Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo do Círculo Judicial da Figueira da Foz, foram submetidos a julgamento e condenados, nos termos e penas seguintes:
a). AA, identificada nos autos, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão pela autoria, como instigadora, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, parte final, 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas b), c), h) e j), do Código Penal (CP).
b).BB, com identificação constante dos autos, na pena única de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, dos também seguintes crimes:
i. 10 (dez) anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, da previsão dos artigos 73.º, 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas c), e), h) e j), do CP, e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro;
ii. 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos três crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 22.º, n.os 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 1, 73.º e 223.º, n.º 1, todos do CP, e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.
c). CC, também identificado nos autos, na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, dos também seguintes crimes:
i. 14 (catorze) anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 73.º, 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas c), e), h) e j), do CP;
ii. 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos três crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 22.º, n.os 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 1, 73.º e 223.º, n.º 1, todos do CP.
2. Do assim decidido, os arguidos e o Ministério Público – este circunscrito à parcela da decisão que não decretara a perda a favor do Estado, nos termos do artigo 111.º, n.º 1, do CP, da promessa de € 150.000,00 –, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 16 de julho de 2014, negou provimento ao dos arguidos, confirmando integralmente a decisão recorrida, e concedeu provimento parcial ao recurso do Ministério Público e declarou perdida a favor de Estado a recompensa obtida pelos arguidos com o cometimento do crime de homicídio, bem como declarou perdida a favor do Estado a recompensa prometida pela AA, condenando cada um dos arguidos a pagar ao Estado a quantia de 4.375 euros e a arguida AA a quantia de 132.500 euros.
3. Inconformados, recorrem agora os arguidos para o Supremo Tribunal de justiça, formulando as seguintes conclusões:
a). AA
«I- Da valoração das declarações de coarguidos
A. O Tribunal a quo relaciona a arguida AA com os factos investigados nos autos, unicamente com base nas declarações dos coarguidos CC e BB, declarações que, também no entendimento que o Tribunal sufragou no Acórdão, contam, à mistura, verdades, mentiras, contradições, ambiguidades e omissões.
B. Não obstante a, nas palavras do Tribunal a quo, as mesmas consubstanciarem declarações “manifestamente incoerentes, tergiversantes” e “meia verdade”, denotando pouca credibilidade, o douto Acórdão recorrido acolhe-as sem reservas, incorrendo assim numa contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova, no que respeita à imputação dos factos em causa à Arguida e ora Recorrente.
C. Bem como, não fez o douto Tribunal a quo, o “uso” correto e cuidado dos comandos contidos, nomeadamente, nos artigos 126°, 127°, 133° do C.P.P. e 355º e 358º, 359°, 368° e 369º, todos do Código Processo Penal, prejudicando a ora Recorrente na sua defesa, tendo igualmente interpretado de forma não consentânea com a nossa Constituição o estatuído no seu Artigo 32º
Acresce que,
D. É posição da jurisprudência, que se pode dizer uniforme, e da maioria da doutrina nacional, que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de coarguido sobre factos desfavoráveis a outro. Contudo, as declarações desfavoráveis aos demais coarguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova. O STJ vem entendendo, a tal propósito, dever exigir-se cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração.
E. Com efeito, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do coarguido, avulta a doutrina da corroboração, segundo a qual as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional, a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”.
F. Na esteira da jurisprudência, “é evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do coarguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados” (Acórdão do STJ de 12.03.2008, em que é Relator Santos Cabral, in www.dgsi.pt).
G. Por sua vez, e parafraseando, António Medina de Seíca, “o juiz poderá (deverá) valorar tais declarações e, portanto, considerá-las no interior do próprio itinerário lógico, somente se e quando as mesmas resultem susceptíveis de confronto através de outros elementos probatórios cuja presença e cuja potencialidade corroborativa se ponham como conditio sine qua non para o emprego da própria declaração para fins decisórios” (in O conhecimento probatório do co-arguido, Coimbra, 1999, pág. 219).
H. Em relação aos depoimentos de co-arguidos, garante Teresa Beleza “[…] trata-se em meu parecer, de uma prova que merece reservas e cuidados muito especiais na sua admissão e valor, dada a sua fragilidade”. Afirmando ainda que “[…] o valor probatório do depoimento de um co-arguido no que aos restantes diz respeito é legítimo objecto de assaz diminuída credibilidade”. Além de que se não é um depoimento “[…] controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula”. O co-arguido que no seu depoimento seja afectado por outro não pode ser prejudicado quando esse se recuse no exercício do direito ao silêncio a prestar esclarecimentos. “[…] A garantia do contraditório não é assegurada em casos em que o depoimento de um co-arguido seja o elemento de prova essencial no sentido de uma condenação.
I. Todos os meios de prova apresentados em audiência implicam a obrigatoriedade de submissão ao contraditório, conforme artigo 327.º do CPP, então é impossível cumprir essa disposição legal em caso de co-arguidos, devido ao direito ao silêncio do arguido.
J. Direito ao silêncio este que a arguida AA fez uso, e pelo qual não pode ser prejudicada.
K. Aliás, existem situações de co-arguidos que insistem em denunciar os seus ex-colegas com a intenção de poder obter alguma vantagem ou até o perdão da justiça, e neste caso o depoimento do co-arguido poderá ser uma prova proibida no sentido do art. 126.º, n.º 2 al. e). Como diz Teresa Beleza “a promessa de vantagem legalmente inadmissível será certamente um dos processos mais rotineiros de conseguimento de depoimentos de «arrependimento», que do ponto de vista investigatório possam ser considerados «úteis» - isto é que ajudem a descobrir ou a incriminar co-responsáveis” .
L. Ou seja, e nas palavras de Teresa Beleza, não se trata de um meio de prova em abstracto proibido, é uma prova de diminuída credibilidade, que merece reservas e cuidados muito especiais de admissibilidade e valoração (In “Tão amigos que nós éramos”: o valor probatório do depoimento do co-arguido no processo penal português”).
M. Foi este também o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.
N. Pelo que se impõe averiguar se in casu, as declarações dos arguidos foram corroboradas por algum outro elemento de prova.
O. Considerou o Tribunal a quo que sim, porém, com o devido respeito, afigura-se que mal andou Mmº Sr. Juiz a quo, incorrendo em erro na apreciação da prova.
P. Ora, reitera-se que, como bem sustenta o Tribunal a quo, as declarações dos arguidos BB e CC, não são inequívocas nem credíveis. Contam mentiras, ambiguidades, contradições, omissões.
Q. Por outro lado, afigura-se que as declarações do arguidoBB não são minimamente corroboradas pela reconstituição de fls. 1154 a 1163.
R. Destarte, conforme resulta do próprio Acórdão em crise, das declarações do CC, mais detalhadas do que as do BB, mas em todo o caso concordantes no essencial, estes confessam apenas que o que foi combinado com a arguida aqui Recorrente foi o assalto à residência do ofendido porque ele lá teria muito dinheiro.
S. E, por sua vez, note-se que, dos restantes meios de prova, depoimentos das testemunhas, não resulta também terem sido as declarações dos arguidos corroboradas, bem pelo contrário.
T. No entanto, o Tribunal a quo, considerou que as mesmas, apesar destes apenas confessarem um “assalto”, são corroboradas pela carta constante de fls. 416, carta esta da autoria do arguido CC, e pelo depoimento de DD.
U. Sucede que, manda a unidade de pensamento que, se se valida as declarações de um coarguido contra outro, tal validação deve ser feita no sentido das declarações prestadas, e não outro.
V. Ou seja, se o Tribunal a quo considera relevantes as declarações dos Arguidos CC e BB, deveria fazê-lo, no sentido em que as mesmas foram prestadas, e não distorcendo na parte em que entende conveniente.
W. In casu, atendendo a que os arguidos confessam um “assalto”, não poderia o Tribunal a quo aproveitá-las para dar como assente os elementos do homicídio por, alegadamente, corroboradas por outras provas.
X. De notar que, os elementos de prova que alegadamente corroboram as declarações dos arguidos, são também da sua autoria, máxime a carta de fls. 416.
Y. Pelo que, no entendimento da Recorrente, merece as mesmas cautelas e exigências que as próprias declarações.
Z. Pois que, quanto aos factos essenciais, a fonte da prova é sempre a mesma, a saber: os coarguidos CC e BB, que descrevem os factos por meios de prova diversos, em momentos distintos, com posições divergentes. Ou seja, a exigida corroboração de prova e complementaridade de meios de prova, é inexistente, pois que tem sempre a mesma origem.
AA. E, a regra da corroboração traduz uma particular exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente.
BB. Donde, inexistindo a corroboração, consubstancia a douta decisão em crise uma interpretação do principio da livre apreciação da prova em clara violação do princípio in dubio pro reo, e como tal ilegal.
CC. Acresce que, a testemunha DD, não merece qualquer credibilidade, pois como bem refere o Tribunal a quo, o seu depoimento foi de “indisfarçável militância”, de patente “animosidade perante a arguida”, pelo que não foi isento, coerente ou credível, pelo que não deveria o tribunal a quo ter dado qualquer relevância ao seu depoimento.
DD. Mesmo que assim, não se entenda, o seu depoimento como bem é referido no Acórdão em crise, consubstancia uma prova indireta, também esta sujeita a cautelas, conforme infra se demonstrará.
EE. Ora, assentando a prova, como se referiu, sobretudo numas versões de coarguidos, sem qualquer valor probatório ou credibilidade por não corroborada, não permite concluir, sem mais, pela existência sequer de indícios da prova do crime imputado à Recorrente, tendo sido assim erradamente condenada a arguida.
FF. Mal andou o Respeitado Tribunal a quo, obviamente e sempre no entendimento que se perfilha, ao condenar a aqui Recorrente pelo crime de homicídio qualificado, uma vez que das declarações dos coarguidos, sejam elas interpretadas isoladamente, sejam quando conjugadas com os demais depoimentos prestados, igualmente em sede de Julgamento sejam, finalmente, com os demais meios de prova de que o Tribunal se socorreu, não poderia o Tribunal a quo considerar como provados os factos números 2, 3, 4, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 25, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 46, 47, 48 e 49 do Capítulo II – Fundamentação de Facto - Factos Provados.
GG. Pelo que se afigura que, ao decidir como decidiu, não fez o douto Tribunal a quo, o “uso” correto e cuidado do comandos contidos, nomeadamente, nos artigos 126°, 127°, 133° do C.P.P. e 355º° e 358º, 359°, 368° e 369º, todos do Código Processo Penal, prejudicando a ora Recorrente na sua defesa, tendo igualmente interpretado de forma não consentânea com a nossa Constituição o estatuído no seu Artigo 32º tudo conforme Vªs Exªs obviamente apreciarão e decidirão em conformidade.
II - Valoração da prova indirecta
HH. Entende a recorrente que o tribunal a quo valorou indevidamente o depoimento da testemunha DD, porquanto se trataria de prova indireta. Pode ler-se no Acórdão do STJ de 12.9.2007 publicado em www.dgsi.pt “Vejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas diretas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere a impunidade.” “E sobre a prova indiciária (…) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.”
II. Ou seja, e na esteira do Acórdão do STJ supra referido, a prova indireta, pelo particular rigor que impõe, exige que os factos base estejam provados por prova direta.
JJ. Pois, e nas palavras do Acórdão da Relação de Coimbra em crise: “Quando a base do juízo de facto é indireta, impõe-se certamente um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros.
KK. Importa constatar, em primeiro lugar, uma pluralidade de elementos: em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes, em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com a regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.”
LL. Vejamos então, se os elementos probatórios constantes do raciocínio decisório são concordantes
MM. Em primeiro lugar, como supra referido, e como consta do douto Acórdão, os arguidos CC e BB, apenas confessam um “assalto”. Sendo que por outro lado, o depoimento da testemunha DD é no sentido de que a arguida AA, Recorrente, lhe terá dito que se tratava de um homicídio a seu pedido.
NN. Pelo que, não se verifica que os elementos probatórios sejam concordantes.
OO. Por outro lado, afigura-se que o depoimento de DD, afaste, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam.
PP. Desde logo, porquanto a testemunha DD, não merece qualquer credibilidade, pois como bem refere o Tribunal a quo, o seu depoimento foi de “indisfarçável militância”, de patente “animosidade perante a arguida”, pelo que não foi isento, coerente ou credível. Bem como, não descreveu as circunstâncias de modo e lugar dos factos.
QQ. Assim como, as declarações dos arguidos prestadas em audiência, únicos meios de prova diretos produzidos, foram no sentido de que o que se teria passado seria um “assalto”.
RR. Pelo que, afigura-se ser premente a dúvida razoável, sobre se os factos se terão passado de modo diverso daquele que foi “contado” pela testemunha DD.
SS. Acresce que, para a fundamentação da decisão condenatória em crise, ancora-se o Tribunal a quo em dois meios de prova, que exigem especiais cautelas, e corroboração.
TT. Sendo que o Tribunal a quo, considerou corroborados um pelo outro, sendo que cada um deles vai em sentido diverso, ou seja:
UU. - considerou que as declarações dos co-arguidos CC e BB eram corroboradas pelo depoimento de DD. Quando os arguidos confessam um “assalto” e a testemunha (prova indireta) refere que a arguida lhe terá confessado um homicídio;
VV. - ao contrário, considerou que a prova indireta de homicídio, estava corroborada pelas declarações confessórias dos arguidos de um “assalto”.
WW. Pelo que, mal andou o Respeitado Tribunal a quo, obviamente e sempre no entendimento que se perfilha, ao condenar a aqui Recorrente pelo crime de homicídio qualificado, uma vez que das declarações dos coarguidos, sejam elas interpretadas isoladamente, sejam quando conjugadas com os demais depoimentos prestados, igualmente em sede de Julgamento sejam, finalmente, com os demais meios de prova de que o Tribunal se socorreu, não poderia o Tribunal a quo considerar como provados os factos números 2, 3, 4, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 25, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 46, 47, 48 e 49 do Capítulo II – Fundamentação de Facto - Factos Provados.
XX. Pelo que se afigura que, ao decidir como decidiu, não fez o douto Tribunal a quo, o “uso” correto e cuidado do comandos contidos, nomeadamente, nos artigos 126.º, 127.º, 133.º do C.P.P. e 355.º e 358.º, 359.º, 368.º e 369.º, todos do Código Processo Penal, prejudicando a ora Recorrente na sua defesa, tendo igualmente interpretado de forma não consentânea com a nossa Constituição o estatuído no seu Artigo 32.º tudo conforme Vªs Exªs obviamente apreciarão e decidirão em conformidade.
YY. Termos em que deve ser ordenado o reenvio dos autos para novo julgamento para que se apurem os seguintes pontos da matéria de facto: 2, 3, 4, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 25, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 46, 47, 48 e 49 do Capítulo II – Fundamentação de Facto - Factos Provados.
III – Da Medida da Pena
ZZ. Sem prescindir de que no entendimento da defesa a prova produzida não permita consubstanciar o juízo de condenação formulado pelo Tribunal a quo, por mera cautela, pronuncia-se por uma pena mais reduzida. Porquanto, a pena aplicada à arguida é desproporcional e desadequada, às exigências de prevenção geral e especial.
AAA. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos jurídicos –, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
BBB. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de proteção dos bens jurídicos.
CCC. A Arguida tem 60 anos de idade, não tem antecedentes criminais, beneficia de apoio familiar, sempre foi considerada uma mulher trabalhadora, contribuindo de forma útil para a sociedade e, desde que se encontra em reclusão, tem tido bom comportamento.
