Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA (RELATOR DE TURNO) | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EXECUÇÃO DETENÇÃO ENTREGA DIFERIDA OU CONDICIONAL PRAZO PRISÃO ILEGAL PRINCÍPIO DA ATUALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 07/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário : | I. Os motivos de «ilegalidade da prisão», que constituem os fundamentos da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal (CPP). A prisão é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no artigo 27.º da Constituição e das condições que a lei determinar, em que se inclui a detenção de pessoa contra a qual esteja em curso processo de extradição [n.º 3, al. c)]. II. O mandado de detenção europeu («MDE»), instituído pela Decisão-Quadro («DQ») 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6.2002, transposta para o direito interno pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, teve como objetivo substituir o sistema formal de extradição multilateral baseado na Convenção Europeia de Extradição de 1957, do Conselho da Europa. III. Embora a DQ 2002/584 não tenha efeito direto, uma vez que foi adotada com fundamento no antigo terceiro pilar da UE, o seu caráter vinculativo cria, para os tribunais nacionais, aos quais compete aplicar o direito da União, uma obrigação de interpretação conforme do direito nacional, por recurso à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia «TJUE») sobre a interpretação dos atos adotados pelas instituições da União (artigo 267 «TFUE»). IV. O artigo 29.º da Lei n.º 65/2003 não contém disposição idêntica à do n.º 5 do artigo 23.º da DQ 2002/584/JAI que estabelece que “se, findos os prazos referidos nos n.ºs 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser posta em liberdade”, o que poderia sugerir que, decorridos o prazo de 10 dias a contar do dia em que a decisão de execução do MDE se tornou definitiva (n.º 2 do preceito) ou os prazos fixados nos termos dos n.ºs 3 e 4, a pessoa procurada poderia ser mantida em detenção, em qualquer circunstância, para além do termo desses prazos. V. Tal conclusão não é, porém, admissível, devendo, para o efeito, ter-se em conta o primado do direito da União, o princípio de interpretação conforme e a jurisprudência do TJUE, bem como o disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, que remete diretamente para direito da União ao dispor que o MDE é executado «em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI». VI. A decisão de suspender a entrega da pessoa procurada para que seja sujeita a procedimento penal ou para que possa cumprir a pena em Portugal ou de, em lugar de diferir a entrega, entregar temporariamente a pessoa procurada ao Estado de emissão, nos termos do artigo 31.º da Lei n.º 65/2003, deve ser tomada pela autoridade judiciária de execução. VII. Quando tal decisão não tiver sido tomada por essa autoridade e os prazos previstos no artigo 23.º, n.ºs 2 a 4, da DQ 2002/584 (a que corresponde o artigo 29.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 65/2003) tiverem terminado, a pessoa que é objeto do MDE deve ser posta em liberdade, em conformidade com o artigo 23.º, n.º 5, da mesma decisão‑quadro (acórdão do TJUE de 08.12.2022, no processo C‑492/22 PPU, CJ). VIII. O julgamento do processo de execução do MDE é da competência da secção criminal do tribunal da relação (artigo 15.º da Lei 65/2003), à qual, funcionando com três juízes (artigo 12.º, n.º 4, do CPP), compete proferir decisão através de acórdão (artigo 97.º, n.ºs 1 e 2, do CPP) sobre a execução do MDE (artigo 22.º da Lei n.º 65/2003), e, então, proferida essa decisão, decidir se é caso de suspender a entrega da pessoa procurada, ou, em vez disso, entregar temporariamente a pessoa procurada ao Estado de emissão, nos termos do artigo 31.º da Lei n.º 65/2003. IX. O acórdão proferido nada disse sobre o diferimento da entrega nem sobre a entrega temporária, nos termos deste preceito, e não consta que tivesse ocorrido motivo de força maior que impedisse a entrega em dez dias ou que a entrega devesse ser suspensa por motivos humanitários (artigo 29.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 65/2003). X. Pelo que o prazo de entrega do detido ao Estado de emissão do MDE era o prazo de dez dias, fixado no artigo 29.º, n.º 2, a Lei n.º 65/2003, a contar da decisão definitiva. XI. O acórdão transitou em julgado no dia 16.06.2023, data a partir da qual começou a correr o prazo de 10 dias para efetivação da entrega e nenhum dos atos processuais posteriormente praticados teve por efeito suspender, interromper ou prolongar tal prazo para além do limite máximo de 10 dias – nem a promoção do Ministério Público de 21.06.2013, no sentido de serem solicitadas garantias ao Reino de Espanha de devolução do detido para cumprimento de pena, nem o despacho da juíza desembargadora relatora que deferiu tal promoção, nem o despacho do juiz desembargador de turno, de 17.07.2013, que ordena a entrega temporária. XII. Para além de ter sido proferido após o termo final do prazo de 10 dias para entrega, este despacho não prolongou nem fez renascer esse prazo, nem fixou qualquer prazo para entrega temporária, nomeadamente com base no artigo 12.º da DQ 2002/584/JAI (artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003), que agora pudesse ser convocado, independentemente da questão de saber da competência do juiz singular para o determinar, sendo que o seu objeto não diz respeito à execução do acórdão sobre a execução do MDE, mas a matéria que nele deveria ser apreciada e decidida. XIII. Pelo que, mostrando-se ultrapassado o termo do prazo de 10 dias fixado no artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 para entrega do requerente à autoridade de emissão do MDE e não tendo sido fixado qualquer outro prazo em que legalmente se pudesse fundamentar a manutenção da detenção, impõe-se concluir que a situação de detenção é ilegal por se manter para além do prazo fixado na lei, nos termos da al. c) do n.º 2, do artigo 222.º do CPP. XIV. Assim, acorda-se em declarar ilegal a prisão e, consequentemente, em ordenar a imediata libertação do peticionante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, requerido no processo de execução de mandado de detenção europeu em referência, que corre termos no Tribunal da Relação de Lisboa, à ordem do qual se encontra detido, alegando encontrar-se atualmente em prisão ilegal, apresenta petição de habeas corpus, ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 2, do artigo 222.