Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/16.5T8MGL.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE COMODATO
PRAZO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
DENÚNCIA
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMODATO / RESTITUIÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, RLJ, ano 119º, n.ºs 3747 e 3748;
- Menezes leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Contratos em Especial, 11.ª Edição, p. 361 e ss.;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. IV, Almedina, p. 242-243, 251 e 252.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1137.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-05-2003, PROCESSO N.º 1323/03;
- DE 27-05-2008, PROCESSO N.º 1071/08;
- DE 31-03-2009, PROCESSO N.º 359/09;
- DE 16-11-2010, PROCESSO N.º 7232/04.0TCLRS.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Da disciplina contida no n.º 1 do art.º 1137º, do CC resulta que a determinação do uso da coisa envolve a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, para que tenha lugar a aplicação do regime aí estabelecido;

II - Não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição do imóvel, denunciando o contrato, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado art.º 1137º, do CC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA e marido BB instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC e mulher DD, pedindo que os RR. sejam condenados a:

- Reconhecer que os prédios identificados na petição inicial fazem parte do acervo hereditário dos falecidos EE e FF, da qual os autores são os únicos herdeiros;

- Entregar os ditos prédios à A. para que esta os administre na qualidade de cabeça-de-casal;

- Pagar a quantia de € 400,00 mensais por cada mês em que se mantenham na posse e utilização do prédio urbano identificado no art. 7º, da p.i., desde a citação até entrega efetiva.

Para tanto, alegaram, em síntese, que os réus recusam entregar à autora, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito dos seus pais, os prédios que identificam na petição inicial, apesar de não disporem de título que legitime a sua atuação.

2. Na contestação, os réus, defendendo-se por exceção, invocaram a ilegitimidade da autora; por impugnação, alegaram que o prédio urbano onde o réu habita lhe foi doado pelos seus pais, os falecidos EE e mulher onde, há mais de 25 anos, habita com o seu agregado familiar, fruindo e usando o imóvel de forma pública, pacífica e de boa-fé, pelo que decorreu o prazo de aquisição da propriedade por usucapião; assim não se entendendo, alegaram ter direito a receber dos réus uma compensação correspondente ao valor das benfeitorias por si realizadas no prédio em causa.

A título subsidiário, deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a reconhecer que os réus adquiriram por usucapião o prédio urbano identificado no art. 7º, da p.i.;

Ainda a título subsidiário, pediram a condenação dos autores a pagar aos réus o valor das benfeitorias por estes realizadas no mencionado prédio, no montante de EUR 49.890,00, ou, pelo menos, o valor resultante da compensação com o crédito por aqueles reclamado, valor que computam em € 9.890,00.

3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que:

I – Julgando a ação parcialmente procedente, condenou os réus a:

- Reconhecer que o prédio urbano e o prédio rústico descritos em 5.5 dos factos provados fazem parte das heranças abertas por óbito de FF e EE e que o prédio urbano descrito em 5.6 dos mesmos factos provados faz parte da herança aberta por óbito de EE;

- Restituir de imediato à herança aberta por óbito FF e de EE os prédios identificados em 5.5 dos factos provados;

- Quanto ao mais, absolveu os réus do pedido.

II – Julgando a reconvenção parcialmente procedente, condenou os autores a reconhecer que os réus realizaram as obras referidas em 5.37 dos factos provados, que importaram em montante a liquidar ulteriormente, absolvendo, quanto ao mais, os autores do pedido reconvencional.

4. Inconformados com a sentença, dela apelaram os réus, tendo os autores, por sua vez, interposto recurso subordinado. Foi, então, proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que:

- Julgou improcedente a apelação dos réus;

- Julgou parcialmente procedente a apelação dos autores e, em função disso, revogou a sentença na parte em que absolveu os réus do pedido de restituição à autora, como cabeça de casal da herança de EE, do prédio identificado em 5.6 dos factos provados, condenando os réus a restitui-lo de imediato à autora para que ela o administre nessa qualidade;

- Confirmou, quanto ao mais, a sentença recorrida.

5. De novo irresignados, os réus vieram interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

I-O presente recurso de revista assenta na convicção dos réus/ recorrentes de que existiu um erro de interpretação e, consequentemente, de determinação e aplicação de norma, com violação de lei substantiva, por parte dos Venerandos Desembargadores na prolação do acórdão de que se recorre, em concreto, uma errada interpretação e aplicação ao caso sub judice do artigo 1137° do Código Civil, pese embora reconheçam no seu acórdão que, "não se ignora que alguma jurisprudência tem interpretado aquela expressão legal com o sentido apontado na sentença." (de primeira instância).