DDD. Feito o cotejo, afigura-se que a aplicação de uma pena inferior, será mais justa e consentânea com as exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
IV – Da Condenação no Pagamento ao Estado
EEE. O Tribunal a quo condenou a Arguida AA a pagar ao Estado a quantia de 132.500,00 euros.
FFF. Tal condenação estribou-se no disposto no n.º 1 do artigo 111.º C. P.
GGG. Porém, e salvo o devido respeito, mal andou o Respeitado Tribunal a quo, obviamente e sempre no entendimento que se perfilha, ao condenar a aqui Recorrente ao pagamento ao Estado a quantia de 132.500,00 euros.
HHH. Resulta dos factos dados provados que: “14 – após algum tempo de contacto com os arguidos, no qual lhes ofereceu, por mais do que uma vez, enchidos, em altura não concretamente concretizada mas diversas semanas depois de 28 de Maio de 2010, aquando da realização da feira de Portomar, a arguida pediu aos arguidos CC e EE para matarem o FF, prometendo pagar a quantia de € 150.000 em contrapartida, tendo estes dois arguidos aceitado a proposta;”
III. De igual modo, resultou também provado em diversos pontos da matéria de facto, agora devidamente cristalizada, que a Recorrente pagou aos coarguidos a quantia de 17.500 euros, não tendo resultado provado que tenha sida paga qualquer outra quantia.
Sucede que,
JJJ. A positivação vertida no n.º 1 do artigo 111.º C. P., no que concerne com a perda de vantagens assenta exclusivamente na necessidade de prevenção.
KKK. Contudo, “a lei acautela-se, e alarga a perda, primeiro, às coisas, direitos ou vantagens (“de qualquer espécie”) que o agente, através do facto ilícito típico, tiver adquirido, para si ou para outrem…” cfr. Miguez Garcia e Castelo Rio in Código Penal Parte Geral e especial, Almedina 2014, pág. 446 (negrito nosso)
LLL. Pretendeu assim o legislador punir o agente do facto ilício típico, declarando o perdimento das vantagens por si auferidas pela prática de tal ilícito, e só das por si efetivamente auferidas.
MMM. Ora no caso em crise, não foi paga qualquer recompensa aos coarguidos da Recorrente, nos termos e para os efeitos do plasmado no referido artigo 111.º do C.P.
NNN. Outrossim, resultou provado, e nesta sede não é possível sindicar tal juízo de valor, que a Recorrente fez uma proposta de pagamento de 150.000 euros aos coarguidos.
OOO. Com efeito, a proposta de pagamento efetuada pela Recorrente não pode ser interpretada como se tratando de uma recompensa.
PPP. Tanto mais que, não chegou a ocorrer uma materialização concreta do pagamento.
QQQ. Assim, não houve pagamento por parte da Recorrente e por sua vez o correspondente ressarcimento de qualquer dos coarguidos no que tange com os 132.500 euros.
RRR. Estamos assim perante uma proposta de pagamento, não cumprida, e não perante uma recompensa que pressuponha o seu efetivo e global cumprimento.
SSS. Pelo que, no que concerne com os 132.500 euros e apesar de ter ocorrido um facto ilícito típico, não houve qualquer vantagem patrimonial decorrente do mesmo para qualquer dos arguidos.
TTT. Por maioria de razão não pode haver o perdimento a favor do Estado do sobredito montante.
UUU. Termos em que deve, nesta sede, ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que absolva a Arguida do pagamento de qualquer montante ao Estado.
A final, a recorrente pede que a «sentença se[ja]r revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta».
b. BB
«1. Em relação à livre apreciação da prova e até às várias matérias onde se insere a prova, em nossa opinião estamos perante a apreciação de uma questão de direito que enquanto tal, se integra de forma plena nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Perante as provas carreadas para o processo, tem o juiz de fazer uma avaliação, que sendo livre, sofre as limitações constantes do artigo 127.º do Código de Processo Penal: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo de realçar que a Lei fala de livre apreciação e não de apreciação arbitrária.
3. O conceito de regras da experiência é uma noção que não se reconduz às vivências pessoais e puramente subjetivas do juiz enquanto cidadão, mas sim enquanto ator e conformador do mundo jurídico, tratando-se pois de experiências jurídicas, isto é, de regras que brotam do dia-a-dia dos tribunais.
4. Ora, no caso sub judice, a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento não é suficiente para que o Tribunal possa formar a sua convicção no sentido em que condenou, havendo em nossa opinião, erro notório na apreciação da prova (apenas sindicável ex officio pelo Digníssimo Tribunal ad quem), existindo ainda uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, não operando ainda nesta decisão do Digníssimo Tribunal a quo, princípios basilares e estruturantes do processo penal como o princípio da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo.
5. Com efeito, as provas em que o Digníssimo Tribunal a quo alicerçou as suas convicções em relação ao Recorrente (e descritas sumariamente e de forma reduzida, na motivação) não são conclusivas e cabais em ordem a condenar este pelos crimes de homicídio qualificado, tentativa de extorsão e no pagamento ao Estado da quantia de € 4.375,00 a titulo de recompensa recebida pela prática de um facto ilícito (quando não está provada a sua materialização) mas apenas pela prática de um crime de furto p. e p. pelo artigo 204º nº 1 al. f) do Código Penal conjugado com o artigo 4º do DL 401/82.
6. Assim, do depoimento dos arguidos BB e CC, resulta uma confissão de um assalto premeditado; que taparam a boca da vítima com uma fita adesiva e que posteriormente a cortaram junto à boca para ele respirar; que, à exceção do ora recorrente, o agrediram não de forma possível a causar-lhe a morte; que a arguida se encontrava nas imediações da casa, entrando posteriormente nela. Nada mais que isto. Quanto à possibilidade da morte ter sido causada pelos arguidos, nada nesta matéria ficou devidamente provado, tendo em conta até que seria perfeitamente possível a arguida ou qualquer outra pessoa que não os arguidos a infligir a morte na vítima.
7. Dos depoimentos dos Srs. Inspetores resulta a nosso ver, ser inconclusiva a tese de homicídio premeditado com roubo encenado, pelas incongruências explanadas na motivação. A haver premeditação, apenas somos a considerar que a mesma teria por base o crime de roubo e não de homicídio, pois tudo aponta claramente para uma situação de roubo típica. Não é de todo crível, dizem-nos as regras da experiência, que num crime de homicídio encomendado e premeditado, o modus operandi seja o que o Tribunal considerou como provado em resultado da tese que seguiu e sufragou.
8. Não é entendível como o Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo, não deram qualquer tipo de importância ao depoimento da testemunha FF, quando este referiu que tentou entrar em casa à procura do pai e não pôde porque as portas estavam fechadas, podendo este depoimento ser uma achega importante para se indagar (e ser bastante possível) se alguém, estranho ao grupo de cidadãos Romenos, esteve posteriormente na casa da vítima, tudo apontando para a arguida, mas independentemente de quem tenha sido, o Tribunal deveria ter considerado bastante possível a hipótese de alguém ter entrado posteriormente aos cidadãos Romenos e assassinado o Sr. FF, colocando em crise as certezas que tal ato fosse da autoria daqueles. Deviam ainda ter tido o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo em conta, no sentido de indagar esta hipótese, o depoimento de GG, onde esta afirma que o falecido dizia, referindo-se à arguida, que “é ela que me vai matar aqui dentro”, o que releva no sentido de que uma instrumentalização dos arguidos poderá ter sido perfeitamente possível.
9. O testemunho do Sr. DD foi, tal como o próprio Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância afirmou, de “indisfarçável militância” e portanto pouco credível. E pouco credível também ao logo afirmar ter uma missão que era vir fazer de detetive para apurar como terá ocorrido a morte do cunhado, depois fazendo de “guarda-costas” da arguida” e por fim incompatibilizando-se com ela. Por outro lado, esta testemunha afirmou que conhecia os arguidos das feiras e em tribunal não os reconheceu. Diz-nos o Digníssimo Tribunal a quo que “este depoimento na verdade compatibiliza-se com os elementos probatórios base.” Ora, um dos elementos base foram as declarações dos coarguidos BB e CC, que afirmaram tratar-se um assalto premeditado, enquanto a testemunha fala em homicídio premeditado e encomendado. Não é de perto nem de longe, sequer parecido. Ainda para mais, é nosso entendimento que o depoimento desta testemunha cai dentro daquilo a que é chamado “testemunho de ouvir dizer” (artigo 129.º do Código de Processo Penal) e portanto trata-se de prova indireta ou indiciária e que não pode nem devia ter tido a valoração que o Tribunal decisor lhe deu, em clara contradição com algumas das provas base que ao processo emergiram. Em nossa opinião e com o devido respeito, não foi feito pelo Digníssimo Tribunal a quo, a análise com o rigor e a consequente concordância que o próprio refere, pelo que o depoimento incongruente e dúbio da testemunha aqui em questão, não podia ter sido decisivo em ordem a fundamentar e de forma decisiva a decisão em que nos debruçamos.
10. Da carta escrita por CC e onde consta que “a tua mae esta envolvida conosco para fazer um serviço lembrate da morte do teu pai nos matamos o teu pai e a tua mae esta junto conosco e ela diz que ia pagar nos 150.00 euros mas ela agora esqueceuse de nos” é uma clara evidência de tentativa de extorsão à arguida e aos seus filhos. Mas será uma proba cabal do homicídio premeditado e encomendado do Sr. FF? Não nos parece, não pela textualidade da mesma, essa é mais ou menos evidente, mas pelas regras da experiência e pelos inúmeros factos deste processo que não correspondem a um iter perfeitamente percetível, sem margem para erro, dúvidas ou subjetividades (o facto de terem cortado a fita adesiva para a vítima respirar, a possibilidade forte de a arguida ou alguém ter entrado na casa posteriormente ao grupo de Romenos, até pelo facto da casa de encontrar fechada quando a testemunha FF encontrou o pai em casa. As contradições da testemunha DD, etc). Estas fortes incongruências a que o Tribunal a quo não deu uma resposta cabal, como se impunha, parecem até encaixar-se numa instrumentalização da arguida para com este grupo de cidadãos Romenos, no sentido de servir os seus intentos, quaisquer que fossem. É uma teoria carecida de prova cabal, mas também o é aquela que o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo seguiram (a tese de homicídio encomendado). É perfeitamente possível (e existem indícios de tal), que em aproveitamento do facto de os arguidos, à exceção do ora recorrente, terem agredido a vítima, mais tarde, um mês e meio depois, ser-lhes dito pela arguida (como efetivamente foi) que o mesmo teria falecido, criando a ilusão naqueles de que os seus atos foram apropriados a causar tal desfecho, entregando a arguida mais dinheiro aos arguidos, como forma de precaver eventuais represálias. Apercebendo-se da instrumentalização de que foram alvos ou mesmo convencidos de que os seus atos teriam sido apropriados à morte da vítima, tentaram de alguma forma extorquir o máximo dinheiro possível à arguida, levando o arguido CC a escrever o que está de facto contido na carta. De outra forma, não é crível, para além de outros factos mencionados na motivação, que alguém que supostamente assassina outrem a “soldo”, que não se encontra sequer em Portugal (estando na Bélgica) e nem é cidadão Português, se venha entregar às autoridades Portuguesas, com elas colaborando.
11. No processo penal, a imaginação encontra-se limitada pelas regras estabelecidas, quer nas possíveis teorias da defesa, quer nas que o julgador neste caso seguiu, pois não pode assentar a sua decisão na sua opinião e experiência pessoal, por muito respeitável que seja, mas sim na prova carreada para os autos e produzida em audiência, sujeita ao contraditório. E neste campo, a prova produzida não foi a nosso ver, conclusiva o suficiente para condenar os arguidos pelo crime de homicídio, pois são demasiado evidentes as contradições e obscuridades factuais que careciam de uma prova forte, cabal e concisa, violando portanto os Digníssimos Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo, ao seguirem a teoria que seguiram, o princípio da livre apreciação da prova, constante do artigo 127.º do Código Penal, pois as decisões não devem ser arbitrárias e subjetivas mas sim fortemente corroboradas pela prova e pelas regras da experiência.
12. Nesse sentido, somos da opinião que o ora recorrente apenas e só pode ser condenado pela prática de um crime de furto, p. e p. no artigo 204º nº 1 al. f) do Código Penal conjugado com o artigo 4º do DL 401/82, o que já não podendo agora tal mudança de acusação acontecer em relação ao crime de furto – pela garantia constitucional consagrada no artigo 32.º n.º 5 da CRP - deverá levar à absolvição do ora recorrente.
13. Por outro lado, sempre, deve ser de considerar, o princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio do in dubio pro reo (artigo 32.º n.º 2 da C.R.P.), que manda em caso de dúvida, interpretar em benefício do arguido tudo o que não for dado como provado na demanda e que se mostre ser contrário às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos jurídico-científicos, atuando aqui o princípio do in dubio pro reo como um claro limite da livre apreciação da prova.
14. Na verdade, este limite devia ter atuado na conformação do caso sub judice, daí que não possamos deixar de discordar da forma como o problema da livre apreciação da prova foi abordado pelo julgador de 1.ª Instância e pelo Tribunal a quo.
15. Ou seja, o Tribunal a quo não pode ficar apenas com a mera sensação, ainda que na sua decisão afirme que a convicção é total, de que o arguido foi de facto o agente do crime imputado, sendo fundamental e indispensável que existam certezas, se afastem incongruências e “pontas soltas”, o que só poderá ser feito com a produção de provas em julgamento que permitam suportar a convicção do julgador de forma cabal e sem outras interpretações plausíveis, o que no caso sub judice não nos parece, com o devido respeito, ter acontecido.
16. Pelo que, ao proferir-se a decisão condenatória que se proferiu e com a consequente manutenção da mesma por parte do Digníssimo Tribunal a quo, procedeu-se a uma apreciação da prova, com alguns laivos de arbitrariedade e subjetivismo, o que é proibido por lei, havendo uma clara violação do princípio do in dubio pro reo, limite, reitere-se, da livre apreciação da prova, ao não se ter decidido a favor do arguido e Recorrente perante as dúvidas que afloraram no processo e que não obtiveram dissipação cabal.
17. Assim e em resumo, encontram-se violados ou com uso incorreto, os seguintes princípios constitucionais – penais e os seguintes preceitos legais:
- princípio da livre apreciação da prova, artigo 127.º do Código de Processo Penal;
- princípio da presunção da inocência, artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
- princípio do in dubio pro reo;
- artigos 126.º, 129.º n.º 1, 355.º, 359.º, 410.º, n.º 2 (aplicável por força do disposto no artigo 434º), todos do Código de Processo Penal.
18. Pelo exposto e atendendo ao supra aludido, não devem ser considerados como provados os factos números 14, 15, 16, 17, 20, 26, 29, 30, 32, 34, 41 a 44, 46 a 50 do Capítulo II – Fundamentos da decisão recorrida.
19. Concluindo e em suma, não existindo prova clara e inequívoca que permita concluir, sem margem para dúvidas, que o arguido praticou os factos descritos na acusação, sempre se deverá decidir, em conformidade com a Lei Fundamental e ordinária, pela absolvição do mesmo em relação ao crime de homicídio qualificado (e aos demais crimes que lhes são imputados, conforme exposto na motivação).
20. Em nossa opinião não resultou claro e sem margem para dúvidas, que o homicídio do Sr. FF tenha sido perpetrado pelo Recorrente ou qualquer um dos outros arguidos, ou que os mesmos tenham planeado e tido intenção ou objetivo de assassinar a vítima, ficando apenas claro que o recorrente cometeu e premeditou o crime de roubo – e foi única e exclusivamente esse o acordo entre ele os restantes arguidos romenos e praticou única e exclusivamente os atos para esse efeito, nomeadamente, limitou-se a ficar á janela de vigia a ver se não vinha ninguém, não tendo praticado qualquer ato de violência (física) contra o Sr. FF, conforme alegado na motivação.
