Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNES RIBEIRO | ||
| Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL MARCAS FIRMA PRINCÍPIO DA NOVIDADE PRINCÍPIO DA EXCLUSIVIDADE DENOMINAÇÃO SOCIAL REGISTO ILICITUDE IMITAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 06/29/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO COMERCIAL – COMÉRCIO EM GERAL / CAPACIDADE COMERCIAL E DOS COMERCIANTES. DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS – CONTRATO DE SOCIEDADE / CELEBRAÇÃO E REGISTO. DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – EXTINÇÃO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL / NULIDADE – MARCAS / CONSTITUIÇÃO DA MARCA / PROPRIEDADE E EXCLUSIVO / DIREITO AO REGISTO / MARCA LIVRE – PROCESSO DE REGISTO / REGISTO NACIONAL / OUTROS FUNDAMENTOS DE RECUSA – EFEITOS DO REGISTO – EXTINÇÃO DO REGISTO DE MARCA OU DE DIREITOS DELE DERIVADOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
| Doutrina: | -PUPO CORREIA, Direito Comercial, 10.ª edição, 89 e ss. -FERRER CORRREIA, Lições de Direito Comercial, 1973, Vol. I, 278 e ss; -COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. I, 154. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 18.º, N.º 1. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 9.º, N.º 1, ALÍNEA C). CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 33.º, N.º 1, 222.º, N.º 1, 224.º, N.º 1, 225.º, 227.º, N.º 1, 239.º, N.º 1, ALÍNEA A), 258.° E 266.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 3 E 641.º, N.º 2, ALÍNEA B). | ||
| Sumário : | I - A “firma” é o nome comercial do comerciante, um sinal distintivo do comércio de uso obrigatório que se destina a individualizar aquele nas suas relações de negócio (arts. 18.º, n.º 1, do CCom e 9.º, n.º 1, al. c), do CSC). II - A “marca”, por sua vez, é igualmente um sinal distintivo do comércio destinado a individualizar ou distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (art. 222.º, n.º 1, do CPI). III - O uso da marca, contrariamente ao que sucede com a firma, é, em princípio, facultativo (art. 225.º do CPI). Porém, registada a propriedade da marca, a mesma consolida-se, já que o registo tem eficácia constitutiva, como decorre do art. 224.º, n.º 1, do CPI. IV - Tanto para a “firma” como para a “marca”, a lei enuncia o mesmo princípio da novidade ou exclusividade. V - A novidade, como se infere da letra do n.º 1 do art. 33.º do CPI, não significa que não possa haver elementos comuns entre uma nova firma e outra anterior registada, por virtude da homonímia; o que se impõe é que a nova firma não seja confundível com firma anterior quando encaradas ambas de modo global. VI - O princípio da novidade ou da exclusividade impõe que a marca seja nova, isto é, que ela não constitua “reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor…” (art. 239.º, n.º 1, al. a), do CPI). VII - No caso, muito embora o registo da firma da ré “Eleutério José Antunes, Lda.” seja anterior ao registo da marca da autora “Eleutério”, tal não significa – mesmo provando-se que a ré já antes vinha utilizando a forma abreviada da sua denominação social “Eleutério Antunes” nos produtos que comercializa e na sua documentação – que a utilização dessa forma sincopada da sua firma ou de outra contendo o vocábulo “Eleutério”, seja lícita. VIII - Vindo a ré a adoptar ilegalmente na sua actividade económica uma parte da sua firma que coincide com uma marca registada pela autora sem que a tenha registado como tal, sob o argumento de que corresponde a um segmento da sua firma, o uso daquela “marca de facto” não goza de protecção legal, contrariamente à marca registada da autora, a quem o art. 258.º do CPI concede o direito absoluto e exclusivo do uso e, consequentemente, de impedir outrem de usar a marca, de a reproduzir ou simplesmente de a imitar. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:
AA, Lda., com sede na Av. …, n.º …, na Maia, instaurou acção declarativa com processo comum contra BB, L.da, com sede Rua …, n.º …, em Braga, e contra o Banco CC, S.A., com sede na Rua …, no Porto, pedindo: I - A condenação de ambos, a indemnizarem-na, em valor a liquidar em execução de sentença, dos danos sofridos, designadamente: a) - O valor referente à diminuição das vendas; b) - O valor referente a encargos tidos com a protecção, investigação, e cessação da conduta lesiva dos seus direitos; c) - O valor referente aos danos morais; d) - Os juros de mora correspondentes.
II - A condenação somente da Ré BB, L.da, a abster-se de usar a marca nacional n° 387881 de que a A. é titular, bem como qualquer outro sinal para identificar produtos ou serviços que contenha a palavra "Eleutério".
