Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1182/22.6YLPRT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO
CAUÇÃO
TEMPESTIVIDADE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
GUIAS
ATO DA SECRETARIA
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: -CONCEDIDA A REVISTA;
-ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA CONHECER DAS QUESTÕES SUSCITADAS PELA REQUERIDA NO SEU RECURSO DE APELAÇÃO
Sumário :
I – O requerido pode opor-se no prazo de 15 dias (n.º1) e que, com a oposição deve juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e do pagamento de uma caução (n.º3), sendo que não se mostrando paga a taxa de justiça ou a caução, a oposição tem-se por não deduzida (n.º4).

II – No caso presente, a secretaria não tem o dever de emitir guia e documento único de cobrança a que se refere o artigo 21.º da Portaria n.º419-A/2009 para que o opoente preste a caução.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA requereu o presente procedimento especial de despejo, contra CPFS – Companhia Portuguesa de Formação e Serviços, Lda. peticionando:

Em face de tudo quanto foi exposto, a reqda. deve às heranças representadas pelo reqte., o montante global de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), referentes às rendas vencidas e não pagas, relativas ao período compreendido entre os meses de fevereiro de 2011 a julho de 2022, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal de 4%.

Além dos respetivos juros de mora, ao referido montante acrescem ainda as rendas que se vencerem no período compreendido entre a resolução do contrato de arrendamento e a efetiva desocupação da fração arrendada devoluta de pessoas e bens.

O Requerente invoca seguinte:

1. O reqte. exerce as funções de cabeça de casal da herança aberta por morte do seu Pai, o Senhor BB e da herança da sua Mãe, a Senhora D. CC, titulares da fração autónoma designada pela letra "B", a qual corresponde ao rés-do-chão direito do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal sito na Rua..., descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o número ...96 da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 636 da freguesia de ... (cfr. caderneta predial urbana que se junta como doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzida).

2. Em 17 de janeiro de 2011, a Senhora D. CC, à data cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, o Senhor BB, celebrou com a reqda., esta última na qualidade de Arrendatária, um contrato de arrendamento para fins habitacionais que tinha por objeto a fração autónoma identificada em 1. antecedente (cfr. cópia do contrato de arrendamento que se junta como doc. 2 e aqui se dá por integralmente reproduzido).

3. Em virtude da celebração do referido contrato de arrendamento, a referida fração autónoma foi dada de arrendamento à reqda..

4. Pela execução do referido contrato de arrendamento, a reqda. tinha a obrigação de pagar a título de renda anual, o montante total de €7.200,00 (sete mil e duzentos euros).

5. Ficou convencionado que a renda anual seria paga pela reqda. em duodécimos mensais de €600,00 (seiscentos euros), os quais se venciam no primeiro dia do mês anterior àquele a que diziam respeito (cfr. cláusula terceira do contrato junto como doc. 2).

6. Desde o início da execução do contrato e até à presente data, a reqda. nunca efetuou, contrariamente ao que estava obrigada, qualquer pagamento a título de renda.

7. Em 21/09/2021 morreu a Senhora D. CC.

8. Em virtude da morte da Senhora D. CC, o ora reqte. assumiu as funções de cabeça de casal da herança aberta por morte do seu Pai, o Senhor BB e da herança da sua Mãe, a Senhora D. CC, estando deste modo representada a totalidade da propriedade da fração (cfr. certidão da escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 10/11/2021 que se junta como doc. 3 e aqui se dá por integralmente reproduzida).

9. Ao assumir as funções de cabeça de casal, o reqte. constatou que as rendas devidas pela execução do referido contrato de arrendamento nunca haviam sido pagas, tendo por essa razão notificado a reqda. do incumprimento da sua obrigação de pagamento da referida renda.

10. A notificação foi efetuada através de contacto pessoal de Agente de Execução, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 7 do art. 9.º do NRAU.

11. Através do referido contacto pessoal efetuado pelo Agente de Execução, o reqte. comunicou, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 1083º do Código Civil, que a consequência pelo não pagamento das rendas vencidas e não pagas era a resolução do contrato de arrendamento, informando no entanto a reqda. que tinha a possibilidade de se opor à resolução do contrato, mediante o pagamento das referidas rendas acrescidas da correspondente indemnização no montante de 20% do total das rendas em atraso (cfr. originais da Notificação Pessoal que se junta como doc. 4 e aqui se dá por integralmente reproduzida).

12. O certo é que, terminado o prazo legal concedido para o efeito, a reqda. não efetuou qualquer pagamento permanecendo em dívida a totalidade dos montantes referentes às rendas vencidas e não pagas, pelo que o contrato de arrendamento se encontra validamente resolvido nos termos da Lei.

