Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1570/03.7TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TRANSPORTE DE COISA EM VEÍCULO
RESPONSABILIDADE CIVIL
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 387º, 483º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 668º, 722º, 729º
CÓDIGO DA ESTRADA, ARTIGOS 56º E SEGS.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DE 21 DE MAIO DE 2008 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B1567).
Sumário :



1. As regras do Código da Estrada que proíbem, sancionam ou condicionam o transporte de objectos de grandes dimensões, em especial os seus artigos 56º, nº 1, f), 57º e 58º, nº 1, completadas com a regulamentação constante da portaria nº 387/99, de 26 de Maio, não têm como objectivo proteger os proprietários das coisas transportadas, mas sim a segurança da circulação rodoviária.
2. Está vedado ao Supremo Tribunal da Justiça a análise da culpa no plano dos factos, neste incluídas as conclusões de facto que se possam retirar do que ficou provado. Mas nada o impede de verificar se os factos provados são suficientes para o preenchimento do pressuposto da culpa, tal como exigido pelos artigos 483º e 487º, nº 2, do Código Civil
3. É exigível a um transportador profissional que tenha em consideração o percurso que vai realizar e que tome as precauções necessárias para o efeito, nomeadamente assegurando-se devidamente das dimensões totais do transporte.


Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. H..., Sociedade de Meios Aéreos, Lda, instaurou no Tribunal da Comarca de Cascais uma acção contra T... – Transportes Internacionais Portugueses, Lda e Transportes T...N..., Lda, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização de € 422.477,66 (€ 270.760,16 de danos emergentes e € 151.717,50 de lucros cessantes), com juros legais, contados da citação até integral pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter contratado com a primeira ré o transporte de um helicóptero, de que é proprietária, entre Lisboa (Algés) e São Miguel, Açores, e novamente entre São Miguel e Lisboa (Algés), de onde seguiria, por via terrestre, para o Aeródromo Municipal de Cascais, em Tires (São Domingos de Rana); que a primeira ré contratou com a segunda o transporte terrestre; que, no dia 9 de Abril de 2002, quando era transportado de Algés para Tires, o helicóptero bateu numa ponte aérea situada na auto-estrada A5, ficando seriamente danificado; que suportou as despesas de reparação (€ 410.543,78), das quais a primeira ré lhe pagou € 50.000,00 e a seguradora respectiva € 89.783,62; que, em consequência do acidente, o helicóptero esteve impedido de voar durante mais de nove meses, deixando assim de obter a quantia de € 825,00 por hora de voo que cobraria; que ambas são responsáveis, a primeira ré ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho, a segunda nos termos dos artigos 497º, nº 1, 500º, nº 1, 512º, nº 1, 518º e 526º, nº 1, do Código Civil.
Ambas as rés contestaram.
A primeira, para além de arguir a incompetência territorial do Tribunal de Cascais, negou ser responsável pelo acidente, provocado pela circunstância de a autora lhe ter indicado uma altura do helicóptero inferior à real.
