Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
081920
Nº Convencional: JSTJ00015268
Relator: CABRAL DE ANDRADE
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
NOVO JULGAMENTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ199206250819202
Data do Acordão: 06/25/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N418 ANO1992 PAG726
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 511.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1963/02/05 IN BMJ N124 PAG697.
ACÓRDÃO STJ DE 1964/01/31 IN BMJ N133 PAG438.
Sumário : Quando o Supremo Tribunal de Justiça mande baixar o processo a Relação, fica inutilizado o primeiro acordão por esta proferido, o qual deixa de existir na ordem processual, sendo sempre necessario que o Tribunal de
2 instancia profira novo julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A, B e C, invocando a sua qualidade de administradores do condominio constituido por escritura publica, de 7 de Dezembro de 1977, sobre o predio urbano sito na Quinta ..., a Rua ... (hoje, Rua ...), designado por lote 12, no lugar do Fogueteiro, da freguesia da Amora, do concelho do Seixal, intentaram esta acção com processo ordinario contra a "Sociedade de Construções Tomar, Limitada", para verem declarada a nulidade, ao menos parcial, do acto constitutivo daquela propriedade horizontal e do respectivo registo, com a consequente restituição aos condominos, como partes comuns, da cave destinada a parque de estacionamento e do apartamento situado no esconso do telhado.
E isto, porque não obstante no projecto de construção aprovado pela Camara Municipal do Seixal, na licença de habitação emitida pela mesma Camara em 30 de Junho de 1976 e ainda na deliberação por ela tomada para o efeito da constituição da propriedade horizontal constar não so que aquela cave se destinava a estacionamento privativo dos condominos, mas tambem que o apartamento existente no esconso do telhado se destinava a casa da porteira, a re, dolosamente, ao outorgar na escritura de constituição da propriedade horizontal, fez constar que aquelas partes do predio eram as fracções autonomas designadas pelas letras "A" e "U", as quais atribuiu valor proprio e a respectiva permilagem no valor total.
A re contestou por excepção (arguindo a ilegitimidade dos autores e a dela propria) e por impugnação, concluindo pela improcedencia da acção.
E para a hipotese de assim não ser julgado, ela deduziu reconvenção em que pediu a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de 4200000 escudos.
Nos articulados seguintes as partes mantiveram as posições que antes haviam assumido.
Entretanto, os autores requereram a intervenção principal de D e mulher, a quem a re havia vendido o apartamento sito no esconso do telhado.
Admitido o chamamento, os citados nada disseram.
No despacho saneador, que julgou serem as partes legitimas, o Meritissimo Juiz decidiu logo a acção, julgando-a improcedente.
A Relação, em conhecimento do recurso interposto de tal decisão, julgou-o improcedente, confirmando aquela.
Inconformados, os autores recorreram de revista para este Supremo, tendo, entretanto, reduzido a sua pretensão no sentido de ser apreciado tão so o pedido no que toca a fracção designada pela letra "A".
Este Supremo Tribunal, no julgamento do recurso, entendeu ser necessaria a ampliação da materia de facto e mandou, por isso, baixar o processo a Relação, para novo julgamento.
Julgado de novo o processo, foi proferido o douto acordão de fls. 253 a 258, o qual, julgando procedente a apelação, decidiu ser nula a escritura de constituição da propriedade horizontal, na parte em que a cave em causa foi considerada como a fracção autonoma designada pela letra "A", tendo-se declarado que ela e parte comum do edificio e sido a re condenada a restitui-la aos condóminos.
E face ao assim decidido, a Relação julgou ainda improcedente o pedido reconvencional.
Do respectivo acordão traz a re, agora, recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1- conforme o assento de 10 de Maio de 1989: "nos termos do artigo 294 do Codigo Civil o titulo constitutivo da propriedade horizontal e parcialmente nulo ao atribuir... a fracção autonoma do edificio utilização diferente da constante do respectivo projecto aprovado pela Camara Municipal";
2- no caso dos autos, o titulo constitutivo da propriedade horizontal refere que a fracção "A" (cave) se destina a "parque de estacionamento" (fls. 13). E este fim não e diverso do que consta da certidão de fls. 7 e 18 dos autos em que a Senhora 3 Oficial E certifica "Em cumprimento do despacho exarado... e de acordo com a informação prestada pelos serviços de Engenharia, Arquitectura e Planeamento" que
"a edificação se compõe... e uma cave destinada a estacionamento privativo de inquilinos";
3- de facto, todas as caves destinadas a estacionamento de um qualquer edificio são de estacionamento de viaturas de proprietarios ou inquilinos, quer vivam, quer não, no predio em causa ou noutro qualquer.