21. Pela prova constante dos autos, ao não considerarmos como factos provados os constantes nos pontos 14, 15, 16, 17, 20, 26, 29, 30, 32, 34, 41 a 44, 46 a 50 do Capítulo II – Fundamentos da decisão recorrida, entendemos que não se encontra preenchido o tipo objetivo e subjetivo de ilícito p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º nº. 1 e 2 al) c), e), h) e j) do Código Penal.
22. Na nossa humilde opinião, da apreciação dos factos que aqui interessam, ficou provado que o ora recorrente nada sabia sobre uma suposta contrapartida que seria o pagamento dos € 150.000,00 prometidos.
23. O ora recorrente, não soube que a arguida estava em França nem andou à sua procura. Nada sabe acerca da dita carta, escrita pelo arguido CC, a exigir o pagamento de € 150.000,00 e de nenhum modo participou na sua elaboração.
24. O ora recorrente, nunca, em qualquer altura, exigiu da arguida, ou dos filhos dela, qualquer quantia em dinheiro ou outra coisa como contrapartida do que quer que fosse.
25. O único propósito e os atos que o ora recorrente praticou em consonância com o seu objetivo foram o de assaltar a casa do FF e somente isso! E portanto, está errada a ideia de que os quatro arguidos foram a casa da vítima para executar um plano com o propósito de causarem a morte ao referido Senhor.
26. Pelo que o ora recorrente também deve ser absolvido dos crimes de extorsão, na forma tentada, retirando-lhe a pena de 6 meses de prisão para cada um deles que lhe foi aplicada.
Se assim V.as Ex.as não entenderem, e à cautela por mero dever de patrocínio, sempre se dirá,
27. O Recorrente foi condenado, para além de três crimes de extorsão na forma tentada, no crime de homicídio qualificado, p. e p. no artigo 132.º n.º 1 e 2 al. c), e), h) e j) do Código Penal, dada a especial censurabilidade ou perversidade, que no entendimento do Digníssimo Tribunal a quo, ladeou o crime. Discordamos de tal entendimento.
28. Em relação à questão da premeditação do crime, não parece claro que os arguidos tenham premeditado um crime de homicídio. No máximo um crime de roubo. Pouco sentido faz que uma premeditação (e naturalmente, o seu anterior estudo) de um suposto “homicídio a soldo”, fosse a executar da forma que supostamente aconteceu, com as incongruências já referidas anteriormente entre a entrada em casa, a encenação de roubo, as portas fechadas, etc. Por outro lado, é das regras da experiência, que muito provavelmente, se o objetivo fosse de facto o homicídio do Sr. FF, dificilmente teria sido feito em casa, no meio da população, havendo certamente outros modus operandis mais eficazes e menos “perigosos” para os arguidos em relação a serem apanhados pela Justiça, colocando-se até em questão porque é que quatro indivíduos amarraram a vítima, quando a sua “vantagem” física era tão evidente que com certeza em menos de nada manietariam a vítima e teriam posto cobro à sua vida de forma simples e eficaz, até com o uso de uma almofada o sufocariam (e não com uma fita adesiva na boca). Aliás, segundo a perícia médico-legal, um dos motivos da morte da vítima foi sufocação facial, em derivação da colocação de fita adesiva na boca, o que não pode ser nem de perto nem de longe, um método típico ou lógico de um homicídio premeditado.
29. Mais sentido nos faz e reitere-se que sempre e só, à cautela de patrocínio nos debruçamos nesta tese, que este caso se tenha tratado de um roubo premeditado, que foi interrompido com a chegada da vítima a casa, e que surpreendidos, os arguidos, à exceção do ora recorrente, tenham agredido de forma impulsiva a vítima, retirando-se depois da casa, convencidos que a atuação que levou às lesões provocados, nunca seriam causais a inferir na vítima, a sua morte, vindo no entanto tal a suceder. Pode portanto até falar-se aqui de dolo eventual, o que certamente infere na culpa e na medida da pena do arguido, um desvalor bastante diferente daquele que é dado ao homicídio qualificado. Pelo supra exposto, entendemos que não está preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al) J do artigo 132.º do Código Penal.
30. Foi ainda dado como assente pelo Digníssimo Tribunal a quo, que os arguidos sabiam que atuavam contra pessoa particularmente indefesa. Ora, com o devido respeito, tal entendimento não deve ser de sufragar. Das declarações dos arguidos não é claro que se possa inferir que os mesmos sabiam da especial debilidade da vítima, sendo até de se extrair o contrário das palavras dos mesmos, não havendo nada que possa comprovar sem qualquer tipo de dúvidas que os arguidos sabiam das limitações físicas da vítima - em declarações à Polícia Judiciária, o arguido CC disse até ter-se apercebido do problema da perna quando o agarraram e levaram para a cama. Não está assim preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al. c do artigo 132.º do Código Penal.
31. Não ficou também provado que tenham praticado o crime determinados por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil, parecendo claro que o motivo determinante da atuação dos arguidos foi tão somente o de se apoderarem do dinheiro que julgavam dentro da residência da vítima. Não está assim preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al. e) do artigo 132.º do Código Penal.
32. Pelo que entendemos que se mostra violado por erro de interpretação, o disposto no artigo 132.º n.º 2, alíneas c), e), h) e j) do Código Penal, devendo portanto o crime de homicídio qualificado ser convolado para um crime de homicídio simples previsto no artigo 131.º do mesmo diploma, com naturais reflexos na medida da pena.
33. Em relação à medida da pena, considera o Digníssimo Tribunal a quo que, “estando em causa o crime de maior gravidade, sem reparação possível, cometido em circunstâncias de particular violência, mostrando a face mais negra da natureza humana e tendo o doseamento das penas dos arguidos CC e BB merecido um critério manifestamente benevolente que as situa no mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico, cremos sem reservas que são de manter, mostrando-se abaixo do limite imposto pela culpa”.
34. Com o devido respeito, somos em crer, que ao ser fixado a medida da pena em 10 anos e 4 meses de prisão, resulta violado o disposto nos artigos 40.º n.º 1 e 2, 71.º n.º 1 e 2.º e ainda o disposto no art. 72.º, todos do Código Penal, e que portanto a pena aplicada ao arguidoBB, excedeu de forma minimamente considerável, o limite da culpa deste.
35. Com efeito, deve ser tido em conta que o recorrente não possui quaisquer antecedentes criminais; que estando a dada altura fora de Portugal, nomeadamente na Bélgica, se entregou às autoridades Portuguesas no sentido de colaborar com as mesmas e com a Justiça, pois era (e é) seu entendimento que não cometera qualquer tipo de homicídio; a sua colaboração com a Justiça Portuguesa, ao não se remeter ao silêncio, mostrando arrependimento, ajudando na descoberta da verdade, e sendo certo que o silêncio dos demais arguidos não pode nunca prejudicar os mesmos, também devia e deve ser tido em conta para a atenuação da sua pena; a condição social desfavorável do arguido, o facto de ser menor de 21 anos de idade, à pratica dos factos, e facilmente influenciado, com as dificuldades de vários níveis que hoje bem sabemos, são patentes nos fluxos migratórios e que tornam mais débeis e suscetíveis tais pessoas, acicatou o aproveitamento e instrumentalização que a arguida fez do arguido CC e que este transmitiu o objetivo do assalto dos demais (entre os quais o ora recorrente), o que também deve ser obviamente considerado para a medida da pena em ordem ao efeito ressocializador no agente do crime.
36. Estes factos deviam ter sido ponderados e tidos como atenuantes e não foram, não merecendo qualquer ponderação, consideração e acolhimento por parte, quer do Tribunal de 1.ª instância, quer do Tribunal a quo.
37. Pelo que é nosso entendimento que o quantum da pena a que o arguido foi condenado (10 anos e 4 meses de prisão) irá coartar a possibilidade de ressocialização e recuperação deste, ultrapassando a pena a medida da culpa, em violação do disposto nos artigos 40.º n.º 1 e 2 e 71.º, ambos do Código Penal. Deverá assim o Venerando Tribunal ad quem, aplicar ao Recorrente uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias a que aludimos, situando-se a mesma perto dos limites mínimos da pena aplicável ao crime em questão, no sentido de ser realizado de forma adequada as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade, de acordo com o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
38. A essência ou a significação político - criminal do que no artigo 111º, do Código Penal se estipula (particularizando, de algum modo, a filosofia que, no geral, informa a regulamentação da perda de instrumentos, produtos e vantagens, inserto no Capítulo VIII DO Título III – Das consequências Jurídicas do facto), alcança-se a partir de uma tonalidade ampla a conferir ao termo “ vantagem” (encarada esta ao lado dos objetos, instrumentos, produtos e direitos relacionados com o ilícito praticado ou deste oriundos) ou seja numa perspetiva abrangente, quer da recompensa dada ou prometida ao agente delitivo, quer de todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime (fato ilícito) em que, através dele ou por via dele, haja sido conseguido.
39. E a alguma distinção (ou, melhor dizendo, a diferenciação em capítulo daqueles que rege o destino do ilicitamente obtido) apercebível no confronto entre o regime de perda (a favor do Estado) relativo a objetos, instrumentos e produtos, por um lado e o regime de perda de vantagens (ainda a favor do Estado) por outro, encontra plausível justificação, mesmo que sob a égide de um escopo, no fundo, comum; a legitimar a perda dos objetos, instrumentos e produtos do crime acha-se, em primeira linha, a sua perigosidade (e decorrente adequação) imediata ou potencial para a prática de crimes, ao passo que a perda de vantagens assenta, primacialmente, num desiderato ditado, não só por razões de prevenção geral da criminalidade ou da conveniência da criminalidade ou da conveniência de uma acrescida censura ao desvalor das condutas desenvolvidas mas, sobretudo, pela necessidade de se estabelecer uma efetiva (normativamente efetiva) objetividade à ideia tradicional (porém sempre atual e perdurável) de que se o crime não compensa, importa que se obste e é fundamental que se impeça que, na prática, compense ou possa compensar.
40. Regime, sem dúvida, inspirado no que a doutrina alemã pretende (e tem vindo) a proclamar - a propósito do instituto (inegavelmente paralelo) da VERFALL - falando da indispensabilidade ético - jurídica do aniquilamento do proveito patrimonial, ínvia e perversamente, obtido e, consequentemente, da não tolerância, por parte do Estado, de situações patrimoniais anti - jurídicas e apontando para a premência de se operar a restauração da ordenação dos bens em correspondência, consonância e conformidade ao direito e com o direito.
41. Perante este preceito, não se configuram reservas quanto a que, no caso “sub júdice” e face ao factualismo provado (ou melhor, não provado) foi ilegítima a decisão de condenação proferida pelo Tribunal a quo, por a alegada proposta de pagamento de € 150.000,00 não representar uma “recompensa” para efeitos do normativo em apreciação, visto que não chegou a obter a sua materialização concreta, isto é, não se provou que o apontado valor fosse para quem fosse e em que medida.
42. Pelo que, com o devido respeito, não podia o Tribunal a quo ter determinado a condenação dos arguidos no pagamento de certa quantia a favor do Estado a título de recompensa obtida pelo cometimento do crime - no caso do ora recorrente no pagamento da quantia de € 4.375,00 - com a seguinte fundamentação: “Sendo certo que não se apurou em que medida beneficiou cada um dos arguidos da vantagem recebida, não será descabido considerar que terão beneficiado em igual medida e será nesses termos que se decretará a condenação”.
43. Ora com todo o respeito, a Justiça não se coaduna com o que “ é descabido ou deixa de o ser”! A Justiça (penal) prima pela descoberta da verdade material condenando os agentes em conformidade!
44. Sem embargo destas exigências, contudo indispensáveis, a verdade é que o ora recorrente nunca acordou o que quer que fosse com a arguida AA, nomeadamente, não se provou que esta lhe fez alguma proposta, qual o seu conteúdo concreto, bem como não se sabe qual a contrapartida (se sequer existiu) e não se sabe se o ora recorrente recebeu qualquer contrapartida antes ou depois dos acontecimentos.
45. Também, o ora recorrente, nunca, em qualquer altura, exigiu da arguida, ou dos filhos dela, qualquer quantia em dinheiro ou outra coisa como contrapartida do que quer que fosse.
46. Pelo que, também no que concerne a este aresto deve o Acórdão ser revogado, absolvendo o ora recorrente da condenação no pagamento ao Estado da quantia de € 4.375,00, nos termos retro alegados.»
A final pede que o recurso seja julgado procedente, por provado, e consequentemente, seja revogado o «Acórdão recorrido (…) e substituído por outra decisão que vá de encontro às pretensões acima expostas.»
c. CC
«A. Da insuficiência da prova, da sua livre apreciação e do princípio do in dubio pro reo
1. Em relação à livre apreciação da prova e até às várias matérias onde se insere a prova, em nossa opinião estamos perante a apreciação de uma questão de direito que enquanto tal, se integra de forma plena nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Perante as provas carreadas para o processo, tem o juiz de fazer uma avaliação, que sendo livre, sofre as limitações constantes do artigo 127.º do Código de Processo Penal: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo de realçar que a Lei fala de livre apreciação e não de apreciação arbitrária.
3. O conceito de regras da experiência é uma noção que não se reconduz às vivências pessoais e puramente subjetivas do juiz enquanto cidadão, mas sim enquanto ator e conformador do mundo jurídico, tratando-se pois de experiências jurídicas, isto é, de regras que brotam do dia-a-dia dos tribunais.
4. Ora, no caso sub judice, a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento não é suficiente para que o Tribunal possa formar a sua convicção no sentido em que condenou, havendo em nossa opinião, erro notório na apreciação da prova (apenas sindicável ex officio pelo Digníssimo Tribunal ad quem), existindo ainda uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, não operando ainda nesta decisão do Digníssimo Tribunal a quo, princípios basilares e estruturantes do processo penal como o princípio da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo.
5. Com efeito, as provas em que o Digníssimo Tribunal a quoalicerçou as suas convicções em relação ao Recorrente (e descritas sumariamente e de forma reduzida, na motivação) não são conclusivas e cabais em ordem a condenar este pelo crime de homicídio qualificado, mas apenas por roubo (ainda que agravado) e extorsão.
6. Assim, do depoimento do arguido CC e BB, resulta uma confissão de um roubo premeditado; que taparam a boca da vítima com uma fita adesiva e que posteriormente a cortaram junto à boca para ele respirar; que o agrediram não de forma possível a causar-lhe a morte; que a arguida se encontrava nas imediações da casa, entrando posteriormente nela. Nada mais que isto. Sendo possível que a morte tivesse sido causada pelos arguidos, nada nesta matéria ficou devidamente provado, tendo em conta até que seria perfeitamente possível a arguida ou qualquer outra pessoa que não os arguidos a infligir a morte na vítima.
7. Dos depoimentos dos Srs. Inspetores resulta a nosso ver, ser inconclusiva a tese de homicídio premeditado com roubo encenado, pelas incongruências explanadas na motivação. A haver premeditação, apenas somos a considerar que a mesma teria por base o crime de roubo e não de homicídio, pois tudo aponta claramente para uma situação de roubo típica. Não é de todo crível, dizem-nos as regras da experiência, que num crime de homicídio encomendado e premeditado, o modus operandi seja o que o Tribunal considerou como provado em resultado da tese que seguiu e sufragou.
