”, etc.). As afirmações genéricas, contidas no elenco desses “factos” provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem; o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso a aceitação dessas afirmações como “factos” inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP. Seguindo este aresto diz-se no acórdão de 17-01-2007, processo 3644/06-3ª, que cita igualmente os de 04-05-2005, processo 889/05 e de 07-12-2005, processo 2945/05: “A imputação genérica de venda de produtos estupefacientes, sem individualização dos actos integrantes dessa actividade, não pode relevar para efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, já que inviabiliza o exercício do direito de defesa consagrado no artigo 32º da CRP”. No acórdão de 24-01-2007, processo 3647/06-3ª, diz-se: «Apenas podem relevar os factos dados como provados, não podendo ser atendidos os que alegadamente decorrem dos meios de prova produzidos que ali não tenham assento. Só, pois, os factos julgados provados podem constituir a base da qualificação do crime cometido e não já, ou também, as afirmações genéricas, irrelevantes para o efeito, mesmo que levadas ao rol dos factos provados. Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente». Nos acórdãos de 21-02-2007, processos 4341/06 e 3932/06, ambos da 3ª secção, esclarece-se que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa válida e eficazmente contraditar a acusação, única forma de se poder defender; com factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender. E ainda no acórdão de 16-05-2007, processo 1239/07-3ª – o princípio da presunção da inocência traduz-se, para além do mais, no direito do arguido a exigir a individualização concreta dos factos imputados, única forma de se poder defender. No acórdão de 02-05-2007, processo 1238/07-3ª, aborda-se a questão noutra perspectiva: Se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal, a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos tipos dos artigos 21º e 25º do DL 15/93, tem de ser equacionada de acordo com o princípio do in dubio pro reo. O que foi dado como provado naquele ponto 12 corresponde em parte ao que constava do seguinte parágrafo da acusação «Como resultado de anteriores vendas de produto estupefaciente a diversos outros consumidores, cujas identidades não foram determinadas, detinham o arguido AA e a arguida CC na moradia que partilhavam, nos Brejos e na posse desta última quando foi detida no Mato Escarapão, os objectos examinados e avaliados em auto de fls. 144 e segs, cujo teor aqui se dá por reproduzido». Este exame foi realizado já em 25 de Agosto de 2004, estando o recorrente preso desde data anterior. Não se especifica no acórdão recorrido desde quando tinham lugar as anteriores vendas, se desde há meses ou anos. Apenas se afirma que vinha vendendo, sem se especificar desde quando, qual o modus operandi, a quem em concreto eram feitas as vendas, se a um número restrito ou elevado de pessoas, que quantidades eram transaccionadas, que tipos, qualidades de substância eram vendidas e se era em “pontos certos e determinados”, como refere o acórdão, porque não concretizar? O que consta da motivação nada adianta relativamente a meios de prova com base nos quais se pudesse chegar a tal conclusão. Na verdade, muito embora na sede própria se refira que os arguidos confessaram, como ressalta de modo claro em explicitação posterior, a confissão teve outros contornos bem diferentes e mesmo de sinal contrário à assunção desse tráfico anterior, como se verá infra. Pelo que fica dito será de ter por não escrita aquela imputação genérica, resumindo-se a conduta do recorrente neste processo às duas vendas do dia 10 de Agosto de 2004, que pela sua amplitude e demais circunstancialismo envolvente, só poderiam integrar um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º, alínea a), do DL 15/93, de 22-01. Chegados a este ponto, a questão fulcral a debater é a de saber se face às condutas julgadas nos dois processos se estará face a um concurso real ou a alguma forma de unificação dessas condutas, tendo-se em conta o princípio constitucional do ne bis in idem, constante do artigo 29º, nº 5 da CRP, que impede que pelo mesmo facto o seu agente seja punido mais de uma vez (ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime). A conduta de tráfico de estupefacientes repetida no tempo pode ser vista como concurso de crimes, crime continuado e crime único. No caso em apreciação foi encarada como concurso efectivo de crimes, aplicando-se uma pena única. Na Doutrina, a propósito de unificação de conduta, pode ler-se em Jesheck, Tratado, Parte General, 4ª edição, 648: “Deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”. Eduardo Correia, Unidade e pluralidade de infracções, p. 96: “É decisiva a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente e que funda o critério de definição da unidade ou pluralidade de infracções”. Na jurisprudência, a tendência é para em casos como o presente entender-se estar-se perante crime único por a realização plúrima