II-Quer em primeira instância quer no douto acórdão que ora se   recorre, é pacífico e indiscutível que o falecido pai (e sogro) dos réus recorrentes lhes haja cedido o imóvel identificado em 5.6 dos factos provados para sua habitação própria e permanente, do mesmo modo que é consentâneo que a figura jurídica em apreço é o contrato de comodato, previsto nos artigos 1129° e ss do CC.

III-É igualmente pacífico que o contrato de comodato é composto por três grandes elementos caracterizadores: a gratuitidade, a temporalidade e a obrigação de restituir, sendo que prazo certo e uso determinado não são elementos definitivos do conceito de comodato, mas sim fatores definidores da obrigação de restituir.

IV-O douto acórdão de que se recorre coloca em causa a existência do requisito da temporalidade, conferindo ao comodante o direito de exigir o prédio mencionado em 5.6 ao(s) comodatário(s) - e é com esta errada interpretação do preceituado do n° 2 do artigo 1137° do CC que não se pode concordar, por incorreta aplicação do dispositivo legal face aos concretos factos em litígio e dados como provados.

V-Está provado que o referido prédio foi cedido aos réus recorrentes, há mais de 20 anos, para ali fixarem a sua habitação própria e permanente, ali tendo sido efetuadas obras de melhoria, com vista a lhe ser conferido o carácter de habitabilidade necessário, pelo que, de facto, a habitação dos réus é o fim do contrato de comodato, em respeito ao previsto no artigo 1131° do CC.

VI-Coisa diversa é o entendimento sobre a durabilidade conferida a essa finalidade, pois tal facto é o determinante a apurar que existe ou não legitimidade para se exigir a restituição do aludido prédio aos réus, nos termos previstos no artigo 1137° do CC, pois que, enquanto a primeira instância decidiu que a restituição só deverá operar nos termos do n° 1 do referido artigo 1137° do CC, o douto acórdão de que se recorre, por seu turno, entende dever aplicar-se a restituição, nos termos do n° 2 do referido normativo legal, estando assim em litígio a interpretação do conceito de temporalidade do contrato em apreço.

VII-Quanto à durabilidade ou temporalidade do presente contrato de comodato, quando um pai cede uma casa a um filho (nora e netos) para ali fixarem a sua residência e ali efetuando as obras e investimentos necessários a se conferir essa habitabilidade, é lícito pressupor e subsumir que tal cedência vigorará até ao fim da vida do mesmo, resultando até do estimado senso comum, não fosse a demais factualidade provada nos autos.

VIII-Ora, apesar do comodante EE não ter convencionado formalmente com o filho, o tempo de duração do comodato, resulta da natureza e circunstâncias da sua realização que, pelo menos, a morte do comodatário terá que ser entendida como o prazo limite da duração do referido contrato.

IX         - A entender-se assim, defendem ainda os réus tratar-se de um verdadeiro contrato com termo e, portanto, só possível de restituição quando verificado o seu termo, ainda que o mesmo seja determinável e não (ainda) determinado.

X-A questão divergente a apreciar e decidir é apurar se este contrato de comodato (vitalício) celebrado com os réus é ou não temporalmente determinado, o que defendemos em sentido positivo, tal como vem sendo entendimento jurisprudencial e doutrinário.

XI-Entendem os réus recorrentes que o termo do contrato de comodato é a morte do comodatário, a qual é indubitavelmente certa, pese embora o dia da sua ocorrência seja      incerto. Assim, o facto da temporalidade do contrato de comodato em apreço ser determinável, com base num termo certo na sua concretização, mas incerto no seu momento temporal, conduz a que a restituição fique sujeita à verificação de um termo final incerto, ou seja, uma circunstância certa (morte) cuja ocorrência não pode ser previamente determinada.

XII-E são várias as decisões nos tribunais, todas já transitadas em julgado, que apoiam, defendem e aplicam este entendimento, tais como o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 16/ll/2010,no processo 7232/04-0TCLRS.L1.C1, "o uso só tem fim determinado se for também temporalmente determinado, ou pelo menos, um tempo determinável" (sublinhado nosso).