8. Não é entendível como o Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo, não deram qualquer tipo de importância ao depoimento da testemunha FF, quando este referiu que tentou entrar em casa à procura do pai e não pôde porque as portas estavam fechadas, podendo este depoimento ser uma achega importante para se indagar (e ser bastante possível) se alguém, estranho ao grupo de cidadãos Romenos, esteve posteriormente na casa da vítima, tudo apontando para a arguida, mas independentemente de quem tenha sido, o Tribunal deveria ter considerado bastante possível a hipótese de alguém ter entrado posteriormente aos cidadãos Romenos e assassinado o Sr. FF, colocando em crise as certezas que tal acto fosse da autoria daqueles. Deviam ainda ter tido o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo em conta, no sentido de indagar esta hipótese, o depoimento de GG, onde esta afirma que o falecido dizia, referindo-se à arguida, que “é ela que me vai matar aqui dentro”, o que releva no sentido de que uma instrumentalização dos arguidos poderá ter sido perfeitamente possível.
9. O testemunho do Sr. DD foi, tal como o próprio Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância afirmou, de “indisfarçável militância” e portanto pouco credível. E pouco credível também ao logo afirmar ter uma missão que era vir fazer de detetive para apurar como terá ocorrido a morte do cunhado, depois fazendo de “guarda-costas” da arguida” e por fim incompatibilizando-se com ela. Por outro lado, esta testemunha afirmou que conhecia os arguidos das feiras e em tribunal não os reconheceu. Diz-nos o Digníssimo Tribunal a quo que “este depoimento na verdade compatibiliza-se com os elementos probatórios base.” Ora, um dos elementos base foram declarações dos coarguidos CC eBB, que afirmaram tratar-se um assalto premeditado, enquanto a testemunha fala em homicídio premeditado e encomendado. Não é de perto nem de longe, sequer parecido. Ainda para mais, é nosso entendimento que o depoimento desta testemunha cai dentro daquilo a que é chamado “testemunho de ouvir dizer” (artigo 129.º do Código de Processo Penal) e portanto trata-se de prova indireta ou indiciária e que não pode nem devia ter tido a valoração que o Tribunal decisor lhe deu, em clara contradição com algumas das provas base que ao processo emergiram. Em nossa opinião e com o devido respeito, não foi feito pelo Digníssimo Tribunal a quo, a análise com o rigor e a consequente concordância que o próprio refere, pelo que o depoimento incongruente e dúbio da testemunha aqui em questão, não podia ter sido decisivo em ordem a fundamentar e de forma decisiva a decisão em que nos debruçamos.
10. Da carta escrita por CC e onde consta que “a tua mae esta envolvida conosco para fazer um serviço lembrate da morte do teu pai nos matamos o teu pai e a tua mae esta junto conosco e ela diz que ia pagar nos 150.00 euros mas ela agora esqueceuse de nos” é uma clara evidência de tentativa de extorsão à arguida e aos seus filhos. Mas será uma proba cabal do homícidio premeditado e encomendado do Sr. FF? Não nos parece, não pela textualidade da mesma, essa é mais ou menos evidente, mas pelas regras da experiência e pelos inúmeros factos deste processo que não correspondem a um iter perfeitamente perceptível, sem margem para erro, dúvidas ou subjectividades (o facto de terem cortado a fita adesiva para a vítima respirar, a possibilidade forte de a arguida ou alguém ter entrado na casa posteriormente ao grupo de Romenos, até pelo facto da casa de encontrar fechada quando a testemunha FF encontrou o pai em casa, as contradições da testemunha DD, etc). Estas fortes incongruências a que o Tribunal a quo não deu uma resposta cabal, como se impunha, parecem até encaixar-se numa instrumentalização da arguida para com este grupo de cidadãos Romenos, no sentido de servir os seus intentos, quaisquer que fossem. É uma teoria carecida de prova cabal, mas também o é aquela que o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo seguiram (a tese de homícidio encomendado). É perfeitamente possível (e existem indícios de tal), que em aproveitamento do facto de os arguidos terem agredido a vítima, mais tarde, um mês e meio depois, ser-lhes dito pela arguida (como efectivamente foi) que o mesmo teria falecido, criando a ilusão naqueles de que os seus actos foram apropriados a causar tal desfecho, entregando a arguida mais dinheiro aos arguidos, como forma de precaver evantuais represálias. Apercebendo-se da instrumentalização de que foram alvo ou mesmo convencidos de que os seus actos teriam sido apropriados à morte da vítima, tentaram de alguma forma extorquir o máximo dinheiro possível à arguida e escreveram (pela mão do arguido CC) o que está de facto contido na carta. De outra forma, não é crível, para além de outros factos mencionados na motivação, que alguém que supostamente assassina outrem a “soldo”, que não se encontra sequer em Portugal (estando na Bélgica) e nem é cidadão Português, se venha entregar às autoridades Portuguesas, com elas colaborando.
11. No processo penal, a imaginação encontra-se limitada pelas regras estabelecidas, quer nas possíveis teorias da defesa, quer nas que o julgador neste caso seguiu, pois não pode assentar a sua decisão na sua opinião e experiência pessoal, por muito respeitável que seja, mas sim na prova carreada para os autos e produzida em audiência, sujeita ao contraditório. E neste campo, a prova produzida não foi a nosso ver, conclusiva o suficiente para condenar os arguidos pelo crime de homicídio, pois são demasiado evidentes as contradições e obscuridades factuais que careciam de uma prova forte, cabal e concisa, violando portanto os Digníssimos Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal a quo, ao seguirem a teoria que seguiram, o princípio da livre apreciação da prova, constante do artigo 127.º do Código Penal, pois as decisões não devem ser arbitrárias e subjectivas mas sim fortemente corroboradas pela prova e pelas regras da experiência.
12. Nesse sentido, somos da opinião que os arguidos apenas e só poderiam ser condenados pelos crimes de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º do Código Penal, e de extorsão na forma tentada, p. e p. no artigo 223.º do mesmo diploma, o que já não podendo agora tal mudança de acusação acontecer em relação ao crime de roubo – pela garantia constitucional consagrada no artigo 32.º n.º 5 da CRP - deverá levar à absolvição do Recorrente, excepto naturalmente no que concerne aos crimes de extorsão.
13. Por outro, sempre deve ser de considerar, o princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio do in dubio pro reo (artigo 32.º n.º 2 da C.R.P.), que manda em caso de dúvida, interpretar em benefício do arguido tudo o que não for dado como provado na demanda e que se mostre ser contrário às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos jurídico-científicos, actuando aqui o princípio do in dubio pro reo como um claro limite da livre apreciação da prova.
14. Na verdade, este limite devia ter actuado na conformação do caso sub judice, daí que não possamos deixar de discordar da forma como o problema da livre apreciação da prova foi abordado pelo julgador de 1.ª Instância e pelo Tribunal a quo.
15. Ou seja, o Tribunal a quonão pode ficar apenas com a mera sensação, ainda que na sua decisão afirme que a convicção é total, de que o arguido foi de facto o agente do crime imputado, sendo fundamental e indispensável que existam certezas, se afastem incongruências e “pontas soltas”, o que só poderá ser feito com a produção de provas em julgamento que permitam suportar a convicção do julgador de forma cabal e sem outras interpretações plausíveis, o que no caso sub judice não nos parece, com o devido respeito, ter acontecido.
16. Pelo que, ao proferir-se a decisão condenatória que se proferiu e com a consequente manutenção da mesma por parte do Digníssimo Tribunal a quo, procedeu-se a uma apreciação da prova, com alguns laivos de arbitrariedade e subjectivismo, o que é proibido por lei, havendo uma clara violação do princípio do in dubio pro reo, limite, reitere-se, da livre apreciação da prova, ao não se ter decidido a favor do arguido e Recorrente perante as dúvidas que afloraram no processo e que não obtiveram dissipação cabal.
17. Assim e em resumo, encontram-se violados ou com uso incorrecto, os seguintes princípios constitucionais – penais e os seguintes preceitos legais:
- princípio da livre apreciação da prova, artigo 127.º do Código de Processo Penal;
- princípio da presunção da inocência, artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
- princípio do in dubio pro reo;
- artigos 126.º, 129.º n.º 1, 355.º, 358.º, 359.º, todos do Código de Processo Penal.
18. Pelo exposto e atendendo ao supra aludido, não devem ser considerados como provados os factos números 13, 14, 15, 16, 17, 25, 26, 30, 32, 34, 46, 47, 48, 49 do Capítulo II – Fundamentos da decisão recorrida.
19. Concluindo e em suma, não existindo prova clara e inequívoca que permita concluir, sem margem para dúvidas, que o arguido praticou os factos descritos na acusação, sempre se deverá decidir, em conformidade com a Lei Fundamental e ordinária, pela absolvição do mesmo em relação ao crime de homicídio qualificado, sendo apenas condenado em relação aos três crime de extorsão na forma tentada.
B. Não preenchimento do tipo objectivo e subjectivo de ilícito p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 als) c), e), h) e j) do código penal
20. Em nossa opinião não resultou claro e sem margem para dúvidas, que o homicídio do Sr. FF tenha sido perpetrado pelo Recorrente ou qualquer um dos outros arguidos, ou que os mesmos tenham planeado e tido intenção ou objectivo de assassinar a vítima, ficando apenas claro que o Recorrente cometeu e premeditou os crime de roubo e extorsão (este na forma tentada), p. e p. respectivamente pelos artigos 210.º e 223.º do Código Penal.
21. Pela prova constante dos autos, ao não considerarmos como factos provados os constantes nos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 25, 26, 30, 32, 34, 46, 47, 48, 49 do Capítulo II – Fundamentos da decisão recorrida, entendemos que não se encontra preenchido o tipo objectivo e subjectivo de ilícito p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º nº. 1 e 2 al) c), e), h) e j) do Código Penal.
Se assim V.as Ex.as não entenderem, e sempre à cautela de patrocínio,
C. Da qualificação jurídica do crime de homicídio
22. O Recorrente foi condenado, para além de três crimes de extorsão na forma tentada, no crime de homicídio qualificado, p. e p. no artigo 132.º n.º 1 e 2 al. c), e), h) e j) do Código Penal, dada a especial censurabilidade ou perversidade, que no entendimento do Digníssimo Tribunal a quo, ladeou o crime. Discordamos de tal entendimento.
23. Em relação à questão da premeditação do crime, não parece claro que os arguidos tenham premeditado um crime de homicídio. No máximo um crime de roubo. Pouco sentido faz que uma premeditação (e naturalmente, o seu anterior estudo) de um suposto “homicídio a soldo”, fosse a executar da forma que supostamente aconteceu, com as incongruências já referidas anteriormente entre a entrada em casa, a encenação de roubo, as portas fechadas, etc. Por outro lado, é das regras da experiência, que muito provavelmente, se o objetivo fosse de facto o homicídio do Sr. FF, dificilmente teria sido feito em casa, no meio da população, havendo certamente outros modus operandis mais eficazes e menos “perigosos” para os arguidos em relação a serem apanhados pela Justiça, colocando-se até em questão porque é que quatro indivíduos amarraram a vítima, quando a sua “vantagem” física era tão evidente que com certeza em menos de nada manietariam a vítima e teriam posto cobro à sua vida de forma simples e eficaz. Aliás, segundo a perícia médico-legal, um dos motivos da morte da vítima foi sufocação facial, em derivação da colocação de fita adesiva na boca, o que não pode ser nem de perto nem de longe, um método típico ou lógico de um homicídio premeditado.
24. Mais sentido nos faz e reitere-se que sempre e só, à cautela de patrocínio nos debruçamos nesta tese, que este caso se tenha tratado de um roubo premeditado, que foi interrompido com a chegada da vítima a casa, e que surpreendidos e em pânico, os arguidos tenham agredido de forma impulsiva a vítima, retirando-se depois da casa, convencidos que a atuação que levou às lesões provocados, nunca seriam causais a inferir na vítima, a sua morte, vindo no entanto tal a suceder. Pode portanto até falar-se aqui de dolo eventual, o que certamente infere na culpa e na medida da pena do arguido, um desvalor bastante diferente daquele que é dado ao homicídio qualificado. Pelo supra exposto, entendemos que não está preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al) J do artigo 132.º do Código Penal.
25. Foi ainda dado como assente pelo Digníssimo Tribunal a quo, que os arguidos sabiam que atuavam contra pessoa particularmente indefesa. Ora, com o devido respeito, tal entendimento não deve ser de sufragar. Das declarações dos arguidos não é claro que se possa inferir que os mesmos sabiam da especial debilidade da vítima, sendo até de se extrair o contrário das palavras dos mesmos, não havendo nada que possa comprovar sem qualquer tipo de dúvidas que os arguidos sabiam das limitações físicas da vítima - em declarações à Polícia Judiciária, o arguido CC disse até ter-se apercebido do problema da perna quando o agarraram e levaram para a cama. Não está assim preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al. C do artigo 132.º do Código Penal.
26. Não ficou também provado que tenham praticado o crime determinados por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil, parecendo claro que o motivo determinante da atuação dos arguidos foi tão somente o de se apoderarem do dinheiro que julgavam dentro da residência da vítima. Não está assim preenchida a qualificação prevista no n.º 2 al) E do artigo 132.º do Código Penal.
27. Pelo que entendemos que se mostra violado por erro de interpretação, o disposto no artigo 132.º n.º 2, alíneas c), e), h) e j) do Código Penal, devendo portanto o crime de homicídio qualificado ser convolado para um crime de homicídio simples previsto no artigo 131.º do mesmo diploma, com naturais reflexos na medida da pena.
d. Da medida da pena
28. Em relação à medida da pena, considera o Digníssimo Tribunal a quo que, “estando em causa o crime de maior gravidade, sem reparação possível, cometido em circunstâncias de particular violência, mostrando a face mais negra da natureza humana e tendo o doseamento das penas dos arguidos CC e BB merecido um critério manifestamente benevolente que as situa no mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico, cremos sem reservas que são de manter, mostrando-se abaixo do limite imposto pela culpa”.
29. Com o devido respeito, somos em crer, que ao ser fixado a medida da pena em 14 anos e 6 meses de prisão, resulta violado o disposto nos artigos 40.º n.º 1 e 2, 71.º n.º 1 e 2.º e ainda o disposto no art. 72.º, todos do Código Penal, e que portanto a pena aplicada ao arguido CC, excedeu de forma minimamente considerável, o limite da culpa deste.
30. Com efeito, deve ser tido em conta que o recorrente não possui quaisquer antecedentes criminais; que estando a dada altura fora de Portugal, nomeadamente na Bélgica, se entregou às autoridades Portuguesas no sentido de colaborar com as mesmas e com a Justiça, pois era (e é) seu entendimento que não cometera qualquer tipo de homicídio; a sua colaboração com a Justiça Portuguesa, ao não se remeter ao silêncio, mostrando arrependimento, ajudando na descoberta da verdade, e sendo certo que o silêncio dos demais arguidos não pode nunca prejudicar os mesmos, também devia e deve ser tido em conta para a atenuação da sua pena; a condição social desfavorável do arguido, com as dificuldades de vários níveis que hoje bem sabemos, são patentes nos fluxos migratórios e que tornam mais débeis e suscetíveis tais pessoas, acicatou o aproveitamento e instrumentalização que a arguida fez do arguido CC e dos demais, o que também deve ser obviamente considerado para a medida da pena em ordem ao efeito ressocializador no agente do crime.
31. Estes factos deviam ter sido ponderados e tidos como atenuantes e não o foram, não merecendo qualquer ponderação, consideração e acolhimento por parte, quer do Tribunal de 1.ª instância, quer do Tribunal a quo.