º do CPP, nos termos e com os seguintes fundamentos: «Por acórdão datado de 07-06-2023, foi deferida a execução do mandado de detenção europeu para entrega do requerida supra enunciado ao Estado de Membro de Emissão. O n.º 2 do art.º 29.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, estabelece que a entrega do requerido deve ter lugar no prazo máximo de 10 dias a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu. Ora, tendo em consideração que o trânsito em julgado da referida decisão ocorreu no dia 23-6-23, já decorreram os 10 dias previstos para a execução do MDE. Acresce que, o artigo 29.º n.º 3 da Lei nº 65/2003 estabelece que “Se for impossível a entrega da pessoa procurada no prazo previsto no número anterior, em virtude de facto de força maior que ocorra num dos Estados membros, o tribunal e a autoridade judiciária de emissão estabelecem de imediato os contactos necessários para ser acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.” Ora, decorrido também este prazo não foram realizadas quaisquer diligências com vista a esse fim, já tendo o mesmo sido de igual modo ultrapassado. Como bem refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº08P2911: “A Lei nº 65/2008 estabelece, no seu art. 30º, os prazos máximos de duração da detenção: 60 dias até à prolação da decisão sobre a execução do MDE (nº 1); 90 dias, no caso de recurso dessa decisão; 150 dias, se houver recurso para o TC. Estes são os prazos de duração da detenção, ou seja, os prazos que a detenção não pode exceder até à prolação da decisão sobre a execução do MDE. Após o trânsito dessa decisão, uma nova fase se abre: a da execução do MDE, com a entrega da pessoa procurada (detida ou em liberdade) à entidade emissora do MDE. Para a entrega, um novo prazo é cominado, este previsto no art. 29.º da mesma Lei. Esse prazo é de 10 dias (n.º 2 do referido artigo), podendo ser prorrogado por mais 10 dias, nas circunstâncias indicadas no n.º 3 do mesmo preceito.” Neste momento, ultrapassados todos os prazos, já não poderá o prazo de execução do mde nos termos do art. 29º nº3 da Lei 65/2003. Leia-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 301/13.8YLSB-A.S1:2 “(….) o prazo máximo de detenção, após a decisão definitiva de entrega, é de 10 ou 20 dias, conforme não se verifique ou verifique o facto de força maior referido no nº 3. É a interpretação que se impõe fazer em face da norma do nº 5 do artº 23º da Decisão Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI), preceito que prevê os prazos de entrega: «Se, findos os prazos referidos nos nºs 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser restituída à liberdade». Com base nesta argumentação, o requerido pediu a sua libertação imediata. Porém, por despacho datado do 17-07-23, decidiu o Exmo. Juiz Desembargador, o seguinte: “Como facilmente se enxerga das ocorrências processuais relevantes acima fixadas só a partir de 14-jul-2023, antagonicamente à narrativa do requerido, é que poderão estar reunidos os requisitos legais que permitirão ao tribunal determinar os exatos termos em que a entrega do requerido às autoridades do reino de Espanha poderá ter lugar, face ao disposto no n.º 3 do referido art. 31.º da Lei n.º 65/2003, de 23-ago. (…) Com o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos não ter agasalho na lei ao caso aplicável que o entendimento de que ao proferir a decisão acerca da execução do mandado o tribunal está necessariamente a determinar a entrega do requerido.” Quando o artigo 29º refere que a entrega deve ter lugar no prazo máximo de 10 dias a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu, está a referir-se precisamente ao trânsito em julgado do acórdão que decidiu o mandado de detenção europeu! Ora, a partir do momento em que a decisão do mandado de detenção europeu transita em julgado, inicia-se a fase de execução do mesmo, com a entrega da pessoa procurada, sendo cominado o prazo previsto no artigo 29º para esse efeito. Assim, salvo o devido respeito, assim que transitar a decisão do mandado de execução europeu, o tribunal deverá entregar o requerido nos prazos previstos para o efeito, sendo o início desta “fase” automática, como tem vindo a entender o Supremo Tribunal de Justiça. Como bem ficou decidido no Acórdão datado de 07-07-23, “Com base no supra exposto, acordam os Juízes na ...ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em deferir a execução do presente Mandado de Detenção Europeu para entrega do Requerido AA ao Estado Membro de Emissão.” Ora, é deferida a execução para entrega do requerido! Transitada esta decisão, dá-se início a esta fase, nos prazos do já citado artigo 29º da lei 65/2003, de 23 de agosto. Já no que toca ao argumento de que “o referido art.31.º da Lei n.º 65/2003, prevê situações que, após ter proferido decisão, o Tribunal pode suspender a entrega do requerido ou determinar apenas a sua entrega temporária, conforme ocorra alguma das situações previstas do nº1 ou do nº3 do aludido art. 31º.” Ora, no caso em concreto não se verifica nenhuma das situações do n.º 3 ou do n.º 1 do artigo 31.º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, pelo que não se vislumbra o motivo pelo qual se traz esta norma à colação. Acresce que, havendo a necessidade de solicitar garantias às Autoridades do Reino de Espanha, deveriam estas garantia ter sido requeridas antes da decisão definitiva do mde, caso contrário, sempre haveria o risco de não serem respeitados os prazos de execução previstos na lei. De igual modo, não se verifica o motivo de força maior previsto no artigo 29º nº 3 da Lei 65/2003, e ainda que se verificasse, já teria sido excedido de igual forma o prazo para entrega do requerido, uma vez que já decorreram mais do que 20 dias desde o trânsito da decisão. De igual modo, não se verifica o motivo de força maior previsto no artigo 29º nº3 da Lei 65/2003, e ainda que se verificasse, já teria sido excedido de igual forma o prazo para entrega do requerido, uma vez que já decorreram mais do que 20 dias desde o trânsito da decisão. Como bem refere o Supremo Tribunal de Justiça, é a interpretação que se impõe fazer em face da norma do n.º 5 do art.º 23.