Alegou, para tanto, em síntese, que, no decurso do ano de 2010, chegou ao seu conhecimento que a Ré BB vinha fazendo uso abusivo da marca nacional da autora com o n.º 387881 "Eleutério", registada a seu favor, para promoção dos seus artigos, tendo concretamente divulgado tal marca, associando-a às suas peças, no evento Portojóia 2010; que a autora dirigiu-lhe cartas no sentido de obstar ao uso da aludida marca "Eleutério", advertindo-a para a ilegalidade da respectiva conduta e respectivas consequências, ao que a ré não deu qualquer resposta ou adoptou qualquer medida tendente a evitar essa utilização; que, no final do ano de 2012, a autora foi abordada por diversas pessoas, nomeadamente clientes, que a alertaram para a campanha designada de "Joalharia Made in Portugal", lançada pelo ora réu Banco CC, S.A., na qual a ré BB, L.da, era uma das entidades participantes, apresentando alguns dos seus artigos associados à designação "Eleutério Antunes", sendo certo que a ré tentou registar marcas que incluíam o vocábulo "Eleutério", pedidos de registo que foram todos recusados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI); que ao agir pelo modo descrito a ré BB, L.da aproveitou-se e aproveita-se financeiramente, de forma grosseira e desleal, da marca de que a autora é titular.
Contestaram ambos os Réus.
A Ré BB, L.da, na sua contestação-reconvenção, alegou, resumidamente, que nunca fez uso da marca "Eleutério"; que a expressão "Eleutério Antunes" corresponde à forma abreviada da sua firma, BB, L.da, e ao nome do respectivo sócio-gerente, DD, de que a mesma vem fazendo uso, na sua actividade comercial, pelo menos desde 2000; que após as recusas de registo proferidas pelo INPI diligenciou no sentido de deixar de utilizar tal forma abreviada nos seus documentos comerciais, campanhas e acções de venda, sem prescindir do uso da sua firma, que é anterior ao registo da marca da autora; que a utilização da designação "Eleutério Antunes", na campanha em que participou com o Banco CC, S.A., ficou a dever-se a lapso seu, pois forneceu àquele Banco elementos que serviram em anteriores campanhas similares, efectuadas com outras instituições bancárias; que, de todo o modo, em todos os elementos dessa campanha com o Banco está presente a indicação completa da sua firma, o que permite a qualquer destinatário identificar e reconhecer a empresa envolvida; que o registo da sua firma data de 02-09-1998, pelo que é muito anterior ao registo da marca da A., o qual foi pedido em 04-02-2005 e concedido em 31-03-2006; que é com base nessa firma social e nome do seu sócio-gerente que a ré se identifica, apresenta e distingue no mercado do fabrico e comercialização de artigos e produtos de joalharia e ourivesaria; que o uso que a A. faz da sua marca constitui uma violação do direito ao uso exclusivo da sua firma que goza de prioridade temporal de registo e nessa medida deve ser anulada.
Concluiu pela improcedência da acção e pedindo, em sede de reconvenção, que: - se anule a marca de registo nacional n° 387881; - a autora seja condenada a abster-se de usar a palavra "Eleutério" para designar e assinalar os seus produtos; - a autora seja condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais que se estima em valor não inferior a 5% da facturação média anual da Ré; e - a autora seja condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de, pelo menos, €20.000,00.
A autora replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional formulado pela Ré.
O pedido reconvencional foi admitido. E depois proferido despacho saneador, no qual se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.
Foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual a autora desistiu do pedido formulado contra o réu Banco CC, S.A., desistência que foi homologada por decisão de fls 322 dos autos.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença julgando, tanto a acção, como a reconvenção, totalmente improcedentes.
Inconformada, a Autora apelou para a Relação de Lisboa; tendo a Ré, por sua vez, interposto recurso subordinado.
Por acórdão de 20-10-2016, aquele Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso subordinado da Ré e parcialmente procedente a apelação da Autora, condenando a Ré «a abster-se de usar a denominação “Eleutério” no âmbito da sua actividade, salvo quando incorporada na totalidade da aludida firma (BB, L.da)».
Inconformada, a Ré BB, L.da interpôs recurso de revista normal para este Supremo Tribunal, cuja alegação remata com as seguintes conclusões: 1. A discordância da Recorrente relativamente à decisão em crise contende com as seguintes questões: (i) errada qualificação jurídica da factualidade assente no tocante ao enquadramento dos princípios da novidade e da exclusividade, por reporte às regras de prioridade registais, no contexto relacional entre uma firma e uma marca, e (ii) errada apreciação e qualificação jurídica da factualidade assente no que respeita à imputação à Recorrente de uma atuação em abuso de direito, reconduzida à tolerância de uso em relação à existência e utilização pela Recorrida da marca de que é detentora, com o consequente afastamento da viabilidade do pedido de anulação dessa marca;
2. No que concerne à primeira das indicadas questões, cumpre, desde logo, salientar-se que, conforme resulta da matéria de facto dada por assente nos autos, o registo da firma da Recorrente, "BB, Lda.", é muito anterior ao registo da marca da Recorrida, "Eleutério", tendo o primeiro ocorrido em 1998 e o segundo bastante mais tarde, em 2006.