XIII-Encontramos ainda apoio jurisprudencial da tese dos aqui réus nos seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/04/2005, proc. 0531494; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/06/2006, proc. 964/06, relator Isaías Pádua; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15/01/2007, relator Cura Mariano; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/07/2004, relator Henrique Araújo ("Exemplo típico do termo incerto é a morte - certa na sua fatalidade, incerta quanto à sua data - v. Galvão Telles, "Manual dos Contratos em Geral", 4a edição, págs. 276/277. Nesse caso, o termo, embora incerto o momento da sua verificação, é determinável na medida em que o evento futuro é certo."); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/10/2008, relator José Augusto Ramos, proc. 2875/2008.1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/05/2013, relator Moreira do Carmo, proc. 5O5/12.0TBMLD.C1 ("o uso da coisa por toda a vida do comodatário, é um comodato válido, porque o seu termo, embora incertus quando, é determinável, pois a morte é certa, o dia da sua ocorrência é que ê incerto (vide neste sentido, M. Leitão, ob. cit. pág. 380. nota 731, Ac. da Rel. Lisboa, de 25.5.2000, CJ, T. III, pág. 99 e Ac. desta Relação de Coimbra de 27-6.2006, CJ, T l, pág. 20)."; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/06/2016, relator António Valente, proc. 1117'13.7/TVLSB,Ll-8, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

XIV-A acolher este entendimento vide também os ensinamentos de Júlio Gomes, em "Do Contrato de Comodato, Cadernos de Direito Privado, n° 17 de Janeiro de 2007", assim como Lourenço Côrte-Real em "Do Contrato de Comodato na Ordem Jurídica Portuguesa - Alguns traços gerais do regime - Verbo Jurídico, 2016, p. 12 e ss"; do mesmo modo Marques, de Matos em "O Contrato de Comodato, 2005, p. 7, 51 e 52"; na mesma senda veja-se ainda o Professor Menezes de Leitão em "Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Vol. III, 3ª edição, p. 369/384, nota 717 e ainda Professores Pires de Lima e Antunes Varela em "Código Civil Anotado, Vol. III, p. 595 e 596, nota 4".

XV-Aplicando-se a interpretação adotada pelos réus e pelos Venerandos Desembargadores e Académicos atrás elencados ao caso em concreto, apuramos que a sua finalidade foi uma cedência para habitação do filho e familiares, cuja finalidade está intrinsecamente conexionada com o tempo de vida do comodatário, tempo esse certo e determinável, facto que levará a que só haja lugar à restituição quando essa finalidade atingir o seu termo.

XVI-Encontra-se igualmente dado como assente que se encontra em curso processo de inventário por óbito do comodante EE em que o prédio em apreço encontra-se relacionado por constituir parte do acervo hereditário. Assim, não fosse o prazo certo da morte do comodatário, sempre tal prazo poderá ser reduzido por força da natureza do próprio processo de inventário em curso.

XVII-Daí concordarem também com a douta sentença de primeira instância quando ali se refere que "questão diversa será a da Hipótese de atribuição da autora, em sede de partilha, do prédio em causa, caso em que, perante eficácia meramente obrigacional do contrato de comodato, e a circunstância de este apenas vincular os que nele intervieram, a autora poderá alegar que o   comodato não lhe é oponível e exigir que o bem lixe seja restituído."

XVIII-Em suma, o contrato de comodato em apreço reúne as suas características essenciais da gratuitidade e temporalidade, pois que está condicionado à verificação de um termo que é certo, a morte do comodatário, não obstante seja incerto o momento da sua verificação. Tal temporalidade determinável basta para se entender com o consenso necessário na doutrina e jurisprudência, que nestes casos de cedência de habitação vitalícia, a restituição só poderá operar verificado que seja esse termo.

XIX-Concluindo assim os réus que, estando aos autores vedada a possibilidade de exigir a restituição, nos termos do artigo 1137°, n° 1 do CC, nos termos invocados, só lhes            restará aguardar pelo termo do mesmo ou, ao invés, pelo término do processo de inventário já em curso, onde certamente em prazo mais curto será decidido o destino deste prédio em litígio.

XX-Face ao exposto, ao decidir como decidiu, com errada interpretação do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 1137° do CC e consequente errada aplicação da obrigatoriedade de restituição face às características do contrato de comodato em apreço, mormente quanto ao seu fim e uso determinável do mesmo, viola o douto acórdão os aludidos preceitos legais, estando errado ao decidir, sem mais, que "não só ao Réu não foi fixado prazo para a restituição do prédio, como para o mesmo não foi previsto qualquer uso determinado".

XXI-Face à supra citada violação do douto acórdão, deverá proferir-se decisão no sentido da não obrigatoriedade de restituição do referido prédio, sendo reconhecido que o contrato de comodato em apreço reúne igualmente a característica da temporalidade, ainda que determinável (e não determinada), só tornando exigível a sua restituição quando verificado esse termo (ainda que incerto quanto à sua produção) ou qualquer outro evento jurídico que resolva naturalmente o contrato (como é o caso das partilhas por inventário por óbito do comodante), o que se invoca aos Colendos Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça.

6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.

***

7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo.

Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se os réus devem restituir aos autores o imóvel identificado no ponto 5.6., dos factos provados que lhes foi entregue, por via de comodato.

***

II – Fundamentação de facto

8. Está provado que:

“5.1 – Em 9 de Junho de 1980 faleceu FF, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade (artigo 1º da petição inicial);

5.2 – A falecida deixou como seus únicos e universais herdeiros:

- EE, cônjuge;

- AA, filha, casada segundo o regime de comunhão de adquiridos com BB;

- CC, filho, casado segundo o regime de bens de comunhão de adquiridos com DD (artigo 2º da petição inicial);

5.3 – No dia 17 de Outubro de 2012 faleceu EE, tendo deixado testamento lavrado no Cartório Notarial de Penalva do Castelo em 28/3/2012, por intermédio do qual declarou: “Que deixa a quota disponível de todos os seus bens e direitos que à hora da sua morte tiver, a sua filha AA (…)” (artigo 3º da petição inicial e 77º da contestação);

5.4 - As heranças deixadas por óbito de FF e EE foram aceites pelos identificados herdeiros, encontrando-se por partilhar, sendo a cabeça de casal das mesmas AA, por ser a mais velha (artigo 4º da petição inicial);

5.5 – Do acervo de bens que integram as heranças de FF e EE faz parte o seguinte prédio:

a) Terra de cultura e regadio com oliveiras, fruteiras e vinha, com a área de 6.600 m2, sita à ....., ....., inscrita na matriz predial rústica da União das freguesias de ....., ..... e ....., concelho de ....., sob o artigo ..... (anterior 4631 da freguesia de .....), a confrontar do norte e poente com caminho, nascente com GG, sul com .......... e poente com caminho, com o valor patrimonial tributário de € 186,51, descrita na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o nº .....;

b) Casa destinada a habitação, composta de ....., sita na Rua ..........nº ..., ....., com a área total de 394,50 m2 (superfície coberta de 78 m2, garagem de 48 m2 e logradouro com 268,45 m2), inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias de ....., ..... e ....., concelho de ....., sob o artigo 2535 (anterior artigo 2570 da freguesia de .....), com o valor patrimonial tributário de € 49.610,00, não descrita na Conservatória do Registo Predial de ....., com a localização e configuração constante da planta anexa (artigo 6º da petição inicial);

5.6 – Integra ainda a herança de EE o seguinte prédio:

- Casa destinada a habitação, composta de rés- do-chão e primeiro andar com a área total de 300 m2 (superfície coberta de 130 m2 e logradouro co 170 m2), sita na Travessa ..........nº.. inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias de ....., ..... e ....., concelho de ....., sob o artigo 3920 (anterior artigo 4420 da freguesia de .....), com o valor patrimonial tributário de € 57.710,00 (artigo 7º da petição inicial);

5.7 – A casa mencionada em 5.6 foi construída por EE, após o óbito de FF, inscrita na matriz no ano de 1992, constando unicamente da relação de bens apresentada por óbito daquele (artigo 8º da petição inicial);

5.8 – Autores e réus e, anteriormente, os falecidos FF e EE, quanto aos prédios rústico e urbano identificados em 5.5, e, exceptuando a falecida FF quanto ao prédio urbano identificado em 5.6, há mais de 30 anos que utilizam esses prédios em proveito próprio e dando-os a utilizar a terceiros, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma exclusiva, ininterrupta, ignorando lesar o direito de outrem, fruindo dos seus proventos e rendimentos, agindo na convicção de exercer um direito próprio (artigo 9º da petição inicial);

5.9 – O prédio urbano identificado em 5.6 foi cedido há mais de 20 anos pelo falecido EE aos réus, para a respectiva habitação, sem obrigação de pagamento de qualquer contrapartida, nem estipulação de qualquer prazo de restituição, aí residindo os réus desde então e até à presente data, aí pernoitando, depositando móveis e objetos pessoais, parqueando veículos automóveis, utilizando-o também como canil (artigos 10º, 11º, 12º e 13º da petição inicial, 33º e 34º da contestação);