º da Decisão Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI), preceito que prevê os prazos de entrega: «Se, findos os prazos referidos nos nºs 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser restituída à liberdade». Face a todo o exposto, o arguido encontra-se privado da sua liberdade de forma ilegal.» 2. Como a petição não vinha acompanhada da “informação” a que se refere o n.º 1 do artigo 223.º do CPP, mas apenas de um despacho do Senhor Juiz Desembargador em turno dizendo “Cumpra o n.º 1 do art. 223.º do CPP”, solicitou-se tal informação. Em resposta, a Senhora Juíza Desembargadora em turno, que lhe sucedeu, remeteu uma “informação” contendo uma síntese da petição do habeas corpus e da “resposta” do Ministério Público e cópia de um anterior despacho de 17.07.2023, do seguinte teor: «O Supremo Tribunal de Justiça veio solicitar ao Tribunal da Relação, com urgência, a informação a que se refere o nº 1 do art.º 223º do CPP, que contem o seguinte: “A petição é enviada imediatamente ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com informação sobre as condições em que foi efectuada ou se mantém a prisão”. 1. O requerido, AA, com os demais sinais a fls. 123 dos presentes autos, por acórdão datado de 07.06.2021 foi deferida a execução do mandado de detenção europeu. O requerido veio referir que, tendo em consideração que o trânsito em julgado da referida decisão ocorreu no dia 23.06.2023, já decorreram os 10 dias previstos para a execução do MDE. E, decorrido também o prazo previsto no artigo 29º, nº 3 da Lei nº 65/2003, não foram realizadas quaisquer diligências com vista a esse fim, já tendo o mesmo sido de igual modo ultrapassado. Cita, além de outros, o acórdão do STJ proferido no âmbito do processo nº 310/13.8YLSB-A.S1, referindo o seguinte “(…) o prazo máximo de detenção, após a decisão definitiva de entrega, é de 10 ou 20 dias, conforme não se verifique ou verifique o facto de força maior referido no nº 3, É a interpretação que se impõe fazer em face da norma do nº 5 do art.º 23º da Decisão Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), preceito que prevê os prazos de entrega: “Se, findos os prazos referidos nos nºs. 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser restituída à liberdade”. E conclui o arguido que por consideração à violação dos direitos fundamentais do arguido (art.º 18º da CRP), impõem-se que o mesmo seja imediatamente restituído à liberdade. Esta é a posição do requerido. 2. O Exmº Procurador Geral Adjunto, em 17.07.2023 veio a responder, considerando que o requerimento do requerido só pode ter resultado de mero lapso, uma vez que não tem fundamento legal. E refere o seguinte: - após ter sido proferida decisão, no dia 21/06/2023 o Mº Pº promoveu que se oficiasse ao Estado de Emissão – Espanha-, paras que, com a máxima urgência, informasse os autos sobre se extaria disposto a garantir a devolução do Requerido a Portugal, para cumprimento de pena de prisão em que eventualmente vier a ser condenado nos processos que ainda tem pendentes no nosso país- art.º 31º, nº 3, da lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. - a Mmª Juíza deferiu essa promoção e, na sequência do seu cumprimento, apenas em 14/07 as Autoridades Espanholas vêm prestar a garantia que lhes foi solicitada. Quer isto significar que só a partir desta data, ao contrário do que o requerido refere, é que poderão estar reunidos os requisitos legais que permitirão ao tribunal determinar os exactos termos em que a entrega do requerido às Autoridades Espanholas poderá ter lugar, atento, precisamente, o que dispõe o citado art.º 31º. Razão pela qual a Mmª Juíza, tendo conhecimento da pendência de processos em Portugal, entendeu por bem não determinar, desde logo, a emissão dos mandados de desligamento. Com efeito, não tem qualquer fundamento legal sustentar, como o requerido o faz, que ao proferir decisão acerca da execução do mandado o tribunal está necessariamente a determinar a entrega do requerido. No caso em apreço a letra do citado art.º 31º é muito clara quando prevê situações em que, após ter proferido decisão, o tribunal pode suspender a entrega do requerido ou determinar apenas a sua entrega temporária, conforme ocorra alguma das situações previstas no nº 1 ou no nº 3, do citado art.º 31. E, foi precisamente para apurar uma dessas situações que houve necessidade de solicitar o pedido de garantia às Autoridades Espanholas. Neste contexto, e como já acima o referimos, entendemos que face à garantia ora prestada pelas Autoridades Espanholas se deve agora determinar a entrega temporária do requerido àquelas autoridades Espanholas, sujeita à condição do requerido ter de regressar as Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos autos. Devendo indeferir-se ao requerido. 2. Do requerimento de 14-Jul- (referência 46145095). O requerido AA veio suscitar o pedido de libertação imediata. Para tal, em síntese alega o que se mostra vertido a fls. 265 a 266 dos presentes autos, ancorando-se na jurisprudência do STJ que cita, considerando que “[N]este momento [estão ultrapassados] todos os prazos, já não poderá o prazo de execução do MDE nos termos do art.º 29º, nº 3 da Lei nº 65/2003. A fls. 269 e vº constam as ocorrências processuais relevantes que aqui se transcrevem: Por acórdão de 07-jun.-2021 proferido no âmbito dos presentes autos, foi decidido: 1.“[D]eferir a execução do presente mandado de detenção europeu para entrega do Requerido AA ao Estado Membro da Emissão. Consigna-se que o requerido não renunciou ao princípio da especialidade -art.º 7º da Lei nº 65/2003, de 23.8. Mantém-se o estatuto processual determinado aquando da audição do Requerido” (cf. fls.212-214 verso dos presentes autos.” 2. Após ter sido proferida decisão, no dia 21-Jun,-2023 o Ministério Público promoveu que se oficiasse ao Estado da Emissão -Reino de Espanha- para que, com a máxima urgência, informasse os autos sobre se estaria disposto a garantir a devolução do Requerido a Portugal, para cumprimento da pena de prisão em que eventualmente vier a ser condenado nos processos que ainda tem pendentes no nosso país (nº 3 do art.º 31º da Lei nº 65/2003, de 23- ago. (cfr. fls. 241 dos presentes autos. Referência:20191003). 3. A Senhora Juíza Desembargadora relatora titular dos presentes autos deferiu essa promoção decidindo, no que ora releva: “Proceda como promovido nos pontos 2, 3 e 5 “(cf.fls.243 dos autos- referência: 20199147). 4. Na sequência do seu cumprimento, apenas em 14-jul.