Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONEL SERÔDIO | ||
Descritores: | ARGUIÇÃO DE NULIDADES OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXCESSO DE PRONÚNCIA OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO PRINCÍPIO DA ORALIDADE CONFISSÃO FORÇA PROBATÓRIA PROVA VINCULADA CONSTITUCIONALIDADE PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS PROCESSO EQUITATIVO | ||
Data do Acordão: | 10/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Sumário : | I. As nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, apenas sancionam vícios formais e não a desconformidade dela com o direito substantivo aplicável. II.A interpretação dos artigos 358º n.º 1 e 4 do CC e 463º n.º1 do CPC no sentido das declarações confessórias só terem força probatória plena quando reduzidas a escrito não configura uma situação de negação de acesso à justiça e/ou que o processo não tenha sido equitativo. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo: 3068/21.2T8STR.E1.S1 Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça ( 6ª secção) Em recurso de revista interposto pelas Rés AA e BB em que é recorrida L...- SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES Lda. foi proferido em 09.07.2024 acórdão que julgou improcedente a revista e confirmou o acórdão recorrido. O acórdão recorrido tinha revogado parcialmente a sentença e condenado as rés a reconhecerem a autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no art.º 1º da petição inicial e a entregá-lo à autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, devendo as rés suportar o pagamento do valor de 350,00 euros por mês, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres. As Rés vieram num extenso requerimento arguir nulidades “nos termos do disposto no artigo 685.º, 666.º e 615.º, n.º 1, alíneas c), d), e) e n.º 4, todos do CPC”, com a argumentação que, no essencial, se transcreve (mantendo a numeração apresentada): “21º Pelo exposto, e também confirmado pela Sentença de fls., cumpriram as Rés o ónus de prova que lhe competia (artigo 342.º, n.º 1 CC), desencadeando a decisão de considerar como provado o citado facto n.º 9. 22º Sucede, porém, que as Rés foram apanhadas totalmente de surpresa com a alteração do facto provado n.º 9, realizada pelo Tribunal da Relação que, no seu Acórdão de fls., fazendo tábua rasa a toda a dinâmica processual supra descrita e aos depoimentos supra transcritos – os quais mais não demonstram do que a má-fé do Legal Representante da Autora –, veio, infundadamente e fora dos limites traçados pela lei processual (artigo 662.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), proferir contrário entendimento do proferido pelo Tribunal de 1.ª instância, simplesmente proferindo um juízo conclusivo, não fundamentado, de que “não há qualquer prova de que (CC) o tenha feito (ou seja, tenha agido – na promessa de construção e na promessa de doação dessa mesma construção) na qualidade de representante da autora”. 23º Obviamente, que as Rés vieram interpor Recurso de Revista, invocando, entre outros, a violação de direito adjetivo conexa com apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, violação de lei substantiva (erro de interpretação, de aplicação e de determinação das normas aplicáveis), violação da lei de processo e violação do direito probatório material. 24º Com efeito, a prova do referido facto provado n.º 9 foi produzida pela conjugação de vários e sólidos elementos probatórios, relativamente aos quais o Tribunal de 2.ª instância, agindo inacreditavelmente frontalmente contra o entendimento proferido pela 1.ª instância, que beneficiou da imediação da prova, e que acompanhou toda a dinâmica processual supra descrita, fez tábua rasa de todos estes fatores que assumiram suma importância no apuramento da verdade dos factos. 25º E efetivamente, não poderia a Relação ter modificado a decisão da matéria de facto tratando-se, desde logo, de prova vinculada. Porém, o que sucedeu tratou-se de um cenário pior: o Tribunal de 2.ª instância assim agiu de forma genérica e infundada, num único e infundado parágrafo, onde se fez constar apenas o seguinte: “não há qualquer prova de que, o tenha feito, na qualidade de representante da autora, nem se sabe se a neta estava presente na reunião, pelo que se retira tal expressão de referido facto” (p. 25 do Acórdão), olvidando totalmente que assim estava a atropelar absolutamente prova vinculada produzida, ou seja, a confissão, que tem um valor legal/tarifado. 26º Porém, o STJ, no seu Acórdão, não obstante admitir que, efetivamente, o Tribunal da Relação formou a sua própria convicção sem fundamentar a sua decisão tomada (vide p. 22 emitindo um mero juízo conclusivo “ainda que de forma sucinta”), olvidou de se pronunciar pela ausência efetiva da fundamentação legalmente exigida pelos artigos 607.º, n.ºs 4 e 5 e 663.º, n.º 2, do CPC, invocada pela Rés no seu Recurso de Revista (vide pp. 17 a 20), sendo certo que o controlo de facto, em sede de Recurso, não pode aniquilar a apreciação probatória do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade, ainda para mais sem fundamentação e sendo certo que nunca o poderia fazer, uma vez que se trata de prova vinculada. 27º Ora, o STJ tentou substituir-se à Relação, na fundamentação que esta ilegalmente omitiu, extravasando, também ele os seus poderes, ao assumir que “os Srs. Desembargadores, ao avaliarem as declarações do representante da autora (CC), entenderam que, ao contrário do que constava da sentença, este não tinha “confessado” que agira na qualidade de representante da autora” e, para além de o STJ ter procedido ilegalmente a uma dedução daquela que teria sido a fundamentação da Relação, caso esta não fosse existente, procurou ainda colmatar uma nulidade que por si nunca poderia ser sanada. 28º Porque, de facto, a Relação, em lado algum do seu Acórdão, fundamentou a alteração do facto provado n.