13. Até à presente data, a reqda. não efetuou qualquer pagamento, não tendo estabelecido qualquer contacto no qual manifestasse a sua intenção de o fazer.

14. Com efeito, o pedido de pagamento de rendas, encargos e despesas efetuado no âmbito do presente Procedimento Especial de Despejo, é admissível, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 15º do NRAU, uma vez que o montante das rendas em dívida foi comunicado à arrendatária, conforme se demonstrou (cfr. doc. 4).

2. Notificada, a Requerida veio deduzir oposição, juntando com esse articulado o comprovativo do pagamento da taxa de justiça respetiva.

3. Com data de 12/09/2022, foi proferido o seguinte despacho:

“Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil, convido a Requerida a, no prazo de 5 dias, juntar aos autos documento comprovativo de que efectuou o pagamento da caução prevista no n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, no prazo previsto na lei, sob pena de se ter por não deduzida a oposição”.

4. Em 18/09/2022, a Requerida/Ré apresentou requerimento com o seguinte teor, acompanhado do comprovativo do depósito da quantia alegada:

“CPFS – COMPANHIA PORTUGUESA DE FORMAÇÃO E SERVIÇOS, LDA., Requerida no processo acima identificado, notificada do Despacho deste Tribunal de 13.09.2022 com referência citius ...93, vem requerer a junção aos autos do comprovativo de pagamento de caução, no valor de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros)”.

5. Com data de 22/09/2022, foi proferido o despacho com o seguinte teor dispositivo:

“Termos em que, não tendo a requerida feito o depósito da caução no prazo legal para a apresentação da oposição, nos termos do disposto no artigo 15.º - F, n.º 4, da Lei 31/2012 de 14/08, tem-se a oposição por não deduzida”.

6. Inconformada com esta decisão, a Requerida/Ré interpôs recurso de apelação.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a “revogar o despacho recorrido, devendo considerar-se tempestivamente prestadas quer a caução prevista no n.º3 do art. 15.º - F citado do NRAU quer, em consequência, a oposição deduzida pela ora recorrente ao procedimento especial de despejo”. (cf. decisão singular e Acórdão em conferência).

8. Inconformado, o Requerente/Autor veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A. O Tribunal a quo confirmou a decisão singular proferida pelo Senhor Juiz Relator, julgou tempestivo o pagamento da caução e decidiu erradamente revogar a decisão do Tribunal da 1.ª instância, admitindo o pagamento da caução e a oposição apresentada pela reqda..

B. A Conferência do Tribunal da Relação não apresentou qualquer argumento para a sua decisão, tendo remetido a fundamentação da sua decisão para a decisão singular repetindo toda a sua fundamentação.

C. O Tribunal da Relação erra ao afirmar que o pagamento da caução é tempestivo por o mesmo ser efetuado através da emissão de um DUC, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, uma vez que o preceito invocado a única coisa que estabelece relativamente ao momento do pagamento é a obrigatoriedade da junção do comprovativo de realização do mesmo juntamente com a oposição.

D. O Tribunal a quo erra também ao invocar a aplicação do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, uma vez que o referido artigo diz respeito à liquidação de custas, multas e encargos antecipados(como é o caso do pagamento dos honorários dos peritos), situações que não se equiparam ao pagamento da caução.

E. O Tribunal da Relação erra ao forçar a sua argumentação para acompanhar a infundada e ilegal posição da reqda.

F. Note-se que o único fundamento que tenta invocar a favor da tempestividade do pagamento da caução não funciona e o Tribunal da Relação erra clamorosamente ao interpretar e aplicar erradamente o artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, retirando do preceito consequências que o mesmo não tem e ignorando, uma vez mais a letra da Lei quando a mesma estabelece, no número 1 e no número 2 que o comprovativo de pagamento tem de ser junto com a oposição.

G. Por outro lado, a conclusão que o Tribunal da Relação retira do número 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril não é admissível, uma vez que o referido preceito existe para regular situações que não são a do presente caso, não cabendo nunca à secretaria a função de emitir guias para este fim.

H. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o pagamento da caução não é tempestivo, sendo a decisão recorrida violadora dos números 3 e 4 do artigo 15-F do NRAU e dos princípios que regem a ação especial de despejo.

I. O pagamento da caução só pode ser considerado para efeitos de admissão da oposição se o mesmo tiver sido efetuado dentro do prazo legal de que o inquilino dispões para apresentar a sua oposição ao requerimento de despejo.

J. Na ação especial de despejo, o pagamento da taxa de justiça e da caução constituem verdeiros pressupostos processuais, sem os quais a fase declarativa da ação especial de despejo não pode prosseguir.

K. O comprovativo de pagamento da taxa de justiça e da caução tem de ser junto à oposição, conforme resulta do disposto no número 3 do artigo 15-F do NRAU e do número 1 e 2 do artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro. Caso o mesmo não aconteça, o Tribunal deve notificar a parte, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 6.º do Código Processo Civil, para proceder à sua junção, que foi precisamente o que fez o Tribunal da 1.ª instância no presente caso.

L. É bastante diferente ser notificado para juntar o comprovativo de um pagamento que já tinha de ter sido feito e juntar um comprovativo de um pagamento efetuado porque se recebeu a notificação.

M. No presente caso, o pagamento da caução foi realizado pela reqda. muito depois de ter terminado o prazo para apresentação da oposição, logo para pagamento da caução. Com efeito, não está verificado um pressuposto de admissibilidade da oposição pelo que não poderá a mesma ser tida por deduzida.

N. Alegar inconstitucionalidade por falta de notificação para pagamento não faz nenhum sentido na presente ação.

O. Na ação especial de despejo os cidadãos têm de estar representados por Advogados não é por acaso. É obrigação dos Advogados conhecer a Lei e advogar em conformidade com a mesma. O preceito que determina a obrigatoriedade do pagamento da taxa de justiça juntamente com apresentação da oposição, é o mesmo que determina que a caução tem de ser paga caso esteja em causa uma situação com origem no número 3 ou 4 do artigo 1083.º do Código Civil.

P. Com efeito, assim como foi paga a taxa de justiça, tinha de ter sido paga a caução devida.

Q. Não é aceitável que tendo em conta a letra da Lei, se queira aplicar extensiva e abusivamente o disposto no artigo 570.º do Código Processo Civil, contrariando lei expressa e decisões jurisprudenciais em sentido diverso.

R. Decidir pela tempestividade do pagamento da caução é ilegal, contraria lei expressa e nega os direitos do Senhorio que a Lei, com a ação especial de despejo, pretende garantir e assegurar.

S. Decidir em sentido contrário à decisão do Tribunal da 1.ª instância é ilegal e inconstitucional, pelo que tal decisão deve ser mantida seguindo a ação os seus tramites normais junto do Balcão Nacional do Arrendamento.

E conclui: “deverá ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que declare intempestivo o pagamento da caução e ordene o prosseguimento da ação especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento.”

9. A Requerida/Réu contra-alegou, ampliando o objeto do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora objeto do presente recurso, deve ser confirmado, dado que interpretou corretamente a lei aplicável in casu.

Para tanto,

B. O artigo 15.º-F, n.º 3 do NRAU indica expressamente (tal como o faz o artigo 15.º-S, n.º 9, al. d) do NRAU) que o modo de pagamento da caução deve ser definido por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

C. E dado que o artigo 10.º, n.º 1 da Portaria n.º 9/2013, de 9 de janeiro remete expressamente para a Portaria n.º 419-A/2009, a qual prevê, no seu artigo 21.º, n.º 1, que o pagamento da caução deve ser precedido da emissão de guia por parte da secretaria do tribunal,

D. E dado que a secretaria do tribunal de 1.ª instância não emitiu, até ao momento, tal guia, então o pagamento da caução feito pela Recorrida sempre terá de se considerar tempestivo.

E. Quanto ao argumento apresentado pelo Recorrente – de que as partes podem sempre emitir os seus próprios DUCs – este é desprovido de qualquer sentido: muito embora as partes possam emitir os seus DUCs, tal não implica que a secretaria do tribunal de 1.ª instância deixe de ter a obrigação de emitir tais guias de pagamento, quando as partes assim não o façam.

F. Visto que o tribunal de 1.ª instância não procedeu à emissão de tal guia de pagamento e, entretanto, a Recorrida procedeu ao pagamento da caução, esta sempre terá de se considerar como tempestiva.

Ampliação do objeto do presente recurso

G. Caso o douto Tribunal ad quem revogue a decisão do tribunal da Relação de Lisboa, situação que não se concede, ainda assim terá de considerar que o Tribunal de 1.ª instância sempre teria de formular o convite à Recorrida, no âmbito do artigo 570.º do CPC, para proceder ao pagamento da caução.

Este entendimento tem por base três fundamentos:

H. Em primeiro lugar, o artigo 570.º do CPC é aplicável aos processos especiais de despejo, por força do artigo 549.º, n.º 1 do CPC, dado que em tal processo especial não se encontra prevista qualquer norma que regule a situação de se saber se o tribunal deve, ou não, proceder à formulação de convite quando o requerido não procedeu ao pagamento da taxa de justiça/caução devida.

I. E note-se que o facto de nos processos especiais de despejo constar que o não pagamento de tais encargos implica o desentranhamento da oposição apresentada (cfr. artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU) não pode significar que a situação referida no ponto anterior já se encontra regulada, pois o que o artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU prevê é a cominação para o não pagamento,

J. E o que está em causa no artigo 570.º do CPC é saber se o tribunal deve ou não formular tal convite para proceder ao pagamento da taxa de justiça/caução devida.

K. Assim, por o artigo 570.º, do CPC ser aplicável por força do artigo 549.º, n.º 1 do CPC, deve o douto Tribunal ad quem considerar que o tribunal de 1.ª instância sempre deveria ter convidado a Recorrida a paga a caução devida (ainda que, porventura, mediante o pagamento de multa).

L. Em segundo lugar, a aplicação do artigo 570.º do CPC não contende com a celeridade do processo especial de despejo, dado que o princípio da celeridade não é um valor absoluto e intocável e que, no próprio processo especial de despejo tal princípio é, por vezes, relativizado em face de outros valores.

M. Veja-se que no âmbito do processo especial de despejo, o tribunal sempre pode convidar as partes a aperfeiçoarem as suas peças (artigo 15.º-H, n.º 2 do NRAU), assim como tem sido admitida a formulação de pedidos reconvencionais no âmbito dos processos especiais de despejo.

N. Importa também recordar que a aplicação do artigo 570.º do CPC é tida como admissível noutros processos que são considerados como urgentes e têm como vetor essencial a celeridade, como por exemplo, as providências cautelares ou o processo de injunção, que embora não seja um processo urgente, ainda assim é caracterizado pela sua celeridade.

O. Mais do que tudo isto, o próprio Tribunal de 1.ª instância convidou a Recorrida a, no prazo de 5 dias, apresentar o comprovativo de pagamento da caução.

P. Ora, se se considera que é compatível com a celeridade do processo de despejo, esperar 5 dias para que a Recorrente possa proceder à junção do comprovativo de pagamento da caução, porque é que é inadmissível que o pagamento da caução seja feito nesses 5 dias?

Q. Não existe qualquer valor que seja violado ou preterido, por o pagamento da caução ser feito nesse prazo de 5 dias.

R. Em terceiro lugar, existe um princípio vetor no ordenamento jurídico português, reconhecido pelos tribunais superiores, que é o da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões de forma, devendo os tribunais, sempre que possível, proceder à remoção de qualquer obstáculo formal que impeça o conhecimento do mérito do processo.

S. Ora, no presente caso, deveria ter o tribunal de 1.ª instância formulado o convite previsto no artigo 570.º, n.º 1 do CPC, dado que o não conhecimento do mérito da ação de despejo, pelo simples facto de não se ter pago a caução no momento devido, afigura-se como o expoente máximo da preterição do conhecimento de mérito por força de uma mera formalidade.

T. Por todas estas razões, o douto Supremo Tribunal de Justiça deve considerar que o Tribunal de 1.ª instância sempre deveria ter formulado o convite previsto no artigo 570.º do CPC à Recorrida e, dado que a mesma pagou já a caução, no prazo indicado em tal artigo, deve o douto Supremo Tribunal de Justiça revogar a decisão do tribunal de 1.ª instância que ordenou o desentranhamento da Oposição.

U. Por fim, caso assim não se entenda, o que não se concede, o douto Supremo Tribunal de Justiça deve considerar como inconstitucional a interpretação que o Tribunal de 1.ª instância fez do artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU (i.e. Caso o requerido não proceda ao pagamento da caução no momento da apresentação da sua oposição, então deve ser desentranhada tal oposição, sem se conceder ao requerido os mecanismos previstos no artigo 570.º do CPC) por violador do direito ao contraditório que é uma decorrência do direito ao processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP,

V. E, assim, deve revogar a sua decisão de ordenar o desentranhamento da Oposição e, ao invés, deve considerar que a caução foi paga tempestivamente, por ter sido paga no período a que se reporta o artigo 570.º do CPC.

Vejamos,

W. Em primeiro lugar, esclareça-se que segundo o artigo 20.º, n.º 4 da CRP, as partes de um processo judicial têm direito a um processo equitativo, tendo já vindo o Tribunal Constitucional (entre outros, veja-se Ac. n.º 29/2020 do TC, relator Juiz Conselheiro Pedro Machete) dizer que uma das dimensões do direito a um processo equitativo é o direito ao contraditório das partes, o que implica que as partes têm o direito a apresentar a sua defesa, expondo as suas razões de facto e de direito sobre os contornos do processo, assim como a oferecer prova e a analisar as provas oferecidas pela parte contrária.

Dito isto,

X. Embora não se discuta a admissibilidade, em termos constitucionais, da imposição de ónus processuais às partes, é certo que tais ónus processuais (e os seus efeitos preclusivos) devem respeitar os princípios fundamentais constantes da Constituição16, entre outros, o princípio da proporcionalidade, assim como o direito ao contraditório (resultante do direito a um processo equitativo – art. 20.º da CRP, como se viu), direito de acesso aos tribunais e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Y. Neste âmbito, a jurisprudência constitucional (cfr. Acórdão do TC n.º 462/2016, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) tem definido três vetores essenciais, para densificar o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus processuais às partes.

Z. São eles: 1) a justificação da exigência processual em causa; 2) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; 3) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr. neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

AA. Se já oferece dúvidas que o ónus previsto no artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU pode ser considerado conforme ao 2) vetor essencial acima identificado, é por demais evidente que o ónus previsto no ónus previsto no artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU, tal como foi interpretado pelo tribunal de 1.ª instância, é manifestamente excessivo em face das consequências do seu incumprimento, violando, deste modo, o 3) vetor essencial acima identificado.

Vejamos em pormenor as consequências do incumprimento do ónus previsto no artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU,

BB. No âmbito do procedimento especial de despejo, caso o requerido não pague, no momento da apresentação da oposição a caução devida, então, segundo o estabelecido no artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU, a oposição tinha-se por não apresentada, o que, por sua vez, implicava a automática formação de um título executivo contra o requerido, não tendo, realce-se, o requerido a oportunidade de apresentar oposição à execução (art. 15.º-J, n.º 6 do NRAU) no processo de execução que viesse a ser propostos com base em tal título executivo.

CC. Repisa-se este ponto por se considerar fundamental: a desproporcionalidade da preclusão do ónus estabelecido no artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU resulta do facto de o requerido, por não ter pago no momento devido a caução - sem que tenha sido convidado a suprir tal falha – não só vê a sua oposição a ser considerada como não apresentada, como vê formado contra si um titulo executivo ao qual não poderá sequer apresentar oposição à execução.

DD. É manifesta a desproporcionalidade de tal preclusão, caso não seja dado ao requerido, por força do artigo 570.º do CPC, a oportunidade de vir corrigir tal irregularidade, o que implica, assim, a sua inconstitucionalidade.

Aliás,

EE. Um dos exemplos que o Mm.º Juiz Conselheiro Lopes do Rego refere quanto a esta matéria é o de que a preclusão dos ónus de natureza estritamente processual – como é o caso agora em questão – poderá revelar-se totalmente desproporcional, e, em consequência, inconstitucional, é a situação em que a preclusão tiver um carácter definitivo, sem qualquer possibilidade de ulterior suprimento.

FF. Assim, não existem quaisquer dúvidas de que a preclusão de tal ónus processual é manifestamente desproporcional, caso não seja dada a hipótese ao requerido de vir a corrigir tal irregularidade, nos termos do artigo 570.º do CPC, violando, assim, o direito ao contraditório que é decorrência do princípio ao processo equitativo, direito este previsto no art. 20.º, n.º 4 da CRP.

GG. Note-se que a desproporcionalidade (e, assim, a inconstitucionalidade) advém do facto de o requerido, por não pagar no momento da apresentação da sua oposição a caução devida, e sem ter hipótese de vir suprir tal falha (mediante, aliás, o pagamento de uma multa), fica arredado de apresentar a sua defesa (com as consequências que isso acarreta): existe uma manifesta restrição desproporcional no direito do requerido ao contraditório (art.º 20, n.º 4 da CRP).

HH. Em consequência, devia o tribunal a quo ter formulado um convite à Recorrente, nos termos do artigo 570.º do CPC, para que esta pudesse pagar a caução devida e a multa pelo atraso.

II. Pelo acima exposto, o convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 570.º, do CPC, é uma exigência constitucional, dado que se se interpretar o artigo 15.º-F, n.º 4 do NRAU, tal como interpretou o tribunal de 1.ª instância, no sentido de que se o requerido, num processo especial de despejo, não proceder ao pagamento da caução, aquando da apresentação da sua oposição, tal peça processual deve considerar-se, imediatamente, como não apresentada, sem antes se conceder ao requerido as opções previstas no artigo 570.º do Código de Processo Civil, então estamos perante uma norma inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, dada a restrição desproporcional do direito ao contraditório do requerido, direito este que é uma decorrência do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição).

E conclui: “…deve o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, objeto do presente recurso, ser confirmado e, em consequência, deve ser revogada a decisão do tribunal de 1.ª instância de ordenar o desentranhamento da oposição apresentada.

Caso assim não se entenda, o que não se admite, deve o douto Tribunal considerar que o Tribunal de 1.ª instância sempre estaria vinculado a formular o convite previsto no artigo 570.º do CPC, e, nessa medida, deve revogar a decisão deste tribunal em ordenar o desentranhamento da Oposição da Recorrida, dado que esta já procedeu ao pagamento da caução.

Ainda que assim não se entenda, o que não se admite, deve o douto Tribunal considerar inconstitucional a interpretação preconizada pelo tribunal de 1.ª instância do artigo 15.º-F, n.º3 e 4 do NRAU, por violação do direito ao contraditório, decorrência do direito ao processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP e, em consequência, deve considerar que a Recorrida pagou tempestivamente a caução devida”.

10. Os Requerentes/Autores vieram responder à ampliação do objeto do recurso.

11. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Ré / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- tempestividade do depósito da caução, devida pela dedução de oposição ao procedimento especial de despejo;

- a aplicação do artigo 570.º do Código de Processo Civil (ampliação do objeto do recurso);

- inconstitucionalidade (ampliação do objeto do recurso).

III. Fundamentação

1. Factos relevantes:

1.1. O Requerente interpôs o presente procedimento especial de despejo junto do BNA.

1.2. A Requerida, notificada, veio deduzir oposição, juntando 5 documentos e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça

1.3. O Tribunal de 1.ª instância proferiu o seguinte despacho: “Ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil, convido a Requerida a, no prazo de 5 dias, juntar aos autos documento comprovativo de que efectuou o pagamento da caução prevista no n.º3 do artigo 15.º - F da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro, no prazo previsto na lei, sob pena de se ter por não deduzida a oposição.”

1.4. A Requerida juntou documento comprovativo do depósito da caução em 14/09/2022.

1.5. O tribunal de 1.ª instância proferiu, de seguida, o seguinte despacho:

“Nos termos do disposto no artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, “com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”. Acrescenta o n.º 4 que, não se mostrando paga a taxa ou a caução, a oposição tem-se por não deduzida.

No caso em apreço, estando em causa a resolução por falta de pagamento de rendas e não tendo a requerida comprovado, com a apresentação da oposição, ter efectuado o pagamento da caução, foi convidada a juntar “documento comprovativo de que efectuou o pagamento da caução prevista no n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, no prazo previsto na lei, sob pena de se ter por não deduzida a oposição”.

Ora, como resulta do documento junto, a requerida não comprova ter efectuado o pagamento da caução devida no prazo previsto na lei para a apresentação da oposição, tendo antes junto documento que demonstra que efectuou o pagamento de uma caução apenas na sequência do despacho proferido, quando é certo que a parte não foi convidada a depositar a caução no prazo de 5 dias, mas antes a comprovar, no mencionado prazo, que havia dado cumprimento ao disposto no normativo citado, condição legal para o recebimento da oposição.

Com efeito, seguindo este tribunal o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2018 (processo n.º 1394/16.1YLPRT.L1.S1., in www.dgsi.pt) – na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da caução deve “o juiz, em conformidade com o estabelecido no art. 6º, nº 1 do CPC, convidar o inquilino a proceder à respetiva junção” -, o tribunal não concedeu à requerida um novo prazo para pagar a caução, mas antes para comprovar o pagamento já efectuado no prazo para a apresentação da oposição, pelo que o pagamento da caução, entretanto efectuado, não tendo sido realizado no prazo para a apresentação da oposição, não evita a consequência prevista na lei, ou seja, que se desconsidere a oposição deduzida. Na verdade, careceria de sentido que fosse permitido à requerida beneficiar de um novo prazo para o pagamento da caução (diferentemente do que se considera quanto à comprovação do pagamento efectuado), quando se vem entendendo que, também quanto à taxa de justiça, no procedimento especial em apreço, não é aplicável o disposto no artigo 570.º do Código de Processo Civil, precisamente por se tratar de um procedimento especial em que se visa uma especial celeridade no andamento do processo (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribuna da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2017, proc. n.º 686/16.4T8CBR.C1, base de dados citada). Por outro lado, não é pelo facto da defesa apresentada pela requerida, em sede de oposição, pôr em causa o direito do requerente às rendas que a isenta da dispensa do pagamento da caução mencionada, pois que, como ensina Rui Pinto (“Manual da Execução e Despejo, pág. 1187, citado no primeiro dos arestos referidos) “Esta prestação da caução (…) garante a posição do senhorio. Procedimentalmente, exprime-se como uma condição de admissibilidade da oposição”.

Termos em que, não tendo a requerida feito o depósito da caução no prazo legal para a apresentação da oposição, nos termos do disposto no artigo 15.º - F, n.º 4, da Lei 31/2012 de 14/08, tem-se a oposição por não deduzida.


***


Oportunamente, comunique ao Balcão Nacional do Arrendamento”.

2. Tempestividade do depósito da caução, devida pela dedução de oposição ao procedimento especial de despejo

O Requerente requereu o presente procedimento especial de despejo, contra a Requerida CPFS – Companhia Portuguesa de Formação e Serviços, Lda., invocando que esta não procedeu ao pagamento de rendas, fundamentando a sua pretensão no n.º5 do artigo 15.º do NRAU.

A Requerida, notificada, veio deduzir oposição, não juntando, no momento da dedução da oposição, documento comprovativo da prestação de caução.

Atenta a oposição da Requerida o BNA remeteu os autos ao Tribunal de 1.ª instância competente.

O Juiz do Tribunal de 1.ª instância, após ter ordenada a notificação para que a Requerida juntasse documento comprovativo de que tinha prestado a caução e como o depósito havia sido feito depois da dedução da oposição, considerou como não deduzida a oposição e determinou que se comunicasse ao Balcão Nacional do Arrendamento.

Notificada dessa decisão, a Requerida interpôs recurso de apelação, pretendendo que a decisão fosse revogada, invocando como fundamento que o disposto no artigo 570.º do Código de Processo Civil impõe o convite ao aperfeiçoamento e que a falta do referido convite viola o disposto no n.º4 do artigo 20.º da CRP.

O Tribunal da Relação de Lisboa, não se debruçando sobre estes fundamentos invocada pela Apelante, veio, contudo, a revogar a decisão da 1.ª instância, por entender que a Requerida tinha prestado a caução em tempo, dado que “o pagamento da caução devida pela dedução de oposição ao procedimento especial de despejo pode ser efectuado após a notificação da secretaria para a realização desse pagamento, acompanhado de guia e documento único de cobrança” e que, no caso presente, a secretaria não notificou para efetuar esse pagamento e não remeteu a guia e documento único de cobrança.

Desta decisão veio o Requerente interpor o presente recurso de revista, referindo que não competia à secretaria notificar a Requerida, nem remeter qualquer guia nem documento único de cobrança.

Vejamos.

Prescreve o artigo 15.º - F do NRAU (aprovado pela Lei n.º6/2006, de 27 de fevereiro) que:

1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.

2. A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.

3. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

4. Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.

5. A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.

Assim, resulta desta disposição legal que o requerido pode opor-se no prazo de 15 dias (n.º1) e que, com a oposição deve juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e do pagamento de uma caução (n.º3), sendo que não se mostrando paga a taxa de justiça ou a caução, a oposição tem-se por não deduzida (n.º4).

No caso presente, a Requerida veio opor-se no prazo de 15 dias, tendo juntado somente o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

Perante essa não demonstração do pagamento da caução, o Juiz de 1.ª instância determinou a notificação da Requerida para juntar documento comprovativo do pagamento da caução “no prazo previsto na lei”, isto é, no prazo da dedução da oposição.

Em face desta ordenada notificação, a Requerida veio juntar documento comprovativo do pagamento da caução, já no prazo concedido para juntar o documento, portanto depois do prazo para deduzir a oposição.

O Juiz de 1.ª instância, perante o facto de pagamento da caução ter ocorrido depois do prazo para deduzir oposição, considerou, e bem, que a oposição se tinha por não deduzida e ordenou que se comunicasse ao Balcão Nacional do Arrendamento.

Irresignada, a Requerida interpôs recurso de apelação, não colocando em crise este raciocínio do Juiz do Tribunal de 1.ª instância, mas pretendendo que a decisão fosse revogada, pois deveria ser convidada a proceder ao pagamento da caução por ser aplicável o disposto no artigo 570.º do Código de Processo Civil e que o não ser convidada violava o disposto no n.º4 do artigo 20.º da CRP.

O Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre estas questões, entendendo, contudo, que a caução se devia considerar prestada, pois:

“Ou seja, o pagamento da caução devida pela dedução de oposição ao procedimento especial de despejo pode ser efectuado após a notificação da secretaria para a realização desse pagamento, acompanhado de guia e documento único de cobrança.

Interpretação que torna tempestivo o pagamento efectuado pela recorrente, na medida em que esse pagamento foi efectuado no prazo concedido pela Exma. Juíza a quo, no despacho de 12/9/2022 – cuja notificação não foi acompanhada, como devia, pela guia e documento único de cobrança a que se refere o art. 21.º, n.º1 da Portaria n.º419-A/2009.

Daí a procedência da apelação, devendo considerar-se tempestivamente prestadas quer a caução prevista no n.º3 do art. 15.º -F do NRAU quer, em consequência, a oposição deduzida pela ora recorrente ao procedimento especial de despejo.”

Vejamos.

Em primeiro lugar, importa referir que o Juiz do Tribunal de 1.ª instância, ao contrário do que se refere no Acórdão recorrido, não concedeu novo prazo para que a Requerida procedesse ao pagamento da caução.

O Juiz do Tribunal de 1.ª instância, e bem, ordenou que a Requerida fosse notificada para, no prazo de 5 dias, “juntar aos autos documento comprovativo de que efetuou o pagamento da caução prevista no n.º3 do artigo 15.º - F daa Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro, no prazo previsto na lei”, isto é, determinou que a Requerido comprovasse que tinha feito o pagamento da caução (juntando o documento) no prazo em que era lícito deduzir oposição.

Deste modo, se conclui que não houve qualquer concessão de novo prazo para que a Requerida procedesse ao pagamento da caução.

Por outro lado, ao contrário do refere o Acórdão recorrido, a secretaria não devia emitir guia e documento único de cobrança a que se refere o artigo 21.º da Portaria n.º419-A/2009.

O citado n.º3 do artigo 15.º F prescreve que o pagamento da taxa de justiça e da caução é feito “nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.

Ora, o artigo 10.º da Portaria n.º9/2013, de 10 de janeiro prescreve:

1. O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º3 do artigo 15.º da Lei n.º6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.

2. O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.

E o artigo 17.º da citada Portaria refere que:

Qualquer pessoa poderá efetuar os pagamentos … através dos meios eletrónicos disponíveis, Multibanco e Homebanking, ou junto das entidades bancárias indicadas pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP) (n.º1).

E a utilização do pagamento por meios eletrónicos é efetuada através do DUC (artigo 18.º da Portaria n.º419-A/2009, de 17 de abril)

E esse DUC pode ser obtido através do endereço eletrónico do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., ou do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e emissão no endereço eletrónico http://www.citius.mj.pt (artigo 19.º da citada Portaria).

Deste modo, a Requerida deve proceder ao pagamento da caução (montante fixado pelo n.º3 do artigo 15.º - F, do NRAU - até ao valor máximo de rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis meses) até ao momento em que pode deduzir oposição, procedendo a esse pagamento pelos meios eletrónicos apontados, depois de a Requerida obter o DUC para o que procederá nos termos referidos.

Assim, tendo a Requerida todos os meios para proceder ao pagamento, não carece de ser notificada pela secretaria para praticar esse ato nem que esta lhe remeta qualquer guia ou DUC.

Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa invoca o disposto no n.º1 do artigo 21.º da Portaria n.º419 – A/2009, de 17 de abril, como impondo que a Requerida seja notificada para pagamento da caução, com o envio de guia e DUC.

Ora, esta disposição legal prescreve que:

1. O pagamento das custas e o pagamento antecipado de encargos, multas, taxa sancionatória excecional e outras penalidades é efetuado mediante a emissão de guia acompanhada do DUC, para além dos demais casos previstos na presente portaria, quando caiba à secretaria notificar a parte para o pagamento da taxa de justiça.

Como resulta da simples leitura desta disposição legal, o pagamento da caução não se mostra contemplada; esta disposição legal aplica-se aos casos aí previstos, o que é compreensível, pois são situações em que o montante deve ser calculado pela secretaria (não sabendo o responsável pelo pagamento o montante a pagar) e nos casos em que secretaria tem de notificar a parte para o pagamento da taxa de justiça (o que não é o caso presente).

Assim, também, neste caso, a secretaria não tinha o dever de notificar a Requerida.

Deste modo, o recurso tem de proceder, não podendo subsistir a decisão sob recurso.

3. A aplicação do artigo 570.º do Código de Processo Civil e a questão da inconstitucionalidade (ampliação do objeto do recurso)

Desde o recurso de apelação que estas são as questões (e só estas) que a Requerida vem suscitando nos autos (quer no recurso de apelação quer na ampliação do objeto do recurso que agora formula).

O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, não se pronunciou sobre estas questões.

Na economia do Acórdão recorrido – não tendo sido nunca referido -, o conhecimento destas questões mostrava-se prejudicado, em face da posição assumida no Acórdão de que o pagamento da caução se mostrava legalmente efetuado.

Nos termos do disposto no artigo 679.º do Código de Processo Civil, ao STJ não é aplicável a regra da substituição ao tribunal recorrido, pelo que, como se refere no Acórdão do STJ, de14/10/2014 (processo n.º4852/08), “abstendo-se a Relação de tomar conhecimento de qualquer questão que tenha havido por prejudicada pela decisão, aí proferida, caso proceda a respectiva revista, deve o Supremo, nos termos decorrentes do preceituado no artigo 679.º do CPC, ordenar a baixa dos autos à Relação, com vista ao omitido conhecimento.”

Deste modo, deve ser determinado que os autos voltem ao Tribunal da Relação para apreciação destas questões (aquelas que a Requerida suscitou no seu recurso de apelação)

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em:

- conceder a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido;

- ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecer das questões suscitadas pela Requerida no seu recurso de apelação.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 10 de outubro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Leal

António Magalhães