A segunda sustentou ser parte ilegítima, porque são a autora [“se não avisou a T... (…) de que o objecto a transportar tinha altura superior ao normal”] e a primeira ré (“se esta entidade sabia da dimensão do objecto a transportar e não avisou a aqui contestante”) as responsáveis pelo acidente, sendo alheia aos prejuízos invocados.
Houve réplica.
Pelo despacho de fls. 162 foi determinada a remessa do processo para o Tribunal de Oeiras, com o fundamento de que a “causa de pedir é um acidente de viação (…) e, por isso, um ilícito de natureza extra-contratual” – nº 2 do artigo 74º do Código de Processo Civil.
Veio a final a ser proferida a sentença de fls. 428, do Tribunal da Comarca de Oeiras, julgando a acção parcialmente procedente. As rés foram solidariamente condenadas no pagamento à autora da quantia de € 370.216,38, com juros de mora desde a citação até efectivo pagamento.
Em síntese, entendeu-se:
– Quanto à primeira ré, que, “quer se qualifique o acordo celebrado” com a autora “como contrato de trânsito, quer se qualifique o mesmo como contrato de transporte (…), responderá sempre perante a autora, por força” do artigo 15º, nº 1 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho, ou do 383º do Código Comercial, “e por ser ela o sujeito da relação contratual que estabeleceu com a autora”;
– Quanto à segunda, que responde nos termos da responsabilidade extra-contratual, essencialmente por ter culposamente violado as regras dos artigos 56º, nº 3 f) e 58º, nº 1 do Código da Estrada, dando causa ao acidente – artigos 483º, nº 1 e 497º, nº 1 do Código Civil:
“É certo que se provou que, na verdade, a altura do helicóptero não era a indicada pela autora à 1ª ré e por esta à 2ª ré, ou seja, 3,14 m, mas sim, 3,34 m. Contudo, tal circunstância não vem alterar ou excluir a responsabilidade da 2ª ré, pois, e ainda que a altura do helicóptero fosse de 3,14, sempre a distância entre o nível do solo e o topo da carga seria superior à permitida por lei, nos termos previstos no art. 56º nº 3 al. f) do Código da Estrada, para além de que tal transporte, por envolver o trânsito de veículo de dimensões superiores às legalmente fixadas e por efectuar o transporte de um objecto indivisível, que excedia os limites da respectiva carga, carecia de autorização especial, nos termos do disposto no artº 58º nº 1 do mesmo diploma legal, o que, também, não foi observado, nem respeitado, pela ré transportadora”)
E a sentença concluiu que “A 1ª ré é, assim, responsável perante a autora (não obstante esse incumprimento se ter ficado a dever à actuação de um terceiro, a que recorreu), sendo-lhe imputável o incumprimento do contrato que celebrou com a mesma, daí advindo a legal consequência de ter que a indemnizar pelos prejuízos sofridos, enquanto a 2a ré é responsável solidária com a mesma, por força do disposto nos arts. 483° n° 1, 497° nº 1, 512°, 517° n° 1, 518° e 526° n° 1, todos do Código Civil e na esteira do entendimento tecido nos citados Acs. do STJ de 15.07.93, in C.J. AcSTJ, 1993, vol. III, p. 88 e de 27.06.2006 (Processo 06A1640), in www.dgsi.pt).