32. Pelo que é nosso entendimento que o quantum da pena a que o arguido foi condenado (14 anos e 6 meses de prisão) irá coartar a possibilidade de ressocialização e recuperação deste, ultrapassando a pena a medida da culpa, em violação do disposto nos artigos 40.º n.º 1 e 2 e 71.º, ambos do Código Penal. Deverá assim o Venerando Tribunal ad quem, aplicar ao Recorrente uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias a que aludimos, situando-se a mesma perto dos limites mínimos da pena aplicável ao crime em questão, no sentido de ser realizado de forma adequada as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade, de acordo com o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
E. Da declaração de perda dos bens a favor do estado
33. Entendeu o Digníssimo Tribunal a quo dar provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público sobre a questão da perda dos bens a favor do Estado, condenando o arguido a pagar a quantia de 4.375 euros.
34. Perfilhamos o entendimento do Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância, e que nos parece mais coadunante com a interpretação da Lei, de que a proposta de pagamento dos 150.000 euros não representa uma recompensa nos termos do artigo 111.º n.º 1 do Código Penal, dado que não houve uma materialização concreta da mesma, pelo que não se pode falar aqui de alguma “vantagem” inerente aos factos ilícitos típicos praticados.
35. A essência ou a significação político - criminal do que no artigo 111º, do Código Penal se estipula (particularizando, de algum modo, a filosofia que, no geral, informa a regulamentação da perda de instrumentos, produtos e vantagens, inserto no Capítulo VIII DO Título III – Das consequências Jurídicas do facto), alcança-se a partir de uma tonalidade ampla a conferir ao termo “vantagem” (encarada esta ao lado dos objetos, instrumentos, produtos e direitos relacionados com o ilícito praticado ou deste oriundos) ou seja numa perspetiva abrangente, quer da recompensa dada ou prometida ao agente delitivo, quer de todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime (fato ilícito) em que, através dele ou por via dele, haja sido conseguido.
36. E a alguma distinção (ou, melhor dizendo, a diferenciação em capítulo daqueles que rege o destino do ilicitamente obtido) apercebível no confronto entre o regime de perda (a favor do Estado) relativo a objetos, instrumentos e produtos, por um lado e o regime de perda de vantagens (ainda a favor do Estado) por outro, encontra plausível justificação, mesmo que sob a égide de um escopo, no fundo, comum; a legitimar a perda dos objetos, instrumentos e produtos do crime acha-se, em primeira linha, a sua perigosidade (e decorrente adequação) imediata ou potencial para a prática de crimes, ao passo que a perda de vantagens assenta, primacialmente, num desiderato ditado, não só por razões de prevenção geral da criminalidade ou da conveniência da criminalidade ou da conveniência de uma acrescida censura ao desvalor das condutas desenvolvidas mas, sobretudo, pela necessidade de se estabelecer uma efetiva (normativamente efetiva) objetividade à ideia tradicional (porém sempre atual e perdurável) de que se o crime não compensa, importa que se obste e é fundamental que se impeça que, na prática, compense ou possa compensar.
37. Regime, sem dúvida, inspirado no que a doutrina alemã pretende (e tem vindo) a proclamar - a propósito do instituto (inegavelmente paralelo) da VERFALL - falando da indispensabilidade ético - jurídica do aniquilamento do proveito patrimonial, ínvia e perversamente, obtido e, consequentemente, da não tolerância, por parte do Estado, de situações patrimoniais anti - jurídicas e apontando para a premência de se operar a restauração da ordenação dos bens em correspondência, consonância e conformidade ao direito e com o direito.
38. Perante este preceito, não se configuram reservas quanto a que, no caso “sub júdice” e face ao factualismo provado (ou melhor, não provado) foi ilegítima a decisão de condenação proferida pelo Tribunal a quo, por a alegada proposta de pagamento de € 150.000,00 não representar uma “recompensa” para efeitos do normativo em apreciação, visto que não chegou a obter a sua materialização concreta, isto é, não se provou que o apontado valor fosse para quem fosse e em que medida.
39. Pelo que, com o devido respeito, não podia o Tribunal a quo ter determinado a condenação dos arguidos no pagamento de certa quantia a favor do Estado a título de recompensa obtida pelo cometimento do crime - no caso do ora recorrente no pagamento da quantia de € 4.375,00 - com a seguinte fundamentação: “Sendo certo que não se apurou em que medida beneficiou cada um dos arguidos da vantagem recebida, não será descabido considerar que terão beneficiado em igual medida e será nesses termos que se decretará a condenação”.
40. Ora com todo o respeito, a Justiça não se coaduna com o que “ é descabido ou deixa de o ser”! A Justiça (penal) prima pela descoberta da verdade material condenando os agentes em conformidade!
41. Sem embargo destas exigências, contudo indispensáveis, a verdade é que o ora recorrente nunca acordou o que quer que fosse com a arguida AA, nomeadamente, não se provou que esta lhe fez alguma proposta, qual o seu conteúdo concreto, bem como não se sabe qual a contrapartida (se sequer existiu) e não se sabe se o ora recorrente recebeu qualquer contrapartida antes ou depois dos acontecimentos.
42. Também, o ora recorrente, nunca, em qualquer altura, exigiu da arguida, ou dos filhos dela, qualquer quantia em dinheiro ou outra coisa como contrapartida do que quer que fosse.
43. Pelo que, também no que concerne a este aresto deve o Acórdão ser revogado, absolvendo o ora recorrente da condenação no pagamento ao Estado da quantia de € 4.375,00, nos termos retro alegados.
A final pede que o recurso seja «julgado procedente, por provado, e consequentemente ser a douta sentença revogada e substituída por outra que vá de encontro às pretensões acima versadas».
4. No Tribunal da Relação, o Senhor procurador-geral adjunto, na resposta à motivação dos recursos, pronunciou-se no sentido da improcedência dos mesmos e da manutenção, in totum, do acórdão recorrido, por, em seu entender, «a matéria de facto do acórdão recorrido se dever ter por definitivamente fixada», não ocorrer nenhum depoimento indireto da testemunha DD, e deverem manter-se as penas impostas, por se mostrarem «abaixo do limite imposto pela culpa» e, especificamente quanto à recorrente, «a pena foi fixada com critério de equilibrada proporção, ainda assim abaixo do ponto médio da moldura, também não longe do que era ditado pelas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (…)».
5. Neste Supremo Tribunal, o Senhor procurador-geral adjunto emitiu parecer de não provimento do recurso, argumentando, como questão prévia, que, «está liminarmente subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal (STJ)» a pena parcelar imputada ao crime de extorsão na forma tentada, aplicado aos arguidos BB e CC, atenta a “dupla conforme” verificada entre as decisões da 1.ª instância e da Relação, e assim, «não sendo assim já passível de reexame, no âmbito do presente recurso, este segmento do decidido, segue-se que não poderá este deixar de ficar confinado, apenas, às questões que se prendam com o crime de homicídio qualificado, com inclusão, obviamente, da medida quer de cada uma das penas parcelares aplicadas por esse crime, quer da pena única aplicada em cúmulo jurídico, porque todas superiores a 8 anos de prisão».
Sobre o mérito, o Senhor procurador-geral adjunto expressa-se no sentido da rejeição dos «recursos nos segmentos em que os recorrentes convocam a reapreciação de questões (…) [relativas à] impugnação da decisão e facto, vícios/nulidades da decisão e medida concreta das penas parcelares pelo crime de extorsão, por manifesta improcedência e/ou inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos arts. 432.º, n.º 1/b), 400.º, n.º 1/f) e 420.º, n.º 1, alíneas a) e b), com referência ao art. 414.º, n.os 2 e 3, todos do CPP», e que seja confirmado, «quanto ao mais, o veredicto condenatório proferido, do Tribunal da Relação».
6. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, os recorrentes nada disseram.
7. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
8. As questões, cuja reapreciação é requerida, tal como resultam das conclusões formuladas, nessa medida repisando as suscitadas no recurso para o Tribunal da Relação e que não obtiveram sucesso, respeitam, no essencial, ao reexame da matéria de facto, à sua qualificação jurídica, à medida da pena e à declaração de perda a favor do Estado.
9. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. Fundamentação
a. Enquadramento e questões a debater
Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o nº 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.
A esta luz, as questões que agora se desenvolvem e cuja reapreciação é requerida e foram antes enunciadas são, no essencial, as seguintes:
a) Reexame da matéria de facto, quanto à «valoração das declarações de co-arguidos» (Conclusões A a GG da recorrente), à «contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova» (conclusão B da recorrente), e à valoração da prova indirecta (Conclusões HH a YY da recorrente, e, se bem se ajuíza, conclusões 9 e 17 da motivação dos recorrentes BB e CC), a erros de julgamento, nomeadamente no quadro do vício da insuficiência da matéria de facto provada e da violação dos princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reu e presunção de inocência (Conclusão 17.ª da Motivação dos arguidos BB e CC);
b) A qualificação jurídica dos factos quanto aos crimes de homicídio e de extorsão, este na forma tentada (Conclusões 20.ª a 27.ª do recorrente CC, e 18.ª a 32.ª do recorrente BB);
c) Medida da pena (Conclusões ZZ a DDD da recorrente) e das parcelares e da pena única (Conclusões 28.ª a 32.ª do recorrente CC e 33.ª a 37.ª do recorrente BB), que, em qualquer dos casos, seriam de reduzir;
d) Declaração de perdimento a favor do Estado da recompensa, nos termos do artigo 111.º do CPP, que todos impugnam (Conclusões EEE a TTT da recorrente, 33.ª a 43.ª do recorrente CC, e 38.ª a 46.ª do recorrente BB).
b. Matéria de facto fixada
A 1.ª instância deu como provada e não provada e a Relação confirmou, a matéria de facto seguinte, que se transcreve na totalidade, exceto na parte respeitante aos demais arguidos não recorrentes:
«1 – a arguida AA casou com FF em 1970, com quem partilhou mesa, habitação e trato sexual durante cerca de 40 anos;
2 – a arguida AA manteve sempre uma grande animosidade para com o aludido FF, durante e após o casamento;
3 – em particular, a partir da altura em que considerou que o FF tinha desbaratado as poupanças conseguidas pelo seu esforço de muitos anos em um negócio fraudulento celebrado com uma pessoa conhecida por “Lancha”, os episódios de discussões, insultos e agressões mútuas entre a arguida e o referido FF começaram a suceder com muita frequência (chegando mesmo o último a receber tratamento médico em pelo menos uma ocasião);
4 – em algumas das discussões aludidas no ponto 3 (da presente factualidade assente) a arguida disse ao mencionado FF que haveria de o matar;
5 – o FF e a arguida acabaram por se divorciar em 2006;
6 – não obstante a circunstância referida no ponto 5 (destes factos provados), a arguida e o FF continuaram a partilhar mesa, cama e habitação até momento não concretamente apurado do ano de 2009, altura em que passaram a viver em diferentes residências;
7 – apesar da separação de facto, a arguida continuou a entrar na casa ocupada pelo FF (utilizando para o efeito uma chave da respectiva porta de entrada que mantinha na sua posse), rondando (algumas vezes de automóvel) as imediações, verificando quem se encontrava naquela habitação, e chegando mesmo a insultar quem julgava manter relações amorosas com o seu ex-marido;
8 – em Novembro de 2008, a arguida e o FF começaram a discutir a partilha dos bens resultantes da comunhão do casamento, problema que criou uma nova fonte de conflitos entre ambos, que se foram tornando cada vez mais graves;
9 – em 28 de Maio de 2010, a aludida questão da partilha de bens ainda não se encontrava resolvida, continuando a gerar conflitos de diversa ordem entre eles;
10 – assim, a arguida continuava a entrar na casa de habitação ocupada pelo FF e a retirar de lá objetos;
11 – os arguidos HH, Dacian Andrei Stoica, Sorin Nadaban,BB e CC Miczik são todos de nacionalidade romena e pertencem, todos eles, ao mesmo agregado familiar, centrado na figura de Ioan Nabadan, que é irmão de Sorin Nabadan, sogro de Dacian Stoica e padrasto deBB e CC Miczik;
12 – na altura dos factos ora em discussão, os arguidos mencionados no ponto 11 (destes factos provados) viviam todos juntos na Ladeira do Seminário, n.º 46, 1º andar, em Coimbra;
13 – alguns meses antes de 28 de Maio de 2010 a arguida travou conhecimento com os arguidos referidos no ponto 11 (da presente factualidade assente) através do arguido CC Miczik – único que falava com alguma fluência o português –, ao cruzarem-se nas feiras da Tocha, Portomar e Montemor-o-Velho, onde a arguida vendia frutas, produtos hortícolas e enchidos e os arguidos procediam à venda de pensos rápidos e almanaques “Borda d’Água”;
14 – após algum tempo de contacto com os arguidos, no qual lhes ofereceu, por mais do que uma vez, enchidos, em altura não concretamente concretizada mas diversas semanas antes de 28 de Maio de 2010, aquando da realização da feira de Portomar, a arguida pediu aos arguidos CC Miczik e Sorin Nadaban para matarem o FF, prometendo pagar a quantia de € 150.000 em contrapartida, tendo estes dois arguidos aceitado a proposta;
15 – em altura não concretamente determinada, mas algum tempo após terem aceitado a proposta aludida no ponto 14 (da presente factualidade assente), o arguido CC Miczik falou com os arguidos Dacian Stoica eBB no sentido de estes também colaborarem na morte do FF e partilharem a contrapartida prometida, no que os mesmos acordaram;
16 – para a concretização do acordado, a arguida informou os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB de diversos elementos relevantes da vida do FF, descrevendo com minúcia os hábitos deste último (designadamente dando-lhes a conhecer que o mesmo costumava frequentar a Igreja Evangélica da Vila Maria, Praia de Mira, todas as sextas-feiras, entre as 20 horas ou 21 horas e as 22 horas e 30 minutos);
17 – em altura não concretizada, a arguida explicou ainda a forma como se deveria entrar na casa do FF, nomeadamente deslocando-se até às suas imediações com os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB, indicando-lhes a janela da residência por onde deveriam entrar;
18 – a arguida também ofereceu ao arguido CC Miczik um telefone móvel para poderem contactar uns com os outros e discutirem a melhor forma de concretizarem o objetivo acordado;
19 – os arguidos Sorin Nadaban e CC Miczik fizeram ainda algumas deslocações à zona onde a arguida e o FF viviam, de forma a familiarizarem-se com tal zona, o que fizeram em automóvel(eis) de características e matrícula(s) não concretamente apuradas;
20 – para pagamento do valor acordado, a arguida entregou, em diversas ocasiões, diferentes valores aos arguidos CC Miczik e Sorin Nadaban, sempre em dinheiro, que depois os distribuíam entre si e com os arguidos Dacian Stoica eBB;
21 – assim, em data anterior a 28 de Maio de 2010 a arguida começou por entregar ao arguido Sorin Nadaban, na feira onde se encontravam, € 1.000, colocados no interior de um embrulho contendo chouriças;
22 – os restantes valores entregues pela arguida só viriam a ocorrer após o dia 28 de Maio de 2010, nos moldes infra referidos nos pontos 36, 37 e 38 (da presente factualidade provada);
23 – por causas não apuradas, havia muitos anos que o FF se encontrava privado da perna direita, que lhe fora amputada pelo seu terço médio, movendo-se com recurso a uma prótese;
24 – no dia 28 de Maio de 2010, alguns minutos antes das 22 horas e 30 minutos, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB dirigiram-se à residência do aludido FF, sita na Rua Principal, Videira do Sul, Praia de Mira, área da comarca de Mira;
25 – aí chegados, os mencionados arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB deslocaram-se para as traseiras da casa, saltaram o muro e transpuseram uma porta de acesso ao quintal, cortaram o vidro da janela do telheiro com um instrumento que levaram consigo, acederam ao respetivo fecho, abrindo assim a janela por dentro e entrando no interior da casa;
26 – os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB dividiram-se então por várias divisões e aguardaram pela chegada do FF, escondendo-se por detrás de portas;
27 – quando o FF retornou à sua residência, por volta das 22 horas e 30 minutos, o arguido Dacian Stoica surpreendeu-o por de trás e empurrou-o para o chão, o que conseguiu facilmente uma vez que, por causa da sua deficiência física, o FF perdeu imediatamente o equilíbrio;
28 – ato contínuo, os arguidos Dacian Stoica e Sorin Nadaban desferiram vários murros no FF, enquanto o arguido CC Miczik lhe colocou a mão na boca para que ele (FF) não gritasse;
29 – de seguida, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB, usando fita adesiva espessa, de cor prateada, ataram as mãos ao FF à frente do seu corpo, tapando-as completamente, após o que fizeram sucessivas laçadas entre a boca e a parte de trás do pescoço, tapando-lhe a boca;
30 – então, fazendo uso de instrumento(s) de natureza contundente não concretamente determinado(s), os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB desferiram múltiplas e violentas pancadas no corpo do FF, preferencialmente na zona da cabeça e do tronco;
31 – a certa altura, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB transportaram o FF para o quarto e colocaram-no em cima da cama, onde depois veio a ser encontrado;
32 – com a conduta descrita, os arguidos causaram ao FF diversas lesões, designadamente infiltração sanguínea intensa fronto-parieto-temporo-occipital esquerda e da região parietal direita e dos músculos temporais (mais intensa no esquerdo), hemorragia subaracnoideia ao nível da convexidade dos lobos parietais, embebição acentuada das meninges, amígdalas infiltradas de sangue, mais acentuada à direita, zonas de infiltração sanguínea do terço posterior da língua, infiltração sanguínea do masséter esquerdo e da região zigomática do mesmo lado, e infiltrações sanguíneas da inserção mandibular esquerda do plastima e da face posterior do esternocleidomastoideu no seu terço superior;
33 – as lesões traumáticas da cabeça acabadas de referir, associadas à sufocação facial, foram causa direta da morte do FF, ocorrida algum tempo depois da factualidade que vem sendo descrita, embora em momento não concretamente apurado anterior à madrugada do dia 31 de Maio de 2011 (altura em que o corpo veio a ser encontrado);
34 – após colocarem o FF em cima da cama, nos termos mencionados no ponto 31 (dos presentes factos provados), e de forma a simularem um assalto, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB reviraram todos os objetos da casa, deixando-a em um estado de absoluta desarrumação, apesar de não terem levado qualquer objeto de valor para além de uma aliança, uma cruz e dois anéis em ouro, e cerca de € 500 que encontraram dentro de uma gaveta, sendo certo que depararam também os arguidos, no interior da residência do FF, com outros objetos em ouro, um computador e uma arma caçadeira, dos quais não se apoderaram;
35 – seguidamente, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB colocaram-se em fuga do local;
36 – em um dos dias imediatos à morte do FF, na estação de serviço “Repsol”, próxima da estação de comboios vulgarmente conhecida por “Coimbra B”, em Coimbra, a arguida entregou ao arguido Sorin Nadaban outros € 4.000 em dinheiro;
37 – cerca de um mês depois, em finais de Junho de 2010, em local não concretamente apurado, a arguida entregou mais € 11.500 em dinheiro ao arguido Sorin Nadaban;
38 – e em finais de Julho de 2010, igualmente em local não concretamente apurado, a arguida entregou aos arguidos Sorin Nadaban e CC Miczik outros € 1.000 em dinheiro;
39 – ao todo, os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB receberam da arguida o pagamento da quantia de € 17.500, que partilharam entre eles em moldes não concretamente apurados;
40 – após o último encontro acima descrito no ponto 38 (desta factualidade assente), a arguida passou a esquivar-se a qualquer contacto com os arguidos CC Miczik, Sorin Nadaban, Dacian Stoica eBB e, com medo da reacção destes, fugiu para França pouco tempo depois, para junto de familiares que aí residiam;
41 – os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica, por sua vez, tentaram saber onde se encontrava a arguida, rondando a zona da casa desta em automóvel(eis) de marca(s) e características desconhecidas, e perguntando a vizinhos pelo seu paradeiro, a fim de com ela contactarem e lhe exigirem o pagamento do remanescente dos € 150.000 prometidos;
42 – fruto das apontadas diligências, os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica ficaram a saber que a arguida se encontrava em França;
43 – os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica tomaram então a iniciativa de redigir uma missiva e, em dia não concretamente apurado mas situado na primeira semana do mês de Abril de 2011, colocaram-na na caixa de correio da residência da arguida, sita na Rua Travessa da Floresta, Videira do Sul, Praia de Mira, área da comarca de Mira;
44 – o teor da dita missiva foi congeminado pelos arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica e escrito em português pelo arguido CC Miczik, sendo tal carta dirigida aos filhos da arguida João Pedro dos Santos Caetano e Marta Marlene dos Santos Caetano;
45 – a missiva tem o seguinte conteúdo: «Olá eu sei que você é o filho da Sra. AA urgentemente conta a sua mãe chegar em casa porque não quero fazer mal você mas se no final do mês não voltar para casa fazemos mal temos a mão a você todos três a você a tua mãe é tua irmã a tua mãe esta envolvida conosco para fazer um serviço lembraste da morte do teu pai nos matamos o teu pai e a tua mãe esta junto conosco e ela diz que ia pagarnos 150.000 euros mas ela agora esqueceu se de nos e ela já não aparece para pagarnos o dinheiro … neste caso tomamos medidas urgentes em sua correspondência em seu terno porque sabemos que ela ainda tem dois filhos e vou pagar junto com a sua mãe se você não resolver nossa situação financeira. Entretanto esperamos que ate final do mês conta a sua mãe pra não escondem pra vir a darnos o dinheiro e depois todos os problemas vou ser resolvida mas se não vier fazemos mal mandamos a prisou a você»;
46 – de acordo com um plano previamente delineado e em colaboração e a partir da proposta da arguida, os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB agiram com o propósito concretizado de causar as lesões acima descritas no corpo do mencionado FF, bem sabendo que dessa forma provocavam a morte do mesmo, como pretendiam e conseguiram, e apesar de saberem que o faziam em colaboração com mais quatro pessoas e contra pessoa particularmente indefesa em razão da circunstância física de ter uma perna amputada;
47 – os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB agiram em conformidade com o acordado com a arguida, com a intenção de receberem o pagamento de € 150.000 que esta prometeu em contrapartida;
48 – a arguida agiu com o propósito concretizado de, oferecendo a referida contrapartida pecuniária, determinar os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB a matarem o FF, apesar de estar bem consciente de que tinha sido casada com este, pai dos seus três filhos;
49 – os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB e a arguida atuaram ainda com reflexão sobre os meios empregados, estudando a casa e os hábitos do FF para encontrarem a melhor forma de concretizarem os seus intentos, persistindo na intenção de matar a vítima por, pelo menos, várias semanas;
50 – os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB agiram também com o propósito de obrigar a arguida e os seus dois filhos João Pedro Caetano e Marta Marlene Caetano a pagarem-lhes € 150.000, fazendo-lhes crer que, caso não procedessem dessa forma, lhes fariam algum mal físico ou denunciariam à autoridade;
51 – os arguidos Dacian Stoica, Sorin Nadaban, CC Miczik eBB e a arguida agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, apesar de saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
(…)
61 – o arguidoBB chegou a Portugal em 2010, provindo da Roménia, seu país natal, acolhendo-se durante algum tempo em casa de um primo, há diversos anos radicado no nosso país;
62 – vive maritalmente, e tem uma filha com três anos de idade;
63 – trabalhou na construção civil e, posteriormente, distribuiu jornais e revistas nas vendas ambulantes;
64 – não tem antecedentes criminais;
65 – o arguido CC Miczik é, também ele, imigrante romeno, encontrando-se em Portugal desde 2004, acolhendo-se em casa de um primo durante algum tempo;
66 – vive maritalmente, e é pai de dois filhos menores (com quatro e dois anos);
67 – trabalhou na construção civil e na instalação de gás, tendo também vendido jornais e revistas;
68 – não tem antecedentes criminais;
69 – a arguida é tida por pessoa muito trabalhadora, recebendo, sobretudo aos fins-de-semana, o auxílio da sua filha no exercício da atividade de feirante;
70 – goza de rendimentos advindos do seu trabalho que lhe permitem uma vida absolutamente não dependente de quem quer que seja;
71 – os seus filhos sempre estiveram mais próximos da arguida – a quem continuam sempre a apoiar – do que do falecido FF;
72 – a arguida não tem antecedentes criminais.
*
Não há outros factos provados com relevo para a decisão da causa.
Assim, e designadamente, não se provou que:
- no mês anterior à morte do FF haja ocorrido uma audiência judicial conexa com as partilhas a efetuar entre ele e a arguida;
- nos dias imediatamente anteriores à sua morte haja o FF revelado a diversas pessoas a intenção de impugnar judicialmente uma escritura de justificação celebrada pela arguida e incidente sobre um terreno explorado por aquele;
- se haja a arguida queixado aos arguidos HH, CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica de ser vítima de maus-tratos infligidos pelo FF;
- a proposta acima referida no ponto 14 (dos factos assentes) haja ocorrido no parque de estacionamento de pesados existente na feira de Portomar;
- a conversa supra aludida no ponto 15 (da matéria fáctica provada) haja acontecido no “Café Avenida”, em Coimbra;
- hajam os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica contado ao arguido HH o seu plano, que se dispôs a ajudá-los a concretizá-lo, nomeadamente disponibilizando e conduzindo o seu automóvel de marca “Rover” e matrícula 35-93-IO, para o que fosse necessário;
- imediatamente após o acordo supra mencionado no ponto 15 (dos factos provados) haja a arguida efetuado uma deslocação automóvel em conjunto com os arguidos CC Miczik e Sorin Nabadan, seguindo ela à frente em uma carrinha de marca “Volkswagen” e modelo “Transporter”, enquanto os arguidos rodavam atrás no automóvel de marca “Rover” e matrícula 35-93-IO, e deslocação na qual haja a arguida sinalizado com o “pisca-pisca” quando passou pela casa do FF e pela igreja que este costumava frequentar, assim identificando esses locais;
- nas ocasiões acima referidas no ponto 19 (da matéria factual provada) se hajam deslocado os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica no automóvel de marca “Rover” e matrícula 35-93-IO, pertencente e conduzido pelo arguido HH;
- em uma ocasião, em altura não concretizada mas em um domingo, algumas semanas antes do dia 28 de Maio de 2010, entre as 16 horas e as 17 horas, haja a arguida encontrado os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica em uma estação de serviço sita na estrada que liga Mira a Febres, dando-lhes € 500 em um saco com chouriças;
- o facto supra mencionado no ponto 37 (da factualidade assente) haja acontecido em uma zona de pinhal junto a um entroncamento com a estrada que dá acesso ao parque de campismo da Praia de Mira;
- o facto supra referido no ponto 38 (dos factos provados) haja ocorrido junto ao parque de campismo da Praia de Mira, tendo os arguidos Sorin Nadaban e CC Miczik aguardado no automóvel de marca “Rover” e matrícula e 35-93-IO, pertencente ao arguido HH;
- ao todo, hajam os arguidos recebido da arguida o pagamento de € 20.000;
- em troca da ajuda prestada, nomeadamente pela disponibilização do seu automóvel, hajam os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica entregado ao arguido HH € 840 quando receberam o primeiro pagamento de € 4.000 e € 320 quando receberam o segundo pagamento de € 11.500;
- ao praticarem o facto supra descrito no ponto 41 (dos factos assentes) circulassem os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica no automóvel de marca “Rover” e matrícula e 35-93-IO, pertencente ao arguido HH;
- para além da referida supra nos pontos 43, 44 e 45 (da factualidade provada), hajam os arguidos redigido uma primeira missiva de teor não concretamente apurado, mas contendo a frase “fugiste mas hás-de pagar o que fizeste”, que colocaram, na primeira semana do mês de Abril de 2011, na caixa de correio da residência da arguida;
- haja também o arguido HH colaborado com os arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica na congeminação da carta acima aludida nos pontos 43, 44 e 45 (dos factos assentes), assim procurando também ele (HH) obrigar a arguida e os seus dois filhos João Pedro Caetano e Marta Marlene Caetano a pagarem-lhes € 150.000;
- em Agosto de 2011, em altura não concretizada mas em um domingo, na feira da Tocha, e estando já a arguida em Portugal, se haja o arguido CC Miczik, acompanhado por todos os outros arguidos, dirigido à arguida, dizendo-lhe “viemos aqui para buscar o resto do dinheiro do nosso trabalho”, respondendo a arguida que não dava mais nada e retorquindo-lhe o arguido CC Miczik que se iria arrepender, aludindo à família daquela mesma arguida;
- haja o arguido HH agido com o propósito de auxiliar a concretização do plano e a ação dos arguidos CC Miczik,BB, Sorin Nabadan e Dacian Stoica, disponibilizando a sua viatura para o que fosse necessário e conduzindo a mesma em várias deslocações à zona onde o FF e a arguida viviam, agindo o arguido HH com o intuito de beneficiar com parte dos pagamentos que os outros arguidos viessem a receber pela morte do FF, o que conseguiu.»
c. Reapreciação da matéria de facto
c1. Competência do Supremo Tribunal
1. Em matéria de recursos, o artigo 434.º do CPP preceitua que o Supremo Tribunal de Justiça só conhece de direito, salvo o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, e o artigo 432.º do mesmo código, com a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», estabelece na alínea b) do n.º 1, que recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de «decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º», sendo que este artigo, no n.º 1, alínea f), preceitua não ser admissível recurso, de «acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
Nesta formulação, que resulta da redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de tribunal da Relação que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique penas de prisão inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1.ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.
É jurisprudência pacífica[1] que «[n]ão é possível ao STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas quando se está perante penas de prisão inferiores a 8 anos e foram confirmadas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, pelo que o objeto do recurso terá de respeitar apenas à medida única da pena aplicada, (…)», pois que «com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos.»[2]
A restrição assinalada vale, também, para as situações em que são arguidos vícios, como os alegados pelos recorrentes, consubstanciados no erro de julgamento da matéria de facto, relativos à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previstos na alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º, por se entender uniformemente que «o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista», sendo «inadmissível o recurso do arguido no segmento em que visa o reexame da matéria de facto sob a alegação de que a prova foi incorretamente apreciada e que o acórdão da Relação enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova.»[3]
2. Não obstante a restrição da cognição do Supremo Tribunal de Justiça a matéria de direito, o Supremo Tribunal pode, porém, conhecer oficiosamente[4], dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, tratando-se de vício que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
No entanto, apreciar tais vícios não significa apreciar matéria de facto, que ficou estabilizada com o acórdão do tribunal recorrido, sobre a qual não é admissível recurso.
3. Alegam os recorrentes questões relativas à violação dos princípios in dúbio pro reo e da presunção de inocência (Flavius e CC) e da livre apreciação da prova (todos eles).
O acórdão recorrido equacionou e apreciou, em detalhe, a questão dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, suscitados pelos arguidos, concluindo que nenhum deles se verificava.
Nele se refere: «Quanto aos vícios invocados pela recorrente AA, relativamente à «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», por «os factos provados não [serem] (…) suficientes para lhe imputar a autoria do crime na forma de instigação, partindo do pressuposto de que a instigação consiste na determinação de outra pessoa desprovida de dolo à pratica do facto ilícito, exigindo-se um duplo dolo, (…) quanto à determinação do instigado e (…) quanto ao facto concreto cometido pelo instigado», «só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final», que no caso não ocorre, pois, socorrendo-se da melhor doutrina, «a factualidade provada reflete essa realidade jurídica e permite a imputação criminal efetuada, não padecendo a decisão recorrida do vício de insuficiência assacado».