O que a certidão não diz e que a cave e para estacionamento privativo dos proprietarios ou dos inquilinos do predio (daquele mesmo predio em causa...), sendo certo ate que, na altura, não havia inquilinos no imovel. E e tambem certo que ali se não refere que e um estacionamento privativo dos respectivos inquilinos. Alem disso,
4- não vem sequer certificado, nem consta dos autos, que aquela referencia ao "estacionamento privativo de inquilinos" corresponde ao projecto aprovado pela
Camara Municipal do Seixal. E não parece nem ha motivo ou fundamento para interpretar extensivamente o dito assento conferindo-se ao termo projecto compreensão mais ampla que lhe não corresponda nem em termos tecnicos nem da linguagem comum;
5- e porque, como se ve dos autos, na petição inicial
"nada se articulou relativamente ao projecto" e "em lado nenhum se alegou ou articulou que no projecto constasse o destino da cave", não ha, agora, possibilidade de ampliar a materia factica (atento o disposto no artigo 511 do Codigo de Processo Civil) e com ela julgar-se ter-se dado a cave do imovel destino diverso do do projecto (o que aos autores competia alegar e provar - artigo 342 do Codigo Civil), decidindo-se a nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, por aplicação do aludido assento de 10 de Maio (cfr. douto voto de vencido a fls. 259 dos autos). Assim,
6- o acordão em recurso violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 1414, 1415, 294 e 342 do Codigo Civil, 511 do Codigo de Processo Civil e o assento de 10 de Maio, pelo que devera ser revogado, subsistindo a douta sentença da 1 instancia. Por outro lado,
7- nem os autores, nem os condominos, quizeram comprar ou comprarem pagando o respectivo preço justo que não pagaram, a cave do imovel, excluida expressamente dos contratos de promessa de compra e venda que subscreveram e das escrituras que outorgaram, sem qualquer reserva, numa altura em que do registo predial constava a autonomização da fracção "A" (cave) conforme os autores e demais condominos muito bem sabiam. Assim,
8- a aplicação ao caso da doutrina do assento de 10 de
Maio - que, alias, lhe não e aplicavel, nos termos das conclusões anteriores - sempre representaria e se traduziria um injusto locupletamento por parte dos condominos a custa da re contra principios elementares da justiça e o disposto no artigo 473 do Codigo Civil.
Alias,
9- a pretensão, tal como vem formulada, no circunstancialismo provado dos autos sempre constituiria pelo menos, um inaceitavel exercicio abusivo de um direito (a existir tal direito) contra a moral, a etica e o disposto no artigo 334 do Codigo
Civil: os condominos pretendem um bem que não quizeram adquirir e pelo qual não pagaram o justo preço, conforme muito bem sabem e sempre souberam. Por isso e que,
10- a julgar-se procedente a acção tera tambem que julgar-se procedente a reconvenção, reconhecendo-se a recorrente o direito ao justo preço actualizado do bem, sob pena de, violando-se as indicadas normas e principios, se sancionar o abusivo e injusto locupletamento dos condominos a custa da recorrente.
Por seu lado, os recorridos sustentam que deve negar-se a revista pedida pela re.
O que tudo visto:
Como vimos, este Supremo, entendendo que a decisão de facto podia e devia ser ampliada em ordem a averiguar se se provava, no caso concreto, a alegada divergencia entre o que ficou a constar do projecto do predio aprovado pela Camara Municipal do Seixal e o constante do titulo constitutivo da propriedade horizontal, ordenou que os autos voltassem a Relação para ai se decidir a acção.
E decidi-la nesta base: a provar-se que no projecto constava expressamente que a cave se destinava a estacionamento privativo dos inquilinos, um tal destino importava necessariamente a integração da cave no conjunto das partes comuns do predio.
Em consequencia desse julgado foi proferido o acordão ora em recurso. E nele se decidiu que no projecto que a
Camara Municipal aprovou constava expressamente que a cave, com acesso directo a via publica, se destinava a estacionamento privativo de inquilinos.
Partindo daqui, a Relação, tendo em conta que na escritura de constituição da propriedade horizontal a re considerou a cave como fracção autonoma - a fracção
"A" - concluiu que se deu a mesma um destino diverso daquele que constava do projecto aprovado. E fazendo aplicação do assento de 10 de Maio de 1989, julgou a acção procedente.
Pois bem.