-2003, as Autoridades do Reino de Espanha vêm prestar a garantia solicitada. (cfr. fls.251-263, dos presentes autos). Cumpre apreciar e decidir. Como facilmente se enxerga das ocorrências processuais relevantes acima fixadas só a partir de 14-jul-2023, antagonicamente à “narrativa do Requerido, é que poderão estar reunidos os requisitos legais que permitirão ao tribunal determinar os exactos termos em que a entrega do Requerido às autoridades do reino de Espanha poderá ter lugar, face ao disposto no n.º 3 do referido art.º 31.º da Lei nº 65/2003, de 23-agosto. In casu a Senhora Juíza desembargadora relatora tendo conhecimento da pendência de processos em Portugal, entendeu por bem não determinar, desde logo, a emissão de mandados de desligamento. Com o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos não ter agasalho na lei ao caso aplicável o entendimento de que ao proferir a decisão acerca da execução do mandado o tribunal está necessariamente a determinar a entrega do requerido. Com efeito, se bem vemos, o referido art. 31.º da Lei nº 65/2003, prevê situações em que, após ter proferido decisão, o Tribunal pode suspender a entrega do Requerido ou determinar apenas a sua entrega temporária, conforme ocorra alguma das situações previstas no n.º 1 ou no n.º 3 do aludido artº. 31.º. No caso em apreço, afigura-nos que foi isso que aconteceu. Com efeito, para apurar uma dessas situações houve necessidade de solicitar o pedido de garantia às Autoridades do reino de Espanha. Nesta linha de pensamento, que temos por curial, consideramos na esteira do doutamente promovido pelo Senhor PGA junto deste TRL que, face à garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha, se deve agora determinar a entrega temporária do Requerido àquelas autoridades do Reino de Espanha, sujeitas à condição do Requerido ter de regressar a Portugal fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos, já conhecidos nos autos. DISPOSITIVO. Em face do exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 29º e 31º da Lei nº 65/2003, de 23- ago. (Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu), será de indeferir o requerimento apresentado pelo AA (requerimento 46145095- fls. 264 dos autos). Face à garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha no âmbito dos presentes autos, será de entregar temporariamente o requerido às autoridades do Reino de Espanha, sujeita à condição do requerido Celso Teixeira Bargão ter de regressar a Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos presentes autos. Remete-se a informação ao STJ conforme solicitado.» 3. O processo encontra-se instruído com certidão da documentação processual pertinente, transmitida com a informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP ou posteriormente recebida a solicitação do relator, nomeadamente: a. Acta de audição de detido (artigo 18.º da Lei 65/2003, de 23.08), no dia 17.05.2023, e do despacho da mesma data que, conforme o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003, determinou que o requerente ficasse a aguardar os ulteriores termos dos autos em detenção; b. Acórdão de 07.06.2023, que defere a execução do MDE “para entrega ao Estado-Membro de emissão” e mantém “o estatuto processual determinado aquando da audição do requerido”; c. Promoção do Ministério Público, de 21.06.2023, no sentido de se oficiar “ao Estado de Emissão, Espanha, para que com a máxima urgência se pronuncie se garante a devolução do Requerido a Portugal, para cumprimento de pena de prisão em que eventualmente vier a ser condenado nos processos que ainda tem pendentes no nosso país - art. 31º, nº 3, da Lei 65/2003, de 23 de agosto” e decisão de deferimento dessa promoção; d. Resposta da autoridade de emissão aceitando a condição de devolução e remetendo novo MDE datado de 13.07.2023; e. Resposta do Ministério Público, de 17.07.2023, a requerimento do requerido, de 14.07.2023, em que é dito que “face á garantia ora prestada pelas Autoridades Espanholas se deve agora determinar a entrega temporária do requerido àquelas autoridades Espanholas, sujeita à condição do requerido ter de regressar a Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos autos”, “Devendo indeferir-se o requerido”; f. Despacho proferido em 17.07.2023, pelo Senhor Juiz Desembargador em serviço de turno de férias judiciais em que, “face á garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha”, se conclui que “se deve agora determinar a entrega temporária do Requerido àquelas autoridades do Reino de Espanha” e em que foi decidido o seguinte: “Face à garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha no âmbito dos presentes autos, será de entregar temporariamente o requerido às autoridades do Reino de Espanha, sujeita à condição do requerido AA ter de regressar a Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos presentes autos”; g. Certidão emitida pelo Tribunal da Relação de Lisboa da qual consta que o acórdão de 07.06.2023 transitou em julgado em 16.06.2023. 4. Convocada a secção criminal, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.
II. Fundamentação 5. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais. O habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344). O artigo 27.º da Constituição, com inspiração no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, garante o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar (assim, por todos, o acórdão de 29.12.2021, Proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt). Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade (n.ºs 1 e 2), excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a “prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão” [n.º 3, al. c)]. Como se tem afirmado, a prisão é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos neste preceito constitucional, de aplicação direta – artigo 18.º, n.º 1, da Constituição (por todos, o acórdão de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt). 6. O mandado de detenção europeu («MDE»), instituído pela Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho («DQ»), de 13.6.2002, transposta para o direito interno pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, teve como objetivo “substituir o sistema formal de extradição multilateral baseado na Convenção Europeia de Extradição de 13 de dezembro de 1957”, do Conselho da Europa (preâmbulo, 7). As disposições da DQ 2002/584/JAI substituíram, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos de cooperação aplicáveis em matéria de extradição (artigo 31.