Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO PEREIRA | ||
Descritores: | FACTOS CONCLUSIVOS ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA QUEDA EM ALTURA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 12/09/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | CJASTJ, ANOXVIII, TOMO III/2010, P.267 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Constitui questão de índole jurídica a de saber se determinada resposta a um item da base instrutória tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no n.º 4, do art. 646.º, do Código de Processo Civil. II - Tal preceito, embora não contemple, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, é, no entanto, de aplicar analogicamente a essas situações, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum. III - A prova de que a causa da queda do trabalhador foi o não uso de cinto de segurança e a não colocação das tábuas de rojo ou passadiços assume cunho conclusivo ou de direito, já que invade o domínio de uma questão de direito essencial ao juízo de verificação de um dos requisitos ou pressupostos cumulativos da descaracterização do acidente, prevista na alínea b), do .º 1, do art. 7.º. da LAT, qual seja o do nexo causal entre a violação da(s) norma(s) de segurança no trabalho e a produção do acidente, sendo que esse nexo implica uma avaliação de natureza jurídica, em sede de aplicação do princípio da causalidade adequada. IV - A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do art. 7.º, da LAT, exige a verificação cumulativa de dois requisitos ou pressupostos: que o trabalhador/sinistrado tenha incorrido, sem causa justificativa, na violação das aí referidas condições de segurança; que tal violação tenha sido causal do acidente. V - A implementação de medidas de protecção contra quedas em altura, no quadro dos normativos ínsitos nos arts. 44.º e 45.º, do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de Agosto, e no art. 11.º, da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do bonus pater familiae, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado. VI - Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança. VII - A simples prova de que o sinistrado subiu a um telhado, composto de telhas de fibrocimento e algumas de plástico translúcidas, e que, ao pisar uma destas últimas, a mesma não aguentou o seu peso e quebrou-se, determinando a sua queda, não é suficiente para se poder concluir que o estado geral do telhado era deficiente, em termos de resistência e segurança, e que o sinistrado, face aos dados de que dispunha e aos seus conhecimentos, devia ter tomado alguma ou algumas medidas de segurança colectivas ou individuais. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. O autor AA instaurou a presente acção emergente de acidente de trabalho contra a ré BB-Companhia de Seguros, SA, alegando ter sido vítima de um acidente de trabalho do qual lhe resultou, para além de incapacidades temporárias, uma incapacidade permanente parcial para o trabalho e pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.357,60 a título de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias e ainda as despesas com tratamentos, consultas, medicamentos, transportes, todas as despesas com outros tratamentos ou encargos que venha a suportar com o acidente e indemnização por incapacidade parcial permanente que lhe venha a ser atribuída. A ré contestou, alegando que, não obstante a vigência do contrato de seguro à data do acidente, não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia ao autor, por o acidente ter ocorrido por violação de regras de segurança por parte do mesmo, devendo, pois, considerar-se o acidente descaracterizado como acidente de trabalho. Concluiu pela sua absolvição do pedido. O autor respondeu, defendendo que o acidente não se ficou a dever à inobservância, por si, das normas e condições de segurança. A Segurança Social deduziu pedido de reembolso no valor de € 5 236,23, pagos ao autor a título de subsídio de doença relativo ao período de 22/05/2006 a 02/07/2007. A ré contestou este pedido. Foi proferido despacho saneador e elaborado despacho de condensação. Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e o pedido de reembolso pela Segurança Social improcedente, tendo condenado a ré seguradora a pagar ao autor: a) com efeitos a partir de 19/05/2006, o capital de remição de uma pensão de €858,14 (oitocentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde aquela data até integral pagamento; b) a quantia de € 371,88 (trezentos e setenta e um euros e oitenta e oito cêntimos) a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento até integral pagamento; c) a quantia de € 1.208,66 (mil duzentos e oito euros e sessenta e seis cêntimos) – a título de indemnização pelas despesas com medicação, exames, tratamentos/consultas, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento. Da sentença apelou a R., tendo a Relação do Porto concedido provimento ao recurso, absolvendo a R. do pedido. II. Inconformado agora o A., interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1ª- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto não julgou correctamente a apelação; 2ª - Tendo, infundadamente descaracterizado o sinistro em causa como acidente de trabalho, imputando ao sinistrado a violação das condições de segurança a que estava obrigado; 3ª - E estabelecendo, até, um paralelismo com uma situação que apelida de "similar" com o decidido pelo STJ no processo n° 323/04.TTVCT.S1, de 23/09/2009, mas que, na verdade, não se lhe assemelha; 4ª- Com efeito, naquele Acórdão do STJ ficou provado que o telhado em causa oferecia perigo de queda em altura porque, nomeadamente, tinha uma inclinação de sete graus e era constituído por chapas translúcidas em plástico, as quais ofereciam fraca resistência ao peso; 5ª- Porém, nos presentes autos não ficou demonstrado que o telhado da garagem onde decorriam as obras de impermeabilização constituísse risco de queda; 6ª - O que somente se provou foi que a cobertura da garagem era composta por telhas de fibrocimento e algumas de plástico translúcidas, com asnas em madeira; 7ª- Nada se tendo provado sobre a inclinação de tal telhado e nada se provando sobre a natureza frágil da sua cobertura; 8ª- Por conseguinte, tal exígua factualidade é insuficiente para se concluir que o mesmo oferecia perigo de risco de queda; 9ª- E só a existência de tal risco é que obriga à adopção das medidas especiais de segurança, não sendo tais medidas obrigatórias só pelo facto de se andar em cima do telhado; 10ª- Ou seja, para o Recorrente ser obrigado a colocar tábuas de rojo, ou passadiços, ou, em alternativa, a usar cinto de segurança, competia à Recorrida alegar e provar que, no caso concreto, as circunstâncias de perigo de queda se verificavam; 11ª- O que não sucedeu, pois não se apurou que as telhas de fibrocimento e até as telhas de plástico não tivessem resistência para suportar o peso do Recorrente; 12ª- Ficando por demonstrar, além do mais, o estado de conservação das telhas, o modo como se encontravam assentes, a sua concreta dimensão e robustez, ignorando-se, também, o peso do Recorrente; 13ª- Além disso, nem sequer ficou apurado que o Recorrente tivesse necessidade de caminhar sobre as telhas de plástico para desenvolver a tarefa em causa, bastando-lhe caminhar sobre as telhas de fibrocimento; 14ª- Em suma, não se pode concluir, como no douto Acórdão proferido, que o Recorrente estivesse obrigado a colocar tábuas de rojo sobre as telhas ou, em alternativa, a usar cinto de segurança; 15ª- Falecendo, por isso, redondamente, a alegada descaracterização do acidente como acidente de trabalho, tal como foi doutamente decidido em primeira instância; 16ª- O Acórdão proferido violou as disposições legais contidas no artigo 44° do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n° 41821, de 11/08/58; Pediu a revogação do acórdão recorrido, com a repristinação da decisão proferida em primeira instância. A R. contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida. No seu Parecer, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser revogado o acórdão recorrido, com a repristinação do decidido na sentença. A R. pronunciou-se sobre tal Parecer, defendendo a confirmação do julgado. III. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos, é delimitado pelas respectivas conclusões (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção vigente em 10.10.2006 – data da participação em juízo do acidente – a aplicável), está em causa saber se é de descaracterizar ou não o acidente de trabalho sofrido pelo A., por alegada violação, pelo mesmo, de regras de segurança no trabalho. O acórdão recorrido deu como provados os factos discriminados a fls. 370 e 371, que aqui se dão por reproduzidos, de que, para a apreciação a levar a cabo no presente recurso, interessa reter os seguintes: 1) O autor é sócio gerente da sociedade comercial CC, Construção Civil, Lda. 3) Por contrato de seguro titulado pela apólice n° …, a CC, Construção Civil, Lda, tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, incluindo os sofridos pelo autor, para a ré, 4) O autor caiu desamparado para o interior do prédio vizinho e embateu contra o chão daquele prédio, de uma altura superior a três metros. 10) Além da gerência, o autor exerce serviços de fiscalização e acompanhamento das obras de construção civil que a CC, Construção Civil, Lda adjudica. 11) O autor subiu ao telhado de um prédio contíguo ao prédio em que decorriam as obras. 12) O autor calcou com os pés umas telhas em plástico, as quais não aguentaram o peso do seu corpo, tendo cedido. 21) No dia 29/04/2006, cerca das 15 horas, o autor encontrava-se na Rua ..., …, Perafita, a executar a tarefa que tinha sido adjudicada à CC, Construção Civil, Lda. 22) A obra que decorria no local consistia em impermeabilizar o telhado da garagem. 23) O autor colocou o pé em cima de uma telha de plástico translúcida que distava cerca de 1 metro do local em que se encontrava, a qual de imediato se quebrou. 24) Tendo originado que o autor caísse. 25) Tendo antes batido noutra telha de fibrocimento que também partiu. 26) O local onde o autor caiu localiza-se por trás e contiguamente aos anexos da casa, que estava a ser remodelada na parte de trolha e pedreiro. 27) Como o dono da obra pretendia colocar um rufo para evitar a penetração de humidade no vizinho, o autor subiu ao telhado dos anexos em remodelação e passou para o telhado da garagem, composto de telhas de fibrocimento e algumas de plástico translúcidas, com asnas em madeira. 28) Aí executando o trabalho. 29) O autor caiu porque naquele momento não usava cinto de segurança nem tinha colocado sobre as telhas de plástico tábuas de rojo ou passadiços. IV – Como vimos, está em causa saber se é ou não de descaracterizar o acidente sofrido pelo A.. A R. invocou, a esse propósito, a violação causal pelo A. de regras de segurança, constantes dos art.ºs 44º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.821, de 11.08, e 11º da Portaria n.º 101/96, de 3.4. A esse propósito, as instâncias emitiram pronúncias distintas: a sentença concluiu pela não descaracterização e, por isso, condenou a R; o acórdão ora recorrido entendeu que o acidente está descaracterizado e daí que tenha absolvido a R. dos respectivos pedidos. Antes de se entrar na apreciação de tal questão, importa conhecer do aspecto suscitado pela Ex.ma Procuradora-Geral da República, no seu Parecer, que defende que tem carácter conclusivo e deve, por isso, ser eliminado, por força do art.º 646º, n.º 4 do CPC, o acima transcrito “facto” 29. Esse n.º 29 resultou da resposta ao n.º 23 da Base Instrutória, em que se perguntava se “o Autor caiu porque naquele momento não usava cinto de segurança nem tinha colocado sobre as telhas de fibrocimento ou sobre as telhas de plástico tábuas de rojo ou passadiços”. Como se deixou afirmado no acórdão desta Secção Social, de 23.09.2009, disponível em www.dgsi.pt. processo n.º238/06.7TTBGR.S1, “é inquestionável que constitui questão de índole jurídica saber se determinada resposta a um item da «base instrutória» tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-o, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no n.º 4 do artº 646º do Código de Processo Civil… Não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum”. Ora, no caso em apreço, entendemos que a parte da resposta em que se pretende deixar assente que a causa da queda do A. foi o não uso de cinto de segurança e a não colocação das tábuas de rojo ou passadiços, assume, efectivamente, cunho conclusivo ou de direito, já que invade o domínio de uma questão de direito essencial ao juízo de verificação de um dos requisitos ou pressupostos cumulativos da descaracterização do acidente, prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 7º da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997, qual seja o do nexo causal entre a violação da(s) norma(s) de segurança no trabalho e a produção do acidente, sendo que esse nexo implica uma