3. Significa isto que a existir um confronto e/ou inviabilidade de coexistência entre a firma "BB, Lda." e a marca "Eleutério", a tutela legal desta última soçobrará, pois que a sua constituição remonta a 2006, altura em que a firma "BB, Lda." já se consolidara no mercado, desenvolvendo a sua atividade de fabrico e comércio por grosso e a retalho de artigos de joalharia e de outros artigos de ourivesaria, de forma sólida, constante e reiterada, no âmbito da qual utilizava, individual ou conjuntamente, como símbolos individualiza dores e/ou distintivos da sua empresa, os vários vocábulos e/ou elementos que integram a firma "BB, L.da".
3. De resto, desde a sua constituição que a Recorrente vem fazendo uso, no desenvolvimento da sua atividade comercial, da punção que tem como referencial o nome "Eleutério", correspondendo exatamente ao símbolo ou, se se preferir, à composição monogramática ou logotípica que passou a utilizar com o início da sua atividade no ramo - na altura ainda em nome individual do seu sócio-gerente -, em adjunção complementar ou acessória à firma e nome - completo e abreviado - com que identifica e distingue comercialmente a sua empresa e os seus artigos e produtos, maxime junto de clientes e consumidores (BB, Lda., Eleutério José Antunes, Eleutério Antunes, Eleutério).
4. Posto isto, uma vez que no versado confronto de sinais distintivos de comércio a Recorrente não só logrou demonstrar a anterioridade do registo da sua firma (1998) - que usa quer para identificar e individualizar a sua atividade quer para distinguir os produtos que comercializa -, como ainda conseguiu provar que, pelo menos desde 2000, utiliza a firma abreviada (Eleutério Antunes), em conjugação ou não com a sua denominação completa, nos produtos que comercializa e na documentação da sua atividade comercial - facto esse que foi dado como assente nos autos -, afigura-se por demais evidente que o cerne da questão reside no facto de a marca de que a Recorrida se arroga titular incluir, como componente principal, o elemento verbal/nominativo "Eleutério", que corresponde ao elemento/nome característico e diferenciador da firma da Recorrente.
5. É este elemento que no seio da expressão nominativa/firma, "BB, Lda.", constitui a sua parte/nome dominante, que lhe confere potencialidade individualizadora, eficácia de referenciação específica da entidade e dos seus artigos e produtos, bem como virtualidade de reconhecimento e retenção nos públicos a que se dirige, com que interage e/ou em que atua em termos comerciais.
6. Acresce que se conjugam ainda outros fatores/elementos que potenciam e agravam, de forma acentuada, os efeitos de confundibilidade entre a, firma e a marca em menção - por referência às sociedades e produtos que esses sinais identificam e distinguem -, quando encaradas na perspetiva dos consumidores, do público em geral e dos diversos agentes e operadores do mercado (clientes, fornecedores, parceiros, concorrentes, etc.), incluindo, designadamente, a coincidência de objetos de atividade, a contiguidade de localização dos respetivos estabelecimentos e centros de projeção de atividade, a sobreposição dos mercados alvo, etc.
7. Por esse motivo, a Recorrente ignora em que matéria factual poderá o Tribunal a quo ter-se fundamentado para concluir pela ilicitude da utilização que, ainda que de forma abreviada, a Recorrente faz da sua firma, no contexto da prossecução do seu objeto social, quando é a própria lei que, estribando-se nos comandos normativos supra enunciados, lhe confere não apenas a exclusividade de uso, mas ainda uma tutela acrescida, traduzida na possibilidade de requerer a anulação de toda a marca posteriormente registada que represente a imitação total e/ou parcial de qualquer elemento integrante da sua firma.
8. Uma vez que o douto acórdão recorrido invocou o art. 258° do CPI como fundamento jurídico da posição que perfilha, não se mostrará despiciendo relembrar que a epígrafe do referenciado normativo se designa por "direitos conferidos pelo registo", preceituando que "o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de atividades económicas, qualquer sinal igual ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor".
9. Deste modo, é por demais evidente que o titular de uma firma, que haja sido prévia e adequadamente registada, não poderá ser impedido de a utilizar - em toda a sua plenitude e da forma que lhe aprouver -, muito menos por um terceiro que recorra, no exercício da sua atividade mercantil, a qualquer sinal igual ou semelhante, em produtos ou afins daqueles para os quais a firma foi registada, já que nos termos do estatuído no art. 35°, n° 2 do RRNPC, "após o registo definitivo é conferido o direito ao uso exclusivo de firma ou denominação no âmbito territorial especialmente definido para a entidade em causa".
10. Por conseguinte, é o uso que a Recorrida - não a Recorrente - tem vindo a fazer da mencionada marca que constitui causa de confusão, equívoco e erro por parte dos consumidores e do público em geral quanto à relação de pertença, origem ou nexo comercial e de fabricação entre os produtos colocados no mercado com a marca da Recorrida e os artigos e produtos fabricados e comercializados pela firma da Recorrente.
11. Por outras palavras, a ilicitude que o Tribunal a quo imputa à conduta da Recorrente deveria, outrossim, ser direcionada ao comportamento da Recorrida que, bem sabendo da prévia existência e da tutela jurídica da firma "BB, Lda.", não se coibiu de avançar com o registo de uma marca, cuja composição traduz a reprodução taxativa do principal sinal distintivo e demarcador da firma e dos produtos fabricados e comercializados pela Recorrente.