Quando o Supremo, no caso excepcional do n. 3 do artigo
729 e nos termos do n. 1 do artigo 730, ambos do Codigo de Processo Civil, depois de definir o direito aplicavel, manda julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito, o poder de cognição do tribunal de instancia esta naturalmente limitado a averiguar os factos que se lhe apontem e a decidir de harmonia com o enquadramento juridico que lhe foi indicado.
O "thema decidendum" que, então, nem sequer se confunde com o objecto do recurso, e fixado pela decisão transitada que ordenou a nova pronuncia e a que a
Relação deve obediencia, por força do prescrito no n. 1 do artigo 156 do Codigo de Processo Civil.
Vejamos, então.
A Relação, no seu novo acordão, ampliou a materia de facto e aplicou-lhe e a toda a que foi antes aprovada o regime juridico que o tribunal de revista fixou.
Bem ou mal - e não podemos discuti-lo ja - a Relação considerou haver a divergencia apontada entre o projecto aprovado pela Camara Municipal e a escritura de constituição da propriedade horizontal.
E como a Relação não podia deixar de conformar-se com o regime juridico fixado pelo Supremo, julgou a acção procedente.
Desta decisão foi interposto novo recurso de revista.
Mas numa hipotese destas esta afastado o recurso, recurso que so sera possivel - e não sera a revista, mas o agravo (cfr. Palma Carlos, "Dos Recursos", pagina
121) - se a Relação não tiver cumprido o acordão do
Supremo, quer quanto a materia de facto a ampliar, quer quanto ao regime juridico definido - ver acordãos deste
Supremo Tribunal de 5 de Fevereiro de 1963, no Boletim n. 124, pagina 697 e de 31 de Janeiro de 1964, no
Boletim n. 133, pagina 438 e Rodrigues Bastos, "Notas ao Codigo de Processo Civil", 3, pagina 366 e A. Reis,
"Codigo de Processo Civil Anotado", 6, pagina 84.
Porem, no acordão da Relação não foi so decidida a questão da nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal.
Julgou-se ainda que não pode o vendedor reivindicar - como fez no pedido reconvencional que deduziu - qualquer outro preço pelo facto de a garagem passar a ser parte comum. E isso porque quem adquire uma fracção autonoma fica comproprietario das partes comuns do edificio.
Ora, quanto a esta parte do acordão referente ao pedido reconvencional nada impede que se recorra de revista e que o recurso seja apreciado.
A impossibilidade de um tal recurso esta naturalmente limitada a parte do acordão em que a Relação se pronunciou quanto ao direito fixado pelo Supremo Tribunal.
Na parte, porem, que respeita ao pedido reconvencional e na que toca a aplicação do direito, o Supremo ainda não se pronunciou, o que significa que nada obsta, aqui, ao recurso de revista.
Mas ao Supremo não e ainda possivel julgar este recurso e as questões que nele foram suscitadas.
E que quando se manda baixar o processo a Relação fica inutilizado o primeiro acordão por ela proferido, o qual deixa de existir na ordem processual, sendo sempre necessario que o tribunal de 2 instancia profira novo julgamento. E que esse julgamento seja feito com observancia de todo o condicionalismo que preside as suas decisões - cfr. Rodrigues Bastos, ibidem.
Ora, no novo acordão da Relação isto não se fez, pois falta nele a decisão de facto.
Não se fez, com efeito, no acordão, a discriminação dos factos provados, para ser possivel ao Supremo aplicar-lhes definitivamente o regime juridico que julgue adequado.
Qual, então, a solução ou remedio para uma situação destas?
Temos para nos que ela se encontra virtualmente inscrita nas disposições combinadas dos artigos 729 n. 3 e 730 n. 2 do Codigo de Processo Civil, por compreendida no seu espirito.
E consiste ela na aplicação extensiva dos mencionados preceitos legais a situação de que temos vindo a ocupar-nos.
Deve, por conseguinte, o processo baixar, de novo, a Relação, a fim de esta se pronunciar explicitamente quanto a materia de facto que considera provada, fixando-a.
Por todo o exposto, determina-se que o processo baixe a
2 instancia, para que esta julgue novamente a causa, com intervenção, se possivel, dos mesmos Senhores Juízes.
Custas por quem, a final, vier a ser julgado responsavel pelas devidas pelo processo.
Lisboa, 25 de Junho de 1992
Cabral de Andrade,
Tato Marinho,
Pires de Lima.
Decisões impugnadas:
I- Sentença de 86.12.18 da Comarca do Seixal;
II- Acordão de 90.10.31 e 91.07.02 da Relação de
Lisboa.