º 9, com base no facto de ter entendido que não existira confissão por parte do Legal Representante da Autora, sendo certo que a mesma existira, e ainda para mais aliada e sustentada aos outros depoimentos testemunhais identificados, razão pela qual cometeu o STJ a nulidade referente ao excesso de pronúncia, a qual se argui, com todas as consequências legais daí resultantes. 29º Acresce que o STJ, decidindo, de forma inovatória que fez, que não existiu confissão, conheceu de questão que nunca fora invocada e de que não podia ter tomado conhecimento, incorrendo, também por este motivo, na nulidade de excesso de pronúncia, a qual se argui, com todas as consequências legais daí resultantes. 30º E sobre a (in)existência da confissão no caso concreto, sempre se diz o seguinte: salvo o devido respeito, entendeu mal o STJ ao proferir (de forma inovatória, salienta-se mais uma vez) o entendimento de que não existiu confissão, pois na realidade existiu. Senão, vejamos. 31º O STJ vem afirmar que não existiu confissão, porque nas atas das várias sessões de julgamento ocorridas nos autos, “não consta qualquer assentada, nos termos do artigo 463º do CPC” (vide p. 24 do Acórdão), incorrendo, assim, e entre outros, na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, em um erro de raciocínio lógico consistente em o Acórdão emitido ser contrário à que seria imposto pelos fundamentos de facto e, neste caso, pelos fundamentos de direito de que os Srs. Juízes Conselheiros se serviram ao proferi-lo, conduzindo, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. 32º Compreende-se que o normativo previsto no artigo 358.º CC se prende com o princípio de que a declaração confessória será normalmente mais credível quando feita por escrito, porém, a leitura e aplicação deste preceito, para além de não poderem ser realizadas de forma totalmente formal, em detrimento da substância que lhe está subjacente, também não pode desconsideradora não só dos vários elementos da norma, designadamente o teleológico, como também dos contornos casuísticos do circunstancialismo factual em causa, em claro atropelo dos mais elementares direitos fundamentais das Rés, que foi o que sucedeu nos presentes autos. 33º Uma leitura cega e puramente literal do artigo 358.º do CC levaria a uma sumária conclusão de que a confissão, para que possa produzir força probatória plena, exige a forma escrita, porém, é sabido que tal interpretação, para além de se afigurar contrária ao pensamento do legislador, desemboca numa interpretação desconforme à CRP. 34º Com efeito, o Acórdão sub judice padece de erro de raciocínio lógico, diferente - e até contrário - aos fundamentos de direito invocados, uma vez que, não só consiste numa solução em nada correspondente à tradição do nosso direito, que não a justifica, como também uma solução sem paralelo nas outras legislações, como as latinas e as germânicas. 35º Primus, o erro de raciocínio lógico presente no Acórdão sub judice verifica-se em virtude de o mesmo não corresponder, de forma alguma, à tradição do nosso direito, pois quer o artigo 2412.º do CC de 1867, quer o artigo 565.º do CPC de 1939, quer ainda o artigo 561.º do CPC de 1961, atribuíam eficácia de prova plena à confissão judicial, não obstante só ser escrita quando não prestada perante o tribunal coletivo (artigo 579.º do CPC de 1939, e artigo 575.º, n.º 1 do CPC de 1961), sendo que, no nosso antigo direito, o depoimento de parte era sempre reduzido a escrito (Ordenações Filipinas, Livro I, Título XXIV, § 19). 36º De facto, o artigo 2412.º, do CC de 1867 não determinava a exigência da forma escrita para que lhe fosse atribuída a força probatória plena, ao estabelecer o seguinte: “A confissão judicial constitui prova plena contra o confitente, exceto: 1.º Se a confissão for declarada insuficiente por lei, ou se recair sobre facto, cujo reconhecimento ou investigação a lei proibir; 2.º Se produzir a perda dos direitos, que o confitente não possa renunciar, ou sobre os quais não possa transigir”. 37º O mesmo sucedia com o artigo 565.º, do CPC de 1939, o qual sempre atribuía eficácia de prova plena à confissão judicial, não obstante só ser escrita quando não prestada perante o tribunal coletivo, ao estabelecer o seguinte: “A matéria de facto será decidida por Acórdão. De entre os factos mencionados no questionário, o acórdão declarará quais o tribunal julga ou não julga provados; mas não se pronunciará sobre os factos provados por confissão”. 38º Também o artigo 561.º, do CPC de 1961, atribuía eficácia de prova plena à confissão judicial, não obstante só ser escrita quando não prestada perante o tribunal coletivo, nos seguintes termos: “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão. De entre os factos quesitados, o acórdão há-de declarar quais o tribunal julga ou não julga provados (…); mas não se pronunciará (…) sobre os que estejam plenamente provocados por confissão”. 39º Secundus, o erro de raciocínio lógico presente no Acórdão sub judice não tem qualquer paralelo nas outras legislações, uma vez que, no campo das legislações latinas, quer o artigo 1356.º do CC francês, quer o artigo 2733.º do CC italiano, quer os artigos 1232 e 1238º do CC e 580.º e 585.º do CPC espanhóis, atribuem a força de prova plena a toda e qualquer confissão judicial, sendo certo que o requisito de o depoimento de parte produzido oralmente ser reduzido a escrito, não é, de todo, limitativo do seu valor probatório, conforme resulta dos artigos 194.º e 195.º do CPC francês, do artigo 207.º do CPC italiano e do artigo 589.º do CPC espanhol. 40º Também no campo das legislações germânicas, as suas normas preveem a força probatória plena da confissão produzida em audiência oral, ou seja, “bei einer mündlichen Verhandlung” (nos termos do disposto no § 288 da BGB alemã e o § 266 da BGB austríaca). 41º Tertius, o erro de raciocínio lógico presente no Acórdão sub judice dificilmente se justificará, desde logo, se se tiver em conta que à seriedade da confissão basta ela ser produzida perante o tribunal, tanto mais que o depoimento de parte só é obrigatoriamente reduzido a escrito quando não prestado em audiência de discussão e julgamento que tenha lugar em tribunal com alçada, nos termos do disposto nos artigos 563.