12. No caso em apreço, o Tribunal a quo, alterando a douta sentença que havia sido proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, decidiu condenar a Recorrente a abster-se de utilizar "[...] a denominação "Eleutério" no âmbito da sua actividade, salvo quando incorporada na totalidade da aludida firma ("BB, Lda.)", por considerar ser "[...] ilícito, nos termos do art. 258° do Código da Propriedade Industrial, o uso de uma forma abreviada da firma de uma sociedade, na sua actividade comercial, que leva a coincidência parcial com uma marca registada por uma concorrente, já que ambas as empresas se dedicam ao ramo da ourivesaria, e que tal uso é de molde a originar confusão entre os consumidores".
13. Da análise do segmento decisório vindo de transcrever, parece inferir-se, à primeira vista, que o objeto deste dissenso se restringe ao facto de, alegadamente e de forma ilícita, a Recorrente ter vindo a servir-se e/ou usurpar a marca registada a favor da aqui Recorrida, fazendo uso do vocábulo que a compõe como se da sua própria firma se tratasse - aspeto que, a provar-se, poderia configurar um caso de concorrência desleal.
14. Atendendo ao regime geral de tutela do direito de marcas, firmas e outros sinais distintivos de comércio, é possível afirmar que qualquer conduta que passe pela utilização, indevida e abusiva, por uma determinada entidade de uma marca, firma ou qualquer outro sinal distintivo de comércio que pertença e esteja devidamente registada/o em nome de outra, constitui indubitavelmente um ato ilícito e de má fé, proibido quer pelo regime jurídico da tutela da concorrência e da propriedade industrial, quer pelos princípios gerais da boa fé e dos bons costumes.
15. Donde decorre que os sinais distintivos de comércio - entre os quais se incluem a firma e a marca - são tutelados por um direito absoluto, que confere ao respetivo titular o exclusivo do seu uso, pressupostos os princípios da novidade e exclusividade que regem estas matérias.
16. De entre os princípios que regulam a atribuição e concessão dos sinais distintivos de comércio assume proeminência o princípio da novidade - vide, entre outros, os arts. 33° do RRNPC e 239° e 245° do CPI -, o qual, no confronto entre os dois identificados sinais distintivos (firma e marca), estabelece o dever de apreciação da eventual ocorrência de situações de conflito ou confundibilidade.
17. Numa tal situação, haverá que ponderar não só disposto no art. 4º, n° 4 do CPI, mas também o comando normativo resultante da conjugação do n° 1 do art. 35º e dos nºs 1, 2 e 5 do art. 33º do RRNPC - sobretudo este último preceito -, na medida em que da articulação das citadas normas, dentro do modelo de tutela legal dos sinais distintivos de comércio, emerge precisamente a consagração da proteção jurídica concedida quer à marca registada quer à firma ou denominação social registadas, face a outros sinais distintivos (ou pretensões de uso ou constituição de outros sinais distintivos) passíveis de gerarem, induzirem ou darem causa a confundibilidade, erro ou equívoco entre esses sinais e/ou entre as realidades que esses sinais visam distinguir (pessoas jurídicas, estabelecimentos, artigos, produtos, etc.).
18. Simultaneamente, importa ter presente que esta proteção ou tutela toma como critério de prevalência a circunstância táctica de determinado sinal distintivo (i.e., na hipótese vertente, firma ou marca) ser aquele que beneficia de prioridade ou anterioridade na sua constituição, por reporte ao momento em que foi requerida a sua concessão/atribuição ou a sua admissibilidade (como sucede com a firma ou denominação social).
19. Na opinião avalizada do professor CARLOS OLAVO - corroborada pelo douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2016, proferido no âmbito do processo n° 124/1 4.7YHLSB.L1 .S1, em que foi relator o Exmo. Conselheiro Pires da Rosa -, significa isto que "[ojs direitos privativos da propriedade industrial estão, pois, sujeitas a um sistema de registo constitutivo. Por conseguinte, o bem imaterial que é objecto de um direito privativo apenas se reconduz em termos directos e imediatos ao seu titular desde que tal conste do registo." - Propriedade Industrial. Volume 1. Sinais distintivos do comércio. Concorrência Desleal, 20 ed. actualizada, revista e aumentada, Almedina, 2005, p. 41.
20. Neste enquadramento, diferentemente da construção jurídica defendida no douto acórdão recorrido, não poderá atribuir-se à Recorrente uma atuação de má fé e/ou focada em qualquer das modalidades do abuso de direito, reguladas no art. 3340 do Código Civil, pois que a única atitude que lhe pode ser subsumível é a que foi adotada pela Recorrida desde a composição da sua estrutura societária e da escolha e registo da respetiva marca.
21. Na verdade, a nossa ordem jurídica rege-se pelo princípio segundo o qual sempre que alguém, através da sua atuação censurável, dê causa a uma situação ilícita e/ou viole uma norma jurídica, não poderá posteriormente colher benesses dessa mesma violação e/ou ilicitude, impondo a outrem o acatamento das consequências desse ato - turpitudinem suam allegans non auditur.