avaliação de natureza jurídica, em sede da aplicação do princípio da causalidade adequada, aí convocável, como tem sido geralmente defendido. Nesse quadro, tal parte da resposta, a manter-se, integrava, na verdade, o thema decidendum, o que não é admissível. Já a parte da resposta que versa os dados da vida real do não uso pelo A. de cinto de segurança e da não colocação pelo mesmo das tábuas de rojo ou passadiço tem inegável natureza fáctica, não integrando, pois, matéria de direito ou conclusiva, pelo que não há, quanto a ela, razão para a eliminar. Assim, decide-se que o facto 29 passe a ter a seguinte redacção: «No momento da queda o A. não usava cinto de segurança nem tinha colocado sobre as telhas de plástico tábuas de rojo ou passadiços”. No mais mantém-se a factualidade fixada pelas instâncias e acima transcrita em III, por não haver fundamento legal para a alterar. Conhecendo agora do objecto do recurso: Dispõe o art.º 7.° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro (diploma doravante designado por LAT, que aprovou o regime jurídico dos acidentes de trabalho aplicável ao caso dos autos, atenta a data do acidente, como correctamente foi entendido, nas instâncias), na parte que aqui interessa considerar: “1. Não dá direito a reparação o acidente: a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;”. Sendo que, por seu turno, preceitua o n.° 1 do art.º 8.° do DL n.° 143/99, de 30 de Abril, que regulamenta a Lei n.° 100/97: “1. Para efeitos do disposto no artigo 7.° da lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”. E, como o acórdão recorrido também entendeu, na linha da sentença, sem discordância das partes, não está em causa a previsão da 1ª parte da transcrita alínea a) do n.º 1 do art.º 7º, não alegada pela R., nem, por isso, provada – ter sido o acidente dolosamente provocado pelo A./sinistrado. Está sim em apreço, na sequência do alegado pela R., na acção, e como foi ponderado pelas instâncias, o preenchimento ou não da previsão contida na 2ª parte da referida alínea. E, como resulta da própria letra do preceito e tem sido pacificamente defendido na jurisprudência deste Supremo, a descaracterização aí prevista exige a verificação cumulativa de dois requisitos ou pressupostos: - que o trabalhador/sinistrado tenha incorrido, sem causa justificativa, na violação das aí referidas condições de segurança; - que tal violação tenha sido causal do acidente. Importa, antes de mais, chamar à colação as normas legais de segurança no trabalho equacionadas pelas instâncias e cuja possível violação pelo sinistrado está em causa. Assim, dispõe – sob a epígrafe “Obras em telhados” – o art.º 44º do já citado Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (doravante designado por Regulamento), aprovado pelo Decreto n.° 41.821: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda - corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo. § 1.° As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente. § 2.° Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção.” Por seu turno, dispõe o art.º 11 – sob a epígrafe "Quedas em altura” – da citada Portaria n.° 110/96 (diploma que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis): "1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectivas adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.”(1) A sentença entendeu que não havia lugar à descaracterização do acidente. Fê-lo com a seguinte fundamentação, na parte que aqui interessa: «O acidente dos autos ocorreu quando o autor, tendo subido a um telhado do prédio contíguo daquele em que realizava uma obra de impermeabilização do telhado de uma garagem, calcou umas telhas em plástico, que não aguentando com o peso do autor cederam, tendo o autor caído desamparado no solo de altura superior a três metros porque não usava cinto de segurança, nem tinha colocado sobre as telhas de plástico tábuas de rojo ou passadiços. Porém, nos termos do art. 44° do Regulamento de segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto 41821 de 11/08/1958, relativamente à execução de obras em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador, e tábuas de rojo e se estas medidas não forem possíveis os operários utilizarão cintos de segurança providos por cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção. Assim, qualquer daquelas medidas de segurança