2. A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 602, que negou provimento às apelações das rés.
Relativamente à primeira, a Relação observou que não tomou as medidas necessárias para a segurança e conformidade legal do transporte: “tivesse a recorrente actuado de acordo com as obrigações que resultam da actividade que exerce e o acidente não teria ocorrido (…). (…) ao contrário do que pretende a recorrente T..., os danos verificados no helicóptero, consequência do acidente, não se ficaram a dever a culpa da A., não resultando, pois, afastada a sua responsabilidade contratual”.
No que toca à segunda, a Relação confirmou que “foi (…) a omissão da observância dos referidos normativos legais que deu azo ao acidente”:
“(…) não se diga que, ainda que tivesse sido pedida tal autorização (de transporte especial ocasional) o acidente teria ocorrido porque a altura indicada não era a correcta, não tendo sido a omissão daquelas regras estradais que determinou a ocorrência do acidente.
É que para formular o requerimento de tal transporte, deve o respectivo processo ser instruído com o desenho cotado do conjunto do veículo e carga, à escala adequada, o que implicaria sempre a respectiva medição (art. 21º, nº 2 do RAET).”

3. Ambas as rés recorreram; e os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos como revista, com efeito devolutivo.
No entanto, o recurso interposto pela ré T... – Transportes Internacionais Portugueses, Lda., foi julgado deserto (despacho de fls. 801).
Nas alegações que apresentou, e que acompanhou com um parecer jurídico, a recorrente Transportes T...N..., Lda., formulou as seguintes conclusões:

«1ª) A aqui apelante apresentou a sua contestação, tendo posteriormente sido realizado o Julgamento em Primeira Instância, sendo a mesma condenada em termos solidários com a outra R. em 370.216,38 €, mais juros a partir da citação.
2a) A aqui apelante recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo impugnar a matéria de facto constante dos quesitos 4, 5, 11 a 16, 23 a 25, 28 e 29, da Base Instrutória, nos termos constantes de fls... do recurso apresentado para o Tribunal da Relação, cujo matéria não foi alterada por este douto Tribunal, para a qual se remete os Exmos. Conselheiros, devendo a mesma ser alterada como então pedido.
3) A Recorrente não pode concordar com tal posição do douto Tribunal da Relação de Lisboa, porque, existe uma contradição entre com matéria dada como provada, como a seguir se indica.
4) A folhas 11 do douto acórdão é dito que:
" /) ... e com uma altura de 3.14 m. (resposta ao art. º 6 da base instrutória) "
5) Por outro lado, vem o douto acórdão a folhas 11 al. R) dizer o seguinte:
" R) A altura do helicóptero é de 3,34 m (resposta ao art. º 21 da base instrutória) "
6) A informação dada pela 1 a R. à 2a R. aqui apelante continua com o seu "chorrilho" de informação falsa, tendo culminado com um fax que dizia:
" Caro Sr. David,
Conforme nossa conversa telefónica, pelo presente confirmamos transporte do Helicóptero, em plataforma de 40, na TMYU 470 709/5, desde o cais de Santos até ao aeródromo de Tires.
Conforme combinado, por favor levantem a plataforma no cais de Santos amanhã, 09/04/2002 à 1ª hora, e entreguem na seguinte morada:
H...
Aeródromo Municipal de Cascais Hangar 4
Tires
2785 - 632 S. Domingos de Rana
Sr. AA/ Sr. BB
A H... aguarda a chegada do carro a meio da manhã
Para levante da plataforma, devem dirigir-se ao escritório da T&M - D. CC para levantara documentação. Em seguida devem dirigir-se ao cais e pedir para falar com Sr. DD, que já está informado da situação".
7) No presente caso, temos duas realidades distintas, uma em que a recorrida informa a lª R., que o objecto a transportar tem 3,14 m de altura e a outra sendo esta verdadeira na realidade, que o objecto a transportar tinha 3,34 m de altura, ou seja, mais 20 cm.
8) Caso a informação transmitida pela A. à 1 a R. e a informação que esta passou para a 2a R., aqui apelante, fosse verdadeira, o helicóptero não embatia no viaduto, porque, somando altura do helicóptero (3,14m), mais altura da flet (30cm), mais altura do camião (l,28m) perfazia tudo (4,62m) e o viaduto tinha na parte mais baixa (5,10m).
9) Em face dessa omissão de informação, temos de concluir que por esta via, não existe para com a R. Transportes T...N... Lda., a obrigação de indemnizar, por lhe ter sido omitida informação (arts. 486°,483°, 562° todos do Código Civil).
10) Acresce a isto tudo, que a 2a R. recebeu uma informação – como referido na conclusão 6a – que o helicóptero era para ser levantado as 8h de manhã e entregue no Aeródromo de Tires, o que indiciava, sem qualquer margem para dúvidas que o transporte era normal, não estando sujeito a qualquer norma de segurança adicional.
11) Por outro lado, não foi a 2a R., aqui apelante, que acondicionou o helicóptero na flet, não tendo por isso qualquer responsabilidade no seu acondicionamento.
12) À aqui apelante foram omitidas informações importantes para que o transporte fosse feito com sucesso, estas omissões não obrigam a 2a R. a indemnizar o faltoso (a A e 1ª R.), nos termos do art. 486º do Código Civil, o qual disse:
"As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente de outros requisitos legais, havia, por força de lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.”
13) Verifica-se pelo referido nas conclusões anteriores, que a informação transmitida pela Autora à 1ª R. e esta informação passada pela 1ª R. a 2a R., foi falsa, porque, o helicóptero não tinha 3,14 m de altura, mas 3,34 m, que o transporte o era para se fazer a 1ª hora de manhã, e dado a sua dimensão não podia ser transportado aquela hora.
14) Sobre o caso "sub judice", conclui o douto parecer do Prof. António Menezes Cordeiro, para onde se remete os Excelentíssimos Conselheiros, dizendo:
"1ª A norma de protecção violada não proibia o transporte: proibia-o, sim, sem autorização especial.
2a Se essa autorização tem sido pedida (certamente e sem culpa, com base nos dados errados fornecidos), ela teria sido concedida, uma vez que as dimensões (falsamente) comunicadas ao transportador (5,07m) permitiam a sua passagem, sem embates.
3a Mesmo com autorização, o acidente dar-se-ia, uma vez que, na realidade, o conjunto media mais 20 cm do que o informado.
4a As dimensões comunicadas (por entidades especializadas e credíveis) eram inexactas; não foi o recorrente quem colocou a carga na plataforma; a mesma viagem já fora feita sem problemas.
5ª Perante as circunstâncias, não era exigível à Recorrente T...N..., Lda., que confirmasse os dados que lhe foram transmitidos, quando às dimensões do helicóptero; a ausência de confirmação não equivale, no caso, a negligência (487°/2 do Código Civil).
6a Não se provou, pois, a culpa por parte da Recorrente, além disso,
7ª A norma de protecção violada não poderia proteger o bem jurídico que, aqui, foi atingido; não se verificou a causalidade exigível pela lógica das normas de protecção.
8a A indicação de dimensões erradas quanto ao helicóptero representa uma violação grave dos deveres profissionais de uma empresa aeronáutica, que, pela sua especificidade, se pode julgar causal do acidente. "
l5a) Todos estes dados relevantes foram postos à consideração dos doutos Tribunais "a quo", tendo os mesmos feito "tábua rasa" de tal informação, omitindo assim o seu dever de apreciar e julgar, cuja conduta leva a nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art. 668° n° 1 al. d) do CPC.
16a) Ao não terem sido apreciadas as condutas da apelada e da lª R., entidade que contactou com a 2a R. por terem omitido informação para que o transporte fosse efectuado correctamente, também violou a douto Tribunal "a quo" o disposto no art. 15° n° 1, do Decreto-lei 255/99, de 07/07, do art. 383° de Código Comercial.
17a) Em face do exposto, o douto Tribunal da Relação de Lisboa, devia ter revogado a decisão do Tribunal da Primeira Instância e absolver a aqui apelante do pedido.
18ª) Não o tendo feito, os Exmos Desembargadores ‘a quo’ violaram por errada aplicação e interpretação o disposto nos arts. 486º, 483º, 562º do CC, o art. 668º, nº 1 al. d) do CPC, o art. 15º, nº 1 do DL 255/99, de 07/07 e o art. 383º do Código Comercial.
(…) deve o presente acórdão (…) ser revogado e substituído por outro que absolva a aqui apelante Transportes T...N..., Lda., do pedido (…)».

Foi determinado o desentranhamento da alegação da recorrida (despacho de fls. 802).
Pelo acórdão de fls. 808, a Relação pronunciou-se no sentido de decidiu não ocorrer a nulidade arguida nas alegações de recurso

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«A) A 1ª R. acordou com a 2ª R. o transporte por esta, em 9/4/2002, de um helicóptero terrestre monomotor da A., marca E...E..., modelo AS 350 BA, com o número de série 1845 e a matrícula CS-HEN, desde o Cais de Santos do Porto de Lisboa até ao Aeródromo de Tires, no concelho de Cascais (al. A) dos factos assentes).
B) Em 9/4/2002, cerca das 12.00 h., quando o helicóptero era transportado num semi-reboque da 2ª R. pela A5, desde o Porto de Lisboa até ao aeródromo de Tires, ocorreu um acidente de viação ao km. 10,5 (sentido Lisboa/Cascais) con­sistente no embate da parte superior do helicóptero num viaduto que atravessa a A5 junto à área de serviço da Galp de Oeiras (al. B) dos factos assentes).
C) Por conta da reparação dos danos sofridos pelo helicóptero em consequência do embate a 1ª R. entregou à A. a quantia de € 50.000,00 (al. C) dos factos assentes).
D) E a companhia de seguros da 1ª R. procedeu por sua vez ao pagamento à A. da quan­tia de € 89.783,62 (al. D) dos factos assentes).
E) No exercício da sua actividade de aeronáutica civil, na área dos helicópteros, a autora planeou com a 1ª R. o transporte, por via terrestre, do helicóptero referido em A) dos factos assentes, no trajecto compreendido entre Algés e o Cais de Santos (resposta ao art. 1º da base instrutória).
F) E daí para São Miguel (Açores) o transporte do mesmo por via marítima (resposta ao art. 2º da base instrutória).
G) Bem como o regresso do mesmo de São Miguel para o Cais de Santos pela mesma via (resposta ao art. 3º da base instrutória).
H) Seguido do transporte, por via terrestre, do helicóptero do Cais de Santos para Algés (resposta aos arts. 4º e 5º da base instrutória).
I) Aquando da solicitação do transporte do helicóptero a A. comunicou à 1ª R. que se tratava de um helicóptero com uma distância entre patins de 2,17 metros, com um comprimento de 12,94 metros e com uma altura de 3,14 metros (resposta ao art. 6º da base instrutória).
J) Para a concretização do transporte por via terrestre do Cais de Santos para o Aeró­dromo de Tires a 1ª R. efectuou com a 2ª R. o acordo referido em A) (resposta ao art. 7º da base instrutória).
K) Tal como já havia acordado com a 2ª R. o transporte anterior de Algés para o Cais de Santos (resposta ao art. 8º da base instrutória).
L) Tendo nessa altura indicado à 2ª R. que o helicóptero tinha as dimensões de 12,970 metros por 2,170 metros por 3,140 metros (resposta ao art. 9º da base instrutória).
M) E tendo tal primeiro transporte por via terrestre decorrido sem quaisquer proble­mas (resposta ao art. 10º da base instrutória).
N) Não foi a 2ª R. quem procedeu ao acondicionamento do helicóptero na plataforma (resposta ao art. 17º da base instrutória).
O) A plataforma na qual o helicóptero estava acondicionado tinha 65 centímetros de altura (resposta ao art. 18º da base instrutória).
P) A distância da caixa de carga do semi-reboque ao solo é de 1,28 m e a distância da parte superior da plataforma instalada na caixa de carga ao solo é de 1,93 cm (resposta ao art. 19º da base instrutória).
Q) O viaduto no qual ocorreu o embate do helicóptero está colocado sobre a guia contínua à direita a 5,10 m de altura a contar do solo, sobre a guia descontínua ao centro a 5,14 m de altura a contar do solo e sobre a guia contínua à esquerda a 5,20 m de altura a contar do solo (resposta ao art. 20º da base instrutória).
R) A altura do helicóptero é de 3,34 metros (resposta ao art. 21º da base instrutória).
S) Em consequência do embate referido em B) resultou a destruição de toda a engrena­gem mecânica, do motor e da estrutura/célula do helicóptero (resposta ao art. 23º da base instrutória).
T) Ficando assim o mesmo totalmente inutilizado (resposta ao art. 24º da base instrutória).
U) Com deslocações de técnicos da empresa fabricante do helicóptero para efectuar um relatório completo dos danos sofridos pelo mesmo e para efectuar a reparação respectiva, bem como com o diverso material necessário à reparação e com a reparação do motor do helicóptero a autora despendeu em termos globais, pelo menos, 410 mil euros (resposta ao art. 25º da base instrutória).
V) O helicóptero ficou pronto a voar no final do mês de Janeiro de 2003 (resposta ao art. 26º da base instrutória).
W) Desde o ano 2000 que o helicóptero tem vindo a voar ao serviço da A. (resposta ao art. 27º da base instrutória).
X) Efectuando em 2000 uma média mensal de 25.25h de voo, em 2001 uma média mensal de 18.55h de voo e em 2002, até Abril, uma média mensal de 17.50h de voo (resposta ao art. 28º da base instrutória).
Y) Em 2002, o valor por hora de voo era de 800,00 a 850,00 euros (incluía combustível e piloto) (resposta ao art. 29º da base instrutória).»