22. Ora, foi exatamente a Recorrida quem, conhecendo de antemão a existência da firma registada, "BB, Lda.", decidiu - em absoluta contravenção dos preceitos, princípios e normas que regulam a propriedade industrial e tutelam a concorrência empresarial e comercial - proceder ao registo, a fim de figurar como marca da sua estrutura societária, de um vocábulo que sabia corresponder ipsis verbis ao principal elemento identificativo e/ou diferenciador daquela firma.
23. Neste sentido, a pretensão que a Recorrida reivindica nos presentes autos, seja ao abrigo dos princípios gerais da boa fé, seja a coberto da fórmula sufragada por Menezes Cordeiro (tu quoque), mais não constitui do que o paradigma de uma conduta subsumível à previsão do art. 334° do CC, já que foi ela quem, de má fé e através do registo da marca "Eleutério", criou uma situação fáctica de confusão e/ou confundibilidade entre os invocados sinais distintivos de comércio - dando, assim, causa à alegada ilicitude -,
24. vindo, posteriormente, invocar esse mesmo cenário com o intuito não apenas de obter uma vantagem económica da Recorrente, mas também condicionar e/ou mesmo precludir a tutela e o exercício pleno por esta do direito ao uso exclusivo da firma registada, de que é titular.
25. Sem prejuízo de tudo quanto se aduziu, não pode a Recorrente deixar de expressar aqui o seu absoluto repúdio pela posição perfilhada pelo Tribunal a quo, no que concerne ao pedido reconvencional que atempadamente deduziu no âmbito da presente demanda.
26. Nos termos do douto acórdão recorrido, a circunstância de a Recorrente ter feito uso de uma faculdade que a lei lhe confere - cfr. arts. 266° e 583° do Código de Processo Civil -, requerendo, em via reconvencional, a anulação da marca registada a favor da Recorrida, terá de ser analisada numa perspetiva de retaliação, de "reacção à acção da Autora" e, por essa razão, qualificada como um pedido "eivado de má fé".
27. Para sustentar semelhante asserção, o Tribunal a quo vale-se de uma linha argumentativa assente no facto de a Recorrente se haver conformado com a permanência no mercado de uma marca homónima da sua firma, pelo que o pedido reconvencional que deduziu significaria uma "súbita mudança de comportamento, atacando-se o que antes se aceitava pacificamente, numa atitude que mais sugere uma retaliação contra os pedidos formulados pela Autora".
28. A verdade, porém, é que a Recorrente jamais aceitou, tolerou e/ou se conformou com o uso abusivo da marca "Eleutério", que tem vindo a ser desenvolvido pela Recorrida.
29. Aliás, no quadro dessa sua postura de não conformidade ou não aceitação daquilo que, na sua opinião, era uma atuação da Recorrida lesiva dos direitos da firma, BB, Lda., a Recorrente, logo na oposição deduzida à providência cautelar n° 40/13.OYHLSB, instaurada em 25.01.2013, tratou de deixar bem vincada a defesa daquela sua firma no confronto com a marca da Recorrida.
30. Seja como for, a melhor prova de que o litígio entre as partes quanto à utilização daqueles sinais distintivos de comércio se manteve evidencia-se no facto de a Recorrente ter procurado promover junto do INPI o registo de marcas convergentes ou inter-atuantes com a sua própria firma.
31. Neste particular, se dúvidas subsistiam acerca da postura adotada pela Recorrente de não oposição ao registo e ao uso da marca "Eleutério", em termos de induzir e/ou criar na Recorrida uma legítima ou ilegítima expetativa de tolerância de uso ou licitude de utilização de uma marca conflituante com a firma de que é titular, essas dúvidas dissiparam-se em definitivo quando ao fim de pouco mais de dois anos (entre finais de 2010 e início de 2013) o litígio desembocou na instância judicial, com vista à resolução do presente conflito.
32. Em suma, a circunstância de a Recorrente ter peticionado, em reconvenção, a anulação da marca "Eleutério" não poderá permitir a qualificação da sua conduta como abusiva, independentemente das modalidades que possa revestir, na medida em que apenas representa o exercício de um direito conferido pela ordem jurídica, através do recurso legítimo a um meio de tutela de direitos, expressamente consagrado na lei processual.
33. Por último, ainda que se propugnasse nos presentes autos - o que não se aceita e apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona - pela aplicação analógica do art. 267° do CPI, a pretensão da Recorrente estaria, no caso sub judice, assegurada pela parte final desse normativo, porquanto a preclusão da tolerância do direito de anulação que dele consta não chegaria a consumar-se, pressuposta a comprovada má fé da atuação da Recorrida por ocasião do registo da marca "Eleutério".
34. Nesta conformidade, deverá concluir-se que o uso pela Recorrente da forma abreviada da firma registada a seu favor não comporta da sua parte qualquer prática ilícita e muito menos abusiva, encontrando-se, deste modo, reunidos os pressupostos de facto e de direito suscetíveis de conduzir à procedência do pedido de anulação da marca de que a Recorrida é titular, por cotejo com a firma daquela, que goza em relação a esta de prioridade e exclusividade, atento o disposto, entre outros, nos artºs 4°, n° 2, 239°, n° 2, al. a) e 266° do CPI e nos arts. 3º, 33° e 35° do RRNPC.
Termos em que, reapreciando a decisão de direito do douto acórdão em crise, revogando-a e substituindo-a por outra que julgue improcedente a ação e procedente a reconvenção, com todas as consequências daí decorrentes, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA. Contra-alegou a Autora, pugnando, em síntese, pela confirmação do acórdão recorrido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** Fundamentação
I - De Facto: As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1 - A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio de peças de ourivesaria, encontrando-se registada desde 04-03-2008, com o NIPC 508… … …, na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Póvoa de Lanhoso. 2 - A Ré BB, L.da, é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à fabricação e comércio por grosso e a retalho de artigos de joalharia e de outros artigos de ourivesaria, encontrando-se registada desde 02-09-1998, com o NIPC 504 … …, na Conservatória do Registo Comercial de Braga. 3 - A A. é titular da marca nacional n° 387881 (sinal misto), com registo pedido em 04-02-2005 e concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante INPI), em 31-03-2006, destinada a assinalar "Colares, Pulseiras, Medalhas, Alfinetes, Brincos, Berloques", da Classe 14 da Classificação Internacional de Nice. 4 - Em 25-09-2010, a Ré BB, L.da, apresentou junto do INPI pedido de registo da marca "Eleutério Prata 925", em relação ao qual a requerente deduziu oposição. 5 - Em 17-11-2010, a R. apresentou junto do INPI pedido de registo da marca "Eleutério Antunes", em relação ao qual a A. também deduziu oposição. 6 - Tendo ambos os pedidos de registo sido recusados pelo INPI, por despachos datados, respectivamente, de 31-05-2011 e 31-01-2012. 7 - Tais recusas basearam-se na imitação da marca nacional n.º 387881, da requerente, e na possibilidade de verificação de actos de concorrência desleal. 8 - Em 08-10-2010, a A. enviou carta à R., advertindo-a para cessar, de imediato, a utilização da marca "Eleutério". 9 - Em 05-12-2011, a R. apresentou pedido de registo da marca "Eleutério Prata Importação", em relação ao qual a A. também deduziu oposição. 10 - Tal pedido foi recusado pelo INPI, por despacho datado de 27-04-2012, com base na imitação da marca nacional n.º 387881, da A., e na possibilidade de verificação de actos de concorrência desleal. 11 - Em 20-07-2012, a A. enviou nova carta à Ré, advertindo-a para fazer cessar a utilização da marca "Eleutério", à qual esta não deu resposta. 12 - Em Dezembro de 2012, a A. foi abordada por diversas pessoas, nomeadamente clientes, que a alertaram para a campanha designada "Joalharia Made in Portugal", lançada pelo, Banco CC, S.A. 13 - Campanha essa que, para além de ter sido exposta nos balcões do referido Banco, foi difundida por intermédio de alguns meios de comunicação social. 14 - A Ré é uma das entidades participantes na referenciada campanha, apresentando-se os artigos da mesma associados à designação "Eleutério Antunes". 15 - Clientes e conhecidos da A. pensaram que os produtos "Eleutério Antunes", promovidos nessa campanha, eram oriundos daquela. 16 - O sócio-gerente da R. chama-se DD. 17 - Desde 2000 que a R. vinha utilizando a forma abreviada da sua denominação social "Eleutério Antunes", com os nomes estilizados e uma composição monogramática, em conjugação, ou não, com a sua própria firma, nos produtos que comercializa e na documentação da sua actividade comercial, como sejam facturas. 18 - Na sequência das recusas decididas pelo INPI, referidas em 6 e 10, a R. procurou fazer cessar a inclusão do elemento "Eleutério Antunes" na sua documentação comercial e campanhas de venda, utilizando, em substituição, a indicação da sua firma completa. 19 - Na campanha "Joalharia Made in Portugal", a publicidade e a referência a "Eleutério Antunes" ficou a dever-se à utilização de modelos de campanhas anteriores em que a R. também havia participado, em parceria com o EE e com o FF. 20 - Foi com base nesses elementos de identificação anteriores, que a R. facultou ao Banco requerido, que foram elaborados os dados que respeitam àquela requerida e aos seus produtos, promovidos na campanha "Joalharia Made in Portugal". 21 - No catálogo relativo a essa campanha consta igualmente a indicação da firma da Ré, “BB, L.da”. 22 — O avô dos sócios da A. e R. iniciou a actividade de ourivesaria por conta própria e em nome individual em 1925. 23 — O avô dos sócios de A. e R. procedeu ao 1° registo da marca em meados da década de 30 de 1900, como "Eleutério José Antunes". 24 — Em 1945 o avô dos sócios da A. e da R. registou a marca de contraste. 25 — A sociedade foi sofrendo alterações e em 1978 o avô constitui a sociedade "BB, Lda.", constituída por si e filhos. 26 — Há cerca de 28 anos o avô e a tia dos legais representantes da A. venderam as quotas a seu pai João e a eles próprios. 27 — Há cerca de 10 anos essa sociedade encerrou. 28 - O sócio da Ré começou a actividade de ourivesaria, pelo menos, em 1996, e em nome individual. 29 — As sedes das partes e a residências dos respectivos sócios gerentes situam-se no distrito de Braga. * II - De Direito Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso [art.ºs 635º n.º 4, 639º n.ºs 1 e 3 e 641º nº 2 al. b) todos do novo C.P. Civil], não podendo o Tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão suscitada pela recorrente consiste em saber se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao condená-la a abster-se de utilizar a denominação "Eleutério" no âmbito da sua actividade comercial, salvo quando incorporada na totalidade da aludida firma “BB, L.da”, sendo que a sua “firma” se mostra registada em data anterior ao registo da “marca” da autora recorrida, e ao recusar a anulação do registo desta. O acórdão recorrido, efectivamente, como já se disse, revogou a sentença de 1ª instância no segmento em que julgara improcedente a acção e decidiu condenar a Ré «a abster-se de usar a denominação “Eleutério” no âmbito da sua actividade, salvo quando incorporada na totalidade da aludida firma (BB, L.da)», por considerar ilícito, nos termos do artº 258° do Código da Propriedade Industrial (CPI), o uso, na sua actividade comercial, de uma forma abreviada da respectiva firma, forma abreviada essa que, redundando numa coincidência parcial com a marca registada da autora, é de molde a originar confusão entre os consumidores, já que ambas as empresas se dedicam ao ramo da ourivesaria; mantendo, no mais, a sentença da 1ª instância. E a recorrente não recusa, efectivamente, a «…confusão, equívoco e erro por parte dos consumidores e do público em geral quanto à relação de pertença, origem ou nexo comercial e de fabricação entre os produtos colocados no mercado com a marca da recorrida e os artigos e produtos fabricados e comercializados pela firma da recorrente». O que ela não aceita é que, tendo a sua firma "BB, L.da" sido registada em data muito anterior à marca "Eleutério" da ora recorrida, seja ilícita a utilização «que, ainda que de forma abreviada, ela faz dessa sua firma, no contexto da prossecução do seu objeto social, quando é a própria lei que lhe confere não apenas a exclusividade de uso, mas ainda uma tutela acrescida, traduzida na possibilidade de requerer a anulação de toda a marca posteriormente registada que represente a imitação total e/ou parcial de qualquer elemento integrante da sua firma». E daí que - a seu ver - «a existir um confronto e/ou inviabilidade de coexistência entre a firma "BB, L.da" e a marca "Eleutério", a tutela legal desta última soçobrará, pois que a sua constituição remonta a 2006, altura em que a firma "BB, L.da" já se consolidara no mercado, desenvolvendo a sua atividade de fabrico e comércio por grosso e a retalho de artigos de joalharia e de outros artigos de ourivesaria, de forma sólida, constante e reiterada, no âmbito da qual utilizava, individual ou conjuntamente, como símbolos individualiza dores e/ou distintivos da sua empresa, os vários vocábulos e/ou elementos que integram a firma "BB, L.da"». Vejamos então: A “firma” é o nome comercial do comerciante, um sinal distintivo do comércio de uso obrigatório [art.ºs 18º, 1º do C.Com. e 9º nº 1 al. c) do CSC] que se destina a individualizar o comerciante nas suas relações de negócios. A “marca”, por sua vez, é igualmente um sinal distintivo do comércio destinado a individualizar ou distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (artº 222º nº 1 do Código da Propriedade Industrial). Sendo que, de acordo com os elementos que entram na sua composição, as “marcas” podem ser nominativas; figurativas; mistas, isto é, formadas simultaneamente por elementos nominativos e figurativos, como é o caso da firma da autora; formais ou tridimensionais e sonoras ou auditivas (cf. o já citado artº 222º do CPI). E o seu uso (da marca), contrariamente ao que sucede com a firma, é, em princípio, facultativo (artº 225º do CPI). Porém registada, a propriedade da marca consolida-se, já que o registo tem eficácia constitutiva, como decorre do artº 224º nº 1 do CPI. O registo da marca confere ao titular o direito de propriedade e de uso exclusivo para os produtos e serviços a que ela se destina, pelo prazo de 10 anos indefinidamente renovável, como resulta dos art.ºs 224º nº 1 e 255º do CPI. E, consequentemente, «o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor» (artº 258º do CPI). Do mesmo modo, também o registo definitivo da firma confere o direito ao seu uso exclusivo (artº 35º nº 1 do Dec. Lei nº 129/98, de 13 de Maio, com as subsequentes alterações, que aprovou o Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas). De facto, tanto para a “firma”, como para a “marca”, a lei enuncia o mesmo princípio da novidade ou exclusividade. Relativamente à «firma» estatui, na verdade, o artº 33°, n° 1 do referido Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que: «As firmas e as denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas». Acrescentando o nº 2 que: «Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas». E a novidade das firmas, como, por outro lado, emerge dos nºs 4 e 5 do preceito em referência, não deve ser apurada só em face das firmas anteriormente requeridas ou registadas, mas também em face, nomeadamente «de marcas e logótipos já concedidos que sejam de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos». A novidade, porém, como se infere da letra do nº 1 do artº 33º citado, não significa que não possa haver elementos comuns entre uma nova firma e outra anterior registada, por virtude de homonímia. O que se impõe é que a nova firma não seja confundível com firma anterior quando encaradas ambas de modo global (vide PUPO CORREIA, in Direito Comercial, 10ª ed, pag. 89 e segs; FERRER CORRREIA, in Lições de Direito Comercial, 1973, vol. I pag 278 e segs; e COUTINHO DE ABREU, in Curso de Direito Comercial, vol. I, pag 154). Igualmente, o princípio da novidade ou da exclusividade impõe que a marca seja nova, isto é, que ela não constitua «reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor…» (artº 239° n° 1, al. a) do CPI). Ora, sendo certo que o registo da firma "BB, L.da" da ora recorrente é muito anterior ao registo da marca, "Eleutério", da recorrida, tendo o primeiro ocorrido em 1998 e o segundo em 2006, tal não significa - mesmo provando-se que desde o ano de 2000 que a ré vinha utilizando a forma abreviada da sua denominação social "Eleutério Antunes", com os nomes estilizados e uma composição monogramática, em conjugação, ou não, com a sua própria firma, nos produtos que comercializa e na documentação da sua actividade comercial, como sejam facturas - que seja lícita, como pretende a recorrente, a utilização dessa forma sincopada da sua firma ou de outra contendo o vocábulo “Eleutério” ou que se resuma exclusivamente a este, na identificação dos seus produtos, quando isso se traduz numa provada confusão junto dos consumidores sobre a origem dos produtos comercializados por uma e por outra. Desde logo, porque o que ocorre não é propriamente - como pretende a recorrente - um “confronto” ou colisão entre a sua firma “BB, L.da” e a marca registada da recorrida. Na verdade, nem a autora ora recorrida pediu que a ré ora recorrente fosse impedida de usar essa firma nem o acórdão determinou algo nesse sentido. Depois, porque nunca houve qualquer problema de confusão no funcionamento paralelo das empresas de autora e ré, uma usando a referida marca “Eleutério” e outra sob a firma “BB, L.da”, até a ora recorrente ter começado a usar a aludida forma sincopada desta. O que, no caso, está fundamentalmente em causa é antes um conflito entre a marca-mista “Eleutério” registada pela autora, desde o ano de 2006, e uma “marca de facto” ou não registada, “Eleutério Antunes”, que a recorrente tem vindo a adoptar ilegalmente na sua actividade económica em concorrência com a recorrida, sob o argumento de que corresponde a um segmento da sua firma. Sucede, porém, que a ré ora recorrente nunca registou qualquer marca contendo a palavra “Eleutério”, designadamente aquela mencionada “ Eleutério Antunes”, e o uso desta marca livre ou não registada apenas lhe confere ou conferia o direito, enquanto eventual primeira utilizadora, de harmonia com o nº 1 do artº 227º do CPI, de pedir e obter para si o registo da mesma, com prejuízo de registo já feito por terceiro interessado, contanto que o uso não tivesse sido por prazo superior a 6 meses e a reclamação tivesse sido feita nesse mesmo prazo. Na verdade, usando desde o ano de 2000 aquela forma abreviada na identificação dos seus produtos, somente em 17-11-2010, a ré apresentou junto do INPI pedido de registo dessa marca "Eleutério Antunes", pedido de registo que foi recusado, como aconteceu com outros pedidos contendo o vocábulo “Eleutério”, precisamente porque imitavam aquela marca nacional n.º 387881, da autora, registada desde 31-03-2006, havendo assim possibilidade de ocorrência de actos de concorrência desleal. Daí que a “marca de facto” da ré recorrente, inclua ela aqueles dois nomes desgarrados da sua firma ou somente o primeiro deles, não goze de qualquer protecção legal, contrariamente à marca registada da autora, a quem o acima citado art.º 258º do CPI concede o direito absoluto e exclusivo do uso e, consequentemente, de impedir outrem de usar marca que a reproduza ou simplesmente a imite. E isto independentemente desses nomes serem também comuns à firma da ora recorrente, anteriormente registada, até porque - como já acima se disse - nunca houve qualquer problema de confusão junto do público consumidor no funcionamento paralelo das empresas de autora e ré, uma usando a referida marca “Eleutério” e outra sob a firma “BB, L.da”, a não ser a partir do momento em que a ora recorrente começou a usar a aludida forma abreviada da sua firma. Insusceptibilidade de confusão essa que, só por si, retira qualquer suporte à peticionada anulabilidade, por parte da Ré ora recorrente, do registo da referida marca, nos termos dos invocados art.ºs 239° n° 2, al. a) e 266º nº 1 do CPI. Improcedem, consequentemente, todas as conclusões do recurso, sendo de manter o acórdão recorrido.
Decisão
Nos termos expostos, acordam em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Junho de 2017
Nunes Ribeiro (Relator)
Maria dos Prazeres Beleza
Salazar Casanova ___________ [1] Relator: Nunes Ribeiro |