º). 7. De acordo com o artigo 34.º, n.º 2, al. c), do Tratado da União Europeia («TUE»), na redação do Tratado de Amesterdão (1997), a DQ constitui uma “medida” que visa a “aproximação das disposições legislativas dos Estados-membros”, e, tal como a diretiva (artigo 288.º do TFUE, ex-artigo 249.º TCE), vincula os Estados-membros quando aos resultados a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». 8. Cabendo aos juízes nacionais aplicar o direito da União, diretamente ou por incorporação no direito interno por ato legislativo nacional (no caso das decisões-quadro e das diretivas), compete, todavia, ao Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE») decidir, em recurso de reenvio prejudicial sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União (artigo 267.º do «TFUE»), sempre que uma questão desta natureza se coloque ao juiz nacional que não possa ser adequadamente resolvida por recurso a jurisprudência anterior, que deve ser observada por força do primado do direito da União (acórdão Costa, processo 6/64, de 15.7.1964, e Declaração 17 ao TFUE - Tratado de Lisboa), o qual impede os Estados-membros de darem primazia ao direito nacional sobre o direito da União, ou por via da aplicação do princípio da interpretação conforme. Constitui jurisprudência assente do TJUE que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva ou da decisão-quadro em causa, para atingir o resultado por elas prosseguido. Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema dos Tratados, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhe são submetidos (assim, entre muitos outros, no acórdão Dominguez, de 24.1.2012, processo C-282/10, § 24, citando abundante jurisprudência). Lê-se no acórdão de 08.12.2022, no processo n.º C-492/22 PPU, que “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora a Decisão‑Quadro 2002/584 não tenha efeito direto, uma vez que foi adotada com fundamento no antigo terceiro pilar da União, nomeadamente, em aplicação do artigo 34.º, n.º 2, alínea b), UE (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.º 69), o seu caráter vinculativo cria, não obstante, para as autoridades nacionais, especialmente para os órgãos jurisdicionais nacionais, uma obrigação de interpretação conforme do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2016, Ognyanov, C‑554/14, EU:C:2016:835, n.º 58 e jurisprudência referida)” (§62). No mesmo sentido, o acórdão de 29.06.2017, no processo C‑579/15. 9. Como resulta do artigo 1.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, e tem sido repetidamente afirmado, o MDE é uma decisão judiciária emitida pela autoridade judiciária competente de um Estado-Membro da União Europeia (UE) – «autoridade judiciária de emissão» –, com vista à detenção e entrega, pela autoridade judiciária competente de outro Estado-Membro – «autoridade judiciária de execução» –, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade. O MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º, n.º 2), cujo sentido, conteúdo e extensão, na falta de definição legal, devem ser preenchidos por recurso ao direito da UE e à jurisprudência do TJUE (em https://curia.europa.eu) relativa à interpretação das respetivas disposições, nos termos da citada alínea b) do artigo 267.º do TFUE. De acordo com este princípio, uma decisão definitiva proferida por uma autoridade judiciária competente de um Estado-Membro («Estado de emissão»), em conformidade com o direito interno desse Estado, tem um efeito pleno e direto no território dos demais Estados-Membros, concretamente no Estado em que deva ser executada («Estado de execução»), como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse, desde que não se verifique motivo de não execução. Nesta base, a autoridade judiciária do Estado de execução encontra-se obrigada a executar o MDE que, emitido de acordo com o formulário anexo à DQ 2002/584/JAI (com a alteração introduzida pela DQ 2009/299/JAI), preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de motivo obrigatório ou facultativo de não execução (artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro, a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003) ou de falta de prestação de garantias que possam ser exigidas (artigo 5.º da DQ, a que corresponde o artigo 13.º da Lei n.º 65/2003) – assim, nomeadamente, os acórdãos do TJUE proferidos nos processos C-388/08, de 1.12.2008, C-123/08, de 6-10-2009, C-261/09, de 16.11.2010, C-42/11, de 5.9.2012, e C-396/11, de 29.1.2013 e, entre muitos outros, mais recentemente, o acórdão de 11.3.2020, no processo C‑314/18 e o acórdão de 26.10.2021, nos processos apensos C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU). 10. É neste quadro que se deve apreciar e decidir se o requerente atualmente se encontra ou não legalmente detido, dentro dos prazos fixados na lei, para ser entregue à autoridade judiciária de emissão do MDE e se, em consequência, ocorre ou não o invocado fundamento em ilegalidade decorrente do facto de a prisão – que, neste contexto, compreende a situação de privação da liberdade determinada em consequência da «detenção» (no sentido que lhe é conferido pela Constituição) ordenada por um juiz – se manter para além do prazo (fundamento a que se refere o n.º 2, al. c), do CPP]. 11. Dispõe o artigo 222.º do CPP que: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.” Como se tem afirmado em jurisprudência constante, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar se se verifica um dos pressupostos indicados nas alíneas do n.º 2 deste preceito, de enumeração taxativa: (a) se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto pelo qual a lei a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (assim, de entre os mais recentes, por todos, os acórdãos de 16.11.2022, Proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 06.09.2022, Proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1, de 9.3.2022, proc. 816/13.8PBCLD-A.S1, e de 29.12.2021, proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt). 12. A concessão do habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada, como também tem sido repetidamente sublinhado (assim, os acórdãos anteriormente citados bem como, de entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt). 13. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e dos documentos juntos, enviados ou solicitados pelo relator, resulta esclarecido, em síntese, que: a. O Ministério Público na Relação de Lisboa promoveu o cumprimento de um MDE emitido pelo Juzgado de Instrucción ... de ... para efeitos de procedimento criminal contra o cidadão, de nacionalidade portuguesa, AA, agora requerente. b. O requerente foi detido com base neste MDE e apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa no dia 17.05.2023, para efeitos de validação e manutenção da detenção e para os demais previstos no artigo 18.º da Lei n.º 65/2023. c. Depois de lhe prestar as informações legalmente exigidas e de o ouvir, a Senhora Juíza Desembargadora relatora proferiu despacho de validação da detenção e decidiu mantê-la nos seguintes termos: «Detenção e entrega são os únicos objetivos do mandado de detenção europeu, visando a primeira a efetivação da segunda. Por isso, em princípio, a detenção efetuada no âmbito do mandado de detenção europeu (…), quando validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder (e dever) ser substituída por medida de coação, como estabelece o n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 65/2003 (…). Atendendo à natureza dos factos descritos no mandado de detenção europeu e imputados ao detido (…), tendo ainda em conta a facilidade de circulação sem a necessidade de passaporte no âmbito do Espaço Schengen a manutenção da detenção revela-se a medida adequada, necessária e proporcional para garantir o cumprimento das finalidades inerentes ao MDE e evitar o risco de o detido se eximir ao pedido de entrega às autoridades judiciárias espanholas (…). Termos em que se determina que o detido aguarde os ulteriores termos em detenção.» d. O requerente não deu o seu consentimento à entrega à autoridade de emissão, pelo que se seguiram os termos do processo de execução do MDE. e. Em 07.06.2023 o Tribunal da Relação proferiu acórdão sobre a execução do MDE, em conformidade com o estabelecido no artigo 22.º da Lei n.º 65/2003, decidindo nos seguintes termos: «Com base no supra exposto, acordam os Juízes na ...Secção Criminal da Relação de Lisboa, em deferir a execução do presente Mandado de Detenção Europeu para entrega do Requerido AA ao Estado Membro de Emissão. Consigna-se que o requerido não renunciou ao princípio da espacialidade art. 7º da Lei nº 65/2003, de 23.8. Mantém-se o estatuto processual determinado aquando da audição do requerido.» f. O acórdão transitou em julgado no dia 16.06.2023. g. Em 21.06.2023 o Ministério Público promoveu que “se oficiasse ao Estado da Emissão para que, com a máxima urgência, informasse os autos sobre se estaria disposto a garantir a devolução do Requerido a Portugal, para cumprimento da pena de prisão em que eventualmente vier a ser condenado nos processos que ainda tem pendentes no nosso país (nº 3 do art.º 31º da Lei nº 65/2003, de 23- ago”), o que foi deferido pela Senhora Juíza Desembargadora relatora. h. Em 14.07.2023 as “Autoridades do Reino de Espanha” vieram prestar a garantia solicitada”. i. Em 14.07.2023 o requerente apresentou nos autos um pedido de “libertação imediata”, alegando estarem decorridos os prazos de detenção. j. Em 17.07.2023 o Senhor Juiz Desembargador de turno proferiu despacho indeferindo o requerido e determinando a entrega temporária do requerente às autoridades do Reino de Espanha, nos seguintes termos: «4. (…) Cumpre apreciar e decidir. Como facilmente se enxerga das ocorrências processuais relevantes acima fixadas só a partir de 14-jul-2023, antagonicamente à “narrativa do Requerido, é que poderão estar reunidos os requisitos legais que permitirão ao tribunal determinar os exactos termos em que a entrega do Requerido às autoridades do reino de Espanha poderá ter lugar, face ao disposto no nº 3 do referido art.º31º da Lei nº 65/2003, de 23-agosto. In casu a Senhora Juíza desembargadora relatora tendo conhecimento da pendência de processos em Portugal, entendeu por bem não determinar, desde logo, a emissão de mandados de desligamento. Com o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos não ter agasalho na lei ao caso aplicável o entendimento de que ao proferir a decisão acerca da execução do mandado o tribunal está necessariamente a determinar a entrega do requerido. Com efeito, se bem vemos, o referido art. 31º da Lei nº 65/2003, prevê situações em que, após ter proferido decisão, o Tribunal pode suspender a entrega do Requerido ou determinar apenas a sua entrega temporária, conforme ocorra alguma das situações previstas no nº 1 ou no nº 3 do aludido artº. 31º. No caso em apreço, afigura-nos que foi isso que aconteceu. Com efeito, para apurar uma dessas situações houve necessidade de solicitar o pedido de garantia às Autoridades do reino de Espanha. Nesta linha de pensamento, que temos por curial, consideramos na esteira do doutamente promovido pelo Senhor PGA junto deste TRL que, face à garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha, se deve agora determinar a entrega temporária do Requerido àquelas autoridades do Reino de Espanha, sujeitas à condição do Requerido ter de regressar a Portugal fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos, já conhecidos nos autos. DISPOSITIVO. Em face do exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 29º e 31º da Lei nº 65/2003, de 23- ago. (Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu), será de indeferir o requerimento apresentado pelo Celso Teixeira Bargão (requerimento 46145095- fls. 264 dos autos). Face à garantia ora prestada pelas Autoridades do Reino de Espanha no âmbito dos presentes autos, será de entregar temporariamente o requerido às autoridades do Reino de Espanha, sujeita à condição do requerido AA ter de regressar a Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos presentes autos.» 14. Dispõe o artigo 29.º da Lei n.º 65/2003, sob a epígrafe “Prazo para a entrega da pessoa procurada”, que corresponde aos n.ºs 1 a 4 do artigo 23.º da DQ 2002/584/JAI: «1 - A pessoa procurada deve ser entregue no mais curto prazo possível, numa data acordada entre o tribunal e a autoridade judiciária de emissão. 