só são obrigatórias quando existe risco de queda devido a uma das situações referidas no citado art. 44°, ou seja, quando o risco de queda resulte da inclinação do telhado, da fragilidade do material da cobertura ou da existência de condições atmosféricas adversas, não obrigando à adopção de medidas especiais de segurança apenas a circunstância de se andar em cima de um telhado. Competia, pois, à ré provar que no caso concreto, alguma daquelas circunstâncias se verificava, para se poder concluir que o autor estava obrigado a colocar sobre o telhado, ou sobre as telhas de plástico, tábuas de rojo ou, em alternativa, a usar cinto de segurança. Em nosso entender tal ónus não foi cumprido, já que o simples facto de as telhas que o autor calcou e que cederam, serem de plástico não permite, sem mais concluir, como a ré conclusivamente alegou na contestação, que as mesmas não tivessem resistência para suportar o peso do autor. Na verdade, ignora-se qual o estado de conservação das telhas, qual o modo como as mesmas se encontravam assentes, qual o peso do autor, qual a concreta dimensão das telhas. De resto, apesar de se ter apurado que as telhas que o autor calcou distavam cerca de 1 metro do local onde ele se encontrava, n em sequer se apurou, nem tão pouco foi alegado que na execução da tarefa que o autor levava a cabo o autor teria de caminhar por cima daquelas telhas. Por isso, não podemos concluir que o autor estivesse obrigado a colocar as ditas tábuas de rojo sobre as telhas, ou a usar cinto de segurança e consequentemente não podemos concluir ter o mesmo violado qualquer regra de segurança a que estivesse obrigado» (Fim de transcrição). Por sua vez, o acórdão recorrido concluiu pela descaracterização do acidente, com a absolvição da R. dos respectivos pedidos. Abonou-se no acórdão desta 4ª Secção do STJ, de 23.09.2009, proferido no processo n.º 323/04TTVCT.S1, disponível em www.dgsi.pt, que, em seu entender abordou caso muito similar ao dos presentes autos e em que também estava em causa uma situação de queda do trabalhador de telhado e de possível violação dos acima referidos art.ºs 44º e 11º. No que aqui releva, o acórdão recorrido transcreveu as seguintes passagens do referido aresto: «Como se verifica do teor do art.° 44.° do citado Regulamento a adopção de medidas especiais de segurança, relativamente a trabalhos a efectuar em telhados, nomeadamente as previstas no corpo daquele artigo, só são obrigatórias quando os telhados ofereçam perigo, seja pela sua inclinação, seja pela sua natureza ou estado, seja por efeito das condições climatéricas, e o uso do cinto de segurança também só é obrigatório quando o telhado ofereça perigo e as soluções indicadas no corpo do artigo não sejam exequíveis. Por sua vez, como do teor do art.° 11° da Portaria 101/96 também resulta, a implementação das medidas de protecção a que o mesmo se refere só é obrigatória quando haja risco de queda em altura. Está provado que o sinistrado não utilizava cinto de segurança, nem plataforma de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo. A questão que se coloca é, pois, a de saber se o telhado oferecia perigo de queda em altura, para quem aí andasse a trabalhar, como sucedia com o autor. E, com interesse para esta questão, provou-se que ... o telhado do pavilhão só tinha uma inclinação de sete graus, que era constituído por chapas metálicas e por chapas translúcidas em plástico, que as chapas translúcidas tinham fraca resistência ao peso, o que era do conhecimento do autor e que era composto maioritariamente por chapas metálicas. A referida factualidade permite concluir que ... o risco de queda em altura existia, e em relevante grau, devido ao facto de parte do telhado ser constituído por chapas translúcidas de plástico, com fraca resistência ao peso. A existência desse risco impunha que o sinistrado não subisse ao telhado, sem previamente implementar alguma das medidas de protecção previstas nos normativos legais acima referidos ... Ao subir ao telhado, sem ter adoptado nenhuma daquelas medidas, o sinistrado tinha a obrigação de saber ... porque era sócio-gerente da empresa ré, que corria sério risco de cair, ao pisar uma daquelas chapas, como efectivamente veio a suceder. A implementação das medidas de protecção previstas nos normativos legais referidos visa prevenir o simples risco de queda em altura, mesmo o decorrente dos meros descuidos, de momentânea distracção ou de outra situação imprevista. E, no caso em apreço, aquele risco existia efectivamente, apesar do telhado ser composto maioritariamente por chapas metálicas. O sinistrado estava, pois, obrigado a cumprir o disposto nos normativos legais em causa. Não o tendo feito, violou as normas de segurança previstas na lei e, face ao circunstancialismo em que a queda ocorreu (uma das chapas translúcidas cedeu quando foi pisada pelo autor), tal violação mostra-se causal do acidente, por ter integrado o processo naturalístico que conduziu à queda e por não ter sido indiferente para a produção desta. Tal violação constitui motivo de descaracterização do acidente. Só assim não seria se para essa violação tivesse existido uma causa justificativa, sendo que o autor nunca tal alegou e que os factos provados nenhum contributo fornecem nesse sentido.» (Fim de transcrição). Após ter feito essa transcrição do aresto de 23.09.2009, em que se abonou, o acórdão recorrido discorreu, assim, na apreciação do presente caso: «Ora, no caso em apreço, pelas características do telhado que o autor utilizou – composto por telhas de fibrocimento e por algumas de plástico translúcidas com asnas de madeira – que, como é notório, não suportam o peso de um adulto, deveria o sinistrado ter adoptado as medidas de segurança previstas nos referidos dispositivos legais, o que não se verificou, já que se provou que não usava cinto de segurança, nem tinha colocado sobre as telhas de plástico tábuas de rojo ou passadiços. Dado que o autor caiu porque naquele momento não utilizava os referidos equipamentos de protecção, mostra-se ainda verificado o nexo de causalidade entre a aludida violação das condições de segurança e o acidente (tanto na perspectiva naturalística como na jurídica da causalidade adequada), sendo certo que não ocorre qualquer causa justificativa para a violação das condições de segurança, visto nada ter sido alegado ou provado nesse sentido. Isto para concluir pela procedência do recurso da ré» (Fim de transcrição). Vistas as posições das instâncias, apreciemos o caso dos autos. Ora, reanalisada a questão, entendemos que os factos provados são insuficientes para que se possa concluir pela descaracterização do acidente. Vejamos: Como se deixou consignado no acórdão da Secção Social deste Supremo, de 21.10.2009, proferido no Proc. n.º 230/09.0YFLSB, sintetizando a posição que vem sendo seguida neste Tribunal, a implementação de medidas de protecção contra quedas em altura, no quadro dos apontados normativos (art.ºs 44º e 45º do citado Regulamento e 11º da Portaria n.º 101/96) só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do “bonus pater familiae”(2), e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado. Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança (neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão desta Secção, de 16.6.2004, www.dgsi.pt, processo n.º 04S339) , não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança (ver acórdão desta Secção, de 31.10.2007, www.dgsi.pt, processo nº 07S1517). Feitas estas considerações gerais de enquadramento, vejamos o caso dos autos. Da matéria de facto assente resulta que o A. subiu ao telhado de uma garagem, composto de telhas de fibrocimento e algumas de plástico translúcidas, com asnas em madeira, aí executando o trabalho. Não usava cinto de segurança nem tinha colocado tábuas de rojo ou passadiços sobre as telhas de plástico. A dado momento, calcou com os pés umas telhas em plástico, as quais não aguentaram o seu corpo, tendo cedido, ou, mais precisamente, colocou o pé em cima de uma telha de plástico translúcida que distava cerca de 1 metro do local em que se encontrava, a qual, de imediato, se quebrou, tendo originado que o autor caísse, tendo antes batido noutra telha de fibrocimento que também partiu, vindo a cair desamparado para o interior da garagem, embatendo contra o chão, de uma altura superior a três metros. Ora, face ao quadro fáctico assente, constata-se que não vem apurado se o telhado da garagem tinha ou não inclinação, qual o estado aparente da sua superfície e se a sua superfície se mostrava perigosa, por virtude de eventuais condições atmosféricas desfavoráveis. Sabe-se apenas que a telha plástica calcada não aguentou o peso do A., quebrando, tendo-se partido também, com a queda do A., outra telha de fibrocimento. Ressalvados estes pontos, nenhuns outros dados se apuraram sobre o estado do telhado – incluindo o aparente – e suas características, designadamente quais as dimensões, espessura e outras condições de resistência e de conservação das telhas, quer das de fibrocimento, quer das de plástico. E, assim, aqueles dados apurados – acima sublinhados –, por si sós, isto é, sem outros e mais completos elementos, são insuficientes para se poder concluir que o estado geral do telhado era deficiente, em termos de resistência e segurança, e que o A., face aos dados de que dispunha e aos seus conhecimentos, devia ter tomado alguma ou algumas medidas de segurança colectivas ou individuais previstas nas acima citadas normas. Com efeito, os dados apurados não permitem concluir que o A., atentas as circunstâncias aparentes e os seus conhecimentos, devesse, em termos de diligência normal e razoável, ter adoptado tais medidas de segurança. E, ao contrário do que foi entendido no acórdão recorrido, o simples facto de se tratar de um telhado composto por telhas de fibrocimento e telhas de plástico não torna notório, sem mais, que ele não iria suportar o peso do A. e que, assim, era inevitável, segura ou, pelo menos, previsível, a queda em altura do A., por afundamento, como aconteceu. Nessa linha, se orientaram, em hipóteses próximas da dos presentes autos, os acórdãos desta Secção Social, de 23.9.2009, disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1 (versando sobre uma queda de telhado composto de chapas de fibrocimento), e de 21.10.2009, já acima citado (abordando situação de queda, por afundamento, de telhado composto por chapas de “lusalite” e de acrílico translúcido). Na verdade, na linha desses arestos, não se apresenta como dado de facto do conhecimento geral, inquestionável e não carecido de demonstração, que um telhado composto de telhas de fibrocimento e de plástico, sem que se saibam as específicas características destas, seja algo de frágil, e que, em consequência, seja facto notório que circular sobre um tal telhado representa um perigo. A terminar a abordagem da questão que nos vem ocupando, importa referir que não há similitude, no que toca à factualidade relevante, entre o acórdão deste Supremo, de 23.09.2009, em que o acórdão recorrido se baseou, e à do presente caso. Basta atentar em que, naquele, foi dado como provado que era do conhecimento do sinistrado que as chapas translúcidas em plástico que pisou tinham fraca resistência ao peso, com a inerente consciência do perigo de as pisar, e que, nos presentes autos, não vem demonstrado que o A. tivesse idêntico conhecimento quanto à fragilidade das telhas de plástico da garagem em que veio a ocorrer a sua queda, nem, consequentemente, que tivesse noção do perigo proveniente de as pisar. Do exposto, resulta, como entendeu a sentença, que a R. não logrou provar, como lhe cabia, que o A. tenha incorrido na violação, que lhe imputava, das normas legais de segurança dos art.ºs 44º do mencionado Regulamento e do art.º 11º da Portaria n.º 101/86, sendo que não se vislumbra a violação de outras normas de segurança no trabalho. O que dita que a decisão seja em desfavor da R., nos termos do art.º 516º do CPC, sem necessidade de abordar o outro requisito da invocada descaracterização: o do nexo causal entre tal violação e o acidente. V – Assim, acorda-se em conceder a revista, repristinando-se o decidido na sentença, inclusive quanto à condenação em custas dela constante. Custas da apelação e da revista a cargo da R.. Lisboa, 9 de Dezembro de 2010 Mário Pereira (Relator) Sousa Peixoto Sousa Grandão ______________________ 1)- Refira-se que os transcritos art.ºs 44º do mencionado Regulamento e 11º da Portaria n.º 101/96 cobram aplicação ao caso dos autos, por estarem em vigor à data do acidente. Na verdade, o DL n.º 273/2003, de 29.10 (que revogou o DL n.º 155/95, de 1.7, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 113/99, de 3.8), estabeleceu, expressamente, no seu art.º 29º, que “até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, e a Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis”. 2)- Nesse sentido, veja-se, entre outros, o aí citado acórdão desta Secção Social, de 18.04.2007, disponível em www.dgsi.pt, Proc. n.º 07S052. |