5. Está pois em causa, apenas, o recurso interposto pela segunda ré, Transportes T...N..., Lda. As questões a apreciar, como decorre do disposto no nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, são as seguintes:
– nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia;
– alteração da decisão sobre a matéria de facto;
– inexistência da obrigação de indemnizar.

6. Não procede a arguição de nulidade, pelas razões constantes do acórdão de fls. 808: não ficou por apreciar nenhuma questão que devesse ser julgada.
Tem-se como certo que a informação a que a recorrente se refere quando, na conclusão 15ª, afirma que ocorreu nulidade porque o acórdão recorrido fez “tábua rasa” dos “dados relevantes” colocados à sua disposição, é a que resulta dos pontos 14 a 29, sintetizada no ponto 28 das alegações.
No entanto, a questão da exclusão da responsabilidade da recorrente com base na falta de informações ou tendo em conta as que lhe foram prestadas foi tratada no acórdão, como se pode ler a fls. 622 e 623. O acórdão não acolheu a argumentação construída pela recorrente, mas isso não provoca nulidade.

7. Na conclusão 2ª, a recorrente remete para a alegação apresentada no recurso de apelação, na parte em que pretendeu a modificação de alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto.
Conforme diz (ponto 12 da alegação), “alegou [então] prova testemunhal e documental a qual indicava que os quesitos 4, 5, 11 a 16, 23 a 25, 28 e 29 da Base Instrutória, tivessem resposta diferente, conforme alegado no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, para tal alegação se remete”.
Não pode o Supremo Tribunal da Justiça aceitar uma remissão feita nestes termos. A Relação apreciou esta parte do recurso, indeferindo a alteração pretendida; o objecto do recurso para o Supremo Tribunal da Justiça é o acórdão da Relação, pelo que a alegação teria que incidir sobre o mesmo.
De qualquer modo, nunca o Supremo Tribunal da Justiça poderia alterar a decisão de facto, por não ocorrer nenhuma das hipóteses contempladas no nº 2 do artigo 722º e no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil.

8. Finalmente, a recorrente sustenta não estar obrigada a indemnizar a autora, porque a causa do embate foi a falta de informação sobre as verdadeiras dimensões do helicóptero, somada à indicação sobre a hora a que o transporte devia ser efectuado e à circunstância de não ter sido ela a acondicioná-lo.
Como ambas as instâncias entenderam, a procedência do pedido de indemnização, formulado pela autora directamente contra a recorrente Transportes T...N..., Lda., depende de que, quanto a esta, estejam verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Ora antes de mais, cumpre ter presente o seguinte:
– Não existindo qualquer relação contratual entre a autora e a ora recorrente, é efectivamente à luz das regras da responsabilidade extra-contratual (artigos 483º e segs. do Código Civil) que o pedido de indemnização contra ela directamente formulado tem de ser apreciado;
– Contrariamente ao que a recorrente insiste em afirmar nas alegações (cfr. ponto 19 e conclusão 8ª), o que resulta da prova é que a soma dos diversos “componentes” da altura total, se a altura efectiva do helicóptero fosse apenas 3,14m, corresponderia a 5,07m e não a 4,62m;
– Não se compreende o apelo feito nas alegações ao regime do artigo 486º do Código Civil, nos termos em que a recorrente se exprime; o que a recorrente afirma (conclusão 12ª) é que “à aqui apelante foram omitidas informações relevantes para que o transporte fosse feito com sucesso, estas omissões não obrigam a 2ª R. a indemnizar o faltoso (a A e 1ª R), nos termos do art.486º do Código Civil (…)”;
– As regras do Código da Estrada que proíbem, sancionam ou condicionam o transporte de objectos de grandes dimensões, em especial os seus artigos 56º, nº 1, f), 57º e 58º, nº 1, completadas com a regulamentação constante da portaria nº 387/99, de 26 de Maio, não têm como objectivo proteger os proprietários das coisas transportadas, mas sim a segurança da circulação rodoviária;
– Não há qualquer dúvida de que foi por acto da recorrente que o helicóptero veio a embater na ponte, que esse acto violou o direito de propriedade da autora sobre o helicóptero e que ocorreram danos decorrentes desse embate; estão pois assentes os correspondentes pressupostos da responsabilidade civil.
Nesta afirmação vai implícita a ilicitude (violação do direito de propriedade da autora) do acto (embate) e o nexo de causalidade entre esse acto e os prejuízos: a causa dos danos foi o embate (não a incorrecção das medidas do helicóptero ou a falta de obtenção da licença administrativa necessária para o respectivo transporte).