Quanto aos vícios invocados pelos recorrentesBB e CC Miczik, estes «fazem referência aos vícios das alíneas a) e c) do artigo 410º, nº 2 do CPP, mas no âmbito da impugnação da matéria de facto em patente confusão entre os fundamentos de recurso autonomamente previstos nos artigos 410º, nº 2 e 412º, nºs 3 e 4 do CPP. Na verdade apenas referem insuficiência da prova produzida e erro de julgamento em função dessa insuficiência, o que não se confunde com os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto, que tem os contornos acima expostos, e de erro notório que será o reconhecível pela simples leitura da decisão recorrida.» Por isso, e «[p]elas razões que constam da apreciação da impugnação de facto realizada a propósito da compatibilidade dos meios de prova produzidos, suas congruências e incongruências, e resultados conclusivos a que permitiram chegar torna-se patente que a decisão recorrida está isenta dos assacados vícios que o recorrente extraia da visão parcelar e descontextualizada da análise crítica da prova que se encontra exposta. E caso ocorressem tais vícios estaria este tribunal habilitado a supri-los por ter ocorrido impugnação da matéria de facto.»
Afigura-se evidente que a alegada violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo não encontram nenhum suporte no contexto da decisão recorrida, sendo que, mesmo a incorreta apreciação da prova não colide com tais princípios[5] e, quanto àquele último, o mesmo só se verifica quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido, uma vez que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto.
No presente caso, sobressai das decisões que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto daqueles que consideraram provados, razão pela qual é de concluir ser infundado o recurso nesta parte.
C2. Declarações de co-arguido
A recorrente AA convoca também a questão da validade da prova obtida pelas declarações de co-arguidos, reiterando o pedido já formulado perante a 2.ª instância.
A este propósito, o acórdão recorrido depois de equacionar a questão, que se traduz «em saber como deveríamos valorar a menção, por parte dos arguidosBB e CC Miczik, da intervenção dos co-arguidos Sorin Nadaban e Dacian Stoica – e, evidentemente, da coarguida – na perpetração dos factos que culminariam na morte do FF, co-arguidos estes (a arguida, o arguido Sorin Nadaban e o arguido Dacian Stoica) que, como vimos, não prestaram quaisquer declarações em audiência», responde, de forma detalhada e circunstanciada, com apelo a elementos factuais, normativos, doutrinários e jurisprudenciais, «não resultar do nosso processo penal, até à revisão levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, qualquer proibição das declarações do co-arguido mesmo em relação aos demais co-arguidos (na redação do art. 345º C.P.P., dada pela aludida Lei n.º 48/2007, aliás, não se estabelece propriamente uma proibição: só se diz, no seu n.º 4, que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder, ele mesmo, às perguntas a si dirigidas sobre os factos que lhe são imputados). E, de facto, não surge tal meio de prova (declarações de co-arguido) como proibido, à face dos arts. 125º e 126º C.P.P.» No entanto, acrescenta que «a valoração das declarações de um co-arguido em detrimento de outro co-arguido deverá fazer-se com cautela e prudência acrescidas, dado que não se filiam as mesmas em um dever de verdade (chancelado por um prévio juramento), mas antes em uma (pré-)disposição voluntária, por parte do co-arguido, de falar em audiência, que a qualquer momento pode ser modificada [cfr., quanto ao direito ao silêncio, o art. 61º/n.º 1-d) C.P.P., na redação conferida pela Lei n.º 48/2007]. Como se defendeu no Ac. S.T.J. de 19/12/96 (C.J. Ano XXI, tomo 3, págs. 214 e ss.), não resulta do art. 344º C.P.P. que não podem ser valoradas as declarações de um co-arguido quando haja co-arguidos que não confessem integralmente e sem reservas; o que o n.º 3-a) desse dispositivo afasta é a força probatória pleníssima e os efeitos previstos no n.º 2 do mesmo art. 344º.
Assim, tratando-se de crimes puníveis com pena de prisão superior a 3 anos (agora, 5 anos) e existindo co-arguidos que não confessaram integralmente e sem reservas, as declarações de um co-arguido constituirão um meio de prova válido a apreciar livremente «(...) segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» (art. 127º C.P.P.), embora, seguramente – e como ficou dito há pouco –, em um contexto cognitivo e valorativo (mais) exigente, integrado e contextualizado com os demais elementos probatórios recolhidos; «o juiz poderá (deverá) valorar tais declarações e, portanto, considerá-las no interior do próprio itinerário lógico, somente se e quando as mesmas resultem susceptíveis de confronto através de outros elementos probatórios cuja presença e cuja potencialidade corroborativa se ponham como conditio sine qua non para o emprego da própria declaração para fins decisórios» (Dr. António Medina de Seiça, “O conhecimento probatório do co-arguido”, Coimbra, 1999, pág. 219).»
Por isso, nada impede «um arguido de prestar declarações sobre factos de que denote conhecimento direto e que constituam objeto de prova, isto é, tanto sobre factos que só a ele digam diretamente respeito como sobre factos que também afetem outros co-arguidos (embora haja sempre que ter em conta, atualmente, a já citada norma do n.º 4 do art. 345º C.P.P.).»
A argumentação expendida mostra-se de acordo com a jurisprudência uniforme deste Tribunal[6], não merecendo censura. O acórdão recorrido acolheu as valorações constantes da 1.ª instância, que não relevam de qualquer proibição de prova, não deixando espaço à impugnação da recorrente, que recai sobre a matéria de facto, já insindicável, pelo que, nesta parte, o recurso tem de ser rejeitado.
C3. Valoração do depoimento da testemunha Manuel Tomásio,
Os três recorrentes, AA, nas conclusões HH a YY, e Romeo e Flavius, nas conclusões 9 e 17, da Motivação, questionam a valia do depoimento indireto da testemunha Manuel Tomázio, o que se reconduz à questão de direito da fiscalização do uso de eventual uso de meio proibido de prova.
O artigo 129º do CPP dispõe sobre «depoimento indireto», estabelecendo no nº 1 que «se do depoimento resultar que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas».
Num caso, este Supremo Tribunal entendeu, que «[m]uito embora se não possa dizer que exista uma proibição absoluta do testemunho de ouvir dizer (hearsay evidence rule), e que, consequentemente, o princípio hearsay is no evidence sofre limitações, assegurando, ainda assim, o processo penal todas as garantias de defesa e a conformação do processo como due process of law,»[7], no caso em apreciação, o depoimento da testemunha identificou a pessoa de quem ouviu dizer, que se encontrava presente na audiência e presenciou o testemunho, tendo tido plena oportunidade de o contradizer, sem o ter feito.
Sobre a questão, o acórdão recorrido, refere que «[d]o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 129º flui que, mesmo que se considerasse que o depoimento em causa é indireto; de ouvir dizer, ainda assim se teria de entender que se tratava de meio de prova legal porque o depoente identificou a pessoa de que ouviu dizer e esta estava presente em audiência, presenciou o depoimento e estava em condições plenas de contraditar o seu conteúdo». E acrescenta: «Mas quando a lei se refere a depoimento de ouvir dizer quer-se referir a uma outra realidade, aquela de quem presenciou determinado facto e o transmite a terceiro. O depoimento deste terceiro apenas pode ser válido se for identificada a pessoa através da qual foi adquirido o conhecimento e chamada a depor, salvas as exceções aludidas», ora, no caso, «a testemunha Valdemar Tomázio depôs sobre factos (conversas que a arguida teve consigo) que o próprio presenciou e não sobre conversas que a arguida tenha tido com terceiros, tratando-se de um depoimento direto.»
Não obstante, o acórdão recorrido ponderou todas as cautelas e não deixou de equacionar «se o depoimento pelas suas qualidades intrínsecas merece ou não valoração positiva no âmbito do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal», âmbito no qual concluiu que nele se «admite a chamada prova indirecta ou por presunção quando preceitua que a prova é apreciada segundo a livre convicção do julgador e as regras da experiência».
Em face do exposto, que se enquadra na linha jurisprudencial deste Supremo Tribunal[8], improcede a pretensão dos recorrentes.
d. Qualificação jurídica dos factos
Os recorrentes Flavius e Romeo contestam a qualificação jurídica dos factos feita pelas instâncias, alegando não ter resultado claro e sem margem para dúvidas que o homicídio do Sr FF tenha sido perpetrado pelos ou por qualquer um dos recorrentes, ou que eles tenham planeado e tido a intenção ou objetivo de assassinar a vítima, ficando apenas claro que apenas premeditaram e cometeram o crime de roubo, ambos, e extorsão, na forma tentada, este cometido apenas pelo Romeo (Conclusão 20.ª de cada uma das motivações dos recorrentes).
Ambos referem «ao não considerarmos como factos provados os constantes nos pontos 14, 15, 16, 17, 20, 26, 29, 30, 32, 34, 41 a 44, 46 a 50» (recorrente Flavius) e «13, 14, 15, 16, 17, 25, 26, 30, 32, 34, 46, 47, 48 e 49» (recorrente Romeo) dos factos provados «não se mostra preenchido o tipo objetivo e subjetivo de ilícito p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 al) c), e), h) e j) do Código Penal».
A alegação dos recorrentes assenta numa petição de princípio: recusar considerar como provados os factos que o tribunal aceitou como tais, em decisão insindicável. Os recorrentes não parecem objetar que os factos integrem o tipo penal por que foram condenados; o que não aceitam é a própria existência e valoração dos factos provados, atenta a sua versão que não foi acolhida e que com aqueles se não concilia.
Face aos factos provados, a 1.ª instância, em extensa fundamentação, acolhida implicitamente pelo acórdão recorrido, integrou-os nas referidas disposições normativas, e condenou os recorrentes pela prática, como coautores, de um crime de homicídio qualificado, conclusão que o acórdão recorrido aceitou e confirmou.
Perante a factualidade provada a qualificação operada não suscita dúvidas, tendo as instâncias feito correta subsunção dos factos ao direito, sendo de manter.
e. Da medida da pena
Neste âmbito importa delimitar o espaço de intervenção do Supremo Tribunal.
Quanto ao crime de homicídio qualificado, a recorrente foi condenada na pena de 18 (dezoito) anos de prisão, o recorrente Flavius na pena de 10 (dez) anos de prisão, e o recorrente Romeo na pena de 14 (catorze) anos de prisão.
Todos os recorrentes questionam a medida concreta das penas, que entendem dever ser reduzidas (Conclusões ZZ a DDD da motivação da recorrente AA, conclusões 33.ª a 37.ª do recorrente Fabius e conclusões 28.ª a 32.ª do recorrente Romeo).
No essencial alegam: a AA que tem 60 anos de idade, sem antecedentes criminais, beneficia de apoio familiar, sempre foi considerada uma mulher trabalhadora, contribuindo de forma útil para a sociedade e, desde que se encontra em reclusão, tem tido bom comportamento, pelo que, do cotejo, afigura-se que a aplicação de uma pena inferior, será mais justa e consentânea com as exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir»; o recorrente Flavius alega que a pena imposta «excedeu de forma minimamente considerável, o limite da culpa deste», por dever ser tido em conta não possui antecedentes criminais; regressou ao pais, entregando-se às autoridades Portuguesas, para com elas colaborar e com a Justiça, uma vez que era e é seu entendimento que não cometeu qualquer tipo de homicídio; tendo colaborado com a Justiça, não se remetendo ao silêncio e mostrando arrependimento, ajudando na descoberta da verdade, e ser menor de 21 anos de idade, à prática dos factos, e facilmente influenciado, factos que não foram ponderados nem tidos como atenuantes e acolhidos pelas instâncias, devendo ser aplicada uma «pena mais harmoniosa, proporcional e justa», face às circunstâncias aludidas e situada perto dos limites mínimos; o recorrente Romeo alega igualmente que a pena imposta «excedeu de forma minimamente considerável, o limite da culpa deste», por não ter sido tido em conta que não possui antecedentes criminais, estando fora do País, entregou-se às autoridades Portuguesas no sentido de colaborar com as mesmas e com a Justiça, uma vez que era e é seu entendimento que não cometera qualquer tipo de homicídio, tendo colaborado com a Justiça Portuguesa, não se remetendo ao silêncio e mostrando arrependimento, ajudando na descoberta da verdade, a condição social desfavorável do arguido, factos que não foram ponderados nem tidos como atenuantes e acolhidos pelas instâncias, devendo, também a este recorrente, ser aplicada uma «pena mais harmoniosa, proporcional e justa», face às circunstâncias aludidas e situada perto dos limites mínimos».
Ter-se-á presente que só poderão ser objeto de reexame as penas aplicadas pelo crime de homicídio qualificado aplicadas a cada um dos recorrentes e as penas do concurso, aplicadas aos recorrentes Flavius e Romeo, escapando a esse exame as penas parcelares impostas aos crimes de extorsão na forma tentada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (nº 2 do artigo 40.º do CP). Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP).
Sobre a determinação da pena e a caracterização dos elementos assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que[9]:
«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).
Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.
Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).
Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.»
Na determinação da medida da pena, o acórdão recorrido, depois de ter ponderado estas considerações gerais quanto à pena concreta e adequada», expressou-se nos seguintes termos:
«No tocante aos crimes de homicídio em questão as exigências de prevenção geral sobrelevam em grande medida e especialmente quando não concorrem circunstâncias que denotam uma diminuição sensível da necessidade da pena.
A natureza e circunstâncias desse crime tornam patente como a integração social não corresponde à integração nos valores penalmente protegidos e coabita com a possibilidade da prática dos crimes mais hediondos, sendo circunstância de muito diminuto valor atenuante e que é insuscetível de só por si prognosticar a emenda cívica, afirmação que tem especial cabimento no que concerne aos argumentos aduzidos pela arguida.
No caso concorrem várias circunstâncias qualificativas o que significa que as não necessárias à qualificação devem ser ponderadas como agravantes gerais.
E estando em causa o crime de maior gravidade, sem reparação possível, cometido em circunstâncias de particular violência, mostrando a face mais negra da natureza humana e tendo o doseamento das penas dos arguidos Romeo e Flavius merecido um critério manifestamente benevolente que as situa no mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico, cremos sem reservas que são de manter, mostrando-se abaixo do limite imposto pela culpa.
(…)
Mas o mesmo se diga em relação à arguida, que afinal foi quem encomendou a prática do crime e cujo comportamento suscita uma censura de grande intensidade correspondente ao seu elevado grau de culpa, afigurando-se que a pena foi fixada com critério de equilibrada proporção, ainda assim abaixo do ponto médio da moldura, também não longe do que era ditado pelas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, sendo de manter.»
A partir da factualidade provada, as instâncias consideraram os factos e as circunstâncias relevantes para a determinação da medida da pena que aplicaram aos recorrentes.
No tocante à recorrente AA, esta alega que, tendo 60 anos, sem antecedentes criminais, com apoio familiar, e tendo sido sempre considerada pessoa trabalhadora, contribuindo de forma útil para a sociedade, e com bom comportamento desde que se encontra em reclusão, deveria beneficiar de uma pena inferior, por ser mais justa e consentânea com as exigências de prevenção geral e especial.
Importa destacar que o bom comportamento em reclusão não está dado como provado e a idade, ao contrário do que sucedia com o Código Penal de 1886 (artigo 39.º, circunstância 3.ª), não é considerada expressamente circunstância atenuante; mesmo neste código, só a idade superior a 70 anos era atendida para aquele efeito[10].
As demais circunstâncias foram atendidas expressamente na dosimetria da pena em concreto, aludindo a 1.ª instância à inexistência de condenações anteriores e aos percursos de vida dos arguidos, com isso aludindo «à relativa inserção familiar e os hábitos de trabalho, especialmente em relação à arguida».
Quanto aos restantes recorrentes, para além da ausência de antecedentes criminais, também aqui de reduzido valor, e à relativa inserção familiar e hábitos de trabalho, decorrentes do que foi dado como provado nos pontos 62 e 63, quanto ao recorrente Flavius, e 66 e 67, quanto ao recorrente Romeo, nada mais do por eles alegado foi dado como provado.
E se as circunstâncias atenuantes são de reduzido valor, é desmedida a ilicitude, projetada do «brutal comportamento empreendido» por eles, e intenso o dolo, na forma direta, o elevado grau de violação dos deveres impostos aos agentes e os sentimentos manifestados por estes no cometimento dos crimes e dos motivos ou fins que os determinaram, e as personalidades dos recorrentes, ela «egocêntrica e calculista», eles «mercantilista» tudo conjugando para reputar as penas impostas em patamares abaixo dos limites impostos pela culpa e que se mantêm.
Improcedem, assim, os recursos nesta parte.
f. A pena única e o seu regime jurídico
f1. Quando o agente pratica uma pluralidade de crimes, formando um concurso efetivo de infrações, quer seja concurso real, quer seja concurso ideal, homogéneo ou heterogéneo, sem que tenha sido julgado e condenado, com decisão transitada, é-lhe aplicada uma pena única.
Cavaleiro de Ferreira[11] afirma que «[à] pluralidade de crimes (concurso real e ideal de crimes) corresponde uma pluralidade de penas aplicáveis. Mas a soma ou cúmulo material das penas, ainda que seja o princípio de que parte o sistema do código, é corrigida pela proclamação de um outro princípio, o princípio de que uma só pena - única e total – será imposta ao delinquente».
Os princípios gerais de determinação da pena única constam do artigo 77.º do Código Penal (CP), que estabelece as regras da punição do concurso. No n.º 1 prevê-se que, «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente», e no n.º 2, prescreve-se que «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, Maria João Antunes[12] explica que «o direito português adota um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico», observados os seguintes passos: «o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal da determinação até à operação de escolha da pena, uma vez que é relativamente à pena conjunta que faz sentido pôr a questão da substituição». Depois, «o tribunal constrói a moldura penal do concurso: o limite máximo é dado pela soma das penas aplicadas aos vários crimes, com os limites previstos no n.º 2 do artigo 77.º do CP (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa); o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes», em seguida, «o tribunal determinada a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP (…)», sendo que, «este critério especial garante a observância do princípio da dupla valoração», nos termos do qual, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta.
F2. Neste domínio, o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com «a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado», e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-).»[13]
F3. Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, devendo ter-se em conta não só os critérios gerais da medida da pena ínsitos no artigo 71.º do Código Penal, como também o critério especial constante do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal. A este propósito, o Supremo Tribunal ponderou que «no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo ‒ e apara além dos aspetos habitualmente sublinhados, como a deteção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade ‒ o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos.»[14]
É neste quadro teórico que se moverá a solução a dar ao caso em apreciação.
g. A medida da pena única
g1. Como se deixou dito, o Tribunal coletivo condenou e a Relação confirmou as penas únicas aplicadas ao recorrente Flavius – 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, do crime de homicídio qualificado [10 (dez) anos de prisão] e dos 3 (três) crimes de extorsão, na forma tentada [6 (seis) meses de prisão, por cada um deles] – e ao recorrente Romeo Miczik – 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, do crime de homicídio qualificado [14 (catorze) anos de prisão] e dos 3 (três) crimes de extorsão, na forma tentada [9 (nove) meses de prisão, por cada um deles].
Para a determinação daquelas penas únicas, que consideraram adequadas, a 1.ª instância, como no acórdão se menciona, atendeu ao que se estabelece no artigo 77.º do CP, e «o contexto que rodeou a prática dos factos, bem como a personalidade» dos agentes, considerandos que o acórdão recorrido volta a reiterar[15] e a afirmação que as penas impostas se situam abaixo do limite imposto pela culpa.
g2 Este Supremo Tribunal tem afirmado que «o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, pois agora aprecia-se a globalidade da conduta do agente e a sua personalidade referenciada a essa globalidade – razão por que esse juízo global exige uma fundamentação própria quer em termos de direito quer em termo de factualidade»[16].
Na formação da pena única importa guardar a visão de conjunto dos factos dados como provados e a conexão entre si, e surpreender da atividade desenvolvida pelo agente uma compreensão dos factos por referência à sua personalidade e aos demais critérios legais enunciados aos quais se conforme e encaixe a pena única a aplicar, tendo presente as exigências de prevenção especial e de prevenção geral.
As instâncias ponderaram essa visão de conjunto, como das respetivas decisões sobressai, tendo em atenção a desmedida ilicitude dos factos, essencialmente do homicídio, a intensidade dolo, e as consequências para a vítima, sem que se tenham provado a favor dos recorrentes factos que militem impressivamente a seu favor.
No contexto do caso concreto, o crime de homicídio assume um peso específico na conjugação dos ilícitos globais, contribuindo os três crimes de extorsão, na forma tentada, com penas de muito menor expressão para o cômputo final das penas aplicadas.
Tudo ponderado, valorando globalmente os factos e a personalidade do arguido, estando em causa um crime de homicídio e três crimes de extorsão, na forma tentada, tendo presente a moldura da punição do concurso, situada, para o recorrente Flavius, de 10 (dez) anos a 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, e para o recorrente Romeo, de 14 (catorze) anos a 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, à conexão entre eles, a natureza dos bens protegidos, a gravidade do crime de homicídio, afiguram-se ajustadas as penas únicas de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de prisão imposta ao recorrente Flavius e de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses imposta ao recorrente Romeo, penas que se confirmam, pelos mesmos fundamentos e pelo que mais se aduziu, por satisfazerem os interesses da prevenção, especial e geral, e não ultrapassarem a medida da culpa, de cada um.
Improcedem, assim, nesta parte, os recursos interpostos.
h. A declaração de perda da «recompensa, dada ou prometida»
h1. O artigo 111.º do Código Penal, sob a epígrafe «Perda de vantagens», estabelece no n.º 1 que «Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado», e, no n.º 2, que «São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.» Por último, com relevância, para o caso em apreciação, o n.º 4 preceitua que, «Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor».
Aplicando este preceito ao caso dos autos, o acórdão recorrido, afirmou «[p]arece-nos ser meridianamente claro o teor do artigo 111º, nº 1, do Código Penal no sentido de que toda a promessa de remuneração efetuada aos agentes do crime deve ser declarada perdida a favor do Estado, tenha ou não sido entregue, posto que a redação do preceito se refere a “recompensa dada ou prometida”. E estando em causa uma medida sancionatória compreende-se perfeitamente que quem se tenha disposto a recompensar alguém pela prática de um crime deva perder o valor que estava disposto a “dar”.»
h2. Os recorrentes, concordando que a perda de vantagens assenta exclusivamente na necessidade de prevenção (Conclusão JJJ das alegações da recorrente, e conclusões 39.ª, do recorrente Flavius, e 36.ª do recorrente Romeo), insurgem-se contra o decretamento da perda, a favor do Estado, da recompensa obtida pelos dois recorrentes com o cometimento do crime de homicídio (€ 4.375, cada um) e da recompensa prometida pela arguida AA (€132.500), aos quatro arguidos, porquanto, para a recorrente, a proposta de pagamento «não pode ser interpretada como se tratando de uma recompensa», estando antes perante «uma proposta de pagamento, não cumprida, e não perante uma recompensa que pressuponha o seu efetivo e global cumprimento»; os outros dois recorrentes, Flavius e Romeo, entendem que a alegada proposta de pagamento de € 150.000,00 não representa uma “recompensa” para efeitos do normativo em apreciação, por não ter acontecido a sua materialização concreta, por não se ter provado que «o apontado valor fosse para quem fosse e em que medida».
Numa formulação oriunda da versão originária do código penal, constante do, então, artigo 109.º, previa-se que toda a «recompensa dada ou prometida aos agentes» é declarada perdida a favor do Estado. O termo recompensa não constava do projeto inicial do código e foi introduzido pela Comissão Revisora, em substituição do termo «preço», desse modo atendendo a críticas que consideravam este demasiado restritivo, e assim conferindo-lhe um «sentido amplo de qualquer vantagem dada ou prometida aos agentes do crime»[17].
O conceito vantagem tem «um sentido amplo que abrange tanto a recompensa dada ou prometida aos agentes, como todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado», sendo a perda ordenada por forma obrigatória contra os agentes do facto ilícito (autores e comparticipantes), e quando a vantagem assuma a forma de recompensa dada ou prometida, insuscetível de transferência direta para o Estado, a perda traduzir-se-á em o Estado ficar com o direito de exigir de quem a recebeu ou se obrigou a pagá-la o valor correspondente[18].
h3. A doutrina[19] convém que a perda de vantagens é determinada por razões de prevenção, sendo qualificável como uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, tendo como seu pressuposto formal a prática de um ilícito típico, só podendo ser decretada contra os agentes do crime, de acordo com o princípio da proporcionalidade, e «devendo ser declarados perdidos apenas os objetos estritamente necessários».
A delimitação do conteúdo dos artigos 109.º e 111.º «é por vezes pouco nítida», estabelecendo-se neste último «a perda de coisas ou direitos relacionados com o facto ilícito típico em casos não abrangidos pelo primeiro, é uma válvula de segurança contra possíveis evasões ou fraudes»[20]. «A perda de vantagens patrimoniais prevista neste artigo abrange, pois, toda a recompensa dada ou prometida aos agentes do crime bem como os objetos, direitos ou vantagens conseguidos com a sua comissão ou como consequência imediata dele, sem que se exija, no entanto, que o agente tenha enriquecido»[21].
Joao Conde Correia sustenta que o regime previsto neste preceito, «para além de, em geral, prevenir que ele [crime] seja provocado ou estimulado pelos proventos que dele podem resultar, importa prevenir que o crime seja praticado devido a um pagamento ou uma promessa de pagamento de um terceiro, que não pode, não quer ou não tem coragem de o cometer. Nesse caso, o confisco é intransigente, incluindo as simples promessas feitas a um terceiro»[22].
h4. Deram as instâncias como provado que a recorrente pediu ao recorrente Romeo e outro para matarem FF, prometendo pagar a quantia de €150.000 em contrapartida, o que eles aceitaram, tendo estes últimos falado com o recorrente Flavius e outro, para colaborarem na morte de FF e partilharem a contrapartida prometida, no que os mesmos acordaram (entre outros, os factos provados sob os n.os 14 e 15) e que aqueles, ao todo, receberam da recorrente «o pagamento da quantia de €17.500, que partilharam entre eles em moldes não concretamente apurados» (n.os 36 a 39 dos factos provados).
Da factualidade provada não subsistem dúvidas que a recorrente prometeu pagar a quantia de €150.000 em contrapartida da morte de FF, tendo entregado, por conta dela, €17.500, que os recorrentes e outros dois comparticipantes fizeram seus.
À luz da doutrina que acima ficou exarada não restam dúvidas que a promessa da quantia de €150.000 se traduz numa recompensa prometida aos demais coautores do crime, entre eles os aqui recorrentes, por terem levado a cabo a morte de FF, da qual apenas foi satisfeita uma parcela de €17.500, que os quatro receberam e partilharam, incluindo os aqui recorrentes.
Na declaração de perda a favor do Estado da recompensa dada ou prometida, importa atender ao princípio da proporcionalidade, que na decisão recorrida foi atendido, quando refere que «será responsável por pagar ao Estado quem fez a promessa e pela vantagem dada quem a recebeu», sendo «cada um dos arguidos (…) responsável pela recompensa que lhe coube e a arguida (…) pela recompensa que prometeu e não chegou a dar (…)», acrescentando ainda que, não se tendo apurado em que medida beneficiou cada um dos arguidos da vantagem recebida, seria de «considerar que [dela] terão beneficiado em igual medida».
Também nesta parte improcede o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
III. Decisão
Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Rejeitar os recursos interpostos por todos os recorrentes, no que respeita à apreciação da matéria de facto;
b) Rejeitar os recursos interpostos pelos recorrentes Flavius e Romeo quanto à medida das penas parcelares, relativas aos crimes de extorsão, na forma tentada; e,
c) Negar provimento aos recursos, na parte restante.
Custas a cargo dos recorrentes, com 5 unidades de conta (UC) de taxa de justiça.
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Supremo Tribunal de Justiça, 25 de março de 2015
Texto elaborado e revisto pelo relator (artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
João Silva Miguel
Armindo Monteiro
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[1] Acórdão de 29 de março de 2012, processo n.º 18/10.5GBTNV.C1.S1. No mesmo sentido, entre outros acórdãos neles citados, os de 8 de janeiro de 2014, processo n.º 104/07.9JBLSB.C1.S1, e de 6 de fevereiro de 2014, processo n.º 417/11.5BBLLE.E1.S1.
[2] Acórdão de 4 de outubro de 2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1.Para maior detalhe, vd acórdão de 19 de dezembro de 2013, processo n.º 137/08.8SWLSB.L1.S1.
[3] Acórdão de 4 de julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1. Vd, ainda, entre outros, os acórdãos de 5 de dezembro de 2012, processo n.º 704/10.0PVLSB.L1.S1 e de 6 de fevereiro de 2013, proc. N.º 593/09.7TBBGC.P1.S1.
[4] Vd o acórdão de 19 de outubro de 1995, publicado como acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, Diário da República (DR), I série, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, pp. 8211-8213.
[5] Vd acórdão de 5 de dezembro de 2012, processo n.º 704/10.0PVLSB.L1.S1, já citado.
[6] Vd, entre outros, os acórdãos de 12 de março de 2008, processo n.º 08P694, onde se afirma que «admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objetivos de política criminal, (…), de 3 de Setembro de 2008, processo n.º 08P2044, e de 23 de Setembro de 2010, processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S2.
[7] Acórdão de 13 de julho de 2011, processo n.º 1659/07.3GTABF.S1.
[8] Vd, ainda, entre outros, o acórdão de 19 de Setembro de 2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1.
[9] Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.
[10] Sobre a questão da idade como circunstância atenuante, vd, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1977, p. 118, e, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3 de novembro de 2005, processo n.º 2952/05, e de 4 de novembro de 2004, processo n.º 3502/04.
[11] Lições de Direito Penal, Parte Geral II – Penas e medidas de Segurança, Almedina, Reimpressão da edição de janeiro 1989, 2010, p. 155.
[12] As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 56-57, que a seguir se acompanha, sendo os itálicos como no original.
[13] Acórdão de 12 de setembro de 2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1.
[14] Acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo n.º 160/06.7GBBCL.G2.S1.
[15] Aludindo, por lapso, ao artigo 78.º, n.º 1, quando queria dizer 77.º, n.º 1, do CP.
[16] Entre outros, o Acórdão de 15 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 2504/14.9T2SNT.S1
[17] Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado e legislação complementar, 4.ª edição revista e actualizada, 1988, Almedina, Coimbra, p. 277, e Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), n.º 150, p. 79.
[18] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II - As consequências Jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pp. 636-637.
[19] Vd., entre outros, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II - As consequências Jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pp. 630-637; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, pp315-317; M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e especial com notas e comentários, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 447-447.
[20] Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado e legislação complementar, 17.ª edição, 2005, Almedina, Coimbra, p. 404.
[21] Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, 1.º volume (artigos 1.º a 130.º), 3.ª edição, 2002, Editora Rei dos Livros, Lisboa, p. 1163.
[22] Da proibição do confisco à perda alargada, edição Procuradoria-Geral da República (PGR) - Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), 2012, p. 83.