de várias acções do mesmo tipo se reconduzirem a uma mesma resolução criminosa. Acórdão de 27-06-1990, BMJ, 398, 315 - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de mera actividade em que está contida uma certa ideia de actividade, que se prolonga necessariamente no tempo, pelo que a prática repetida de actos de oferta, colocação à venda, distribuição, compra, cedência, transporte, importação e trânsito, cometidos em obediência à mesma resolução criminosa de traficar estupefacientes constitui uma conduta unificada e, como tal, integrante de um único crime. No acórdão de 05-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, 220, versando caso de crime de falsificação e de contrafacção de moeda e caracterizando-os como crime exaurido, a propósito da distinção entre crime único, crime continuado e acumulação de infracções, refere-se: “No domínio da matéria das resoluções criminosas, há que distinguir entre o propósito de cometer um acto criminoso concreto e o de cometer um determinado tipo de crime, que se possa consubstanciar em múltiplos actos de execução, relativamente aos quais possa existir a formulação de propósitos parcelares de conduta regidos por considerações especiais de oportunidade, ou de necessidade ou conveniência. Condutas desse tipo, que correspondem psicologicamente ao desenvolvimento de diferentes intenções, são consideradas como manifestações prolongadas no tempo de um dado e único processo volitivo dinâmico, formado pelo somatório das diferentes resoluções parcelares”. Acórdão de 22-03-1995, BMJ 445, 114 - define o crime de tráfico de estupefacientes como de trato sucessivo, “medindo-se a sua ilicitude não só em função das porções de droga proibida que, em dado momento, se apura que o agente trafica ou simplesmente detém, mas ainda tendo em conta a quantidade traficada durante determinado período de tempo”. Acórdão de 21-06-1995, BMJ 448, 283, do mesmo relator do anterior, afastando igualmente a figura do crime continuado, expende: A ilicitude do crime de trato sucessivo de narcotráfico mede-se não só em função das porções de estupefaciente proibido que em dado momento o agente trafica ou detém, mas por todas as quantidades que em determinado período de tempo se relacionam com qualquer das situações previstas no artigo 21º do DL 15/93. Acórdão do STJ de 18-04-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, 170, onde se refere que o crime exaurido é “ uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única”, isto é, “aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a continuação da mesma, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal. Relativamente a tais crimes, os diversos actos constitutivos de infracções independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratados como se constituíssem um só crime, por forma que aqueles actos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal. Cada actuação do agente no crime exaurido traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é normalmente tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime”. O conceito foi retomado pelo mesmo relator do anterior no acórdão de 18-06-1998, in CJSTJ 1998, tomo 3, 167, se bem que aqui olhado mais na perspectiva da unificação da conduta plural, abarcando a extensão do período temporal de conexão entre comportamentos protraídos em determinado lapso de tempo. Aí se diz: “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido no sentido de que a condenação de alguém pela prática de tal crime, referida a um determinado período, corresponde a uma apreciação global da sua actividade delituosa durante esse período, independentemente da falta de consideração de algum ou alguns factos parcelares praticados durante essa época. Outros factos desse crime, praticados durante esse período, apesar de não conhecidos ou considerados na condenação anterior estão abrangidos pelo caso julgado que ela formou”. Acórdão de 29-09-1999, BMJ 489, 109 - apontava como dominante a corrente jurisprudencial do STJ que considerava o tráfico de estupefacientes, não como uma situação de crime continuado (ou de concurso real), mas como um crime de trato sucessivo, citando os referidos acórdãos de 1995 e ainda os de 18-09-1997, processo 466/97; de 20-01-1998, processo 1172/97 e de 26-02-1998, processo 687/97. Acórdão de 22-05-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, 209 - a reiteração de conduta é analisada à luz do caso julgado. “Existe uma identidade factual quando se está perante o mesmo desígnio criminoso, ainda que possa manifestar-se através de acções que não sejam totalmente coincidentes nos dois processos, podendo inclusivamente num deles o seu objecto ser mais amplo em relação a um outro processo que o antecedeu. Existe caso julgado quando, num certo lapso de tempo, total ou parcialmente similar nos dois processos, mas sempre sob a mesma resolução, no âmbito do mesmo espaço físico e condicionalismo de execução, ainda que os adquirentes de droga sejam distintos, prossegue-se a mesma actividade de tráfico de estupefacientes”. |