2 - A entrega deve ter lugar no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu. 3 - Se for impossível a entrega da pessoa procurada no prazo previsto no número anterior, em virtude de facto de força maior que ocorra num dos Estados membros, o tribunal e a autoridade judiciária de emissão estabelecem de imediato os contactos necessários para ser acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada. 4 - A entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, nomeadamente por existirem motivos sérios para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada. 5 - O tribunal informa de imediato a autoridade judiciária de emissão da cessação dos motivos que determinaram a suspensão temporária da entrega da pessoa procurada e é acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.». 15. O artigo 29.º da Lei n.º 65/2003 não contém, porém, disposição idêntica à do n.º 5 do artigo 23.º da DQ 2002/584/JAI que estabelece que “Se, findos os prazos referidos nos n.ºs 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser posta em liberdade”. O que poderia sugerir que, decorridos o prazo de 10 dias a contar do dia em que a decisão de execução do MDE se tornou definitiva (n.º 2 do preceito) ou os prazos fixados nos termos dos n.ºs 3 e 4, a pessoa procurada poderia ser mantida em detenção, em qualquer circunstância, para além do termo desses prazos. Tal conclusão não é, porém, admissível, devendo, para o efeito, ter-se em conta, nomeadamente, o primado do direito da União, o princípio de interpretação conforme e a jurisprudência do TJUE (supra, 8), bem como o disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 – que remete diretamente para direito da União ao dispor que “o mandado de detenção europeu é executado (…) em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho”. 16. Por sua vez, o artigo 31.º da Lei n.º 65/2003, sob a epígrafe «Entrega diferida ou condicional», cujos n.ºs 1 e 3 correspondem ao artigo 24.º da DQ 2002/584/JAI, estabelece que: «1 - O tribunal pode, após ter proferido decisão no sentido da execução do mandado de detenção europeu, suspender a entrega da pessoa procurada, para que seja sujeita a procedimento penal em Portugal ou, no caso de já ter sido condenada por sentença transitada em julgado, para que possa cumprir, em Portugal, a pena respectiva. 2 - Quando deixem de se verificar os motivos que justificaram o diferimento da entrega, o tribunal informa a autoridade judiciária de emissão e é acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias. 3 - Em lugar de diferir a entrega o tribunal pode decidir entregar a pessoa procurada ao Estado membro de emissão, temporariamente, em condições a fixar em acordo escrito com a autoridade judiciária de emissão, vinculativo para todas as autoridades do Estado membro de emissão.» 17. Chamado a interpretar o artigo 24.º, n.º 1, da DQ 2002/584/JAI, no acórdão de 08.12.2022, proferido no processo C‑492/22 PPU, CJ, o TJUE, na linha do decidido nos acórdãos 25.01.2017, Vilkas, C‑640/15, sobre interpretação do artigo 23.º, e de 28.04.2022, C e CD (Obstáculos jurídicos à execução de uma decisão de entrega), C‑804/21 PPU, declarou: «1) O artigo 24.º, n.º 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI (…) deve ser interpretado no sentido de que: a decisão de diferir a entrega prevista nesta disposição constitui uma decisão sobre a execução de um mandado de detenção europeu que, por força do artigo 6.º, n.º 2, desta decisão‑quadro, deve ser tomada pela autoridade judiciária de execução. Quando tal decisão não tiver sido tomada por essa autoridade e os prazos previstos no artigo 23.º, n.ºs 2 a 4, da referida decisão‑quadro tiverem terminado, a pessoa que é objeto do mandado de decisão europeu deve ser posta em liberdade, em conformidade com o artigo 23.º, n.º 5, da mesma decisão‑quadro. 2) O artigo 12.º e o artigo 24.º, n.º 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 (…) devem ser interpretados no sentido de que: não se opõem a que uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, cuja entrega às autoridades do Estado‑Membro de emissão foi diferida para efeitos de procedimento penal instaurado contra ela no Estado‑Membro de execução, seja mantida em detenção neste último, com base no mandado de detenção europeu, durante a tramitação do procedimento penal em causa. (…)». 18. Da fundamentação deste acórdão podem apreender-se algumas ideias essenciais de interesse para o que agora releva, em matéria de determinação e observância dos prazos de detenção após a decisão de execução do MDE. Em primeiro lugar, uma decisão de adiamento da entrega “na medida em que constitui uma decisão relativa à execução do mandado de detenção europeu, é da competência exclusiva da autoridade judiciária de execução, por força do artigo 6.º, n.º 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 (§52)”, a que corresponde o artigo 15.º da Lei n.º 65/2003, ]; “na falta de intervenção de uma «autoridade judiciária de execução» na adoção de uma decisão de diferir a entrega da pessoa procurada, essa decisão não cumpre os requisitos formais previstos no artigo 24.º, n.º 1, desta decisão‑quadro (…)” (§57), pelo que “quando a decisão de adiamento da entrega não foi tomada por uma «autoridade judiciária de execução» a autoridade competente do Estado‑Membro de execução é obrigada, em conformidade com o artigo 23.º, n.º 5, desta decisão‑quadro, a pôr a pessoa procurada em liberdade, sem prejuízo da aplicação das medidas que essa autoridade considere necessárias, ao abrigo do artigo 12.º desta decisão‑quadro, a fim de evitar a fuga dessa pessoa” (§60). Porém, o TJUE reconhece que não resulta da redação do artigo 24.º, n.º 1, “que estas disposições se opõem à manutenção em detenção da pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro de execução, quando contra essa pessoa é movido um procedimento penal no referido Estado‑Membro por uma infração cometida neste último e diferente da que determinou esse mandado” (§70). Em segundo lugar, “a entrega diferida pelos motivos referidos no artigo 24.º, n.º 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 constitui uma regra especial e distinta em relação às modalidades de execução da entrega previstas no artigo 23.º” (§72). Consequentemente, “os prazos previstos no artigo 23.º, n.º 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 não se aplicam à hipótese de entrega diferida prevista no artigo 24.º e é, portanto, com base no artigo 12.º desta decisão‑quadro [a que corresponde o artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003] que a autoridade judiciária de execução pode decidir manter em detenção a pessoa objeto de um mandado de detenção europeu” (§73), pois que, “se não fosse possível manter essa pessoa em detenção durante o período que decorre até à data para a qual a sua entrega foi adiada ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, isso aumentaria inegavelmente o risco de fuga dessa pessoa e, assim, de a boa execução do mandado de detenção europeu de que a mesma é objeto ser comprometida” (§75). 19. Não se pronunciou o TJUE sobre a possibilidade de manutenção da detenção em caso e para efeitos de entrega temporária, em vez de entrega diferida, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º da DQ 2002/584/JAI, a que corresponde o artigo 31.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003. Não obstante, por identidade de razão, não se vendo justificação para se concluir diversamente, dever-se-á aplicar idêntico critério. Assim, não sendo aplicável o prazo de 10 dias fixado no artigo 23.º, n.º 1, da DQ 2002/584/JAI (artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003), a unidade e coerência do sistema, em interpretação conforme ao direito da União, na interpretação que lhe é dada pelo TJUE, permitirão também que, de acordo com o direito interno, a pessoa procurada se mantenha em detenção pelo tempo estritamente necessário fixado pela autoridade judiciária de execução para que se conclua o acordo sobre a entrega temporária e para que esta se efetive, com base no artigo 12.º da DQ 2002/584/JAI (artigo 18.º, n.º 3, da Lei 65/2003). 20. O que vem de se dizer, fixando os parâmetros normativos a ter em consideração, permite dar resposta segura à questão de saber se a atual situação de detenção do requerente tem ou não fundamento legal. E tal resposta não pode deixar de ser negativa. 21. Como se viu, o acórdão proferido pelo tribunal da relação, no final do processo de execução do MDE “deferiu” a execução do MDE “para entrega do requerido ao estado de emissão”. Nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 65/2003, que concretiza a norma do artigo 6.º, n.º 2, da DQ 2002/584/JAI – segundo a qual a autoridade judiciária de execução é a autoridade judiciária do Estado-Membro de execução competente para executar o MDE nos termos do direito desse Estado –, o Tribunal da Relação é a autoridade judiciária competente para o processo judicial de execução do MDE. O julgamento é da competência da secção criminal (n.º 2 do mesmo preceito, artigo 12.º, n.º 3, al. c), do CPP e artigo 73.º, al. d), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), que funciona com três juízes (artigo 12.º, n.º 4, do CPP), pelo que a decisão reveste a forma de acórdão (artigo 97.º, n.ºs 1 e 2, do CPP). Competia, assim, ao Tribunal da Relação, através de acórdão, proferir decisão sobre a execução do MDE (artigo 22.º da Lei n.º 65/2003), e, então, proferida essa decisão, decidir se era caso de suspender a entrega da pessoa procurada, para ser sujeita a procedimento penal em Portugal ou se, em vez disso, era caso para entregar a pessoa procurada ao Estado membro de emissão, temporariamente, em condições a fixar em acordo escrito com a autoridade judiciária de emissão, vinculativo para todas as autoridades do Estado membro de emissão, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 31.º da Lei n.º 65/2003. O acórdão proferido nada disse sobre o diferimento da entrega nem sobre a entrega temporária, nos termos deste preceito. Não consta que tivesse ocorrido motivo de força maior que impedisse a entrega em dez dias ou que a entrega devesse ser suspensa por motivos humanitários. Pelo que o prazo de entrega do detido ao Estado de emissão do MDE era o prazo de dez dias a contar da decisão definitiva, fixado no artigo 29.º, n.º 2, a Lei n.º 65/2003. 22. Como também se viu, o acórdão transitou em julgado no dia 16.06.2023, data a partir da qual começou a correr o prazo de 10 dias para efetivação da entrega. Nenhum dos atos processuais posteriormente praticados teve por efeito suspender, interromper ou prolongar tal prazo para além do limite máximo de 10 dias. Não tiveram esse efeito nem a promoção do Ministério Público de 21.06.2013, no sentido de serem solicitadas garantias ao Reino de Espanha de devolução do detido para cumprimento de pena, nem o despacho da Senhora Juíza Desembargadora relatora que deferiu tal promoção, nem o despacho do Senhor Juiz Desembargador de turno, de 17.07.2013, que ordena a entrega temporária (melhor dito: declara que “será de entregar temporariamente o requerido”) “às autoridades do Reino de Espanha, sujeita à condição do requerido AA ter de regressar a Portugal a fim de cumprir as penas que, eventualmente, lhe vierem a ser aplicadas nos referidos processos já conhecidos nos presentes autos”. Para além de ter sido proferido após o termo final do prazo de 10 dias para entrega, este despacho não prolongou nem fez renascer esse prazo, nem fixou qualquer prazo para entrega temporária, nomeadamente com base no artigo 12.º da DQ 2002/584/JAI (artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003), que agora pudesse ser convocado, independentemente da questão de saber da competência do juiz singular para o determinar, sendo que o seu objeto não diz respeito à execução do acórdão sobre a execução do MDE, mas a matéria que nele deveria ser apreciada e decidida. 23. Pelo exposto e em síntese, mostrando-se ultrapassado o termo do prazo de 10 dias fixado no artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 para entrega do requerente à autoridade de emissão do MDE e não tendo sido fixado qualquer outro prazo em que legalmente se pudesse fundamentar a manutenção da detenção, impõe-se concluir que a situação de detenção é ilegal por se manter para além do prazo fixado na lei, nos termos da al. c) do n.º 2, do artigo 222.º do CPP. Assim devendo ser ordenada a imediata libertação do detido (artigo 223.º, n.º 4, al. d), do CPP).
III. Decisão 24. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea d), do artigo 223.º do CPP, acorda-se na secção criminal em declarar ilegal a prisão e, consequentemente, em ordenar a imediata libertação do peticionante AA, se não houver outro motivo que justifique a privação da liberdade. Passe mandado de libertação. Comunique de imediato ao proc. 257/23.9YRLSB do Tribunal da Relação de Lisboa, para conhecimento e ponderação de aplicação de medida de coação não detentiva. Sem custas.
Supremo Tribunal de Justiça, 26 de julho de 2023.
José Luís Lopes da Mota (relator) Leonor Furtado Maria Teresa Féria de Almeida Luís Espírito Santo |