º, n.º 1, 791.º, n.º 2 e 796.º, n.º 3 do CPC, sendo certo que a prestação de informações e esclarecimentos ao tribunal não tem, em princípio, que obedecer à forma escrita, ao abrigo do disposto nos artigos 265.º e 519.º do CPC. 42º Quartus, o artigo 653.º, n.º 2 do CPC só excluiu de apreciação pelo Coletivo a confissão escrita, “não porque a confissão verbal fosse sujeita à livre apreciação do tribunal, mas porque, produzida em depoimento de parte perante o próprio Coletivo, não faria sentido que coubesse ao juiz singular, ao elaborar a sentença, dar como provado o facto por ela abrangido (cf. C.P.C. de 1939, art. 659), devendo ser o próprio Colectivo, mas sem que a confissão deixasse de para ele constituir prova plena (art. 561), a fazê-lo”. 43º Efetivamente, assim se explica a alteração introduzida em 1961, no então artigo 659.º, n.º 2, do CPC, atual 659.º, n.º 3, no qual, em vez de o legislador ter determinado que o juiz do processo deveria “tomar em consideração os factos (…) confessados e os que o tribunal colectivo deu como provados”, determinou antes que a na norma passasse a constar que deveria “tomar em consideração os factos (…) provados (…) por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados”, dúvidas não restando de que se tratou “de um simples arranjo relativo à distribuição interna de competências judiciais na apreciação da prova, tendente a harmonizá-la com o princípio de que ao Colectivo cabe considerar toda a prova perante ele verbalmente produzida e ao juiz singular toda a restante, quer produzida quer registada por escrito” 44º Nada mais, nada menos do que isso mesmo: um simples arranjo relativo à distribuição interna de competências judiciais na apreciação da prova. E não uma exigência absolutamente formalista, de forma alguma justificável, contrária ao espírito da lei, ao espírito do nosso sistema de direito, à tradição do nosso ordenamento e sem qualquer paralelo em outras legislações, mais ou menos vizinhas. 45º De facto, é de louvar o Anteprojeto do CPC, quando propõe que o depoimento de parte seja sempre reduzido a escrito, na parte em que constitua confissão (artigo 442.º, n.º 2). 46º Assim, dúvidas não existem de que os elementos literal, sistemático e teleológico das normas em causa não consentem, de todo, com a interpretação empreendida no Acórdão sub-judice, o qual padece, consequentemente, e designadamente, dos apontados erros de raciocínio lógico. 47º Não obstante, e sem nunca prescindir, e ainda tendo em conta o supra exposto, urgirá sempre invocar que o Acórdão sub judice empreendeu uma errónea interpretação das normas constantes nos artigos 358.º do CC e 463.º do CPC, desconforme com a nossa Lei Fundamental (a CRP), para além de não ter sido administrada a justiça, foram, na prática, violadas várias normas legais e constitucionais. 48º Salvo o devido respeito, mal andou o STJ ao adotar uma clara preferência pelos critérios formais, em violento detrimento dos critérios e princípios materiais adotados pelo nosso legislador e sistema de direito, com preferência manifesta pelo valor da descoberta da verdade material e realização da Justiça, em consonância com o princípio constitucional de acesso ao direito e aos Tribunais. 49º No presente caso concreto, apenas se encontra em causa a consequência da ausência da mera formalidade da assentada na ata da audiência de discussão e julgamento, que se encontra reservada para a confissão judicial provocada, a qual, de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 356.º do CC, pode ser feita tanto em depoimento de parte como em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal. 50º Compreende-se o princípio em causa do qual se extrai o raciocínio de que declaração confessória será normalmente mais credível quando feita por escrito. Porém, não deixa de ser isso mesmo: um princípio, que exige uma aplicação casuística conforme a CRP e em linha de coerência com os elementos literal, sistemático e teleológico das normas constantes nos artigos 358.º do CC e 463.º do CPC já supra invocados. 51º Com efeito, vertendo ao caso concreto, não se pode ter por constitucional, porque desconforme à CRP – quanto mais sumamente injusta e contra o Direito –, a interpretação judicial pugnada pelo STJ no Acórdão sub judice quando nele se entendeu que uma confissão judicial, ocorrida no âmbito de um depoimento de parte, que foi provocado pelo próprio juiz do Tribunal de 1.ª instância, o único que beneficiou do princípio da imediação e oralidade, e que inclusivamente originou um processo-crime de falsas declarações contra o depoente, veja perdida, pura e simplesmente, a sua força probatória plena pelo simples facto de o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1.ª instância, não ter determinado a sua assentada em ata, não obstante o conteúdo e a natureza claros, expressos e contundentes da confissão em causa, ainda para mais tratando-se de um dever que impendia ao juiz, nos termos do artigo 463.º, n.º 2 do CPC: “A redação incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazer as reclamações que entendam”. 52º Urgirá, pois, relembrar os tão únicos concretos contornos factuais do caso, que mais não demonstram o quão lesiva e inconstitucional é a adoção de uma leitura tão formalista e tão desconforme à CRP empreendida no Acórdão sub judice, demandando o emprego imperativo das razões de ordem substantiva e não de ordem formal. 53º Com efeito, tudo nos autos apontava para a natureza verídica da confissão em causa realizada pelo Legal Representante da Autora, ou seja, de que ele realizara efetivamente, em representação da sociedade Autora, e em benefício do agregado familiar do seu segundo filho no qual se incluem as Rés (esposa e filha), não só uma promessa de construção de uma moradia para eles, como uma promessa de doação dessa mesma moradia, tal como considerou, e bem, o Tribunal de 1.ª instância. Vejamos: 54º Primus, conforme resulta claramente dos autos, se é verdade que o primeiro depoimento de parte do Legal Representante da Autora teve lugar a Requerimento da parte contrária (as Rés), porém, é também verdade que o segundo depoimento de parte deste foi provocado oficiosamente pelo próprio Tribunal de 1.ª instância (artigo 452.º, n.º 1 CPC). 55º Com efeito, a relevância probatória e a determinação judicial para a realização deste segundo depoimento por parte do Legal Representante da Autora sustentaram-se no facto de este já ter previamente prestado depoimento em muito divergente com a produção de prova documental entretanto ocorrida – vide Despacho exarado em Ata da continuação da sessão de julgamento de 26.10.2022. 56º Secundus, dos factos julgados como provados n.os 6 a 10, e que constituem já caso julgado (à exceção do facto n.º 9), resulta que: “…6 – O sogro e avô, respetivamente, das rés, Sr. CC, prometeu ao falecido filho DD, marido da 1ª ré, e a esta última, que lhes daria uma casa, a construir, tal como já havia feito aos outros filhos (art.º 17º da contestação). 7 – Sugerindo que o pai da 1ª ré lhe doasse um terreno para este efeito (art.º 18º da contestação). 8 – O que este cumpriu (art.º 19º da contestação). 9 – O sogro e avô das aqui rés, na qualidade de representante da autora, disse sempre ao seu falecido filho, e às aqui rés, que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar, poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito (ar. 23º da contestação). 10 – Devido a desavenças familiares, não concretamente apuradas, surgidas entre a 1ª ré e o sogro, este não construiu a casa/moradia a que se alude em 6 e 9, conforme havia sido prometido em vida do falecido DD (arte. 26º e 37º da petição inicial).” 57º .Tertius, também as declarações supratranscritas apontam nesse sentido, bem como o Processo Crime que foi originado a pedido do MP e determinado pelo Tribunal de 1.ª instância. 58º Quartus, resulta da prova produzida que as promessas foram emitidas pelo Legal Representante da Autora, no escritório da Autora, com a presença de todos os sócios da mesma e obtido o consentimento dos três sócios. 59º Quintus, o acordo de cessão do terreno rústico à Autora, pela Ré AA, para que a primeira lá construa a habitação (2 docs. juntos ao Requerimento identificado supra), logo, tendo a compra e a venda do rústico sido celebrada em nome da Autora, fica claro que a mesma estava necessariamente envolvida nos acordos e promessas assumidos, devendo ter-se, ainda, em conta que a Autora já beneficiou com a aquisição do rústico, ao contrário das Rés, que ficaram sem terreno rústico para construir uma casa e ficaram sem a sua casa prometida construída, ficando claro que da parte da Ré foi cumprido o acordo, ao contrário da Autora. 60º Sextus, que houve duas promessas (construção e doação de moradia) a beneficiar as Rés, disso não há dúvida! A Relação veio, de forma inovatória, considerar que quem se vinculou às promessas foi CC, a título pessoal, assim entendendo, depois, também o STJ, porém, o Tribunal até pode entender que as promessas realizadas não vinculam a sociedade, mas haverão de vincular alguém, pois não restam dúvidas de que as mesmas existiram. 61º Septimus, o Sr. CC não poderia não saber que as promessas que fez poderiam estar a extravasar os seus poderes, pelo que não podem as Rés ser prejudicadas pelo seu incumprimento. 62º Pelo que urge questionar: e onde ficam as expectativas jurídicas legalmente criadas pela Autora, e seu Legal Representantes às Rés? Não se trata de meras liberalidades, tanto que houve a cedência de um rústico por parte da Ré AA à Autora, e as Rés vêm-se, de forma totalmente absurda, prejudicadas por ainda terem de efetuar um pagamento avultadíssimo, o qual não podem comportar, por terem residido num apartamento que foi objeto de um válido comodato e por terem legitimamente aguardado o cumprimento das promessas realizadas, as quais foram vergonhosamente incumpridas. 63º Octavus, trata-se de uma questão meramente formal (e não substantiva/material), a que inviabilizou a prova da celebração válida e eficaz dos dois negócios jurídicos (confissão necessitar de assentada), cujo conhecimento não pode ser exigido às Rés. 64º A interpretação empregue pelo STJ, no seu Acórdão de fls., não é, pois, uma interpretação em nada conforme à nossa Lei Fundamental, muito menos uma interpretação justa à luz dos princípios mais basilares do nosso Direito, pois consubstancia uma interpretação que admite que, uma confissão judicial, que foi provocada pelo próprio tribunal de 1.ª instância (princípio da imediação), e que originou um processo-crime de falsas declarações (princípio da oralidade), se coloque injustificavelmente sobre a alçada do princípio da livre apreciação pelo simples facto de não ter resultado escrita em ata e que esta valoração possa ser tão facilmente descartada pelo tribunal de 2.ª instância, que não beneficiou da imediação, quando já ficou claramente patente que essa nunca foi a vontade do nosso legislador ordinário, muito menos o constitucional. 65º Pelo Acórdão de fls. foi também violado o princípio da imediação, ao abrigo do qual o julgador da matéria de facto deve ter o contacto mais direto possível com as pessoas ou coisa que servem de fontes de prova (artigo 604.º, n.º 3 do CPC). 66º Pelo Acórdão de fls. foi também violado o princípio da oralidade, ao abrigo do qual a prova é produzida oralmente perante o tribunal, dele resultando também que a produção da prova tenha lugar perante os julgadores da matéria de facto. 67º Pelo Acórdão de fls. foi também violada as normas constantes no artigo 20.º da CRP, designadamente nos seus n.ºs 1 e 4, que determinam o seguinte: “ (…) 68º -Isto, porque são notórias as poderosas razões de ordem substancial, que se alinham no concreto quadro factual, superando quaisquer obstáculos formais. 69º O Acórdão sub judice enferma de excesso de formalismo, contrário ao espírito da Justiça, porque violador dos princípios constantes desde logo no artigo 18.º, n.º 3 da CRP, tanto mais que o excesso de formalismo e a falta de necessidade e adequação são, de resto, contrários à CRP e à CEDH, colocando em causa a segurança jurídica, desde logo porque não pode haver confiança onde os tribunais superiores, que não beneficiaram da imediação, se sustem em razões de caráter meramente formal, em tudo inferiores às razões de carácter substantivo acima já identificadas. 70º A interpretação particularmente rigorosa pugnada no Acórdão sub judice de uma regra de processo que impeça o exame do mérito da ação constitui violação do direito de tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP. 71º É, assim, inconstitucional o entendimento pugnado no Acórdão sub judice, que considera que, não tendo o tribunal de 1.ª instância realizado a assentada, a confissão judicial provocada expressamente ocorrida não constitua confissão com o valor probatório atribuído pelo no artigo 358.º, n.º 1 do CC, quando, no caso concreto, a confissão foi provocada pelo próprio tribunal que mandou a parte prestar novas declarações numa posterior audiência de julgamento, quando foi instaurado precisamente um processo-crime de falsas declarações, e quando está em causa todo o circunstancialismo fático supra descrito. 72º Em consequência, por todo o acima exposto, dúvidas não existem de que, para além das nulidades supra arguidas, a interpretação dada pelo Acórdão sub judice à figura da confissão judicial e seu valor probatório quando não reduzida a escrito viola, entre outros direitos e princípios mais basilares do nosso ordenamento, os direitos à tutela judicial efetiva e à defesa, padecendo o mesmo de inconstitucionalidade, dada a violação do invocado artigo 20.º, n.ºs 1 (acesso ao direito) e 4 (processo equitativo) da CRP. 73º Motivos pelos quais, consequentemente, deverá ser declarado, nesta parte, nulo o douto Acórdão de fls., em virtude das nulidades flagrantes e insupríveis invocadas, as quais, desde já e aqui, se requer que sejam apreciadas, e declaradas, o mesmo sucedendo às inconstitucionalidades supra invocadas, com todas as consequências legais daí resultantes.» A Autora não respondeu. Cumpre conhecer As Reclamantes imputam ao acórdão as nulidades de omissão de pronúncia, excesso de pronúncia ( al .d) artigo 615º do CPC) e contradição entre os fundamentos e a decisão ( al. c) do artigo 615º do CPC). No artigo 31º alegam padecer o acórdão reclamado da nulidade prevista na al. b) do artigo 615º do CPC. No entanto, como resulta da restante argumentação das Reclamantes é inequívoco que o acórdão em causa especificou os fundamentos de facto e de direito. Na parte inicial referem ainda ter o acórdão incorrido na violação da al. e) do citado artigo 615º, que sanciona com nulidade quando se condene em quantidade ou objeto diverso do pedido, mas não concretiza em que consistiu esse vício, que segundo se depreende, está relacionado com o arguido excesso de pronúncia invocado pelas Reclamantes, por se ter decidido que não constando das atas da audiência que o representante da Autora tenha efetuado declarações confessórias, essas declarações não têm força probatória plena contra a Autora e só podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, nos termos do n.º 4 do artigo 358º do Código Civil. Por último sustentam que esse entendimento é inconstitucional, por alegada violação do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 (acesso ao direito) e 4 (processo equitativo) da CRP. As questões a decidir são, pois, a de saber se o acórdão padece, de omissão de pronúncia, excesso de pronúncia, contradição entre os fundamentos e a decisão e ainda se a interpretação dos artigos 358º do CC e 463º do CPC, no sentido de apenas a confissão reduzida a escrito ter força probatória plena padece de inconstitucionalidade. Omissão de pronúncia A “omissão de pronúncia” ou o “excesso de pronúncia”, remete para as questões a resolver a que alude o artigo 608.º do CPC. Em obediência ao comando do n.º 2 do artigo 608.º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica invocada por qualquer das partes). No entanto, como é entendimento pacifico, só a omissão do conhecimento de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, não tendo o juiz que analisar um por um todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes (cf. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pág. 371). No caso, as Reclamantes sustentam que o acórdão reclamado não conheceu da questão por elas suscitada do acórdão do Tribunal da Relação ter sido violado o disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC, por alegada “ausência efetiva da fundamentação legalmente exigida pelos artigos 607.º, n.ºs 4 e 5 e 663.º, n.º 2, do CPC”. No entanto, essa arguição é completamente infundada, pois do acórdão constam cerca de cinco páginas sobre essa concreta questão, tendo-se inclusive transcrito e de seguida procedido à análise comparativa e à interpretação das motivações das decisões da matéria de facto constantes da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido, sobre as alterações da factualidade julgada provada introduzidas pelo Tribunal da Relação, ao ponto 9 e ao aditamento de dois novos pontos ( 11 e 12). As Reclamantes insurgem-se contra a interpretação do nosso acórdão da motivação do acórdão da Relação na parte em que se considerou que os Srs. Desembargadores ao avaliarem as declarações do representante da autora ( CC) entenderam que ao contrário do que constava da sentença este não tinha “confessado” que agira na qualidade de representante da autora. Não obstante as Reclamantes terem o direito de expressar a sua oposição à fundamentação do acórdão agora em causa, a interpretação acima referida continua a afigurar-se a única lógica e racional. No entanto, essas críticas das Reclamantes ao acórdão reclamado para a questão da nulidade são irrelevantes. Entendemos inexistir omissão de pronuncia, quanto à arguida falta de motivação da decisão da matéria de facto pelo acórdão do Tribunal da Relação, tendo-se decidido, em resumo, partindo do pressuposto que a análise crítica da prova a que se refere o artigo 607º n.º 4 do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não tem de ser exaustiva, sendo suficiente que o acórdão se pronuncie sobre os meios probatórios indicados pelas partes e indique as razões por que manteve ou alterou a decisão da 1ª instância, quanto à factualidade impugnada, que estando os meios de prova admissíveis para o Tribunal recorrido alterar a factualidade em causa sujeitos à sua livre apreciação e apesar da motivação do acórdão recorrido quanto ao recurso da decisão da matéria de facto ser sucinta, o Tribunal da Relação no uso dos poderes que a lei lhe atribui, reapreciou a prova produzida relevante e procedeu ao seu exame critico, formando uma convicção autónoma relativamente à factualidade alterada e aditada nos referidos pontos. As Reclamantes referem ainda que o acórdão reclamado violou os princípios da imediação e oralidade. No entanto, também sobre essa questão não houve qualquer omissão, tendo o acórdão reclamado decidido ser atualmente pacífico, na jurisprudência do STJ que a reapreciação, por parte do Tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, antes implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação pelo tribunal de recurso da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas. Por isso, não há qualquer fundamento legal para o STJ, censurar o acórdão recorrido, por este ter alterado a factualidade provada, em detrimento dos princípios da oralidade e imediação, dado que a alteração da decisão da matéria de facto pela Relação não está limitada aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão do tribunal de 1ª instância, nos concretos pontos questionados. Não se verifica, pois, a arguida omissão de pronúncia. Excesso de pronúncia As Reclamantes defendem em extensas considerações que se verificou este vício, por constar da fundamentação do acórdão, o seguinte: “Ora, analisadas as atas da audiência final, constatamos que em 21.09.2022, o representante da Autora prestou declarações de parte ( artigo 466º do CPC), na sequência de requerimento da sua mandatária aos factos constantes dos artigos 7º a 18º da petição. Posteriormente, na sessão de 26.10.2022, após a junção de dois documentos apresentados pelas Rés, em 27.09.2022, o Tribunal de 1ª instância ordenou que o representante da Autora prestasse novas declarações, o que ocorreu em 21.11.2022. Nessas atas não consta qualquer assentada, nos termos do artigo 463º do CPC. Do artigo 358º n.º 1 do Código Civil resulta que é essencial que o depoimento seja reduzido a escrito nos segmentos em que houver confissão do depoente, pois só deste modo se assegura que da mesma sejam retirados efeitos probatórios plenos, nos termos do artigo 358º n.ºs 1 e 4 do Código Civil ( cf. neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em CPC Anotado, Vol. I, pág. 526). Assim, ainda que nas declarações do representante da Autora este tenha “confessado” algum facto, a falta de redução a escrito dessa alegada confissão, devia ter sido arguida oportunamente pelas Rés, até ao final da audiência, em que foram prestadas as declarações. Das referidas atas nada consta, por isso, ainda que nas declarações de parte do representante da Autora, este tenha efetuado declarações confessórias, por não terem sido reduzidas a escrito, não têm força probatória plena contra a Autora e só podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, nos termos do n.º 4 do artigo 358º do Código Civil (cf. neste sentido acórdão do STJ de 30.05.2013, processo n.º 2531/05.7TBBRG.G1.S1). Por conseguinte, as instâncias apreciaram livremente as declarações de parte do representante da Autora – CC. Por isso, ao contrário do que defendem as Recorrentes o acórdão recorrido não violou o artigo 674º n.º 1 al. b) do CPC, pois, apesar de referido na sentença recorrida, não consta dos autos, por meio da assentada exigida pelo artigo 463º do CPC, que o CC, tenha praticado os atos relatados no ponto 9, na qualidade de representante legal da A. Não pode, pois, o STJ alterar esse ponto, com fundamento em violação do artigo 358º n.ºs 1 e 4 do Código Civil.» As Rés/Reclamantes nas suas doutas e extensas alegações insurgem-se contra a interpretação dos artigos 358 n.ºs 1 e 4 do Código Civil e 463º do Código Processo Civil efetuada pelo acórdão reclamado e acima transcrita. No entanto, é infundado estar a enquadrar essa análise e interpretação que o acórdão reclamado efetuou dos citados artigos 358 do Código Civil e 463º do Código Processo Civil na nulidade por excesso de pronúncia. Esse vício apenas ocorre quando os juízes nos tribunais superiores conhecem de questões não invocadas pelos Recorrentes que não sejam do seu conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2º, 2ª parte do CPC). Ora, a questão em causa surge por terem as Rés sustentado que o acórdão do Tribunal da Relação violado normas do direito probatório material. Por outro lado, importa referir que apesar das referidas normas constantes dos artigos 358º CC e 463º do CPC não terem sido invocadas pelas partes, atento o princípio nuclear, constante do artigo 5º n.º 3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. De referir ainda que atento o disposto no art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26.8 ( à exceção dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito), no artigo 682º n.º 1 e 2 do CPC e n.º 3 do art.º 674.º do CPC, como é entendimento uniforme da jurisprudência a intervenção do STJ no domínio dos factos está reservada ao campo da designada prova tarifada ou vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório ( cf. neste sentido acórdãos do STJ de 03.03.2020, proc. 3936/17.6T8PRT.P1.S1, relator Fernando Samões, publicado no sitio da coletânea de jurisprudência de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A. E1.S1, relator Isaías Pádua; 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B. G1.S1, relator Tomé Gomes e de 06.02.2024, proc. n.º 3418/18.9T8LSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, estes publicados no sítio do ITIJ). No caso, tendo as Recorrentes alegado ter havido confissão do legal representante da A, era imperioso analisar os citados normativos, para se concluir que por não constarem das atas de audiência, a assentada das alegadas declarações confessórias do representante legal da autora, essas declarações por não terem sido reduzidas a escrito, não tinham força probatória plena contra a Autora e só podiam ser valoradas livremente pelo Tribunal, nos termos do n.º 4 do artigo 358º do Código Civil e, por conseguinte, não podia o STJ alterar a alterar a decisão do ponto 9 introduzida pela Relação. As Reclamantes insurgem-se quanto à referida interpretação, mas essa argumentação aduzida em sentido contrário nada tem a ver com a arguida nulidade de excesso de pronúncia. Não se verifica, pois, a arguida nulidade de excesso de pronúncia. As Reclamantes referem também existir contradição entre os fundamentos e a decisão e segundo se depreende das suas doutas alegações, sustentam essa nulidade, que denominam erros de raciocínio lógico, na interpretação atrás referida do disposto nos artigos 463º do CPC e 358º do CC, defendendo, nomeadamente que o depoimento de parte só é obrigatoriamente reduzido a escrito quando não prestado em audiência de discussão e julgamento. No entanto, como é entendimento pacifico o vicio da contradição entre os fundamentos e a decisão apenas ocorre quando da fundamentação da sentença segue uma determinada linha de raciocínio, apontando numa determinada conclusão e depois, decide em sentido oposto ou divergente ( cf. neste sentido Lebre de Freitas e outros CPC Anotado, 2001, vol. 2º, pág. 670, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Sires de Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 763 e os acórdãos do STJ de 24.01. 2019 processo n.º 668/15.9T8PVZ.P1.S1e de 22.06.2023, processo n.º 1603/19.5T8EVR.E1.S1). Ora, no caso, a argumentação do acórdão seguiu uma linha de raciocínio, coerente julgando em conformidade. De realçar que apesar de resultar da factualidade provada com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação que a cedência do imóvel foi efetuada por quem não era titular de qualquer direito de gozo sobre o imóvel, o acórdão recorrido continuou a efetuar o enquadramento jurídico no pressuposto de ter vigorado um contrato de comodato entre a autora e a ré e o seu falecido marido. Por isso e por entendermos que a posição das Rés na revista acabou por estar condicionada por esse enquadramento jurídico do acórdão da Relação, conhecemos as demais questões suscitadas pelas Recorrentes, que numa perspetiva formalista estariam prejudicadas e decidimos que não constitui comodato para uso determinado o mero empréstimo de prédio para habitação do comodatário e que não tendo o comodato em causa uso determinado, nem prazo certo era subsumível ao disposto no n.º 2 do artigo 1137.º do Código Civil e que a autora tinha o direito de o denunciar e ainda que não se podia considerar que agia em abuso de direito. Não se verifica, pois, a arguida nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão, que como se referiu, julgou improcedente a revista, ainda que com diferente fundamentação, não tendo proferido qualquer condenação em quantidade ou objeto diferente do pedido, como também as Reclamantes parecem sustentar ao imputar-lhe a nulidade prevista na al. d) do artigo 615º do CPC. As Recorrentes têm o direito de discordar da fundamentação do acórdão, mas as transcrições das declarações e depoimentos e as considerações expendidas em que defendem a sua discordância, são irrelevantes, dado que a arguição de nulidades, não é meio próprio para manifestarem a discordância do decidido. Como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2024, processo n.º 2529/21.8T8MTS.P1.S1, relator Mário Belo Morgado : “Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686). Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).” Relativamente à arguida inconstitucionalidade da interpretação do disposto nos artigos 358º do Código Civil e 463º do Código Processo Civil, importa recordar, que nos limitamos a decidir que a ter existido confissão por parte do representante legal da Autora, a mesma não tinha força probatória plena, por não ter sido reduzida a escrito. A questão relevante para efeitos da decisão da matéria de facto, quanto ao ponto 9, era apenas saber qual a força probatória da alegada confissão não reduzida a escrito, tendo decidido, como é entendimento atualmente pacifico, que o depoimento de parte apenas produz força probatória plena se reduzido a escrito. Neste sentido o acórdão do STJ de 30.05.2013, processo n.º 2531/05.7TBBRG.G1.S1, relator Serra Baptista, com o sumário: “1. O depoimento do réu prestado em audiência, mesmo que gravado, que não tenha sido reduzido a escrito, não pode conter confissão, não tendo, assim, força probatória plena contra o confitente. 2. A falta de redução a escrito de tal depoimento de parte, constitui nulidade, que ficará sanada se não for arguida pela parte interessada até ao seu termo. 3. Não tendo a nulidade sido tempestivamente arguida, tal depoimento só poderá ser livremente valorado pelo Tribunal.” Este entendimento resulta desde logo do teor literal do atual artigo 463º n.º 1 do Código Processo Civil, que estipula: “ O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente (…). ( sublinhado nosso) e que está em conformidade com o estabelecido no artigo 358º n.º 1 do Código Civil que exige a forma escrita para que a confissão possa produzir força probatória plena. ( cf. neste sentido Antunes Varela e Pires de Lima, em CC Anotado, vol. I, pág. 316, em anotação ao artigo 358º n.º 1, escrevem: “ Só a confissão judicial escrita constitui prova plena.”) Relativamente à conjugação entre o artigo 358º do CC e as normas que regulam o depoimento de parte no CPC, esclarecem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no CPC Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág. 300 e 301, em anotação ao atual artigo 463º, com as alterações introduzidas pelos Decretos Leis n.º 39/95, de 15.02, 329-A/95, de 12.12 e DL n.º 180/96, de 25.09, que o depoimento de parte passou obrigatoriamente a ser reduzido a escrito, tendo sido eliminado pelo DL n.º 39/95, o segmento do n.º 1 do então artigo 563º do CPC de 1961, “ mesmo que tenha sido gravado”, que se justificou pela circunstância de o depoimento ter passado a ser sempre gravado e posteriormente pelo DL 180/96 foi intercalado o advérbio “ sempre” para maior certeza. No mesmo sentido, escreve Lopes do Rego em Comentários ao CPC, em anotação ao anterior artigo 563º, pág. 390: “ Em consonância com o que a doutrina há muito vinha sustentando, o DL n.º 39/95, estabeleceu que o depoimento que implique confissão, bem como a narração pela parte de factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória nos termos do artigo 360º do Código Civil, é sempre reduzida a escrito (…).” Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no CPC Anotado, vol. I, pág. 526 ( em anotação ao artigo 463º): “ É essencial que o depoimento de parte seja reduzido a escrito nos segmentos em que houver confissão do depoente, pois só assim produzirá prova plena contra o confitente ( artigo 358º n.º1 do CC). O simples facto de a audiência ser gravada não dispensa a redução a escrito da declaração confessória, pois só desse modo se assegura que da mesma sejam retirados efeitos probatórios plenos, nos termos do artigo 358º n.ºs 1 e 4 do CC.)” Ainda, no mesmo entendimento Ferreira do Amaral, em Direito Processual Civil, vol. II, pág. 291, escreve: “ … a peça onde constam os termos do depoimento chama-se assentada. (…) Uma vez concluída a assentada, é a mesma lida ao depoente, a fim de que ele a possa confirmar ou fazer as retificações consideradas necessárias ( artigo 463º, n.º 3). O lançamento em ata torna-se condição essencial para que a confissão ou confissões do depoente surtam força probatória plena, pois, que sendo meramente verbais, possuem o valor de simples prova livre ( n.º 4 do artigo 358º do CC). Entendemos, pois, que toda a argumentação das Reclamantes, nos pontos 32 a 46, acima transcritos, quanto à interpretação de não terem força probatória plena as declarações confessórias prestadas em audiência de julgamento, não reduzidas a escrito, com base na não correspondência à tradição do nosso direito e a outras legislações europeias e ainda na não exigência de redução a escrito quando o depoimento for prestado perante tribunal coletivo, está ultrapassada pela alteração do CPC que passou a impor que o depoimento de parte seja sempre reduzido a escrito, na parte em que constitua confissão, mesmo que tenha sido gravado. Para além disso, com a reforma do CPC introduzida pelo DL 41/2013, de 26.06, desapareceu a intervenção do coletivo de juízes na audiência de julgamento das ações cíveis, independentemente do valor da causa. Entendemos, pois, não haver atualmente qualquer fundamento legal, que sustente a posição das Reclamantes quando defendem que a declaração confessória prestada em audiência de julgamento pode ter força probatória plena, ainda que não tenha sido reduzida a escrito. Assim sendo, não se descortina em que medida é que a interpretação do acórdão reclamado de que a confissão para ter força probatória plena, única que estava em causa neste recurso, tem de ser reduzida a escrito, é inconstitucional por violar o disposto no n.º 1 ( acesso ao direito) e 4 ( processo equitativo) do artigo 20.ºda Constituição da República Portuguesa, que as Reclamantes genericamente sustentam, sem adiantar qualquer argumentação que concretize em que se traduz essa pretensa inconstitucionalidade. As Reclamantes parecem pretender, como decorre das transcrições efetuadas nos artigos 5 a 20 do seu requerimento, que o STJ deve sindicar os depoimentos de parte ainda que não reduzidos a escrito e valorá-los independentemente da apreciação que sobre os mesmos recaiu pelas instâncias. Esta entendimento das Reclamantes ia criar uma terceira instância de recurso da decisão da matéria de facto, em frontal oposição ao disposto nos artigos 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26.8), 682º e 674º n.º 3 do CPC. Essa pretensão ia colidir com a função do STJ, que como tribunal de revista, está essencialmente ligada à reapreciação de questões de direito, pressuposta a fixação da matéria de facto pelas instâncias. No caso, sendo as declarações de parte, não reduzidas a escrito, sujeitas à livre apreciação das instâncias, está vedada a intervenção do STJ. Por outro lado, como é entendimento pacifico, o direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas. É o que recorrentemente têm decidido o próprio Tribunal Constitucional, como é exemplo, o acórdão nº 261/02, de 18.02.2002, (Proc. nº 38/02) relator Sousa e Brito. A nossa Constituição faculta ao legislador um grande espaço de definição dos requisitos que os interessados têm de cumprir para ter acesso aos recursos para o STJ e quais as questões que este tribunal tem de decidir. Assim, nada impede o legislador ordinário de aprovar um regime que impeça que as partes pretendam que o Supremo Tribunal de Justiça funcione como uma terceira instância de recurso da decisão da matéria de facto. Em resumo: A interpretação dos artigos 358º n.º 1 e 4 do CC e 463º n.º1 do CPC efetuada pelo acórdão reclamado em que se considera que não constando das atas da audiência que o representante da Autora tenha efetuado declarações confessórias, essas declarações não têm força probatória plena contra a Autora e só podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, não configura uma situação de negação de acesso à justiça e/ou que o processo não tenha sido equitativo. Decisão Pelo exposto, julgam-se improcedentes as arguidas nulidades e inconstitucionalidades. Custas pelos Reclamantes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário. Lisboa, 17.10.2024 Leonel Serôdio ( relator) Luís Espírito Santo ( 1º adjunto) Graça Amaral ( 2ª adjunta) |