9. Na verdade, a discordância entre a recorrente e as instâncias situa-se no domínio da culpa: saber se a recorrente agiu com a diligência que era exigível para evitar o dano (cfr. artigo 387º do Código Civil) ou se este resultou (exclusivamente, como sustenta a recorrente) de culpa do lesado (a autora), que prestou (à 1ª ré, que as transmitiu à recorrente) informações falsas sobre as dimensões do helicóptero.
Está vedado ao Supremo Tribunal da Justiça a análise da culpa no plano dos factos, neste incluídas as conclusões de facto que se possam retirar do que ficou provado. Mas nada o impede “de verificar se os factos provados são suficientes para o preenchimento do pressuposto da culpa, tal como exigido pelos artigos 483º e 487º, nº 2, do Código Civil”, como se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Maio de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B1567).
Como ali igualmente se disse, essa aplicação traduz-se em determinar se o (concreto) agente actuou com o grau de diligência que lhe seria exigível, e que a lei fixa fazendo apelo àquela que (abstractamente) teria um homem médio, colocado nas circunstâncias concretas do caso (conceito objectivado de culpa). Só que, também aqui têm cabimento as considerações então expendidas sobre o grau de diligência exigível. A recorrente é uma empresa transportadora, o que permite esperar a diligência própria “de um profissional da área, medianamente competente e cuidadoso (…), colocado nas circunstâncias” da recorrente.
Não é adequado o critério que a recorrente enunciou na sua contestação, quando afirmou que “aquele carregamento, visto a olho nu, por um homem médio, não se apercebia que uma peça do helicóptero viesse a embater na ponte” (artigo 9º).
É exigível a um transportador profissional que tenha em consideração o percurso que vai realizar e que tome as precauções necessárias para o efeito, nomeadamente assegurando-se devidamente das dimensões totais do transporte – dimensões totais que só ele, e não o proprietário, está em condições de verificar. É manifesto que a altura da coisa transportada é apenas um dos elementos a considerar para saber qual a altura que vai do solo até ao topo da carga.
Recorde-se a propósito que, como resulta da confrontação entre as respectivas alegações e o que ficou provado (cfr. em especial os pontos princípio e R da lista de factos provados), o erro da recorrente não incidia apenas na altura do helicóptero, pois afirma que, se a altura do helicóptero fosse de 3,14 m, a altura total seria de 4,62 m, quando, na realidade, seria de 5,07 m.
Está pois assente a culpa da recorrente, sem que as considerações expendidas sobre a normalidade do transporte ou sobre a circunstância de não ter procedido ao acondicionamento do helicóptero a possam afastar.

10. A terminar, recorda-se que não está em causa nesta acção qualquer direito que a recorrente eventualmente possa exercer contra a primeira ré, à luz do contrato entre ambas celebrado.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Junho de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso