Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | |||||||
| Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | |||||||
| Descritores: | TESTAMENTO INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO VONTADE DO TESTADOR INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO LEGADO DE COISA ALHEIA VALIDADE ANULAÇÃO DE DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA ERRO DE ESCRITA NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA | |||||||
| Data do Acordão: | 03/11/2025 | |||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | |||||||
| Texto Integral: | S | |||||||
| Privacidade: | 1 | |||||||
| Meio Processual: | REVISTA | |||||||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | |||||||
| Sumário : | I – A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial, prevista no art. 615°/1/d/1ª parte, do CPCivil, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar. II – O art. 2187º do CCivil, consagra a posição subjetivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias, a fazer pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se. III – Caso não se verifique uma correspondência mínima entre o sentido pretendido pelo testador e o contexto do testamento, a vontade do testador não pode valer e, em tal situação, a disposição testamentária será anulável por erro na declaração. IV – Quando há um erro na identificação do bem legado e sendo possível determinar, através da interpretação do testamento, o concreto bem que o testador queria atribuir ao réu, o testamento vale relativamente a este mesmo bem. V – O legado não deixa de ser válido se o bem legado não pertencer ao testador por inteiro, quando este não desconhecia tal realidade. | |||||||
| Decisão Texto Integral: |
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Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça: 1. RELATÓRIO AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FF e GG pedindo: 1.) Que os Réus sejam condenados a reconhecerem a Autora comproprietária de metade do prédio identificado como «Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no ..., freguesia do ... em ... que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com HH e a Poente com II», bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno, sendo bens imóveis indivisos sujeitos ao regime da compropriedade; 2.) Que, seja declarada judicialmente a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os aqui Réus e o Eng. JJ, e na conformidade condenados os Réus a entregarem-lhe de imediato o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos aqui Réus; 3.) Que seja declarada a nulidade do 1º testamento do falecido marido da Autora datado de 24 de Junho de 2014 (junto a fls. 48), por o bem indicado nessa deixa testamentária não ser bem propriedade do testador, nem sequer um bem comum, mas sim um bem em compropriedade não podendo o testador legar bens que não lhe pertencem por inteiro, existindo uma impossibilidade legal do bem legado; 4.) Que os Réus sejam condenados a pagar as custas do processo e condigna procuradoria; 5.) Que os Réus sejam condenados ainda no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe vierem a ser impostas pela sentença a proferir nos presentes autos. Foi proferida sentença em 1ª instância que: 1.) Condenou os Réus a reconhecerem a Autora como comproprietária de metade do prédio identificado como «Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no ..., freguesia do ... em ... que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com HH e a Poente com II», bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno, sendo bens imóveis indivisos sujeitos ao regime da compropriedade; 2.) Declarou a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os Réus e o Eng. JJ, e condena-se os Réus a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus; 3.) Jugou improcedente o pedido de declaração de nulidade do 1º testamento do falecido marido da Autora datado de 24 de junho de 2014; 4.) Declarou procedente o pedido subsidiário de retificação do conteúdo do testamento por via do processo interpretativo (artº 2187 CC), no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do FF, bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada; 5.) Condenou os Réus no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do locado. Os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão em que julgou parcialmente procedentes os recursos, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a julgar improcedente o pedido de retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, outorgado por JJ, bem como o pedido de condenação no pagamento de quantia a título de sanção pecuniária e, revogar os pontos 4) e 5) do segmento decisório da sentença. Inconformada, veio a autora interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações3,4 que apresentou as seguintes CONCLUSÕES5: 1ª) A decisão recorrida quanto ao seu segmento decisório lavrado o qual julgou improcedente o pedido subsidiário de retificação do conteúdo do testamento datado de 24.06.2014 outorgado pelo falecido marido da recorrente e na qual esta lhe prestou consentimento, que tinha sido peticionado e operado pela decisão da 1º instância deve ser revogado por Vexas e nessa conformidade ordenada a reposição do que foi decidido pela 1ª instância quanto ao mesmo porque se mostra ser de lei e de direito. 2ª) A decisão recorrida quanto ao identificado segmento decisório aqui colocado em crise, não se acha conforme com a prova produzida e estabilizada pela instância recorrida, e além disso com uma boa decisão de direito, tendo feito uma incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos. 3ª) A decisão recorrida no que se refere ao segmento aqui colocado em crise violou o nº 1 e nº 2 do artº 2187º, o artº 2203º, e o nº 2 do artº 2030º todos do CC. Sem conceder, Caso Vexas assim o não entendam, ou seja, não revogando o segmento da decisão recorrida aqui colocado em crise e, nessa conformidade, a reposição do que foi decidido pela 1ª instância, o que tem de se prevenir, por dever de zelo e cautela de patrocínio, 4ª) Então, a decisão recorrida ao tomar posição, sem clarificar o efeito jurídico da sua decisão no quadro da sucessão em concreto dos presentes autos, deixa expressamente em aberto a possibilidade de a atribuição testamentária abranger a totalidade de um bem de que o testador era mera comproprietário (por hipotética aplicação do nº 4 do artº 2251º , ex vi nº 1 do artº 2252º ambos do CC), pois no acórdão se lê “que não cabe averiguar da aplicabilidade de tal regime (isto é, do artº 2252.º CC), nem das consequências que decorreriam de tal aplicação”, cfr. páginas 54 e 55 da decisão recorrida, possibilidade que colide com a vontade do testador e que é central na interpretação do testamento aqui em causa e que está prova qual era nos presentes autos. 5ª) Admite, então, a decisão da 2ª instância que se viole o princípio fundamental do cariz singular do testamento, subjacente à proibição do testamento da mão comum (artº 2181º do CC), por conferir às intervenções da herdeira, aqui recorrente, que era comproprietária no testamento aqui em causa, o cariz de a vincular quanto à perda da sua quota no bem, por morte do seu marido à margem do que é excecionalmente disposto no artº 1685º, nº 3, alínea b) do CC, dado que como está estabelecido, este preceito não é adequado nem aplicável in casu, porquanto não existir qualquer bem comum no casamento celebrado entre recorrente e seu falecido marido que foi sob o regime da separação de bens conforme está provado também nos presentes autos (cfr. doc nº 1 junto com a petição inicial). 6ª) Assim, impunha-se pronúncia sobre os efeitos da decisão tomada pela 2ª instância quanto ao segmento decisório aqui colocado em crise, a qual não existindo, determina a sua nulidade, que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos ao abrigo do nº 1 alínea d) do artº 615º do CPC, tanto mais que a tutela constitucional do direito de propriedade é incompatível com eventual hipótese de privação de uma quota sobre um bem sem manifestação de vontade válida do titular dessa quota (a Autora nos presentes autos). 7ª) Devendo Vexas supri-la, pois, este Tribunal dispõe de todos os elementos para o efeito, sendo questão de direito. Nestes termos e nos melhores de direito que os Exmos. Senhores Conselheiros doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser, o segmento decisório do acórdão recorrido aqui em causa revogado ficando a subsistir quanto a ele a decisão da 1ª instância. Sem conceder, Caso assim o não entendam, o que tem de se prevenir, por dever de zelo e cautela de patrocínio, que se dignem julgar procedente a invocação da nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida quanto ao segmento decisório aqui colocado em crise por a mesma ter tomado posição sem clarificar o efeito jurídico da sua decisão no quadro da sucessão em concreto dos presentes autos (nº 1 alínea d) do artº 615º do CPC). Nessa conformidade, dignando-se ainda Vexas a suprir essa omissão por ser questão de direito e por deterem todas as condições para esse efeito, valorando em face da materialidade dos factos alegados e provados estabilizados pela decisão recorrida e essenciais ao objetivo de alcançar o correspondente efeito jurídico desse segmento decisório aqui colocado em crise que considerarem doutamente mais ajustado, em face da prova obtida quanto ao que o testador quis deixar como está provado nos presentes autos e em face também dos direitos da recorrente como comproprietária e como co-herdeira do testador6. O recorrido, João Carlos Pinto Brioso Pina, contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido. Colhidos os vistos7, cumpre decidir. Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Saber se o acórdão proferido pelo tribunal a quo é nulo por omissão de pronúncia. 2.) Saber se deve ser alterado o pedido de retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, por erro na identificação do bem objeto do legado. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 1) Em ... de Julho de 1958 a Autora casou, em segundas núpcias, no regime de separação de bens com o Exmo. Senhor Eng. JJ, que faleceu no passado dia ... de agosto de 2020; 2) A Autora deste seu último casamento em segundas núpcias, teve dois filhos, o aqui, 1º Réu, e, uma filha KK, entretanto falecida e, que à data da sua morte era divorciada, tendo deixado como seu único herdeiro universal seu filho único de nome GG, neto da Autora, aqui, o 2º Réu; 3) O seu filho, aqui 1º Réu, tem uma filha de nome KK, também neta da Autora; 4) A Autora à data da celebração deste seu segundo casamento, tinha já um filho nascido das suas primeiras núpcias de nome BB que tem 3 filhos de nome, CC, DD e EE, todos seus netos; 5) No dia 12 de março de 1973 foi celebrada escritura pública de compra e venda em que foram outorgantes LL e sua mulher MM como primeiros outorgantes e JJ e sua mulher AA como segundos outorgantes, e em que pelos primeiros outorgantes foi vendido «em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou limitações pelo valor global de cento e vinte mil e quinhentos escudos» os seguintes bens: (…) 6) - Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no ..., freguesia do ... em ..., denominada “...” e que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com HH e a Poente com II; (…) 7) - Uma porção de terreno com a área de 100 m2 quadrados destinado a abertura de construção de um poço sito no mesmo lugar que confronta a Norte com ribeiro e dos restantes lados com LL; 8) Mais resultando da escritura de compra e venda que «ambas as parcelas de terreno são destacadas do prédio rústico na matriz cadastral da referida freguesia do ..., sob o artigo número quarenta e oito da fração U e desanexada do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...dezasseis; 9) Em 9 de abril de 1973, foi lavrado registo de aquisição por compra a favor da Autora e seu marido Eng. JJ junto da Conservatória do Registo Predial de ... do lote de terreno para construção urbana identificado em 6); 9-A) O prédio a que alude o ponto 9 encontra descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de ... sob o ...51, da freguesia de ... (...), como prédio urbano denominado ..., sito em ..., com a área total de 8968 m2, composto por lote de terreno para construção urbana, a confrontar a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro, a nascente com HH e a poente com II; através da ap. 7 de 1973/04/09, encontra-se inscrita a respetiva aquisição, por compra, a favor de JJ, casado com AA no regime de separação de bens, e de AA casada com JJ no regime de separação de bens11. 10) Sobre o prédio identificado em 6), foram construídas ao longo dos anos várias edificações de que se destacam, a casa velha/ casa inicial, a casa do FF (filho do casal, aqui, 1º réu), e edificadas também a casa do BB (filho da autora das suas primeiras núpcias), a garagem, o armazém, e a casa da piscina; 11) Permanecendo o registo predial identificado em 9) sem qualquer atualização desde 9 de abril de 1973 até à presente data; 12) As edificações que ao longo dos anos foram construídas sobre o prédio identificado em 6), nenhuma à presente data foi objeto de apresentação no registo predial; 13) A construção da casa velha/ casa inicial foi autorizada pela licença nº ...10 de 12 setembro de 1978, foram terminadas as obras em 31.08.1979 e a edificação foi vistoriada em 06 de setembro de 1979 e declarada em «perfeito estado de habitação»; 14) No ano de 1979, foi pelo falecido marido da autora Eng. JJ, participado junto do serviço de finanças de ..., o prédio descrito como «moradia constituída por cave com 1 assoalhada e R/C com 4 assoalhadas, casa de bango, lavabo e cozinha, com a aérea de 144 m2, sendo este imóvel a que a Autora e sua família se referia sempre como a “casa velha”; 15) (…) tendo sido inicialmente inscrito na matriz sob o artº...55, e posteriormente atribuído o artigo matricial nº ...64; 16) Tendo sido emitida a respetiva licença de utilização em 18 de abril de 1980; 17) Pelo Serviço de Finanças de ... foi efetuada Avaliação Geral do prédio urbano sob o artigo ...64 da freguesia 151101 ... (...) e foi atribuído em 2013 por aquele serviço o valor patrimonial de € 113 140,00, com indicação de «1 moradia unifamiliar; afetação habitação, área total de terreno 144,00, área de implantação do prédio 144,00»; 18) Era a moradia em que a Autora e seu marido e filhos passavam sempre as suas férias e que a Autora utilizava aos fins de semana; 19) (…) embora com menos frequência nos últimos anos antes do falecimento do seu marido Eng. JJ; 20) Cerca de um mês depois do decesso do marido da Autora, Eng. JJ, em julho de 2020, em dia que não consegue identificar, o bisneto da aqui Autora de nome NN (filho da sua neta CC), pediu-lhe autorização para ir passar alguns dias com um amigo para a designada casa velha, pedido a que a Autora prontamente anuiu, tendo-lhe para o efeito entregue a chave de acesso da porta principal da casa de ...; 21) O bisneto da aqui Autora chegado à casa acompanhado pelo seu amigo que tinha convidado para com ele passar lá uns dias, e por seu pai, que a ambos tinha transportado até ao local, não conseguiu entrar na casa; 22) Tendo sido todos os presentes informados que a casa velha estava arrendada e que não tentassem entrar; 23) A Autora, através do seu mandatário em 23 de outubro de 2020, recebeu e teve conhecimento do teor do contrato de arrendamento e de quem eram as suas partes, com total surpresa, seu filho e neto, aqui réus como arrendatários e o seu falecido marido como senhorio, (…) 24) documento que foi enviado pelo Exmo. mandatário dos mesmos, na ação judicial que corre termos no Juízo Central Cível de ..., J..., sob o n.º 3840/21.3..., por email com dois anexos, respetivamente o contrato de arrendamento e cópia da caderneta predial do prédio de ...; 25) Do contrato de arrendamento, datado de 27 de março de 2020, consta que entre «JJ (…) designado como primeiro outorgante ou senhorio (…) e FF e GG (….) como segundos outorgantes ou inquilinos, é celebrado (…) contrato de arrendamento para habitação e de exploração rural, com prazo certo, » (…) 26) Mais resultando da Cláusula Primeira que «O Senhorio é dono e legitimo possuidor do Prédio Misto em propriedade total descrito na matriz predial sob o Artigo ...64 com origem no artigo matricial nº ...78 (cláusula Primeira); 27) Em 20 de abril de 2020, o R. FF, requereu por carta, na qualidade de cotitular da conta solidária nº ...20 aberta no Banco Suíço, UBS, com a aqui Autora, sem conhecimento de sua mãe, que fosse debitada a identificada conta bancária no valor de € 560 000,00 (quinhentos e sessenta mil euros); 28) Tendo dado origem a duas transferências pelo Banco concretizados na conformidade das instruções recebidas pelo aqui 1º Réu, em abril e junho desse ano, em abril no valor de €408 930,00 e em Junho no valor de €160 435,00), no total de € 569 365,00 (quinhentos e sessenta e nove mil trezentos e sessenta e cinco euros), dinheiro exclusivamente da Autora e que foi transferido para uma conta pessoal do aqui 1º Réu, com IBAN ...70Y aberta mesmo Banco; 29) - Na sequência do que a A. intentou a ação judicial contra o seu filho, aqui 1º réu, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., sob o nº 3840/21.3..., peticionando entre outros pedidos, a declaração de ser a aqui Autora a única proprietária desse dinheiro transferido e de o aqui 1º Réu, ser condenado a restituir-lhe a quantia peticionada de que beneficiou pela apropriação do dinheiro que não lhe pertencia, acrescido dos respetivos juros de mora; 30) Foi proferida sentença, devidamente transitada em julgado, no âmbito da ação nº 3840/21.3... na qual foi decidido «a) condenar o R. a reconhecer que a A. é a única proprietária da quantia de €569 365,00; b) condenar o R. a restituir à A. a quantia referida em a.) acrescida de juros »; 31) A Autora, através do seu mandatário perante a documentação recebida pelo Exmo. mandatário dos Réus requereu em Fevereiro de 2021, os seguintes documentos: junto do Serviço de Finanças de ..., cópias simples dos modelos 129 e Modelos 1 de IMI que tinham sido entregues pelo seu falecido marido relativamente a todas as edificações implantadas no prédio identificado em 6) o que lhe foi entregue por certidão em 18 de fevereiro de 2021, (…); 32) Junto da Câmara Municipal de ..., solicitou Certidão das licenças de utilização emitidas quantos aos 2 edificados/ 2 fogos, conhecidos entre a família como “casa velha” e “casa do FF”, e que lhe foi entregue em 8 de abril de 2021; 33) Quanto à certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ... consta que (…) da mesma constando que relativamente ao artº de proveniência ...64 (da casa velha) não existia em arquivo Modelo 129 no serviço de finanças; 34) Mais consta que (quanto ao modelo 1) em 18 de maio de 2011, o marido da Autora, participou ao serviço de finanças de ... que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº ...64, edificado com 32 anos, tinha sido melhorado/modificado/ reconstruído, indicando que passou a tratar-se de um T/7 destinado a habitação com alteração de número de fogos ou andares, com a área total coberta de 182,50 m2 (campo 55- área total do terreno) e dependente de 118 m2, (campo 59), resultando da soma destas duas áreas a área bruta de construção de 300,50 m2, com licença de utilização emitida em 1 abril de 2011, dando origem a um novo artigo matricial, o atual e único nº ...78; 35) (…) no campo da área de implantação do prédio, o falecido marido da Autora Eng. JJ, considerou a nova construção da designada casa do FF (aqui 1º Réu) com 9,15 x1000 = 91,50 m2, mais, a área da casa velha de 91,00 m2, dando assim a área de implantação do prédio de 182,50 m2 indicada no modelo 1 (campo 57); 36) (…) sendo a área bruta de construção indicada nesse modelo 1 de 300,50 m2, (campo 58) área igual à soma da área bruta dependente mais a área bruta privativa e, sendo a área bruta privativa, a superfície total medida pelo perímetro exterior que é igual a 182,50 m2 e compreendendo a área bruta dependente a soma das áreas exclusivas, como a casa do FF 38.0m2 + a garagem 32,0 m2 + o armazém 28,0m2 + casa da piscina 20,0 m2 = 118,00 m2, somando-se este valor de área dependente à área privativa indicada de 182,50 m2, resultando então os 300,50 m2 de área bruta de construção declarada pelo falecido marido da autora Eng. JJ junto das finanças de ... em 18 de maio de 2011 no campo 58 dessa declaração; 37) O serviço de Finanças de ... não exigiu que se procedesse a qualquer destaque antes, e aceitou que o artigo matricial nº ...64 relativo à “casa inicial/ casa velha”, deixasse de existir e fosse consumido, englobado em novo artigo matricial nº ...78, não tratando autonomamente, os edificados, designadamente a “...”, a designada “casa do FF”, e a “casa do BB”, edificados no terreno identificado em 6); 38) Em 13 de outubro de 2016, por representante do seu falecido marido Eng. JJ , foi apresentado requerimento junto do serviço de finanças que alterou a área total do prédio que tinha sido indicada em 18 de maio de 2011 pelo Eng. JJ – 182,5 m2 - para a área de 8968 m2, correspondente à totalidade da área do prédio identificado em 6), mantendo a área coberta de 182,50 m2 e a dependente de 118 m2 39) Por este meio o novo e único artigo matricial 20378 das finanças criado em 2011, passou a integrar e a incluir o logradouro de todo o terreno identificado em 6; 40) Pela Certidão obtida pela Autora junto da Câmara Municipal de ... passou a Autora a tomar conhecimento que ao nível de licenciamento todas as edificações estão licenciadas como uma moradia bifamiliar -2 fogos; 41) Com data de ... de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. JJ por testamento lega por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, FF, aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... (...), concelho de ..., sob o artigo ...78, bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”; 42) O testamento indicado em 41 foi celebrado cerca de um mês depois de o testador ter dado a conhecer, entregando à aqui Autora, bem como aos aqui Réus, e ainda a seu filho das suas primeiras núpcias de nome BB, a sua última atualização datada de 10 de maio de 2014 do memorando escrito datado de 5 de dezembro de 2013 sobre a situação patrimonial e financeira do casal; 43) Memorando onde se lê «Em 3 de Outubro de 2003 fiz 82 anos e achei por bem informar-vos da nossa situação patrimonial e financeira, atendendo aos poucos anos de vida que disporia em pleno uso das minhas faculdades mentais. Em junho de 2013, quase 10 anos passados, resolvi reler o que então escrevera e sinto ser minha obrigação dar-vos conhecimento, não dos atos passados que todos conheceis, mas principalmente da situação presente, em crise profunda caracterizada por uma instabilidade quase diária e um futuro tão incerto como imprevisível. Desde já e para salvaguardar a fragilidade física e mental da mãe, lembro-vos que, enquanto viva, todo o rendimento e usufruto dos bens imobiliários e de capitais são da mãe. Da vossa parte tem de haver um grande espírito de família, de coesão, de tolerância e compreensão entre todos e de respeito e amor pela mãe. (…) O que vos deixaremos, se as doenças minhas e da mãe o permitirem, constará de bens imobiliários, mobiliários tangíveis e de investimentos de capital em moeda euro e em dólares, quer em Portugal quer na Suíça.» (…); 44) ( …) Mais consta do referido memorando «Os valores que atrás descrevi quer em euros quer em dólares, quer na Suíça quer em Portugal e que ainda existam à nossa morte serão divididos igualmente pelos três herdeiros, com obrigação de igualmente contribuírem para as despesas com as partes comuns e IMIs de ..., manutenção da piscina, e para limpeza e conservação da campa da CC e da mãe após a sua morte.» 45) (…) Deste memorando resulta ainda que «Como após a nossa morte há que apresentar nas Finanças a declaração de bens elaborei para o efeito o quadro seguinte (…) N.º16 -... Freguesia ... Rua ... – Matriz U-... – Valor patrimonial €113.140,00; N.º 17 -... – Freguesia ... Rua ... – Matriz U-...78 – Valor patrimonial €135.080,00» 46) (…) Referindo que «A documentação dos prédios ali listados e enumerados (….) com o n.º 16 na pasta “...1” incluindo toda a documentação inicial; na pasta “Casa Principal: Projeto e licenciamento”; na pasta “Casa do BB, Muro, Piscina”; na pasta “Garagem , Telheiro, Captação”; 47) (…) com o n.º 17 na pasta “Casa do FF – Contrato” (…) 48) (…) Também torna-se necessário assegurar a posse das casas do terreno de ... pois quando da sua compra ao Sr. LL limitei-me a registar na conservatória só os 8.968 m2 em meu nome e da mãe, em partes iguais. Entretanto foi construída a casa velha, a piscina, a casa do BB, a garagem e ferro de engomar, o armazém, a captação de agua e a casa do FF, pelo que convém proceder aos respetivos registos. Todas estas novas construções estão legalizadas junto da Câmara com projetos e licenças de utilização, e mais recentemente também a casa do FF junto das Finanças com um novo numero inscrito na matriz n.º ...78. 49) (…) Na última visita à Dra. OO perguntei-lhe quais os elementos a apresentar (…) bem como fazer o testamento da casa do FF a partir da minha quota disponível.(…) 50) (…) Em 06 de Março de 2013 informaram-me do resultado da avaliação geral do prédio inscrito sob o artigo matricial n.º ...64 com o valor de EUR113.140,00. Estes dados referem-se à casa velha ou inicialmente construída. 51) (…) Em 20 de Junho de 2013 informaram-me o valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz predial urbana n.º ...78 de EUR 135.080,00 , ou seja, o valor da casa do FF, mais a casa do BB e a garagem, considerada como casa do Caseiro dado que a lei isenta de IMI os arrumos e garagens » 52) . (…) «Nesta data parece pois que as construções feitas no terreno de ... têm duas matrizes – casa velha com o n.º ...64 e as casas de FF e BB com o artigo n.º ...78. Sendo assim, creio ser possível recorrer às Finanças para destacar do artigo n.º ...78 a casa do BB e garagem e ao mesmo tempo definir qual a parcela da área total do terreno, ou seja, dos 8.968 m2 que cabe a cada um dos artigos matriciais. Sendo assim, com o destaque é dado um novo artigo matricial, ficando o terreno agora com três artigos matriciais e com a possibilidade de o dividir em três lotes (…) 53) (…) «Todas as construções feitas no terreno de 8.868 m2 foram realizadas por nós à custa das nossas economias e da venda de algumas parcelas da herança de meus pais e tios. Há, no entanto, uma construção nova - a casa do FF - que foi inteiramente construída À sua custa e portanto não poderá, em caso algum ser incluída nas partilhasse friso isto pois estando o terreno em nosso nome e estando a faturação do construtor - construções ... - e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projeto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa.» 54) (…) «Uma vez obtida a separação da matriz n.º ...78 – da casa do FF e do BB, só depois de 10 anos as Finanças permitem novo destaque em cada talhão herdado , ficando a faixa do terreno adjacente à Rua ... com as parcelas do BB, com 614 m2, a do GG com 620m2 e a do FF com 680 m2 para uma possível venda para construção de moradas considerando que cada parcela tem acesso direto à Rua ..., à agua, esgoto ou fossas independentes, energia e telefone.(…)» 55) «Se este sonho não for possível, o melhor é manter a propriedade indivisa na parte excedente ao primeiro destaque – que é toda a faixa adjacente à Rua ..., entre o limite com o terreno da família ..., muro separador poente do acesso ao portão e o acesso comum ao armazém e tanque de água.»; 56) O falecido marido da A. antes desta sua última atualização do seu memorando, tinha em 8 de fevereiro de 2014, elaborado um anterior memorando a informar a Autora e restante família, incluindo os aqui Réus, que: «(…) na repartição das finanças só estão inscritos a casa inicial – matriz ...64 e a casa do FF -matriz ...78 (…) quando preenchi para as Finanças o impresso de inscrição indiquei o numero de divisões contando com as da casa do BB, como sendo casa do Caseiro – a conselho do funcionário das Finanças que me atendeu. Como temos duas matrizes propus à Dra. OO estudar a possibilidade de solicitar um destaque da casa do BB, Ferro de Engomar, com garagem e a divisão do terreno segundo o desenho da Planta de Localização das partilhas.”; 57) «(…) quanto à forma de reabrir as partilhas e salvaguardar a posse da casa do FF, a forma mais segura era aproveitar a quota disponível da herança e fazer testamento ou doação ao FF do seu talhão e casa…” ; 58) Em fevereiro de 2021, a Autora através da certidão entregue pelo Serviço de Finanças de ..., tomou conhecimento que afinal não existem duas matrizes prediais, mas apenas uma matriz predial com o nº ...78, que engloba a casa inicial /casa velha, a casa do FF e do BB, (assim como a garagem, o armazém e a casa da piscina); 59) Em 19 de novembro de 2019, JJ, faz o 2º testamento mantendo as disposições que fez no 1º testamento e instituindo como herdeiros da sua quota disponível de todos os seus bens e direitos em comum e partes iguais os aqui Réus; 60) Em 11 de novembro de 2020, foi realizada a escritura publica de habilitação de herdeiros; 60-A) Através da escritura de habilitação de herdeiros a que alude o ponto 60, outorgada a 11-11-2020 em cartório notarial de ..., por óbito de JJ, foi reconhecido que deixou a suceder-lhe, a título testamentário, FF, casado com PP, sob o regime da comunhão de adquiridos, e GG, casado com QQ, sob o regime da comunhão geral de bens, e a título legitimário, AA, sua viúva, o referido FF, seu filho, e o referido GG, filho de sua filha pré-falecida KK, seu neto12. 61) Em 28 de janeiro de 2021, foi participado à AT o óbito de JJ e identificada a A. como cabeça e casal e os beneficiários da transmissão, bem como os bens integrantes da herança; 62) Em 8 de fevereiro 2021, o mandatário da Autora, junto dos serviços de finanças competentes da AT, impulsiona pedido de revisão/retificação da participação de 28.01.2021; 63) Em 11 de fevereiro de 2021, o Serviço de Finanças informa da correção da retificação requerida quanto às quotas dos herdeiros e no tocante às verbas 11 e 13 informou que de acordo com a consulta dos artigos matriciais aludidos no email, aqui junto como doc. nº 23, que relativamente ao prédio da verba 11 o mesmo sempre ter estado em nome do autor da herança, e relativamente à verba nº 13 consultada a respetiva matriz não refletia o que nesse email a Autora invocava; 64) Em 15 de fevereiro de 2021, a Autora, através do seu mandatário requereu ao Serviço de Finanças de ..., a retificação da informação matricial relativo ao prédio ...78 – Verbas 11 – anexando para o efeito, cópia da escritura publica de compra e venda do prédio identificado em 6) e certidão do registo predial da sua aquisição; 65) No dia 16 de fevereiro de 2021, o serviço de finanças informa o mandatário da Autora que relativamente ao averbamento do artº ...78 do prédio identificado em 6) já se encontrava efetuado na quota parte de ½ na Herança do seu falecido marido e ½ da Autora; 66) Em 17 de fevereiro de 2021 o 8º serviço de finanças de ..., informa por email que tinham procedido à retificação da participação da verba 11 – prédio identificado em 6) – em conformidade com o que passou a constar da matriz; 67) A Autora tomou conhecimento, por sua neta EE e por seu pai, seu filho, BB (filho das suas primeiras núpcias) do teor das notificações judicias avulsas requeridas pelos aqui Réus; 68) Corre termos processo de inventário de JJ sob o número 19897/22.7... em que é cabeça de casal AA. 69) Do documento intitulado CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO a que aludem os pontos 25) e 26) constam, entre outras, as cláusulas seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA (Disposições Iniciais) 1. O SENHORIO é dono e legítimo possuidor do Prédio Misto em propriedade total, descrito na matriz predial sob o Artigo ...64, com origem no Artigo matricial nº ...78 NIP, localizado na Rua ..., doravante apenas “Imóvel”. 2. A propriedade para além da parte rústica, contem três fogos habitacionais, e independentes entre si. 3. O Imóvel descrito e correntemente reconhecido como “edificação de apoio à agricultura” e respetivos anexos, logradouro, estacionamento e acesso, cuja identificação e localização específica se encontra discriminada e identificada nos Anexos n.ºs II e III, os quais fazem parte integrante do presente contrato, encontra-se atualmente em utilização por terceiro e portante excluiu-se do presente contrato de arrendamento. 4. O Imóvel descrito e correntemente reconhecido como “casa do FF” e respetivos anexos, logradouro, cuja identificação e localização específica se encontra discriminada e identificada no Anexo n.ºs IV, o qual faz parte integrante do presente contrato, é propriedade de FF, e portanto exclui-se do presente contrato de arrendamento. CLÁUSULA SEGUNDA (Objeto) 1. Pelo presente contrato o SENHORIO dá de arrendamento aos INQUILINOS, que tomam de arrendamento para seu uso e habitação própria e exploração rural, o imóvel identificado na cláusula anterior. 2. (…). 2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA i) o prédio descrito em 6) foi adquirido com meios próprios exclusivos de JJ; ii) as edificações construídas ao longo dos anos no prédio descrito em 6) foram construídas com meios próprios exclusivos de JJ; iii) a fechadura da porta de entrada da casa velha foi mudada por ordens do R. FF. 2.3. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso13 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO É NULO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA. A recorrente alegou que “a decisão recorrida ao tomar posição, sem clarificar o efeito jurídico da sua decisão no quadro da sucessão em concreto dos presentes autos, deixa expressamente em aberto a possibilidade de a atribuição testamentária abranger a totalidade de um bem de que o testador era mera comproprietário (por hipotética aplicação do nº 4 do artº 2251º , ex vi nº 1 do artº 2252º ambos do CC), possibilidade que colide com a vontade do testador e que é central na interpretação do testamento aqui em causa e que está prova qual era nos presentes autos”. Assim, concluiu que “se impunha pronúncia sobre os efeitos da decisão tomada pela 2ª instância quanto ao segmento decisório aqui colocado em crise, a qual não existindo, determina a sua nulidade, que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos ao abrigo do nº 1 alínea d) do artº 615º do CPC, tanto mais que a tutela constitucional do direito de propriedade é incompatível com eventual hipótese de privação de uma quota sobre um bem sem manifestação de vontade válida do titular dessa quota (a Autora nos presentes autos)”. Vejamos a questão. É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art. 615º/1/d ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil. A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (incumprimento do dever prescrito no art. 608°/2, do CPCivil)14,15,16,17,18. A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no art. 608º/2, do CPCivil, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, “excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras”19,20, 21,22,23,24. São coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte25,26,27,28. No entanto, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio29. Diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608.º/2, do CPCivil30. In casu, a recorrente pediu “a título subsidiário a retificação do testamento, porquanto a identificação do bem objeto da deixa testamentária resulta de um erro ostensivo, e sendo possível determinar qual o bem a que o testador se queria efetivamente reportar, se proceda à retificação do conteúdo desse testamento por via do processo interpretativo, no sentido de o bem legado ser a quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do FF, aqui 1º Réu, bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada”. Ora, o tribunal a quo pronunciou-se quanto a tal questão nos seguintes termos: ““A lei prevê, no artigo 2252.º do Código Civil, o regime a que se encontra sujeito o legado de coisa pertencente só em parte ao testador; porém, face à decisão proferida – que considerou verificada a existência de erro na indicação do bem objeto da disposição testamentária e procedeu à retificação do conteúdo do testamento – e ao objeto dos recursos interpostos – que visam a improcedência do pedido de retificação do conteúdo do testamento e consequente revogação da decisão que operou tal retificação –, não há que averiguar da aplicabilidade de tal regime ao caso presente, nem das consequências que decorreriam de tal aplicação, cumprindo apenas apreciar se é de manter a retificação do conteúdo do testamento peticionada pela autora e decidida na sentença recorrida”. Após o que, concluiu, além do mais, o seguinte: “Consistindo o legado na atribuição de bens ou valores determinados, afastada se encontra a possibilidade de incidir sobre uma parte específica não autonomizada de um prédio urbano, no caso, sobre o direito do testador a uma das edificações e uma parcela do terreno que integram o supra indicado prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...78.º, do qual é comproprietário. Não incidindo sobre um bem determinado, mas sobre uma parte de um prédio urbano, não se vislumbra que a deixa testamentária decorrente da retificação – peticionada pela autora e operada pela 1.ª instância –, conduza à transmissão da titularidade do direito do testador sobre qualquer concreto bem, o que impõe a improcedência da pretensão neste sentido deduzida pela autora e a consequente a revogação da parte da decisão recorrida em que se operou a retificação do conteúdo do testamento”. Ora, do excerto da fundamentação acabada de transcrever, é pacífico que o acórdão recorrido se pronunciou sobre todas as questões a decidir, objeto dos recursos de apelação interpostos, decidindo, de forma motivada e expressa, sobre o pedido de retificação do testamento em discussão nos autos. Diferente será analisar se o acórdão recorrido, ao decidir nos termos em que o fez, incorreu em erro de julgamento, questão que, porém, não se confunde com a nulidade invocada. Temos, pois, que o tribunal a quo ao conhecer da questão suscitada pela recorrente (pedido subsidiário de retificação do testamento), não padece a decisão recorrida da nulidade prevista no art. 615°/1/d,1ª parte ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil (questão diversa é saber se a motivação é incompleta, deficiente ou errada). Concluindo, a omissão de pronúncia, referida no art. 615º/1/d, do CPCivil, só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras31,32,33. Destarte, nesta parte, improcede a conclusão 6ª), do recurso de revista. 2.) SABER SE DEVE SER ALTERADO O PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DO CONTEÚDO DO TESTAMENTO DATADO DE 24-06-2014, POR ERRO NA IDENTIFICAÇÃO DO BEM OBJETO DO LEGADO. A questão decidenda suscitada na presente revista é a de saber a decisão recorrida, no que concerne ao segmento decisório em que julgou improcedente o pedido subsidiário de retificação do conteúdo do testamento, violou o regime previsto nos artigos 2187º/1/2 e 2030º/1, ambos do CCivil. Na presente ação, a autora, ora recorrente, veio, além do mais peticionar a declaração de nulidade do testamento outorgado pelo seu falecido marido, por o bem indicado nessa deixa testamentária, não ser propriedade do testador, mas sim um bem em compropriedade, defendendo a recorrente que o testador não pode legar bens que não lhe pertençam por inteiro. Subsidiariamente, veio peticionar a retificação do testamento por alegar existir um erro na identificação do bem objeto da deixa testamentária, solicitando que, ao invés do declarado pelo testador, aí fique a constar que o bem legado corresponde à quota-parte indivisa de ½ do testador da designada casa do FF, 1.º réu, bem como à sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada. De acordo com o ajuizado em primeira instância, foi julgado improcedente o pedido de nulidade do testamento (segmento decisório que nunca foi objeto de recurso, mostrando-se, assim, transitado em julgado), mas julgado procedente o pedido de retificação do texto do testamento, por se ter considerado existir um erro na identificação do objeto do legado “na medida em que pretendendo o testador legar ao sucessor FF a chamada “casa do FF” e terreno onde a mesma se encontra implantada acabou por identificá-la erroneamente ao referir-se à inscrição na matriz, pois que essa matriz abrangia na altura mais do que a casa do FF, sendo que é bastante claro que a intenção do testador conforme resulta do memorando é que a casa do FF fosse legada ao mesmo, assim se começando a preencher a quota disponível do testador conforme vontade manifestada e não que fosse legado todo o prédio abrangido pela matriz 20378”. Partindo de tais considerações, a sentença de primeira instância concluiu nos seguintes termos: “Pelo que, assim sendo, e aplicando-se o disposto no art.º 2252.º e 2203.º CC perante a indicação errónea do bem legado com a indicação da matriz n.º ...78 e sendo possível in casu pela interpretação do testamento concluir a que bem o testador se pretendia referir, a disposição testamentária vale relativamente a esse bem, ou seja à edificação indicada como Casa do FFque se encontra incluída na matriz com o n.º ...78 e não todo o prédio urbano a que corresponde a matriz ...78, sendo certo que pelo testador somente pode ser legada a sua metade indivisa”. Diferentemente, no acórdão recorrido foi decidido julgar improcedente o aludido pedido de retificação do testamento, extraindo-se da respetiva fundamentação que tal segmento decisório se baseou no seguinte: “Está em causa o testamento a que alude o ponto 41, facto tido por provado com a redação seguinte: Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. JJ por testamento lega por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, FF, aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... (...), concelho de ..., sob o artigo ...78, bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado” (…) Da análise da factualidade supra elencada decorre que assiste razão ao 2.º réu, ao afirmar que a edificação designada por casa do FF e a parcela terreno onde a mesma se encontra implantada, a que se reporta a retificação do conteúdo do testamento operada pela 1.ª instância, não constituem um prédio autónomo, antes integrando o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...78.º, do qual fazem parte outras edificações, o terreno em que se encontram implantadas e o logradouro. Sob a epígrafe Espécies de sucessores, o artigo 2030.º do Código Civil dispõe, no n.º 1, que os sucessores são herdeiros ou legatários, esclarecendo no n.º 2 que se diz herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados; acrescenta o n.º 3 que é havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes. Reportando-se à distinção constante deste preceito, explica Luís Filipe Pires de Sousa (Ações especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 16) o seguinte: «Ao contrário do herdeiro a quem são atribuídos bens indeterminados a título universal, ao legatário são atribuídos bens certos e determinados (…). Pela partilha, são atribuídos a cada herdeiro os bens concretos que hão de integrar a sua quota. Pelo contrário, como a instituição de legatário respeita a bens determinados, dispensa-se a partilha (artigo 2101.º, n.º 1, do Código Civil), mesmo que todo o património hereditário tenha sido dividido em legados. Cada um dos legatários sabe precisamente qual o bem ou os bens que lhe couberam em sorte.» Consistindo o legado na atribuição de bens ou valores determinados, afastada se encontra a possibilidade de incidir sobre uma parte específica não autonomizada de um prédio urbano, no caso, sobre o direito do testador a uma das edificações e uma parcela do terreno que integram o supra indicado prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...78.º, do qual é comproprietário. Não incidindo sobre um bem determinado, mas sobre uma parte de um prédio urbano, não se vislumbra que a deixa testamentária decorrente da retificação – peticionada pela autora e operada pela 1.ª instância –, conduza à transmissão da titularidade do direito do testador sobre qualquer concreto bem, o que impõe a improcedência da pretensão neste sentido deduzida pela autora e a consequente a revogação da parte da decisão recorrida em que se operou a retificação do conteúdo do testamento. Procedem, assim, nesta parte, os recursos interpostos pelos réus”. Em conformidade com o acórdão recorrido, como a edificação designada por “Casa doFF” e a parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada não constituem um prédio autónomo, antes integrando o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...78.º, do qual fazem parte outras edificações, não pode proceder a retificação pretendida, uma vez que o legado consiste na atribuição ao legatário de bens ou valores determinados e a atribuição de metade indivisa de parte de um bem não preenche, segundo a posição firmada pelo tribunal recorrido, tal requisito. Entende a recorrente, pelo contrário, que a estipulação, pelo testador, do referido legado, reportando-se ao artigo matricial ...78.º resulta de um erro na sua declaração, pois que, antes, aquele artigo correspondia apenas ao da designada casa do FF, aqui 1.º réu, existindo para as outras edificações outro artigo matricial com o n.º ...64 e parcela de terreno. Mais alega a recorrente que dos factos provados resulta claro que a intenção do testador era de que apenas a Casa do FF fosse legada ao mesmo, e não que fosse legado todo o prédio abrangido pela matriz ...78. Passemos, então, à análise do mérito da questão, esta circunscrita a saber se deve ou não proceder o pedido de retificação do testamento por ocorrência de erro na identificação do bem objeto do legado. Está provado que: - Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. JJ, por testamento, legou por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, FF, aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... (...), concelho de ..., sob o artigo...78, bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado” – facto provado 41. - O prédio a que alude o ponto 9 encontra descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de ... sob o ...51, da freguesia de ... (...), como prédio urbano denominado ..., sito em ..., com a área total de 8968 m2, composto por lote de terreno para construção urbana, a confrontar a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro, a nascente com HH e a poente com II; através da ap. 7 de 1973/04/09, encontra-se inscrita a respetiva aquisição, por compra, a favor de JJ, casado com AA no regime de separação de bens, e de AA casada com JJ no regime de separação de bens – facto provado 9-A. Temos, pois, que o referido prédio urbano, objeto do legado, não pertence por inteiro ao testador, antes pertencendo à autora e ao testador, em compropriedade. Diz-se testamento o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou parte deles – art. 2179º/1, do CCivil. Encontra-se consolidado na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o mesmo constitui um negócio jurídico – unilateral e pessoal -, o qual se rege e está subordinado a regras próprias e específicas e ao qual só subsidiariamente são aplicáveis as regras da teoria geral do negócio jurídico. Nesta medida, a fixação do sentido e alcance das disposições testamentárias faz-se, em todos os casos, de acordo com a vontade real ou psicológica do testador (art. 2187º/1/1.ª parte, do CCivil), i.e., com a intenção do testador. A este propósito, refira-se que a posição consolidada da jurisprudência é a de que compete ao Supremo Tribunal de Justiça, dentro do âmbito da sua atuação, apreciar se a Relação observou devidamente as regras de interpretação que decorrem do artigo 2187º do CCivil, o que constitui matéria de direito, por estar em jogo a determinação do sentido juridicamente relevante do negócio, mediante a aplicação de critérios jurídicos34. Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento – art. 2187º/1, do CCivil. É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa – art. 2187º/2, do CCivil. Nesta medida, o art. 2187º do CCivil, consagra a posição subjetivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias, a fazer pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se35,36. O Código Civil determina, quanto à interpretação do testamento, que o tipo de sentido negocial decisivo é o correspondente à vontade real do testador – à “mens testantis”37. A tarefa interpretativa testamentária vai dirigida a averiguar a vontade real e naturalística do testador, apurando o que este efetivamente quis. (…) Esta diretriz subjectivista de procura da vontade real surge ainda confirmada pelo facto de a lei, logo no n.º 2 do art. 2817.º, permitir amplamente o recurso a prova complementar, admitindo o uso de todos os meios adequados a revelar a mens testantis38. A natureza formal do testamento impõe, porém, um limite: não surtirá qualquer feito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa – cf. art. 2187º/2 do CCivil, que reafirma o comando geral constante do art. 238º/1 do mesmo diploma legal. Conforme alerta Pais de Amaral39 “a importância do elemento literal deve, em princípio, levar o intérprete a atribuir às palavras usadas pelo testador o significado normal ou corrente. No entanto, com base na prova complementar, pode o intérprete ter de concluir que certas palavras por ele utilizadas têm um significado diferente do comum. Quer dizer, o testador costumava dar a certas palavras ou expressões um significado muito pessoal que tem de ser tido em conta para se apurar a sua vontade real”. Segundo João Menezes Leitão, “admite-se, todavia, que o sentido subjetivo possa valer se, da letra do testamento – por si ou conjugada com dados objetivos irrecusáveis – for patente um erro na declaração” 40. E aqui aproximamo-nos do núcleo essencial da questão que nos é dada a decidir. Sobre o erro na declaração testamentária, prescreve o art. 2203.º do CCivil, sob a epígrafe “erro na identificação da pessoa ou dos bens”, que “se o testador tiver indicado erroneamente a pessoa do herdeiro ou do legatário, ou os bens que são objeto da disposição, mas da interpretação do testamento for possível concluir a que pessoa ou bens ele pretendia referir-se, a disposição vale relativamente a esta pessoa ou a estes bens”. A este propósito, João Menezes Leitão nota que “ainda aqui a lei exige o “mínimo de correspondência” com o contexto testamentário, pois remete para a interpretação do testamento (2187.º, n.º 2) a solução do erro na indicação da pessoa ou dos bens” 41. Nesta medida, caso não se verifique uma correspondência mínima entre o sentido pretendido pelo testador e o contexto do testamento, a vontade do testador não pode valer e, em tal situação, a disposição testamentária será anulável por erro na declaração. Temos, pois, que se através da interpretação do testamento, se determinar a verdadeira identidade do beneficiário e (ou) os bens que o testador queria atribuir, o testamento vale com o verdadeiro sentido (cf. 2203.º do CC, in fine). Todavia, como evidencia também Luís A. Carvalho Fernandes, “se o erro não se resolver em sede de interpretação negocial, resulta, a contrario, que a disposição testamentária não vale tal como, erroneamente, se mostra feita. Como é manifesto, isso, implica o apuramento da existência do erro e dos elementos e requisitos de relevância. Na falta de norma específica, deve entender-se que a disposição testamentária errada é anulável”42. Segundo Luís Menezes Leitão43, “o art. 2203.º do CC admite um regime especial, para certos casos de erro na declaração, estabelecendo uma conversão legal”, sendo, contudo, ainda “aplicável ao testamento o regime geral do art. 247.º do CC relativo ao erro na declaração. No entanto, atento o carácter não receptício do testamento, não se exigirá o requisito da cognoscibilidade para o declaratário, bastando que a essencialidade resulta do testamento”44. Conforme sublinha o mesmo autor “tem sido controvertido na doutrina se o erro na declaração origina a nulidade ou a anulabilidade do negócio jurídico testamentário. Oliveira Ascensão, considerando que todo o regime do erro na declaração resulta implicitamente do art. 2203.º, entende que, ao se dizer que a disposição vale em relação a uma pessoa diferente, significa que esta “não vele em relação àqueles a que se referiu, o que seria “próprio da nulidade”. Já Guilherme de Oliveira mantém a aplicação neste caso do regime da anulabilidade por força do art. 2201.º”, sendo esta a posição seguida por Luís Menezes Leitão45. Nesta sede, é de considerar também aquilo que resulta da prova complementar existente nos autos, com base numa aplicação analógica do já analisado art. 2187.º do CCivil46. Aproximando-nos do caso concreto e mobilizando para a análise o concreto quadro factual apurado, surge como evidente que a deixa testamentária em causa padece de um erro na identificação do objeto legal. Do texto dos memorandos, resulta inequívoco que o testador pretendeu legar ao sucessor FF a denominada “casa do FF” e o terreno onde a mesma se encontra implantada e não a totalidade do prédio abrangido pela matriz predial n.º ...78. O que se retira com facilidade da matéria de facto apurada a este propósito é que a identificação de tal matriz ao atribuir o legado foi feita na convicção errónea do testador de que “a casa do FF” estava inscrita nas finanças na matriz n.º ...78 e que a sua casa (a casa velha) estava inscrita sob outra matriz predial (cf. facto provado em 15). Tudo isto resulta do memorando descrito nos factos provados em 56. e 57., onde se lê: “(…) na repartição das finanças só estão inscritos a casa inicial – matriz ...64 e a casa do FF - matriz ...78 (…) quando preenchi para as Finanças o impresso de inscrição indiquei o numero de divisões contando com as da casa do BB, como sendo casa do Caseiro – a conselho do funcionário das Finanças que me atendeu. Como temos duas matrizes propus à Dra. OO estudar a possibilidade de solicitar um destaque da casa do BB, Ferro de Engomar, com garagem e a divisão do terreno segundo o desenho da Planta de Localização das partilhas.”; 57) «(…) quanto à forma de reabrir as partilhas e salvaguardar a posse da casa do FF, a forma mais segura era aproveitar a quota disponível da herança e fazer testamento ou doação ao FF do seu talhão e casa…”. Também no memorando posterior, redigido um mês antes da outorga do primeiro testamento (sendo que o segundo testamento, celebrado em 2019, manteve a disposição testamentária sob escrutínio nos seus precisos termos), o testador declarou o seguinte: “(…) «Nesta data parece pois que as construções feitas no terreno de ... têm duas matrizes – casa velha com o n.º ...64 e as casas de FF e BB com o artigo n.º ...78. Sendo assim, creio ser possível recorrer às Finanças para destacar do artigo n.º ...78 a casa do BB e garagem e ao mesmo tempo definir qual a parcela da área total do terreno, ou seja, dos 8.968 m2 que cabe a cada um dos artigos matriciais. Sendo assim, com o destaque é dado um novo artigo matricial, ficando o terreno agora com três artigos matriciais e com a possibilidade de o dividir em três lotes (…)”. Do exposto resulta que, a latere das questões relativas à compropriedade do terreno a favor da autora e da consequente legalidade do legado - problemáticas que extravasam o objeto do presente recurso, sendo que já foi proferida decisão definitiva a julgar válido o legado e existe regime substantivo diretamente aplicável ao legado de coisa pertencente só em parte ao testador (cf. art. 2252.º do CC), mas às quais não deixaremos, porém, de fazer, mais adiante, uma breve referência para melhor contextualizar a solução alcançada -, o que temos por manifestamente demonstrado nos autos é que, de facto, existiu um erro na identificação do bem objeto do legado. O testador referiu-se ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 20378, bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado, matriz que abrangia à data a totalidade do terreno pertencente à autora e testador, querendo, todavia, atribuir ao legatário apenas a denominada “casa FF” e só a parte do terreno em que a mesma se encontrava implantada. É isso que resulta de toda a matéria de facto provada que contextualiza a celebração do testamento e comprova a intenção expressamente declarada pelo testador, não podendo deixar de se afirmar existir efetiva correspondência entre a vontade real do testador e o contexto testamentário. Atente-se que a declaração do testador é a de que pretende legar o “prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... (...), concelho de ..., sob o artigo ...78”, “bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”. A referência a “parte” do terreno em que o prédio se mostra implantado, não pode senão significar que o testador queria legar apenas “parte” do terreno em que um determinado prédio se mostrava implantado, e não a totalidade do terreno. O réu, a este propósito, procurando negar a evidência que decorre do texto dos memorandos redigidos pelo testador, alude ao facto de o testador ter referido que a casa denominada “FF” foi construída à sua custa e que, portanto, não poderia ser incluída nas partilhas. Entende assim o réu, que não faria o testador lhe estar a legar um bem que já lhe pertence. Não ignorará o réu que aquela construção foi efetuada em terreno do testador e cônjuge e que se mostra titulada a favor deste e da ora autora, em compropriedade, razão pela qual não lhe assiste quando invoca a “propriedade” do referido bem para afastar a utilidade de um legado que visasse aquela construção e o terreno onde a mesma se mostra implantada. A referência que é feita a esta circunstância num dos memorandos – “de que foi o réu a custear a construção” – terá como objetivo que a mesma seja atendível, para efeitos compensatórios, no momento da partilha em face dos demais herdeiros, mas não permite conduzir à conclusão reivindicada pelo réu, de que o testador o quis beneficiar, transmitindo-lhe a totalidade do terreno em que se mostram implantadas as várias casas construídas ao longo do tempo, em detrimento dos demais sucessores. Tal conclusão é afastada pela intenção real do testador, que resulta clara, quer dos memorandos redigidos pelo próprio em momento contemporâneo ao da celebração do testamento, quer do próprio texto do testamento, que refere o legado de “uma parte” do terreno. Dúvidas não podem subsistir, pois, quanto à intenção do testador quando o mesmo escreve num dos memorandos que “quanto à forma de reabrir as partilhas e salvaguardar a posse da casa do FF, a forma mais segura era aproveitar a quota disponível da herança e fazer testamento ou doação ao FF do seu talhão e casa”. Resta, pois, retirar as devidas consequências desta asserção em face do regime previsto no citado art. 2203º do CCivil. Concluindo-se pela existência de um erro na identificação do bem legado e sendo possível determinar, através da interpretação do testamento, o concreto bem que o testador queria atribuir ao réu, o testamento vale relativamente a este mesmo bem (cf. 2203.º do CC, in fine), i.e., à edificação indicada como a “Casa do FF” e a parte do terreno onde a mesma se mostra implantada e que se encontra incluída na matriz predial com o n.º ...78. É certo que, em rigor, o testador só é proprietário de metade indivisa daquela parte do terreno e da edificação denominada “casa do FF”, pelo que poderia ter legado apenas a parte que lhe pertencia47. Poderia tê-lo expressado nesses mesmos termos, mas não o fez. O que declarou – e concluímos ter sido essa a sua intenção real - foi que legava aquela edificação (na totalidade), que julgava estar já destacada em termos de registo predial e inscrita sob o art. ... e a totalidade da parte do terreno onde a mesma se mostra implantada. E, como vimos, nos termos do disposto no art. 2203.º do CCivil, apurando-se a vontade real do testador, in casu, quanto à identificação de um determinado bem, o testamento deve valer com esse sentido e não com outro (designadamente com um sentido alcançado por via da aplicação de critérios meramente jurídicos que não encontram no texto do testamento qualquer correspondência, como é o caso da solução alcançada pela primeira instância, que, a nosso ver, não aplica devidamente o regime legal instituído pelo citado art. 2203.º do CC). E nem se diga que se verifica uma impossibilidade legal de legar a totalidade de um bem que só em parte pertence ao testador, já que a lei regula especificamente essa mesma situação. E, nos termos do art. 2251º/1/2, aplicável ao caso ex vi art. 2252º/1/in fine, ambos do CCivil, o legado em causa nos autos não deixa de ser válido por o bem legado não pertencer ao testador por inteiro (validade que foi, de resto, afirmada em primeira instância e não foi objeto de recurso), porquanto o testador não desconhecia tal realidade. Acresce que resulta do texto do testamento que, pela autora, enquanto segunda outorgante no testamento público do de cujus, foi exarado que “presta desde já o seu marido o necessário consentimento, quanto à constituição do mencionado legado de bens determinados, visto os mesmos fazerem parte do património comum do casal” (o que terá sido feito no pressuposto e para os efeitos do regime previsto no art. 1685º/3/b), do CCivil, muito embora, no caso, não esteja em causa um bem integrante do património comum do casal, até porque vigorava o regime de casamento de separação de bens, mas sim um bem adquirido em compropriedade, para o que não existe previsão de regime sucessório similar àquele). Tendo a autora consentido na atribuição do legado assim determinado, entende-se ser de aplicar o regime do art. 2251º/2 do CCivil: assim, verificando-se a aceitação do referido legado, impenderá sobre a autora ou sobre o sucessor onerado com esse encargo, caso seja outro, a obrigação de transmitir aquele bem determinado – e que, embora não destacado em termos registais é perfeitamente identificável e autonomizado das demais construções existentes no terreno48 - ao legatário ou, caso tal não se mostre possível, o respetivo valor. Como escreve Luís A. Carvalho Fernandes49, “a doutrina dominante identifica no regime desta modalidade de legado um fenómeno de conversão legal”. Acrescenta o mesmo autor que “sendo a coisa pertença de algum dos herdeiros, aquele que tenha de cumprir as obrigações atrás identificadas, tem direito a receber dos demais, em dinheiro ou em bens da herança, a parte que a cada um tocar no valor da coisa, na proporção do quinhão respetivo”. Todavia, como atrás fizemos referência, não só não cumpre discutir neste recurso de revista a questão da validade do legado assim estabelecido, como também não é objeto da revista saber em que termos será exequível a entrega em substância da edificação e da parte do terreno em causa (situação que, ainda assim, terá acolhimento, como vimos, no regime legal previsto no art. 2251º/2, do CCivil). Tal problemática deverá, quanto a nós, ser objeto de análise aquando da concretização da partilha, em sede de inventário, e dependerá porventura da possibilidade de os interessados procederem, junto dos serviços de Finanças, à alteração da matriz predial para criação de um novo artigo matricial para a edificação autonomizada no terreno (para a casa identificada como “Casa doFF”). Nesta medida, à luz dos fundamentos de direito atrás expendidos, entendemos ser de atender parcialmente a pretensão da recorrente, na medida em que o acórdão recorrido, ao decidir nos termos em que fez, não interpretou e aplicou devidamente o regime legalmente previsto nos arts. 2187º/1/2 e 2203º, ambos do CCivil. Em conclusão, devendo a declaração do testador valer com o sentido apurado quanto à sua vontade real no que respeita à identificação do bem legado, ao abrigo dos citados preceitos legais, entendemos dever ser julgado parcialmente procedente o pedido subsidiário de retificação do texto do testamento, no sentido de o bem legado ser a edificação designada por “casa do FF”, aqui 1.º réu, e o terreno onde a mesma se encontra implantada. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido, julgando-se parcialmente procedente o pedido subsidiário de retificação do texto do testamento, no sentido de o bem legado ser a edificação designada por “casa do FF”, aqui 1.º réu, e o terreno onde a mesma se encontra implantada. 3.2. REGIME DE CUSTAS50 Custas pelos recorridos (na vertente de custas de parte, por outras não haver51), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos52. (Nelson Borges Carneiro) – Relator (António Domingos Pires Robalo) – 1º adjunto (António Magalhães) – 2º adjunto _____________________________________________ 1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎ 2. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎ 3. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎ 4. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎ 5. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎ 6. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎ 7. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎ 8. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎ 9. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎ 10. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎ 11. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 12. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 13. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎ 14. A omissão de pronúncia implica, caso se verifique, de harmonia com o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, a nulidade do acórdão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-12, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 15. Se o acórdão recorrido conheceu das questões suscitadas na apelação – embora remetendo para a motivação da sentença e sem explicitar, formalmente, a improcedência dessa apelação –, não incorre em nulidade, por omissão de pronúncia – art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-05-17, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 16. A nulidade do Acórdão pressupõe a verificação de alguma das hipóteses no artigo 615.º, n.º 1, do CPC. A nulidade por omissão de pronúncia advém da falta de resposta a questões que o Tribunal tenha o dever de responder – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-16, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 17. O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1, do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º, 679º e 685º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão. Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa, nomeadamente, a ininteligibilidade do discurso decisório, em razão do uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-07, Relator: OLIVEIRA ABREU, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 18. O tribunal só tem que se pronunciar sobre questões (artigo 660, nº2 do CPC), entendendo-se como tal as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres, ou doutrinas expendidas pelas partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-05-13, Relator: FERREIRA GIRÃO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 19. A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes (ou de que se deva conhecer oficiosamente), cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-08, Relator: MÁRIO BELO MORGADO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 20. A nulidade das decisões judiciais por omissão de pronúncia, prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil "quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar" - aplicável aos acórdãos das Relações por força do artigo 716.º, n.º 1, e aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por força do artigo 732.º, ambos do mesmo Código - constitui cominação ao incumprimento do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do citado Código, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-10-16, Relator: MÁRIO TORRES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 21. Verifica-se o vício da omissão de pronúncia, previsto no art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C., gerador da nulidade da decisão, quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-06-01, Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 22. Somente se poderá concluir pela verificação de uma omissão de pronúncia suscetível de integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615º do atual CPC, quando uma determinada questão (que não seja mero argumento, consideração ou razão de fundamento) que haja sido suscitada pelas partes, não tenha sido objeto de qualquer apreciação e/ou decisão por parte do juiz – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-10-28, Relator: JOSÉ FEITEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 23. Não integra omissão de pronúncia o facto de não se ter conhecido de questão cuja apreciação ficara prejudicada pela decisão dada a outra questão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-04-17, Relator: MÁRIO TORRES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 24. A nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia não deriva de omissão de análise de motivação ou argumentação fáctico-jurídica desenvolvida pelas partes, mas de omissão de apreciação de questões propriamente ditas, ou seja, de pontos essenciais de facto ou de direito em que aquelas centralizaram o litígio, incluindo as exceções – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-01, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 25. É jurisprudência consensual dos tribunais portugueses que importa não confundir questões (cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do atual CPC) com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-11-20, Relator: ÁLVARO RODRIGUES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 26. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. O que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão – ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, anotado, vol. 5º, p. 143.↩︎ 27. Só existe o dever de o juiz conhecer e decidir questões; não existe tal dever quanto aos argumentos invocados pelas partes para fazer valer as suas pretensões – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-14, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 28. A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas. O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-10-11, Relator: ISAÍAS PÁDUA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 29. Só há omissão de pronúncia, geradora da nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º, se a decisão não aborda todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, salvo as prejudicadas por solução dada a outras – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-10-31, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 30. A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença quando o juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-01, Relator: JÚLIO GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 31. Não há omissão de pronúncia quando o Tribunal tenha respondido a todas as questões que podia e devia responder – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-06-22, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 32. Se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º CPC, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-12-03, Relator: MELO LIMA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 33. Não tendo sido claramente impugnada a decisão da matéria de facto, nomeadamente, com a indicação nas alegações do recurso de apelação dos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não incorre em nulidade o acórdão da Relação que não conheceu da alteração da decisão da matéria de facto – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-06-08, Relator: JOÃO CAMILO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎ 34. É jurisprudência firme deste Supremo Tribunal que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias o apuramento da intenção do testador, aplicando-se aqui a uniformização decorrente do Assento de 19 de Outubro de 1954 tendo em atenção o preceituado nos artigos 721º, 722º, nº2 e 729º do CPCivil, sendo contudo da competência deste Supremo Tribunal apreciar se a Relação observou devidamente as regras de interpretação que decorrem do supra enunciado artigo 2187º do CCivil, porque uma coisa será apurar a vontade naturalística do de cujus, outra, substancialmente diversa, será o apuramento do resultado da interpretação com a sua subsunção aos requisitos aludidos naquele normativo, por forma a obter o seu sentido e alcance – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-09-13, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, Processo: 3415/05.4TBPRD.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 35.? A interpretação do testamento (em que a declaração é unilateral, não havendo destinatário direto e imediato cujo interesse deva ser protegido: a declaração deve valer de acordo com a vontade real e contemporânea do testador) assenta numa perspetiva subjetivista em que se procura reconstituir o pensamento do testador à data da outorga do testamento, devendo nessa função interpretativa partir-se do texto do testamento e do contexto em que o testador o outorgou, indagando do sentido que este, à data da outorga do testamento, atribuía às expressões que nele utilizou e da sua mentalidade (opiniões pessoais, cultura, hábitos e comportamentos sociais e religiosos) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-14, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Processo: 2010/12.6TBGMR.G2.S1, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 36. A hermenêutica dos testamentos é – hoje, como já o era no domínio do Código de Seabra – fundamentalmente subjetivista, mas com um certo ingrediente objetivista, consequência da natureza formal do negócio a interpretar. Vale a vontade real do testador, desde que tenha no documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (uma qualquer correspondência, ainda que vaga e imperfeita) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-05-25, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Processo: 1504/18.4 T8PVZ.S, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 37. JOÃO MENEZES LEITÃO, A Interpretação do Testamento, AAFDL, 1991, p. 93; na nota (32) da pág. 93, o autor enumera, ainda, os vários autores que perfilham idêntica posição: Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 2.ª ed., pp. 310-311; E. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, AAFDL, 1988, p. 161; Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, p. 326, Pereira Coelho, Direito das Sucessões, I, p. 83 e II, pp. 222-223; Galvão Telles, Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, 5.ª ed., pp. 177, 180 e 184; e Pamplona Corte Real, Curso de Direito das Sucessões, Vol. I e II, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, p. 169.↩︎ 38. JOÃO MENEZES LEITÃO, A Interpretação do Testamento, AAFDL, 1991, p. 94.↩︎ 39. In Direito da Família e das Sucessões, 6.ª edição, p. 402↩︎ 40. JOÃO MENEZES LEITÃO, A Interpretação do Testamento, AAFDL, 1991, pp. 105/106.↩︎ 41. JOÃO MENEZES LEITÃO, A Interpretação do Testamento, AAFDL, 1991, p. 106.↩︎ 42. In Lições de Direito das Sucessões, 1999, Quid Juris, p. 438.↩︎ 43. In Direito das Sucessões, 2021, Almedina, p. 222-223↩︎ 44. Em sentido divergente, GUILHERME DE OLIVEIRA, in O testamento, Apontamentos, Coimbra, Reproset, 1993, p. 35, entende que não se aplica qualquer dos requisitos do art. 247.º do CC e que bastará provar a existência da divergência para que a disposição seja anulada.↩︎ 45. In Lições de Direito das Sucessões, 1999, Quid Juris, p. 223.↩︎ 46. Cf. menção feita em ABÍLIO NETO, Código Civil Anotado, 20.ª edição, p. 1609, citando OLIVEIRA ASCENSÃO, Sucessões, 1980, p. 292.↩︎ 47. Sobre esta concreta questão, justifica-se fazer apenas um parênteses a propósito da conclusão alcançada pelo Tribunal da Relação quando afirmou que o legado nunca poderia incidir sobre metade indivisa de um bem, por não corresponder a um bem determinado; não sufragamos uma tal posição: não só é legalmente reconhecida a validade de legados de bens que só em parte pertencem ao testador – cf. art. 2252.º, n.º 1 do CC -, como, para que a atribuição sucessória se possa qualificar como legado, basta que, para o efeito, o bem ou o respetivo valor seja determinável no momento da morte do de cujus, como, aliás, é requisito objetivo de validade de todos os negócios jurídicos: objeto lícito, possível e determinável.↩︎ 48. A este propósito, importa não ignorar que o entendimento consolidado da jurisprudência nacional é o de que “as descrições predial, matricial ou notarial de um prédio constituem elementos enunciativos importantes de identificação, mas não fazem presumir a área ou a delimitação física de um prédio - para além de o título registral não ser constitutivo do direito enunciado, também não tem por finalidade garantir os elementos de identificação do prédio.” – cf., a título de exemplo, o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-29, Relator: VIEIRA DA CUNHA, Processo: 1654/19.0T8VCD.P1.S1, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎ 49. In Lições de Direito das Sucessões, 1999, Quid Juris, pp. 443-444↩︎ 50. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www.tribunalconstitucional.↩︎ 51. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎ 52. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎ 53. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎ 54. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎ |