Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2156/17.4T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: DESTITUIÇÃO
ADMINISTRADOR
SOCIEDADE ANÓNIMA
JUSTA CAUSA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
LUCRO CESSANTE
REMUNERAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL
FACTO NEGATIVO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
SANAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A omissão do convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no artigo 590.º do Código de Processo Civil, é uma omissão de um ato que a lei prescreve (e que não prevê a sua omissão como uma nulidade) que pode influir na decisão da causa (n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil) e que está sujeita ao regime previsto nos artigos 196.º e 199.º do Código de Processo Civil: não é de conhecimento oficioso, devendo ser arguida pela parte e tem de ser arguida no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a contar da notificação do acórdão recorrido, sob pena de não poder ser invocada no recurso de revista.

II. Segundo a orientação jurisprudencial deste STJ, em caso de destituição de administrador de sociedade anónima sem justa causa, em ação por si interposta contra a sociedade, incumbe ao administrador o ónus de alegar e provar a destituição, os danos sofridos e o nexo de causalidade entre aquela e estes, não sendo suficiente a a mera alegação das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído por se entender que lhe incumbe alegar os factos integrativos do prejuízo (que não se não basta com a simples invocação da perda de remuneração devida pelo exercício da administração, uma vez que os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve oportunidade de exercer outra atividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional).

III. A referência feita no artigo 403.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais aos “termos gerais de direito” reporta-se às disposições legais relativas à obrigação de indemnização contidas no Código Civil (artigo 562.º e segts.), pois este é o regime geral, também de aplicação subsidiária à legislação societária (artigo 2º Código das Sociedades Comerciais) e comercial (artigo 3.º do Código Comercial).

IV. Tendo o Tribunal decidido que determinada factualidade não se mostra provada, não se conclui que se tenha provado a factualidade contrária, nem se mostra violado o princípio da aquisição processual.

Decisão Texto Integral:
                Processo nº2156/17.4T8STR.E1.S1

Acórdão




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           


I. Relatório

1. AA. instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Sociedade Lusitana ……, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização no montante de €127 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa em vigor, até integral e efetivo pagamento.

O Autor alega, em síntese, que.

- foi nomeado vogal do Conselho de Administração para o triénio…, na assembleia geral de Ré de 7 de fevereiro de 2017;

- foi destituído, sem justa causa, na assembleia geral de 17 de maio de 2017;

- a remuneração base fixa para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de €3 640,00, quantia que deixou de receber a partir de junho de 2017, sendo-lhe devida as quantias corresponde a todas as remunerações até ao termo do mandato.

2. Citada, a Ré veio contestar, concluindo pela improcedência da ação, alegando que a destituição do Autor ocorreu com justa causa e que o Autor não sofreu os prejuízos que alega.

3. Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.

4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.

5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……….

6. O Tribunal da Relação …… veio a “julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida”.

7. Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª Veio o Tribunal da Relação …….. por meio do Acórdão a fls… dos autos julgar procedente, por provada, a destituição sem justa causa do Recorrente do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, nos termos alegados pelo primeiro, vindo, todavia, numa decisão inédita e surpresa, a julgar a ação improcedente com fundamento na ausência de alegação e prova dos danos sofridos pelo Recorrente, sob a forma de lucros cessantes, na perspetiva da (ausência de) atividade remunerada exercida, conforme se passa a expor: “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.

2.ª Termos em que, o objeto do presente recurso, ao abrigo do artigo 674.º n.º 1 a) e c) do Código de Processo Civil, restringe-se à prova dos danos alegados pelo aqui Recorrente, ou, de outra forma, à suficiência da sua alegação e prova, único requisito de que depende a procedência da ação, conforme sustentado pelo Tribunal ad quem, ou Tribunal da Relação ……, no Acórdão ora em crise.

3.ª Entende o Recorrente, sempre com todo o respeito e consideração, de que padece o mesmo Acórdão de manifesta nulidade, por excesso de pronúncia, ao conhecer de matéria da qual não podia ter tomado conhecimento, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 d), aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil, bem como de erro na aplicação do Direito, com fundamento na errada interpretação da norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais e na violação do principio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da colaboração entre os sujeitos processuais, consagrados, entre outros, no artigo 413.º do Código de Processo Civil.

4.ª Sem prejuízo do manifesto erro na aplicação do Direito de que padece o Acórdão em crise, o qual redunda na ilegalidade da decisão contida no mesmo, no que concerne à improcedência dos danos alegados pelo Recorrente, conforme se explanará melhor infra, entende este último que, previamente ao vício vindo de referir, padece o Acórdão em crise de manifesta nulidade, ao conhecer, na presente fase processual, da pretensa insuficiência da matéria de facto alegada à prova dos danos por si sofridos;

5.ª Concretizando, no que concerne à nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1 do mesmo diploma, sempre se diga que, a decisão surpresa contida no Acórdão ora em crise, inédita nos presentes autos, é nula na parte em que conclui pela ausência de alegação e prova dos danos incorridos pelo Recorrente, em nexo de causalidade com a destituição do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, tendo em conta a pretensa insuficiência da matéria de facto alegada aos autos, nesse mesmo sentido, em sede de Petição Inicial, quando ao invés, e segundo o Acórdão em crise, impendia sobre o mesmo a alegação e prova dos lucros cessantes incorridos sob a perspetiva, agora conhecida, de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.

6.ª A (alegada) insuficiência da matéria de facto carreada aos autos, pelo Recorrente, no que à prova dos danos concerne, não foi objeto de qualquer convite ao aperfeiçoamento dirigido a este último, na fase de saneamento do processo, conforme impõe o artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil.

7.ª Do mesmo modo que, nenhuma apreciação relativa ao mérito dos danos alegados pelo Recorrente foi feita em sede de sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo certo que, a matéria alegada nesse mesmo sentido, pelo Recorrente, sob os artigos 98.º a 100.º da Petição Inicial foi dada por integralmente provada, sob os artigos 29.º e 30.º do elenco dos Factos Provados.

8.ª A omissão do referido dever, contido no artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil, é causa da nulidade da decisão que decida pela improcedência da ação, com fundamento na imprecisão da alegação da matéria de facto, quando não precedida de qualquer convite ao aperfeiçoamento – como é o caso dos autos - o que redunda na impossibilidade de conhecimento, pelo Tribunal da Relação ……., no Acórdão ora em crise, da invocada insuficiência da matéria de facto, no que concerne à sua alegação e prova, erigida a fundamento da improcedência da ação, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1, do mesmo diploma.

9.ª Do mesmo modo que, a decisão surpresa vinda de referir, ora inquinada de nulidade, é violadora dos princípios da justa composição do litígio e da colaboração entre os sujeitos processuais, previstos, respetivamente, nos artigos 6.º n.º 1, 7.º n.º 1 e 411.º, todos do Código de Processo Civil.

10.ª Mais se diga que, a decisão ora em análise, cuja matéria não podia o Tribunal da Relação conhecer, encontra-se, ainda, inquinada por erro na aplicação ou interpretação do Direito, por referência à norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, que consagra um regime especial no que concerne à alegação e prova dos danos decorrentes da destituição sem justa causa do cargo de Administrador de Sociedade Anónima, como é o caso dos autos, não sendo aplicável, conforme pretendido pelo Tribunal da Relação ……, as regras gerais da responsabilidade civil, entre as quais se contam o Artigo 566.º n.º 2 do Código Civil, que consagra a Teoria da Diferença, a qual, contrariamente à disposição específica contida no Código das Sociedades Comerciais, impõe a alegação e prova da situação anterior e posterior ao facto ilícito.

11.ª Termos em que, a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação ……, no Acórdão em crise, segundo a qual a indemnização a arbitrar ao Administrador destituído, sem justa causa, nos termos do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, exige a alegação e prova da ausência de prática de atividade profissional remunerada, no período pós-destituição, a cargo do aqui Recorrente ou Administrador destituído, viola as regras basilares da interpretação jurídicas, contidas no artigo 9.º do Código Civil, não encontrando sustentação material bastante na Letra da Lei.

12.ª Deste modo, nada na letra da Lei contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, permite sufragar o entendimento vindo de referir, sustentado no Acórdão em crise, através do qual se onera o aqui Recorrente com o ónus da prova dos factos impeditivos do direito à indemnização peticionada, como sejam a ausência de exercício de atividade remunerada, o qual, bem está de ver, deverá ser imputado à Sociedade Recorrida, conforme impõe o artigo 343.º n.º 2 do Código Civil, violando, igualmente por esta via, o Acórdão em crise, a disposição legal última, vinda de referir.

13.ª Ainda neste concreto ponto de análise, mais se diga que, na senda da jurisprudência relevante na matéria, temos que, a disposição especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais consagra uma presunção natural em benefício do Administrador destituído no sentido da existência de dano decorrente da perda de remuneração, consequência da destituição sem justa causa do cargo de Administrador, interpretação essa que deverá ser aplicada ao caso dos autos, concluindo-se pelo preenchimento do ónus de alegação e prova, a cargo do aqui Recorrente, e pelo erro na interpretação do direito, incorrido no Acórdão em crise, por referência à norma contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais.

14.ª Mal andando o Tribunal da Relação …… ao decidir como decidiu, à revelia dos artigos 9.º e 342.º n.º 1 do Código Civil e artigo 403.º n.º 5 da Código das Sociedades Comerciais.

15.ª Por último, e sem prescindir, ainda que se sufrague o entendimento constante do Acórdão em crise, no sentido de que o artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais exige a alegação e prova da ausência de atividade remunerada exercida pelo Recorrente, no período posterior à destituição, o que se alega por mero dever de cautela e patrocínio e sem conceder, sempre se diga que os autos contêm matéria de facto bastante, nesse mesmo sentido, a qual foi oportunamente alegada e decidida, conforme se alcança do elenco dos Factos Não Provados, sob os artigos 70.º e 71.º;

16.ª Termos em que, ainda que a matéria de facto cuja prova vem agora o Tribunal da Relação, numa decisão inédita e surpresa, exigir ao Recorrente, tenha sido alegada pela Sociedade Recorrida – e não pelo primeiro, conforme pretendido – temos que, a existência e julgamento dessa mesma matéria de facto, essencial à procedência da ação, não pode deixar de beneficiar o aqui Recorrente, conforme impõe o artigo 413.º do Código de Processo Civil, que consagra os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da verdade material.

17.ª Assim sendo, o não aproveitamento da aludida prova, em benefício do Recorrente, com fundamento em pretensos argumentos formais, conforme pretendido pelo Tribunal da Relação ……. mais não consubstancia, sempre com todo o respeito e consideração, do que uma derradeira violação dos princípios referidos no artigo anterior, ínsitos ao artigo 413.º do Código de Processo Civil, bem como uma denegação da justiça.

18.ª Por todo o exposto, temos que, igualmente por esta via, ter-se-ão de dar como provados os danos alegados pelo aqui Recorrente, ainda que em apelo à teoria interpretativa contida no Acórdão em crise, julgando-se procedente, por provada, a ação dos autos, o que se requer, expressamente.

E conclui pela procedência do recurso.

8. A Ré contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, concluindo pela improcedência do recurso e, antes de mais, pelo não recebimento do recurso por, no seu entendimento, se verificar a dupla conforme.

9. Cumpre apreciar e decidir; o Relator proferiu despacho a admitir o recurso nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, por não se estar em presença de dupla conforme porquanto a fundamentação das decisões é muito diversa.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões, expressamente apresentadas pelo Recorrente e que têm o seguinte teor:

- do excesso de pronúncia do Tribunal da Relação ….. – causa de nulidade do Acórdão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, d) aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil – ao apreciar matéria de facto, alegadamente omissa, sobre a qual não fora dirigido ao aqui Recorrente um pedido de aperfeiçoamento do seu articulado, nos termos do artigo 590.º n.º 4 do CPC;

- Do erro de julgamento, por violação do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, na aplicação do direito à concreta matéria de facto dos autos – incorrido pelo Tribunal da Relação ….., no Acórdão em crise, ao aplicar, os princípios gerais da responsabilidade civil – previstos no artigo 483.º e 566.º n.º 2 do Código Civil – ao regime jurídico especial da destituição de Administrador de Sociedade Anónima;

- Do erro de julgamento incorrido pelo Tribunal da Relação ….., nos termos e ao abrigo do artigo 413.º do Código de Processo Civil, no que concerne à suficiência da matéria de facto nos autos à prova de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. A Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social consiste no exercício da indústria de….., nomeadamente a produção de………, bem como a sua comercialização. (artº 1º da petição inicial).

1.2. A sociedade Ré é uma sociedade familiar cuja estrutura acionista é totalmente composta pelos membros da família B……. e cujo Conselho de Administração sempre foi integrado por membros da família. (artº 2º da petição inicial e 9º da contestação).

1.3. Após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração CC. em 13.11.2016, a sua herança encontra-se por partilhar. (artº 10º da contestação).

1.4. O Autor foi Vogal do Conselho de Administração da sociedade Ré até 17 de agosto de 2015, data em que renunciou ao cargo. (artº 4º da petição inicial).

1.5. Na sequência do falecimento em 13 de Novembro de 2016 de seu pai CC., accionista principal e Presidente do Conselho de Administração da Ré desde a aquisição desta em 1994, o Autor foi novamente designado Vogal do Conselho de Administração da Ré para o triénio 2017/2019, na sequência de deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré de 7 de Fevereiro de 2017. (artºs 5 e 6º da petição inicial).

1.6. Nessa reunião da Assembleia Geral (07.02.2017), e para além da recondução dos membros do Conselho Fiscal, foram nomeados para o Conselho de Administração para o triénio 2017/2019:

- DD., mãe do Autor, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração;

- AA., ora Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração;

- EE., irmão do Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração. (artº 7º da petição inicial).

1.7. Nos termos dos Estatutos em vigor, a sociedade Ré obriga-se com as assinaturas de dois administradores ou de administrador e procurador com poderes bastantes. (artº 33º da petição inicial).

1.8. A inscrição da nomeação do A como vogal da Ré para o mandato em curso só ocorreu a 14 de Fevereiro de 2017. (artº 25º (parte) da petição inicial).

1.9. Em 2 de Maio de 2017 foi expedida pelo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Dr. FF., aviso convocatório de Assembleia Geral extraordinária para o dia 17 de maio de 2017 cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos era a “Destituição do administrador AA.”. (artº 9º da petição inicial).

1.10. A reunião da assembleia geral tomou a forma de assembleia universal uma vez que estavam presentes todos os accionistas, representando a totalidade do capital social da Sociedade Ré, e pelos mesmos foi expressamente manifestada tal vontade. (artº 10º da petição inicial).

1.11. Na referida reunião extraordinária da Assembleia Geral de 17 de maio de 2017 foi apresentada a proposta de destituição com justa causa do Autor subscrita pelos acionistas da Ré, DD., GG., HH. e EE., com os seguintes fundamentos: “Neste novo conselho de Administração, a relação entre os Administradores, EE. e AA. foi desde cedo muito complicada tendo cada um uma linha de raciocínio própria e não complementar, estratégias diferentes, abordagens aos problemas diferentes, e um sentido de responsabilidade e de educação, totalmente incompatíveis.

Assim:

a) AA., entrou em meados de Março deste ano, no gabinete de EE., e ameaçou-o fisicamente;

b) AA., em diversas ocasiões criou muito mau ambiente com todos os elementos administrativos, lançando suspeitas e criando incerteza quanto ao futuro dos mesmos;

c) AA., diz que elabora relatórios e outros documentos, mas não entrega qualquer cópia dos mesmos nem aos outros elementos da administração nem a qualquer accionista, nem tão pouco nos dá conhecimento da maioria deles;

d) AA. não aceita qualquer critica, opinião, ou qualquer outro facto desde que esse seja contrário ao que ele preconiza, manifestando desde logo uma atitude de "ou é como eu digo ou bloqueio."

e) AA., mistura frequentemente, assuntos privados com assuntos de empresa;

f) AA. tem conhecimento de todos os assuntos da administração e da sociedade, desde sempre, mas recusa-se a assinar, para vir depois dizer que não assina porque não lhe é dado conhecimento; Só assina(ou) maioritariamente cheques â ordem das suas empresas ...

g) AA., até a folha de vencimentos de todos os funcionários se recusou a assinar ultimamente;

h) AA., estando a par de toda a realidade dos assuntos que passam pela administração, até hoje não conseguiu desenvolver qualquer solução a duas tarefas que ele directamente afirma que lhe tinham sido dadas, sem dar qualquer justificação para o sucedido, tem continuamente uma atitude manifestamente inconsequente;

i) AA. numa tentativa directa de "bloquear" a normal actividade da SLD, não assinando nada, vem depois dizer que ele não assina e que a sociedade obriga a duas assinaturas, não tendo sequer consciência clara de que existem outros dois administradores em funções com plenos poderes para o fazer;

j) AA. com este comportamento de recusa de assinaturas, criou na actual gestão, problemas no que respeita ao financiamento da normal actividade da SLD, sendo que a solução encontrada foi a de convencer os parceiros financeiros de que DD. e EE. responderiam eles próprios pela sociedade. E de que a solução de sucessão tinha sido encontrada, acalmando todos os parceiros estratégicos, e não só os financeiros, por forma a defender os interesses da SLD.

k) AA. está continuamente a emitir suspeitas sobre todos os outros accionistas que não ele próprio;

l) AA., enquanto Administrador e accionista, continua a reclamar uma dívida de um contrato ilegal, que ele próprio assinou com o então Presidente do Conselho de Administração, e tem dado ordens directas aos serviços administrativos, que contabilizem as facturas "falsas" de serviços, nunca prestados à SLD, e emitidas por empresas suas ou das quais tem interesses directos, à luz de uma prática que remonta de 2011.

m) O AA., tem neste momento, em seu poder três cheques emitidos a mando dele.

n) À data de hoje, o valor de recebimentos indevidos ou pagos por conta do acionista e administrador AA. soma os 402.150.84€ e pagos ou suportados pela SLD - Sociedade Lusitana de Destilação S.A., a que se junta a listagem actualizada para que conste em acta.

o) Concluindo e após esta conduta assumida pelo AA., os restantes accionistas perderam a confiança desejável para que este possa continuar a representar a SLD e a defender os interesses da mesma.

p) A mudança de rumo e de estratégia que ele queria impor à força à SLD, não defendiam minimamente os interesses da sociedade, não servindo assim de forma alguma os interesses da maioria dos accionistas.

q) Muitos dos seus comportamentos, quer pela sua gravidade e/ou consequência, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre este e a SLD e entre este e os restantes administradores, também pela sua repetitiva postura assumida de desentendimento, comprometendo a boa marcha dos negócios sociais.

r) Existe assim, decorrente de alguns dos seus comportamentos, uma violação grave dos deveres dos administradores, como a sua inaptidão para o exercício normal das suas funções decorrente dos seus actos.

s) Foram assim violados pela sua conduta os mais básicos princípios de lealdade, enquanto é exigível aos administradores, exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesse.

t) Toma-se assim claro que com estas práticas levadas a cabo pelo administrador AA. têm consequências. (artºs 11º e 12º da petição inicial e artº 15º da contestação).

1.12. A proposta foi aprovada com os votos favoráveis de todos os accionistas presentes com excepção do próprio. (artº 13º da petição inicial).

1.13. A administradora DD. está totalmente arredada do dia a dia da vida da sociedade, possuindo o administrador EE. uma procuração que lhe foi passada por ela, de que existe cópia a fls. 82, apenas e só para dar o seu aval a quaisquer letras ou livranças em que sejam intervenientes a Sociedade Lusitana de Destilação SA e a I......., SA – doc. n.º 10. (artº 34º da petição inicial e artº 55º da contestação).

1.14. A R. solicitou à Caixa Central de Crédito Agrícola (CCCA) uma modificação aos contratos de financiamento vigentes entre esta e a Ré e um reforço do apoio à tesouraria (de € 2.000.000,00) para fazer face ao aumento das previsões de compra de matéria-prima indispensável ao relançamento da actividade da Ré. (artº 37º da petição inicial).

1.15. A CCAM exigiu a prestação de aval pessoal do A., o que este recusou. (artºs. 38º e 39º da petição inicial e 46º da contestação).

1.16. O A. e CC., em representação da SLD – Sociedade Lusitana de Destilação, S.A., subscreveram o escrito particular, denominado “Reconhecimento de Dívida”, datado de 30 de Setembro de 2011, de que existe cópia a fls. 42, no qual se reconhece que a Ré tem para com o Autor uma dívida de € 500.000,00, e no qual se convenciona que a dívida será paga em 96 prestações mensais e sucessivas no montante unitário de € 5.208,33 cada uma, na conta bancária da J........, SL, que emitirá a factura. (artºs 64º e 65º da petição inicial e artº 26º da contestação).

1.17. Tal acordo foi objecto de aditamento assinado em 31 de Julho de 2012, nele se estipulando que ao montante em dívida são deduzidos € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) pelo motivo aí consignado (assunção por CC. da qualidade de fiador de um empréstimo para aquisição de um imóvel por parte da L........., Lda., em benefício de uma irmã do Autor). (artº 66º da petição inicial).

1.18. O crédito do Autor tem vindo a ser pontualmente pago pela Ré, ainda que por via de prestações de periodicidade variável e de montante diverso do inicialmente convencionado. (artº 67º da petição inicial).

1.19. A existência do crédito do A. é do conhecimento de todos os accionistas da Ré, pelo menos após o falecimento de CC. (artº 68º e 83º da petição inicial).

1.20. A J........, SL, tem como administrador único o A. e sede em ……. (artº 27º da contestação).

1.21. O A. é sócio-gerente da sociedade L………, Ldª., a qual tem um capital de 80% pertencente à sociedade J…… e os restantes 20% pertencentes ao próprio A. (artº 36º da contestação).

1.22. A entrega da casa pré-fabricada ao A. ocorreu em momento anterior à sua nomeação como administrador da Ré para o mandato em curso. (artº 90º (parte) da petição inicial).

1.23. Quer no período referente ao mandato em curso (Fevereiro a Maio de 2017), quer em períodos anteriores de exercício do cargo por parte do A. e do irmão EE., houve discussões de parte a parte com nítida divergência de pontos de vista quanto à gestão da Ré e das demais sociedades familiares. (artº 22º (parte) da petição inicial).

1.24. O A. recusou-se a assinar a folha de vencimentos da Ré relativa ao mês de Abril de 2017. (artº 27º da petição inicial).

1.25. No domínio das relações pessoais, a relação do A. com os irmãos (todos acionistas) tem sido de conflitos frequentes e discussões na presença de funcionários. (artº 7º da contestação).

1.26. O A. só fala com sua mãe, tendo cortado relações com os seus três irmãos, sendo certo que a mãe é uma acionista não presente na empresa. (artº 21º da contestação).

1.27. O A. tem em seu poder três cheques da R., emitidos a favor da sociedade L……., Lda., sem qualquer assinatura. (artºs 75º, 76º (parte) e 79º da petição inicial).

1.28. Em 21 de Março de 2017, o Autor recebeu do administrador EE. o e-mail, de que existe cópia a fls. 44. (artº 76º (parte) da petição inicial).

1.29. A remuneração base fixada para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de € 3.640,00. (artº 98º da petição inicial).

1.30. A qual lhe foi abonada ainda no mês de maio de 2017. (artº 99º da petição inicial).

1.31. EE. é actualmente Presidente do Conselho de Administração da R.

1.32. A sociedade obriga-se, designadamente, pelas assinaturas de a) Dois administradores; b) Um administrador e um procurador com poderes bastantes.

1.33. Nos triénios de 2005/2007, 2007/2009, 2011/2013, 2014/2016, mostra-se registado que o Conselho de Administração era composto pelo Presidente, CC., e pelos vogais, AA. e EE..

1.34. Pelas Ap. 6 e 7, de 31.08.2015, foi registada a cessação de funções, por renúncia, de AA., e a sua substituição, na posição de vogal, por DD..

1.35. Após a destituição do Autor, consta registado que o actual presidente do Conselho de Administração é EE., tendo sido designada vogal, HH..

2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:

Da petição inicial:

2.1. 22º (parte) - Não tendo, porém, tal acarretado qualquer prejuízo para a gestão corrente da actividade da Ré ou para a tomada colegial de decisões e deliberações que essa mesma gestão necessariamente convoca.

2.2. 25º (parte) - (…) e a actualização das fichas bancárias da Ré só se efectuou durante o mês de Março de 2017 (sob o pretexto de alegada inépcia dos serviços jurídicos várias vezes avançado pelo administrador EE.), pelo que, entre a sua nomeação e tal actualização, o Autor esteve impedido – por motivo a que era alheio - de assinar quaisquer documentos de gestão que implicassem a vinculação da Ré perante terceiros. (artº 25º da petição inicial).

2.3. 28.º Com efeito, a 23 de Março de 2017, porque nenhuma informação lhe era transmitida a esse respeito não obstante os pedidos que fazia, o Autor, numa manifestação de gestão criteriosa e ordenada própria do exercício das funções que lhe estavam atribuídas, solicitou à colaboradora MM. que lhe remetesse, por correio electrónico, o mapa de transferências que se realizavam para pagamento de vencimentos, para ter essa informação e exercer a vigilância e controlo que se lhe impunha enquanto administrador. (artº 28º da petição inicial).

2.4. 29.º - Não tendo, contudo, obtido qualquer resposta à sua solicitação. (artº 29º da petição inicial).

2.5. 31.º - O que, aliado ao facto de nunca lhe ter sido apresentado até então qualquer documento de gestão para efeitos de assinatura, levou a que o mesmo se recusasse assinar a folha de vencimentos referente ao citado mês de Abril de 2017. (artº 31º da petição inicial).

2.6. 32.º - Facto que, como é bom de ver, não causou qualquer prejuízo à Sociedade Ré e aos seus trabalhadores, pois não só a Ré não ficou impedida de pagar tais vencimentos como também os mesmos não deixaram de ser pontualmente pagos. (artº 32º da petição inicial).

2.7. 37.º (parte) - Com efeito, após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração da Ré e a nomeação dos membros do Conselho de Administração para o mandato em curso, o Autor promoveu, com a necessária aquiescência dos demais administradores, um relatório de análise e de diagnóstico da situação económico-financeira da Ré, tendo, do ponto de vista financeiro na sequência das medidas sugeridas em tal relatório.

2.8. 70.º - Tratando-se, apenas e só, da regularização de uma dívida contraída pela Ré perante o Autor relacionada com fornecimento, na década passada, de aguardantes e destilados por parte da N.........., S.A., sociedade comercial ……. detida pelo Autor, e pelo facto deste último ser responsável pela compra para a Ré de produtos intermédios em ……… entre 1996 e 2008. (artº 70º da petição inicial).

2.9. 71.º Com o falecimento do Pai do Autor, e estando, desde então, projectada a sua nomeação como administrador da Ré, este tomou a decisão de suspender a emissão de quaisquer facturas para pagamento da dívida, procurando, ex abundante cautela, junto dos demais accionistas, seus familiares, fosse por estes expressamente reconhecida a dívida quer por via da aposição das assinaturas destes num novo acordo de reconhecimento de dívida, quer pela tomada de uma deliberação do Conselho de Administração sobre o assunto. (artº 71º da petição inicial).

2.10. 72.º Assim, desde então, só foram depositados em conta bancária do Autor € 10.000,00, em 14 de Dezembro de 2016, relativos a três cheques sacados pelo próprio Presidente do Conselho de Administração da Ré sobre a sua conta bancária pessoal em Maio, Junho e Novembro desse mesmo ano. (artº 72º da petição inicial).

2.11. 73.º Em meados de Março de 2017, o Autor abordou pessoalmente o assunto com os outros dois administradores, DD. e EE., tendo estes manifestado o seu acordo ao pagamento da dívida remanescente. (artº 73º da petição inicial).

2.12. 74.º Acrescentando, porém, o Senhor EE. que não assinaria quaisquer cheques para pagamento das prestações da dívida, mas que não se oporia a que os mesmos fossem assinados pelo próprio Autor e pela Presidente do Conselho de Administração, DD. (artº 74º da petição inicial).

2.13. 77.º Pensava o Autor que a situação teria de ser resolvida e arbitrada pelos demais accionistas e, por conseguinte, tratou de redigir uma minuta que denominou de “Protocolo de Acordo Familiar” que entregou, no dia seguinte, à sua Mãe DD. e a que aludiu na mensagem de correio electrónico com que respondeu ao administrador EE. (artº 77º da petição inicial).

2.14. 78.º Documento esse sobre o qual não obteve qualquer resposta. (artº 78º da petição inicial).

2.15. 82.º Muito embora se tenha já afirmado que o reconhecimento de dívida em apreço era do conhecimento dos acionistas da Ré com responsabilidades de gestão desde o início, a proposta de destituição anexa à ata da Assembleia Geral que constitui o documento ora junto sob o n.º 2 permite demonstrar que o administrador EE. sabia da existência de pagamentos feitos ao Autor para pagamento do acordo de reconhecimento de dívida desde, pelo menos, julho de 2015.

Da contestação:

2.16. 43.º A sociedade Ré tem necessidade de frequentes financiamentos por parte da Banca, nomeadamente Caixa de Crédito Agrícola.

2.17. 44.º Em vida do pai do A., era este, conjuntamente com a mulher, que avalizavam as operações de débito ou financiamento à Ré.

2.18. 45.º Com a morte do administrador CC., a CCA passou a exigir que em substituição do falecido CC. fosse dado aval de todos os administradores da Ré.

2.19. 49.º Nas últimas presenças do A. na empresa, não se coibia de tecer comentários denegrindo a situação da empresa e dirigindo-se aos próprios funcionários da Ré afirmava que bem podiam queixar-se pois os seus postos de trabalho estavam em perigo.

2.20. 50.º De igual forma o A., pertencendo ao conselho de administração, utilizou empregados, máquinas e equipamentos da Ré ao seu serviço pessoal e até na sua casa, que foram faturados à Ré.

2.21. 51.º O A. quando havia discussões e nomeadamente após a morte de seu pai, só ele queria impor a sua vontade não acatando e procurando consensos com os demais administradores.

2.22. 52.º Estas desinteligências havidas já há meses foram do conhecimento de colaboradores da Ré, parceiros de sociedades e da própria direção da Caixa Agrícola em ……., o que nada tem abonado o bom nome e credibilidade da Ré.

2.23. 70.º Na verdade, o A. é administrador e desenvolve atividades comerciais e industriais no país e em ……, nas quais aufere e pode auferir ainda mais rendimentos como aliás resulta até de documentos que se juntam a estes autos e o A. por virtude da cessação das funções de administrador e com a disponibilidade de tempo que passou a ter consegue auferir, se assim o entender, rendimentos superiores aos 3.460 € que diz perder por não desempenhar as funções de administrador.

2.24. 71.º Só em terrenos agrícolas possui mais de 12 hectares que pode desenvolver mais e melhor em diversas atividades.

3. Do excesso de pronúncia

O Tribunal da Relação ………, no Acórdão recorrido, veio a julgar improcedente o recurso de apelação que o Autor havia interposto da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, que decidiu pela improcedência da ação, por se ter provado que a destituição do Autor do Conselho de Administração da Ré tinha sido com justa causa.

No Acórdão recorrido decidiu-se que não se tinha provado a justa causa na destituição do Autor, estando, assim, em manifesta discordância com a decisão da 1.ª instância, mas considerou que “a mera alegação pelo administrador das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração, comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos e, por isso, ainda que se considere não verificada a alegada justa causa, nos termos gerais de direito, o autor não tem direito à peticionada indemnização.

Deste modo, não tendo o ora Apelante alegado os necessários factos constitutivos do direito de obter a pretendida indemnização, e que por mor do disposto no artigo 342.º do CC, não podiam deixar de ser alegados enquanto factos constitutivos do seu invocado direito à indemnização pela destituição, falece um dos pressuposto do seu direito e, só por isso, conforme certeiramente observou a Apelada nas contra-alegações, a acção teria de improceder.”

- Nesta parte, e antes de mais, podemos afirmar que o Tribunal da Relação …… acompanhou a jurisprudência do STJ – cf. Acórdãos do STJ, de 29/05/2014, 8/02/2011, 11/07/2006 e 14/12/2006.

           

O Autor, perante esta decisão do Tribunal da Relação ……, veio arguir a nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º ex vi artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil, porquanto a alegada insuficiência da matéria de facto carreada para os autos, pelo Recorrente, no que à prova dos danos concerne, não foi objeto de qualquer convite ao aperfeiçoamento dirigido a este último, na fase do saneamento do processo, conforme impõe o artigo 590.º, n.º 4, do Código de Processo Civil; a omissão do dever contido nesta disposição legal é causa da nulidade da decisão que decida pela improcedência da ação, com fundamento na imprecisão da alegação da matéria de facto, quando não precedida de qualquer convite ao aperfeiçoamento, o que redunda na impossibilidade de conhecimento, pelo Tribunal da Relação ……., da invocada insuficiência da matéria de facto, no que concerne à sua alegação e prova, erigida a fundamento da improcedência da ação.

Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º (n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil).

Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;

b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;

c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador

(n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil)

            O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (n.º 3 do artigo 590.º do Código de Processo Civil).

            Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (n.º 4 do artigo 590.º do Código de Processo Civil).

            Prescreve, por sua vez, o n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

            Referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado (anotação ao artigo 590.º) que o “despacho de aperfeiçoamento proferido perante articulado irregular é um despacho vinculado que, como tal, o juiz tem o dever de proferir. Se o não fizer, a omissão constitui nulidade processual, nos termos do art. 195 (…), a arguir no prazo geral de 10 dias do art.194-1, contado a partir da notificação do despacho pré-saneador proferido com outro objeto ou do despacho saneador que considere nulo, em consequência da irregularidade, o articulado em causa”.

            No mesmo sentido, Rui Pinto afirma que “a omissão de despacho pré-saneador em qualquer uma das suas composições, constitui nulidade processual inominada sujeita ao regime dos artigos 195.º e ss. (…) o convite judicial à parte a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é um ato processual que se “impõe ao juiz””

            - Notas ao Código de Processo Civil, volume II, anotação ao artigo 590.º -

           

Na jurisprudência do STJ, a falta de convite ao aperfeiçoamento da petição deficiente tem sido considerada como uma nulidade processual secundária.

Assim, no Acórdão de 1/03/2018, afirma-se que: importa salientar que a omissão do convite ao aperfeiçoamento dos articulados podendo constituir uma nulidade processual secundária, atípica ou inominada, genericamente regulamentada no art.º 195.º, n.º 1 do CPC, está sujeita ao regime previsto nos arts. 196.º e 199.º, do CPC, não tendo, contudo, sido oportunamente arguida pelo recorrente.

No Acórdão de 6/06/2019: o convite ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos do n.º 4 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, é um dever (e não uma mera faculdade) a que o juiz está sujeito e cujo não conhecimento leva ao cometimento de nulidade processual.

No Acórdão de 19/12/2018: Artigo 590.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, “trata-se, agora, sem dúvida, de um dever que ao juiz se impõe de, havendo para tanto fundamento, em sede de despacho pré-saneador, convidar as partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, de modo a impedir que estas irregularidades venham a ser a causa da improcedência da pretensão formulada pelo autor ou das exceções que o réu lhe tenha oposto”.

Ao contrário do disposto no n.º 2 do artigo 508.º, do Código de Processo Civil “que concedia ao juiz, segundo o entendimento largamente maioritário da jurisprudência deste STJ, a faculdade de, uma vez findos os articulados, convidar as partes a suprir as irregularidades de que os mesmos se mostrassem afetados.

Tratava-se então de uma mera faculdade, e não de um poder vinculado, pelo que a omissão do seu uso não era, por natureza, suscetível de gerar qualquer irregularidade processual, já que esta, então como agora, pressupõe a prática de ato que a lei não admita ou a omissão de ato ou de formalidade que a lei prescreva e, ainda, que a lei o declare ou que a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Acórdão de 10/09/2019: “A omissão do convite ao aperfeiçoamento de irregularidades ou imprecisões da matéria de facto alegada consubstanciaria, em última análise, uma mera nulidade processual secundária, de que se reclama e de que se não recorre, há muito sanada (se existisse) e, nessa medida, não passível de ser ainda sindicada neste recurso”.

Tendo, também, afirmado, “A violação do preceito do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, é sancionada com a nulidade do acórdão, porque o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, incorreu em excesso de pronúncia – art. 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC. Alegada e verificada a nulidade, compete ao Supremo Tribunal de Justiça supri-la, reformando o acórdão viciado, conforme o art. 684.º, n.º 1, do CPC.

Contudo, de acordo com o entendimento que constitui jurisprudência uniforme, o excesso de pronúncia e as demais causas de nulidade do acórdão reconduzem-se apenas a erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) e não também a erro de julgamento (error in judicando)”.

A posição referida pelo Recorrente, de que estamos em presença da nulidade por excesso de pronúncia, tem sido defendida, nomeadamente, por:

Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida: a omissão de despacho pré-saneador (na modalidade de despacho de aperfeiçoamento alegatório) integra, em abstrato, a nulidade processual secundária prevista nos nºs 1 e 2 do art.º 195.º, a ser necessariamente arguida pela própria parte no prazo de 10 dias, já que é insuscetível de conhecimento oficioso (artigos 196.º e 197.º). Mas a ter sido postergado, sem reação oportuna da parte, poderá, mesmo assim, eivar de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que vier a conhecer do mérito nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) – 2.º segmento e 2, a ser arguida em sede de alegação de recurso, se essa decisão se louvar numa alegada deficiência do articulado para julgar improcedente o pedido, ou seja, quando a não prolação do despacho de aperfeiçoamento (com o seu eventual acatamento pela parte respetiva) vier a ser, afinal e ex-post, considerada ou reconhecida (expressa ou implicitamente) pelo juiz, na decisão final, como o real fundamento do julgamento de mérito desfavorável à parte, pois que só então se pode afirmar, com segurança, que «a irregularidade cometida influiu no exame e discussão da causa»”.

- Direito Processual Civil, vol. II, 2.ª edição, p.207 -

E por Miguel Teixeira de Sousa, no blogue do IPPC, vem defendendo que a não realização do convite para a parte vir aperfeiçoar o articulado, nas situações previstas no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do Código de Processo Civil, pode configurar uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil.

Ora, atento o atrás exposto:

O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou da alegação de factos estruturantes da causa de pedir.

O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, nºs 2, alínea b), 3 e 4, do Código de Processo Civil, que é um poder-dever do juiz, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.

Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a omissão do convite ao aperfeiçoamento  nos termos previstos no artigo 590.º do Código de Processo Civil é a omissão de um ato que a lei prescreve (e que não prevê a sua omissão como uma nulidade) que pode influir na decisão da causa (n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil) e que está sujeita ao regime previsto nos artigos 196.º e 199.º do Código de Processo Civil: não é de conhecimento oficioso, devendo ser arguida pela parte e tem de ser arguida no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

No caso presente, o Recorrente não arguiu oportunamente a nulidade cometida, isto é, no prazo de 10 dias a contar da notificação do Acórdão recorrido.

Assim, a nulidade secundária cometida não pode ser apreciada.

Por outro lado, não foi cometida qualquer nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório (proibição de prolação de decisão-surpresa), pois estamos em presença de um incumprimento de regras processuais pelo Autor, cujas consequências o mesmo não podia deixar de conhecer (devendo conhecer a posição uniforme da jurisprudência do STJ na resolução da questão e nos elementos factuais que competia ao Autor alegar).

Assim, nesta parte, improcede a pretensão do Recorrente.

4. Do erro de julgamento, por violação do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, na aplicação do direito à concreta matéria de facto dos autos – incorrido pelo Tribunal da Relação ……, no Acórdão em crise, ao aplicar, os princípios gerais da responsabilidade civil – previstos no artigo 483.º e 566.º n.º 2 do Código Civil – ao regime jurídico especial da destituição de Administrador de Sociedade Anónima

No que respeita a esta questão, o Autor/Recorrente refere que “a questão em análise no presente tópico reside em saber a qual dos sujeitos processuais compete a alegação e prova do lucro cessante decorrente da restituição do cargo de administrador, em apelo à teoria que faz subsumir à alegação e prova de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”: à Sociedade/Recorrida ou ao Administrador destituído/Recorrente?

E bem assim, em saber se à prova em apreço – do dano incorrido pelo Administrador destituído – se aplicam as regras gerais da responsabilidade civil, em concreto, a regra contida no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, que prescreve a designada “teoria da diferença”, com vista à aferição da suficiência da alegação, produzida pelo Recorrente, nos presentes autos.”

O Tribunal da Relação ……, no Acórdão recorrido, pronunciou-se, quanto à primeira parte da questão suscitada pelo Autor/Recorrente no sentido de que, como já anteriormente afirmado que “a mera alegação pelo administrador das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração, comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos e, por isso, ainda que se considere não verificada a alegada justa causa, nos termos gerais de direito, o autor não tem direito à peticionada indemnização.

Deste modo, não tendo o ora Apelante alegado os necessários factos constitutivos do direito de obter a pretendida indemnização, e que por mor do disposto no artigo 342.º do CC, não podiam deixar de ser alegados enquanto factos constitutivos do seu invocado direito à indemnização pela destituição, falece um dos pressuposto do seu direito e, só por isso, conforme certeiramente observou a Apelada nas contra-alegações, a acção teria de improceder.”

Prescreve o n.º 5 do artigo 403.º do Código das Sociedades Comerciais que se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

Preceitua, por sua vez, o artigo 342.º do Código Civil:

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Importa referir, como já anteriormente se fez referência, que o Acórdão recorrido considerou que não se tinha demonstrado a existência de justa causa na destituição do Autor/Recorrente, decidindo em sentido contrário à posição assumida pelo Tribunal de 1.ª instância.

A questão tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência, tendo sido assumido posições contrárias.

Contudo, a posição assumida no Acórdão recorrido tem sido defendida, por exemplo:

por Francisca Neves Mata de Carvalho que escreveu: “sobre a sociedade pende o ónus de provar a existência da justa causa e os fundamentos da destituição, quando esta falha, há lugar a indemnização e é ao administrador que cabe provar os danos sofridos.

A fim de ver tutelado o seu direito, o administrador destituído tem de provar a ocorrência da destituição e os danos que daí advieram.

(…) não basta a mera alegação, a indemnização não é uma consequência automática da destituição sem justa causa. Daí que a indemnização possa muitas vezes não corresponder ao montante das remunerações que o administrador receberia até ao fim do período estipulado. Cabe ao destituído provar a existência e o valor de tais danos”

- in A Destituição de administradores de Sociedades Anónimas: A Regra da Livre Destituição, p. 50 –

No mesmo sentido Diogo Lemos e Cunha, in A Destituição de Administradores de Sociedades Anónimas, que refere que “só a destituição de administrador, antes do termo do seu mandato e sem justa causa, origina obrigação de indemnizar por parte da sociedade. Por conseguinte, e em cumprimento com a regra geral o ónus da prova consagrada no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, recai sobre o administrador destituído alegar e provar os danos que incorreu, dado que a indemnização não é consequência, por assim dizer, automática da destituição”.

Por outro lado, como já se referiu anteriormente, o acórdão recorrido acompanhou a jurisprudência do STJ – cf. Acórdãos do STJ, de 29/05/2014, 8/02/2011, 11/07/2006 e 14/12/2006 –, que tem uniformemente decidido que cabe ao Autor a prova dos danos sofridos com a destituição.

No citado Acórdão do STJ, de 29/05/2014, refere-se com clareza essa situação: “Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerias de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período.

O autor não carecia de alegar que a destituição não tinha justa causa …, pois era à ré que incumbia o ónus de alegação e de prova, caso pretendesse eximir-se ao pagamento de indemnização. Mas já lhe competia alegar factos, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal, que se tem por consolidada …., demonstrativos da “perda de oportunidade de exercício de outra atividade remunerada de idêntico nível económico e social”, não bastando “a isolada invocação da perda de remuneração” determinada pela destituição.

… Também este Supremo tribunal no ac. de 8-2-2011 … salientou que “o administrador tem o ónus de alegar e provar a destituição, os danos sofridos e o nexo de causalidade entre aquela e estes, não constituindo alegação dos danos a mera alegação das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração […] Cumpria-lhe, portanto, alegar os factos integrativos desse prejuízo e isso ele não fez, pois partiu do pressuposto que o seu prejuízo correspondia à perda das retribuições que iria auferir se não tivesse sido destituído [..]. De qualquer modo, não basta a simples invocação da perda de remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve oportunidade de exercer outra atividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional”

(…) O autor terá de alegar factos que justifiquem admitir-se que não será viável lograr ocupar profissional. Tais factos, por exemplo, hão de evidenciar a situação profissional em que o administrador destituído ficou considerada à luz do seu passado e do seu presente e da sua idade, a situação existente no respetivo ramo de trabalho, a influência exercida pela empresa em que trabalhou no mundo do mercado, designadamente sobre outras empresas dela clientes que sejam demonstrativos de uma previsível perda de oportunidade laboral, etc.”.

Assim, perante a jurisprudência do STJ, que não se mostra posto em crise, com qualquer argumentação sólida, podemos afirmar que competia ao Autor/Recorrente alegar e provar aqueles factos que conduzissem à demonstração dos danos sofridos, por serem factos constitutivos do seu direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, como bem se decidiu no Acórdão recorrido, pelo que, também, nesta parte, o Recorrente não tem razão na censura que faz ao Acórdão recorrido.

Quanto à questão da aplicação das regras gerais da responsabilidade civil, em concreto, a regra contida no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil.

Nas suas alegações, o Recorrente refere que a norma contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais é uma norma especial, que prefere sobre as normas gerais da responsabilidade civil, entre as quais se contam a regra contida no artigo 566.º n.º 2 do Código Civil.

Segundo o Recorrente, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 9.º do Código Civil.

Ora, também nesta questão, o Recorrente não tem razão na censura que dirige ao Acórdão recorrido.

Como se referiu, o n.º 5 do artigo 403.º do Código das Sociedades Comerciais prescreve que se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

Desta disposição legal resulta, com clareza, que, havendo direito a indemnização pelos danos sofridos em consequência da destituição, a indemnização é fixada: nos termos estipulados com o destituído ou nos termos gerais de direito, e, neste último caso, o seu limite máximo é fixado no montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

Quando a citada disposição legal se refere aos termos gerais de direito, não pode deixar de entender que se refere às disposições legais relativas à obrigação de indemnização contidas no Código Civil (artigo 562.º e segts.), pois este é o regime geral, como é de todos sabido, também de aplicação subsidiária à legislação societária (artigo 2º Código das Sociedades Comerciais) e comercial (artigo 3.º do Código Comercial).

Assim, ao socorrer-se do regime da obrigação de indemnizar contido no Código Civil, perante o facto de o Recorrente e a Recorrida não terem estipulado no contrato, o Tribunal da Relação ……, no Acórdão recorrido, não violou o disposto no artigo 9.º do Código Civil, porquanto a própria disposição do Código das Sociedades Comerciais remete para aquele diploma.

5. Do erro de julgamento incorrido pelo Tribunal da Relação ……., nos termos e ao abrigo do artigo 413.º do Código de Processo Civil, no que concerne à suficiência da matéria de facto nos autos à prova de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído.

O Recorrente suscita, nas suas alegações, a questão da violação do disposto no artigo 413.º do Código de Processo Civil pelo Tribunal da Relação ……., no Acórdão recorrido.

Refere que a Ré alegou, na sua contestação, matéria de facto referente à “angariação de “outra atividade remunerada pelo administrador destituído” conforme sustentado pelo Acórdão em crise.

Mais,

Não foi apenas alegada aos autos a matéria cuja alegação e prova, vem agora, o Tribunal da Relação …….., por meio do acórdão em crise, exigir, como igualmente, veio a mesma matéria ser julgada não provada, pelo Tribunal a quo.

Ou seja, a matéria cuja alegação e prova agora se impõe ao aqui Recorrente, pasme-se afinal, consta ela mesma dos autos, tendo sido apreciada e julgada (não provada), o mesmo é dizer, tendo sido integralmente cumprido o ónus de prova agora exigido.

Sem prejuízo do sujeito processual responsável pela sua alegação ter sido a Sociedade Recorrida e não o aqui Recorrente, como agora pretendido, pelo Tribunal da Relação ……..”

Vejamos.

Prescreve o artigo 413.º do Código de Processo Civil que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.

Como se sabe, este preceito consagra o princípio da aquisição processual e este princípio “diz-nos que o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes – sejam alegações, sejam motivos de prova – pode ser tomado em conta mesmo em favor da parte contrária àquele que a aduziu. Reputa-se adquirido para o processo; pertence, por assim dizer, à comunidade dos sujeitos processuais.”

- Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, p. 176 –

- No mesmo sentido, Antunes Varela, RLJ, Ano 116.º, p. 317 e ss; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil 1963, p.357; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p.436 –

O Tribunal da Relação ……. devia, assim, atender a toda a matéria de facto alegada pelas partes e a toda a prova produzida quer pelo Autor quer pela Ré.

Mas, no Acórdão Recorrido foi violado o princípio da aquisição processual, como refere o Recorrente?

A Recorrida alegou, na sua contestação:

“70.º - Na verdade, o A. é administrador e desenvolve atividades comerciais e industriais no país e em …….., nas quais aufere e pode auferir ainda mais rendimentos como aliás resulta até dos documentos que se juntam a estes autos e o A. por virtude da cessação das funções de administrador e com a disponibilidade de tempo que passou a ter consegue auferir, se assim o entender, rendimentos superiores aos 3.460€ que diz perder por não desempenhar funções de administrador.

71.º - Só em terrenos agrícolas possui mais de 12 hectares que pode desenvolver mais e melhor em diversas atividades”.

Efetuado o julgamento, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados estes factos.

Ora, o Acórdão recorrido não violou o princípio da aquisição processual em face da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª instância, porquanto atendeu a todos os factos dados como provados para decidir, sem atender à parte que alegou a matéria de facto e fez a sua prova.

Contudo, refere o Recorrente que “Ainda que se sufrague o entendimento defendido pelo Tribunal da Relação ……., no acórdão em crise, no sentido da necessidade de alegação e prova da ausência de angariação de atividade remunerada pelo recorrente, temos que a aludida prova encontra-se efetuada nos autos, tendo sido julgada, conforme se alcança dos artigos 70.º e 71.º da matéria de Facto Não Provada, aproveitando a mesma ao aqui Recorrente”.

Desta afirmação do Autor/Recorrente resulta uma conclusão que não pode retirar do julgamento da matéria de facto, porquanto, como se sabe, tendo o Tribunal decidido que determinada factualidade não se mostra provada, não se conclui que se tenha provado a contrária, antes tudo se passa como se aquela materialidade fáctica não tivesse sido articulada.

- cf., neste sentido Acórdão do STJ, de 14/06/2007, consultável em www.dgsi.pt –

Assim, bem andou o Tribunal da Relação ……, no Acórdão recorrido, em não atender à factualidade não provada, e, deste modo, essa desconsideração não consiste em violação do princípio da aquisição processual.

            Deste modo, o recurso tem de improceder


IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 17 de dezembro de 2020

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

   

 Fátima Gomes

           

 Acácio das Neves

Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Fátima Gomes e Acácio das Neves.