5.10 – O prédio urbano identificado em 5.6 apresenta fracas condições de conforto, uso e habitabilidade (artigo 15º da petição inicial);

5.11 – Sem consentimento e contra a vontade do falecido EE e dos autores, em Novembro de 2011, os réus passaram a utilizar o prédio rústico e o rés-do-chão do prédio identificados em 5.5 destinado a lagar e arrumos, para produção de vinho e para depósito e materiais, tendo procedido ao cultivo do rústico, nomeadamente com batatas e produtos hortícolas, podando e tratando das árvores de fruto e videiras, ficando com a respectiva produção, da qual não prestaram contas (artigo 21º da petição inicial);

5.12 – Em 2012, EE instaurou contra os réus o procedimento cautelar nº 381/12.3TBMGL, no qual formulou o seguinte pedido quanto ao prédio identificado em 5.5:

“Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente providência ser recebida, julgada procedente e provada, decretando-se:

a) A restituição da posse ao requerente do prédio rústico identificado na alínea a) do anterior artigo 6º;

b) A proibição dos requeridos de ocuparem ou entrarem nas parcelas de terreno identificadas nos anteriores artigos 15º e 18º e no armazém/churrasqueira nestas edificado, permitindo a sua fruição pelas arrendatárias supra identificadas;

c) A proibição dos requeridos de explorarem, ocuparem ou entrarem no identificado prédio rústico, dificultarem ou impedirem a sua administração e exploração pelo requerente;” (artigo 22º da petição inicial);

5.13 – Em tal procedimento, os réus alegaram:

“IV – O prédio urbano – art.º 4420º

42º

Contrariamente ao que se refere no art.º 13 este prédio pertence à herança e não ao requerente.

43º

Está implantado no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 7455.

44º

Resultou da ampliação de uma antiga casa de granito aí existente há mais de 50 anos.

45º

Que os requeridos remodelaram e melhoraram, destinando-se à sua habitação e dos filhos desde 1992.

46º

Ali habitando por direito próprio na qualidade de herdeiro da referida herança.

47º

E tendo nele realizado avultadas benfeitorias nessa condição” (artigo 38º da réplica);

5.14 - No identificado procedimento cautelar foi celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado em 17/9/2012, na qual, relativamente ao identificado prédio, foi acordado o seguinte:

“Os requeridos reconhecem que os prédios identificados no artigo 6º do requerimento inicial são propriedade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, da qual é cabeça de casal EE.

(…)

Os requeridos obrigam-se a entregar ao requerente a restante parte do prédio rústico identificado na alínea a) do artigo 6º bem como o lagar situado no rés-do-chão do prédio urbano identificado na alínea b) do artigo 6º do requerimento inicial e respectivas chaves até ao dia 30 de Outubro de 2012, livres e desembaraçados.

A título de cláusula penal os requeridos obrigam-se a pagar ao requerente a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega da parte do prédio e lagar referidos no artigo anterior.

Os requeridos obrigam-se a não mais entrar a partir desta data nas parcelas de terreno e armazém/churrasqueira identificados no artigo 2º e a partir de 01 de Novembro de 2012 na restante parte do prédio rústico e lagar identificado no artigo 4º” (artigo 23º da petição inicial)”;

5.15 – No cumprimento da transação celebrada em 2 de Novembro de 2012 os réus entregaram a EE, na pessoa do seu mandatário, os referidos prédios rústico, rés- do- chão do urbano e respectivas chaves, tendo este emitido a declaração junta a fls. 109 (artigo 24º da petição inicial);

5.16 – Os réus instauraram em novembro de 2014 o procedimento cautelar de ratificação de obra nova nº 39/14.9TBMGL, no qual, além do mais alegaram:

“7º

A herança deixada por óbito de FF e EE permanece por partilhar.

Do acervo hereditário a partilhar fazem parte, além do mais, os seguintes bens.

(…)

d) prédio urbano composto de casa destinada a habitação composta de rés-do-chão e 1º andar, tem cinco divisões e cinco vãos no rés-do-chão e seis divisões e dez vãos 1º andar (…) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (…);

13º

No mais, e relativamente aos prédios identificados nas alíneas a) a d) do anterior artigo 8º, a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF e EE, por si e pelos seus antecessores, andou na posse dos referenciados prédios, cultivando-os, procedido a obras (…);

14º

Pelo que se outro título não tivesse já adquiriu os prédios referidos no artigo 8º desta petição por usucapião (…)” (artigo 39º da réplica);

5.17 – Em 9/11/2012, a autora, em representação das identificadas heranças ilíquidas e indivisas, celebrou com II acordo denominado pelos outorgantes como “contrato de comodato” o qual teve como objeto o prédio rústico identificado em 5.5 (artigo 25º da petição inicial);

5.18 – Nos termos de tal acordo, a aí identificada como primeira outorgante declarou ceder a utilização gratuita ao segundo outorgante do prédio rústico supra mencionado para que este procedesse ao seu cultivo agrícola (artigo 26º da petição inicial);

5.19 – Tal acordo foi celebrado com início em 9/11/2012 e termo em 20/9/2013, renovando-se por períodos sucessivos de um ano caso não fosse denunciado (artigo 27º da petição inicial);

5.20 – Na sequência de tal acordo, II procedeu ao cultivo do prédio rústico, aproveitando a sua produção, e utilizou o prédio urbano, para depósito de produtos e ferramentas agrícolas (artigos 29º e 32º da petição inicial);

5.21 – Em Junho de 2014, sem consentimento e contra a vontade dos autores e de II, os réus começaram a utilizar os referidos prédios rústico e urbano, utilizando este para efetuar produção de vinho e depósito de produtos e ferramentas agrícolas, tendo procedido ao cultivo do rústico, com cultura de batatas e de produtos hortícolas, à poda e ao tratamento das árvores de fruta e das videiras, ficando com a respectiva produção, da qual não prestaram contas, situação que se mantinha na data da interposição da presente ação (artigo 30º da petição inicial);

5.22 – Em tal prédio rústico existem árvores de fruta, oliveiras e vinha, sendo o mesmo utilizado para produção de produtos hortícolas, designadamente de batatas (artigo 31º da petição inicial);

5.23 – Os réus impediram II e os autores de entrarem, utilizarem e explorarem os identificados prédios, ameaçando-os com o uso de violência física caso persistissem no propósito de aceder a tais prédios e de os cultivarem, tendo sido instaurado o processo de inquérito nº 386/14.0GAMGL por força de desentendimentos suscitados com a utilização de tais prédios (artigo 33º da petição inicial);

5.24 – Os autores são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos (artigos 5º da contestação e 1º da réplica);

5.25 – Corre termos no Cartório Notarial de Penalva do Castelo sob o nº 3614/15, processo de inventário para partilha da herança deixada por óbito de FF e de EE, processo esse que foi instaurado pela autora no final do ano de 2015 (artigos 9º e 13º da contestação);

5.26 – As quantias que a autora reclama nos presentes autos instaurados em 6/1/2016 não foram relacionadas em tal inventário, sendo que a relação de bens aí foi apresentada em 5/1/2016 (artigos 10º e 14º da contestação, 8º e 9º da réplica);

5.27 – A autora reside habitualmente nos Estados Unidos da América, tendo ali fixado a sua residência há mais de 36 anos (artigo 22º da contestação);

5.28 – Quando está em Portugal, a autora fica alojada na sua casa de habitação que foi construída num lote de terreno desanexado de um terreno que outrora pertenceu aos pais de ambos (da autora e do réu) (artigos 23º, 24º e 25º da contestação);

5.29 – Tal lote, por escritura de 22 de agosto de 1983, foi vendido a JJ, tendo a autora, o réu e EE comparecido e outorgado a respectiva escritura, na qualidade de vendedores, por se tratar de bem que fazia parte do acervo hereditário deixado por óbito de FF (artigos 26º e 27º da contestação e 17º da réplica);

5.30 – Pouco tempo depois, por escritura pública celebrada no dia 29 de agosto de 1983, tal comprador JJ e esposa KK declararam vender o dito terreno ao autor, no estado de casado no regime da comunhão de adquiridos com AA, pelo preço de duzentos e cinquenta mil escudos, declarando ainda terem recebido tal preço (artigo 28º da contestação e 18º da réplica);

5.31 – Quando os réus se casaram em 1985 ficaram a residir na casa da habitação da autora, a título de empréstimo e gratuitamente, o que sucedeu durante cerca de 5 ou 6 anos (artigo 32º da contestação);

5.32 – Decorridos tais cinco ou seis anos, o falecido EE entregou ao réu o prédio mencionado em 5.6 para que ali fixasse a sua residência (artigos 33º, 34º, 74º da contestação);

5.33 – Antes de o réu e o seu agregado familiar fixarem residência em tal prédio, o mesmo era composto de um edifício de dois pisos (artigos 35º e 84º da contestação);

5.34 – Com vista à fixação do réu e do seu agregado familiar no piso de cima do prédio, foi melhorado tal piso superior, tendo sido aproveitadas as paredes de uma casa de arrumos que ali existia, tendo sido requisitados contadores de água, luz, saneamento, instaladas caixas-de-ar, canalizações, instalações elétricas, executado reboco, pinturas, executadas divisórias e wc s, tudo com vista a dotar tal fração de condições de habitabilidade (artigo 36º da contestação, 26º da réplica);

5.35 – EE cedeu o ....de tal prédio a LL que ali habitou durante cerca de 10 anos (artigo 29º da réplica);

5.36 - Desde cerca de 1990 ou 1991 que o réu ali habita e guarda os seus pertences, utilizando tal fração na convicção de não prejudicar direitos de outrem ao utilizar tal prédio na qualidade de herdeiro do proprietário, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição designadamente por parte da autora até à interposição da presente ação (artigos 38º, 39º, 76º, 79º, 82º, 84º (parcialmente), 86º (parcialmente) da contestação);

5.37 – Em tal prédio, os réus colocaram revestimento em granito na escadaria exterior de acesso ao 1º andar, no que despenderam montante que em concreto não foi possível apurar (artigos 27º, 86º e 87º da réplica);

5.38 - O prédio supramencionado em 5.5 b) que consiste num T3 com garagem e terrenos está arrendado a DD pelo valor mensal de € 150,00 (artigo 46º da contestação);

5.39 – Mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de € 175,00, a autora arrendou ainda o prédio composto por casa de habitação, sita na Rua ..........nº ..., ....., composto de ........andar, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ....., ..... e ....., concelho de ..... sob o artigo 2729, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... com o valor patrimonial de € 89.090,00 (artigos 47º e 48º da contestação);

5.40 – Tal prédio foi a casa de habitação dos pais da autora e do réu, sendo um imóvel de tipologia T4, com garagem, terreno e furo, possuindo mobílias completas de sala e de cozinha (artigo 48º da contestação).

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III – Fundamentação de direito

9. Do comodato e da restituição da coisa

As instâncias qualificaram como comodato o contrato celebrado entre o réu e o seu pai, sujeitando-o à disciplina dos arts. 1129º e ss. do Código Civil, qualificação jurídica que merece, igualmente, a nossa concordância e que nem sequer é posta em causa no presente recurso.

Efetivamente, resulta dos autos que o pai do réu, entretanto falecido, cedeu a este, a título gratuito e temporário, a utilização do prédio urbano identificado no ponto 5.6., dos factos provados, para servir de habitação ao réu e à sua família e sem que tenha sido fixado prazo para a sua restituição.

Sucede que os réus se recusam a entregar o referido prédio à autora, cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu pai, alegando que não findou o uso para que foi «emprestado» aquele imóvel, entendimento que foi acolhido pela 1ª instância que, invocando o disposto no art. 1137º, nº1, do CC, absolveu os réus do pedido, nesta parte.

Diversamente, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que, não tendo sido acordado prazo para a restituição do dito imóvel, nem determinado o respectivo uso, o réu, enquanto comodatário, está obrigado a restitui-lo logo que lhe seja exigido, de harmonia com o preceituado no nº2, do art. 1137º, do CC.

Com tal fundamentação, condenou os réus na restituição à autora do prédio acima referido.

Contra o assim decidido se insurgem os réus/recorrentes, pugnando pela repristinação do sentenciado na 1ª instância.

Ora bem.

Nos termos do art.º 1129º do Cód. Civil, "comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir".

Trata-se de um contrato real (quoad constitutionem) que se aperfeiçoa apenas com a entrega da coisa, a fim de que a pessoa a quem o seu gozo é cedido se possa servir dela, e não sinalagmático, pois que não há correspectividade entre as obrigações dele emergentes para as partes contratualizantes, ou seja, o uso da coisa não beneficia de contraprestação.

Como se colhe da sua própria definição, é da natureza do contrato de comodato a obrigação de restituir a coisa.

A precariedade do uso facultado ao comodatário transparece, ainda, claramente, quer das obrigações específicas do comodatário, quer do regime estabelecido para a restituição da coisa (cf. arts. 1135º e 1137º, do CC).[1]

Efetivamente, dispõe-se no art. 1135º, al. h), do CC que o comodatário deve restituir a coisa ao comodante findo o contrato.

Por sua vez, quanto à restituição da coisa, estabelece-se no art.º 1137º, n.º 1, do mesmo Código, que "se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação"; e acrescenta o n.º 2 que "se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida".

A propósito da duração do uso da coisa refere Rodrigues Bastos[2] que “o uso da coisa, no comodato, deve durar por todo o tempo estabelecido no contrato. Discute-se se será admissível um comodato por mais de trinta anos, dado o que preceitua o art. 1025.° (para a locação). Embora a lei não marque, para esta hipótese, um limite à duração do uso, a verdade é que tem de considerar-se a cedência sempre limitada a certo período de tempo, sob pena de desrespeitar a função social preenchida por este contrato, cuja causa é sempre uma gentileza ou favor, não conciliável com o uso muito prolongado do imóvel. Bastará para isso pensar que um comodato muito prolongado de um imóvel converter-se-ia em doação (indirecta) do gozo da coisa, ou, se fosse para durar por toda a vida da outra parte, o comodato descaracterizar-se-ia em direito de uso e habitação. “.

Em razão dessa nota de temporalidade, assumida como traço essencial do comodato, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que o «uso determinado», a que se alude no art. 1137º, do CC, pressupõe uma delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não podendo considerar-se como determinado o uso de certa coisa se não se souber, quando aquele uso não vise a prática de atos concretos de execução isolada mas antes atos genéricos de execução continuada, por quanto tempo vai durar, caso em que se deve haver como concedido por tempo indeterminado. Assim, o uso só é determinado se o for também por tempo determinado ou, pelo menos, determinável.[3]

Trata-se de orientação que também acolhemos, por se nos afigurar que, no quadro normativo vigente, não seria de aceitar um comodato que subsistisse indefinidamente, seja por falta de prazo, seja por ele ter sido associado a um uso genérico, de tal modo que o comodatário pudesse manter gratuitamente e sem limites o gozo da coisa.

Esta posição que sufragamos é, além disso, a nosso ver, a mais consentânea com o princípio geral emanado do art. 237º, do CC, segundo o qual, em caso de dúvida, nos contratos gratuitos deve prevalecer o sentido da declaração menos gravoso para o disponente.

Dir-se-á, finalmente, que, a vingar a tese dos recorrentes, o comodatário ficaria numa posição bem mais sólida e favorável do que se tivesse, por exemplo, celebrado um contrato de arrendamento (cf., quanto à duração do contrato de locação o art. 1025º, do CC), solução que, salvo o devido respeito, a ordem jurídica não poderia tolerar.

Dito isto, retornemos ao caso dos autos.

Decorre dos factos provados que a casa foi cedida ao réu, gratuitamente, para sua habitação (finalidade que, mesmo que não tivesse sido convencionada pelos outorgantes, sempre resultaria do art. 1131º, do CC), e sem indicação de prazo certo para a restituição.

Sendo assim, a restituição do imóvel que é pedida nesta ação mostra-se regulada pelo nº2, do art. 1137º, do CC, norma que visa precisamente impedir a perpetuação das relações obrigacionais de comodato para as quais não tenha sido fixado prazo de duração, nem determinado o uso da coisa.

Consequentemente, é de concluir que, não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante (ou os seus sucessores ou a cabeça de casal da herança aberta por óbito daquele) tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição do imóvel, denunciando o contrato, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado art.º 1137º, do CC.

Improcede, pois, o recurso.

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IV – Decisão

10. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 21 de Março de 2019

Maria do Rosário Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

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[1] Cf. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, Vol. IV, Almedina, págs. 242-243; Antunes Varela, RLJ, ano 119º, nºs 3747 e 3748 e Menezes leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Contratos em Especial, 11ª edição, págs. 361 e ss.
[2] Ob. cit., págs. 251-252.
[3] Cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13.5.2003, revista n.º 1323/03, Relator: Silva Salazar; de 27.5.2008, revista n.º 1071/08, Relator: Alberto Sobrinho; 31-03-2009 ; de 31.3.2009, revista n.º 359/09, Relator: Pereira da Silva;  de 16.11.2010, revista n.º 7232/04.0TCLRS.L1.S1, Relator: Alves Velho, disponíveis in www.dgsi.pt.